Então esse diagrama que mapeia as redes de influências e fontes principais, movimentos que influenciaram o pensamento do Vera Pinto, ele está centrado em três grandes obras do Vera Pinto. A primeira é a Consciencialidade Nacional, de 1960, a segunda é o Ciencias e Existência, de 1969, e a terceira é o Conselho de Tecnologia, escrito em 1973, mas publicado apenas em 2005, uma obra póstuma, porque os escritos tinham sido perdidos, mas esse foi um daqueles que foi recuperado a tempo de publicar. E eles representam, talvez, a maturidade do pensamento do Vera Pinto em três diferentes momentos históricos, digamos assim, o momento de agitação política, efervescência, a respeito da identidade nacional e uma possibilidade real de revolução brasileira, e isso é uma das temáticas que motiva o Vera Pinto a escrever o Consciencialidade Nacional enquanto ele faz parte do ISEB, que é um instituto que foi acolhido pelo Ministério da Educação para pensar a ideologia do desenvolvimento nacional. Acabam fazendo muitas posições críticas em relação à postura até a política pública da época, principalmente no quesito à relação com o capital estrangeiro. A política pública naquela época era muito acolhedora do capital estrangeiro, porque acreditava que ele poderia produzir desenvolvimento nacional. Isso era a postura de uma parte do ISEB, o Elijo Aguaribi defendia que tudo bem entrar capital estrangeiro. Já a ala mais crítica e orientada, que fez gradualmente mais ao marxismo, na qual incluiu Vera Pinto, eles vão ser contra o capital estrangeiro ou vão colocar o capital estrangeiro dentro de uma parcela limitada do processo de desenvolvimento. Vão enfatizar muito mais a necessidade de construir uma burguesia nacional e uma aliança entre a burguesia nacional e o trabalhador nacional. Então isso vai dar a ser depois, muito depois, ao conceito de pacto social que o governo do PT promoveu, principalmente na época do governo Lula, que é os trabalhadores trabalhando junto com a burguesia nacional para promover a solução das contradições mais fundamentais da sociedade, no sentido de ter, por exemplo, acabar com a fome e outras coisas mais antes de decidir, antes de discutir a questão de aliança de regime econômico, de produção capitalista para uma produção socialista, vamos fazer um pacto para a gente poder ter as condições mínimas para poder ter um socialismo, talvez ou talvez não. Então nessa época, em 1960, isso é bem importante perceber, a esquerda, uma boa parte da esquerda aceitou fazer esse pacto com a burguesia e dão origem a esse desenvolvimento, uma ideologia do desenvolvimento e a superação do subdesenvolvimento como sendo prioridade em relação à superação da luta de classes. Então a contradição básica que o Velepito vai explicar nesse livro, Consciencialidade Nacional, é a contradição entre a metrópole e a ex-colônia ou a colônia. E ele vai falar, não adianta a gente querer pular para o socialismo sem ter que ter primeiro com essa dependência econômica, mas também uma dependência cultural. Nesse sentido, ele vai explorar elementos dessa equação que a teoria da dependência marxista não explora tanto, que tem tudo a ver com o que a gente estava discutindo agora há pouco sobre as suas influências, que vem lá do movimento modernista, passando aí pelo integralismo e também pela outro caminho que esse movimento se desenvolveu, que foi um pensamento antropófego que vai dar origem aos centros populares de cultura, os CPCs da UNE, e o Velepito vai fazer esse trânsito aqui, vai passar inicialmente da influência mais de direita do integralismo, que inicialmente nem era tão direita assim, ela vai se radicalizando, a forma que vai passando o tempo, e ela vai se alinhando cada vez mais a um movimento que também não era muito de esquerda, mas que vai se radicalizando também nesse movimento de apoio, o movimento camponês, que era a grande esperança dessa tal, dessa revolução brasileira para alguns setores. O Velepito, nesse livro, vai defender a tese de que a revolução brasileira tem que ser uma revolução de base popular, de baixo para cima, e não uma revolução do tipo golpe, executado por intelectuais que se organizam, como por exemplo foi a revolução Bolchevique, ele está querendo um movimento mais parecido com o que aconteceu em Cuba, por exemplo, só que ele não acha que essa revolução deveria dar origem ao socialismo, acho que essa revolução deveria dar origem a um capitalismo com uma diferença de classes menor, uma coisa assim que ainda seja capitalista, mas que o povo tenha mais espaço, um capitalismo democrático, que poderia ser descrito. Essa tese que ele defende no Conceencialidade Nacional, eu acho que ela acaba sendo repensada por conta do golpe de 64, que é uma contra revolução, digamos assim, essa revolução popular estava se articulando, tinha espaço para acontecer o presidente da época, o João Goulart, ele tinha condições de promover uma revolução socialista se ele quisesse, já tinha os rios de esquerda muito bem organizados, só que ele não quis fazer isso, enfim, a elite política decidiu manter o campo democrático ali aberto de maneira ambígua, trabalhando com categorias que misturavam o pensamento socialista com o capitalista, até o momento que vem a ruptura democrática com o golpe de 64, aí sim se estabelece uma hegemonia de pensamento de direita, que vai também inicialmente ser mais democrática do que depois. Os primeiros anos da ditadura cívico-militar não eram tão terríveis quanto vão ser, por exemplo, a partir de um AI-5, onde vai ser realmente seceadas liberdades em várias maneiras e também vai haver uma perseguição direta aos comunistas. O Vera Pinto, ele é um cara que é perseguido desde o primeiro dia do golpe de 64, o Izeb, esse instituto é destruído, ele é saqueado, eles vão lá e demolem o negócio e oficialmente fecham logo nos primeiros dias de instalação do governo cívico-militar. E por isso o Vera Pinto, ele não vai nem esperar para ver o que vai acontecer, você vai ser preso, torturado, ele vai embora do Brasil e imediatamente vai vir para a Iugoslávia, ele fica lá há mais ou menos um ano. Eu não sei exatamente por que ele escolheu, mas eu suponho que era um dos países onde mais se desenvolveu, eu acho que era porque era um dos países que mais se desenvolveu o pensamento internacional terceiro mundista. A Iugoslávia, embora fizesse parte do eixo de colaborações da União Soviética, ela não fazia parte da União Soviética e ela também não era completamente socialista, quer dizer, eles eram socialistas, mas eles não eram tão radicais quanto a União Soviética, eles tinham contato e abertura para diálogo com o capitalismo. Então eu tive a oportunidade de conhecer croatas que fizeram parte da Iugoslávia e eles comentavam que eles tinham muito mais liberdades do que os outros países soviéticos no sentido de trânsito e até de comércio com os países capitalistas. Então era muito comum os Iugoslavos gastarem o dinheiro extra que sobravam deles na Itália ou nos países capitalistas ao redor, trazendo esses produtos de consumo que não tinha lá dentro da economia socialista como uma importação e isso era aceito pelo regime, quer dizer, eles não sofriam sanções por isso, como era nesses países soviéticos que tentavam fechar a barreira de importação, a barreira de migração e por aí vai. Fora a questão toda da democracia também dentro da União da Iugoslávia que era pautada no conceito de autogestão. Um dos pesquisadores marxistas que mais estudou e colaborou inclusive foi o Henri Lefevre, tem um tratado sobre autogestão, tem escritos também sobre lógica dialética e eu suponho que Henri Lefevre influenciou vira pinto, mas eu ainda não encontrei uma referência direta ao trabalho do Lefevre. Encontrei a referência indireta de Guerreiro Ramos, acho que foi o Lefevre ou com outros membros do Izeb que leram o Lefevre. Mas voltando para a questão do Izeb, o Izeb acaba sendo desmontado, vira pinto, vai para fora, fica lá em exílio um ano, não se dá bem, não consegue se encaixar, sente muita falta da pátria, a língua é difícil para ele se encaixar e tudo mais e aí ele está indo para o Chile a convite do Paulo Freire para trabalhar no CELAD, que era um centro de demografia ligado à ONU, influenciado pela CEPAL também, que é fazer parte da ONU também e aí ele vai desenvolver junto com Paulo Freire as ideias fundamentais para tanto sete lições para educação de adultos, que é uma ideia que a gente está começando a olhar, quanto o Pedagogia do Oprimido, que daí é uma obra mais sistematizada desse pensamento. O Freire ele faz menção direta, a gente vai escuter isso na próxima aula, ele agradece direpinto para esse momento de interlocução e o vira pinto também vai fazer isso nas obras posteriores, como Ciência e Existência. No Ciência e Existência, daí depois Gop, ele também elabora o sentido de Ciência e Existência no Chile, nessa época, então uma época bem produtiva para ele e ele vai falar sobre a importância da gente desenvolver uma ciência que seja a autoconsciência, não seja a ciência para o outro, ciência para produzir ciência que vai ser usada pelos países centrais, os países metropolitanos e ele vai defender uma ciência nossa nacionalista, mas uma nacionalismo autêntico já é muito mais maduro do que esse nacionalismo que ele defende no consciência e realidade nacional. Então a relação entre ciência e entender essa realidade passa por você dominar as leis da natureza e leis que funcionem, então não é só você entender a realidade nacional e as suas contradições históricas, que é o que ele defende no 1960, é de que esse entendimento funcione, é pragmático, ele tem influência do Dewey também, tem influência, inclusive é um pragmático crítico porque ele fala que nessa prática tem que funcionar do ponto de vista teórico, daí é uma outra discussão muito interessante também, esse livro é maravilhoso, só que ele é muito denso, por isso a gente não estuda ele em AVP 1, a gente estuda em AVP 2, não sei se a gente vai estudar na próxima edição, mas é possível que sim, depende aí de quem vier, e esse livro já vai dialogar mais fortemente com outros pensamentos que estão ainda tímidos no consciencialidade nacional, que é o marxismo, por um lado, e o hegelianismo, que aparece no consciencialidade nacional, mas que ficam muito mais maduros no ciência e existência, que tem basicamente uma dialética existencialista da construção de conhecimento, da comunicação, da aprendizagem, da educação, do projeto e de várias outras coisas que entram dentro desse universo que ele considera como sendo ciência, inclusive a própria ideia de universo, de você ter que produzir conhecimentos universais totalizantes, que visam a totalidade e nesse sentido produzir uma consciência política dos problemas no nosso mundo, produzir ciência com o nosso povo para o nosso povo, visando a superação do desenvolvimento do imperialismo, colonização e de outras opressões, nesse livro também ele elabora um pensamento de opressão dialogando com Paulo Freire diretamente, o pedagogia do oprimido, que pode incluir, por exemplo, raça, pode incluir gênero, pode incluir outras coisas também. Uns três anos mais ou menos. O freire acho que ficou um pouco mais, mas mais ou menos o Chile. Foi antes, foi justamente no período em que o Chile ainda era uma das últimas repúblicas democráticas da América Latina antes de ter o golpe do Pinochet e aí... Antes disso eu acho. Mas tem um outro lado de influência a partir do ciência e existência que fica mais consolidado, que é o existencialismo e a fenomenologia russeliana, que vai ser lida muito em partes pelo pensamento do Heidegger. O Heidegger vai desenvolver o conceito de manualidade com outro conceito, o Vera Pinto vai traduzir para o português e ele vai trabalhar isso no consensualidade nacional de uma maneira mais talvez apologética, ele não faz uma crítica direta. No que ciência e existência já começa a elaborar uma crítica, agora essa crítica se torna madura mesmo no conceito de tecnologia. O conceito de tecnologia pode se considerar uma resposta filosófica à tese da tecnológica que o Heidegger e vários outros pensadores ligados ao existencialismo, como Jaspers, e outros que vão falar "olha, técnica pode ocasionar a destruição do ser humano, tem um perigo muito grande, o Vera Pinto vai destruir pedaço por pedaço". Sim, é impressionante como ele consegue elaborar uma teoria da técnica que funciona para um povo subdesenvolvido que não pode ser prescindido do desenvolvimento técnico, que não pode simplesmente dizer "já temos técnicas demais", que é o que essas teorias falam, e ele vai inclusive levantar a raiz nazista desse pensamento, que não é por acaso, né, poucos críticos e debatedores do Heidegger vão esconder isso, mas Vera Pinto já denunciava lá a relação entre esse pensamento crítico da tecnologia e um pensamento derrotista relacionado ao nazismo. Então muitos desses pensadores acreditavam que o nazismo só tinha dado errado porque tinha confiado demais na técnica. É a tese do Heidegger e de outros. E a Vera Pinto já... - Eles culpam a técnica. - Eles culpam a técnica. - Estranho, né? - A manualidade está presente nos três, então. Sim, mas não de maneira direta. A manualidade no Conselho de Tecnologia nem tem mais esse nome, tá? Ele está trabalhando com um conceito que se espalha pela obra toda. Eu não sei exatamente porque que não se refere diretamente, talvez ele tenha querido se distanciar tanto do Heidegger que resolveu não usar mais o termo. Mas ele realmente continua a desenvolver o conceito já em outras categorias também, que aparecem outras coisas que não tem ali, por exemplo, no Ciência e Existência. Mas o ponto é, ele vai pegar esses estudos da ontologia, também tem essa construção de mundo que se estuda na fenomenologia, a interação do lugar do ser humano no mundo, vai dar origem a uma definição do que que é real, o que que não é real, o que existe, o que não existe. E isso para o Vera Pinto e o Freire, mais ainda, o Fanon e outros, é uma questão de quem pode existir e quem não pode. É uma questão política. Quem tem direito de existir? Quem é um ser e quem é um não ser? O Fanon começa o livro dele do "Pele negras, máscaras brancas", que vai ser super influente no Iséb, ele começa dizendo que o negro é aquele ser humano que foi jogado historicamente numa zona do não ser. Ele é tratado como se ele não fosse um ser humano e tudo que ele fosse seria o oposto do que é o branco. Então ele não é nada, ele só é aquilo que ele não é, por isso a zona do não ser. Isso vai ser uma temática fundamental para o Vera Pinto, para o Paulo Freire, para o Augusto Gual também, que também é influenciado pelo pensamento do Fanon. Eles vão elaborar uma saída disso, uma tentativa de saída pela via da cultura, pela via da educação, pela via do desenvolvimento. São questões que o Fanon já dá a letra, então o Fanon, na verdade, ele pode ser considerado um dos principais influenciadores desses três autores que a gente tem. Essa verbense do Fanon é existencialista. E marxista também. Sim. Que era a Algéria e que ele via a possibilidade de uma revolução junto com uma revolução de... Ao mesmo tempo que se quebraria o vínculo colonial e a revolução se quebraria também o vínculo com o capitalismo e com o socialismo. Ele é um terceiro mundista, o Fanon, dos principais pensadores do terceiro mundismo. E, claro, ele prefere, ele está mais alinhado ao socialismo do que ao capitalismo, mas eu acho muito interessante ele colocar assim, não, a gente tem que construir as nossas soluções que vai funcionar para o nosso povo e isso passa, por exemplo, por enfrentar a questão racial, que é uma questão que o socialismo até tem enfrentado de maneira tão explícita quanto nas lutas anticoloniais da África. E só uma coisa, esses críticos, esses pensadores que vêm da nossa história brasileira, eles começam a se perguntar, com essa sacada, quando eles viram, por exemplo, estudando grandes filósofos, e aí eles começam a questionar, eles vão para fora, ou eles... Tem alguma coisa na história em comum de todos eles? Sim. Participar nas lutas, diretamente. Eu acho que é isso que faz a diferença para esses quatro autores que eu mencionei aí. Conversando pelo Fanon, ele muda o pensamento dele na medida que ele participa da guerra, da Segunda Guerra Mundial. Ativamente? Ativamente, nas lutas mesmo. Ele participa da Segunda Guerra Mundial, o Fanon. E aí depois ele começa a escrever, ele vê os negros lutando, os negros que eram senegaleses, lutando pela França, no fronte, e sendo vítimas de preconceito, mas um preconceito do tipo, "não, o negro é mais forte, então ele vai na frente". É, vocês não têm noção. E aí depois a volta desses negros para as suas nações de origem, eles achavam que iam ser heróis, mas aí estavam sendo combatidos porque, na verdade, estavam defendendo o colonizador, imagina? O conflito, né? E daí o Fanon vai escrever o "Pele negra e máscaras brancas" na pós-guerra, como uma reflexão desse momento dele com luta. Isso vai disparar nele uma vontade de continuar lutando, e aí por isso ele vai se mudar da Martinica para a Algéria, servindo como médico psiquiatra, e vai tratar os argelinos que estão se envolvendo com resistência à colonização, estão começando a se organizar, vai perceber complexos psicológicos provocados pela situação colonial, e aí ele vai escrever uma obra que é um clássico do pensamento anticolonial, que é "Os condenados da terra", de 1960. Acho que é publicado em 1962, eu acho, por aí, começo do ano de 60. Esse livro vai ser muito influente no pensamento do Freire, ele vai fazer uma menção direta, inclusive quando perguntam para o Freire qual é o seu lado político, ele vai falar "O meu lado político é dos esfarrapados da terra", que é um outro jeito de falar "Os condenados da terra", então a ligação entre o Freire e Fanon é fortíssima. O Vira Pinto já não é tão alinhado com o Fanon, mas certamente ele tem influências, o Marcos de Freitas fala, menciona essa influência aqui, a gente não encontrou citação do Vira Pinto direta ao Fanon, mas eu encontrei uma citação direta muito boa, que é o seguinte, os autores que o... os mesmos autores que fizeram a tradução, a interpretação do trabalho do Hegel para francês, que eu não me lembro o nome agora, foram os mesmos autores que o Vira Pinto estudou para ler o Hegel, e ele tem umas anotações de estudos do Hegel, que ele não foi publicado, a gente já teve acesso a essas anotações, em que ele menciona esses mesmos autores para reconstituir isso aqui, "Dialética do Senhor Escravo", que é o principal fundamento do pensamento do Fanon, dos estudos derivados do Hegel, que são críticos, como o do próprio Marx, "Dialética do Senhor Escravo" vai ser fundamental para Marx conceitualizar o conceito de luta de classes, e isso vai ser fundamental no Vira Pinto a tal ponto que ele tem uma "Dialética do Senhor Escravo" em relação à tecnologia, com esses termes, no conceito de tecnologia. Ele não menciona "Dialética do Senhor Escravo", que eu me lembre nessas duas outras obras, mas a gente percebe que a categoria de opressão vem possivelmente desse momento. Eu estou estudando para ver se tem alguém antes de Hegel falando sobre opressão, nesses termos ontológicos que ele constrói, e até agora é só conseguir chegar, mais longe que eu cheguei foi no "Gène de la Boti" e o discurso contra a servidão voluntária. Mas isso é já no começo do renascientismo, ainda falta alguns links nesse meio do caminho, a gente está tentando reconstruir a história do pensamento dos estudos de opressão, dessa fenomenologia crítica da opressão, através desses relacionamentos históricos que eu estou compartilhando aqui com vocês. O Vera Pinto, qual é a contribuição principal dele para esses estudos? Tem duas coisas importantes, é a consciência, a relação entre consciência e opressão, que certamente esse livro que a gente vai ler é o mais importante, mas também a relação entre opressão e tecnologia, que é uma coisa que até hoje não se discute muito. Tem poucos tratados mesmo na educação que lidam com essa questão, porque a educação hoje no Brasil é a área que acolheu esses estudos da opressão. Não é uma coisa que deveria ser só da educação, mas como as outras áreas não estão interessadas ainda, é onde se aglutina os estudos de opressão. A gente está aqui no PPGTE tentando aglutinar estudos de opressão no campo do CTS, ciência e tecnologia de sociedade, e o Vera Pinto, óbvio, é uma referência bem importante. Mas os estudos de CTS também têm estudos de opressão, só que por outros vieses, outros caminhos, e não são tão críticos assim quanto, por exemplo, a Fenomenologia Crítica da Opressão. Por que muitas vezes eles vão tomar essa tese da tecnologia como sendo a destruição do ser humano, da tecnologia como sendo antítese do ser humano, como sendo aquela criatura que saiu fora do controle e voltou para nos assombrar. Eles vão aceitar essa tese sem perceber as origens nazistas, fascistas, colonialistas, imperialistas da sua origem. Porque o Vera Pinto no Conselho de Tecnologia vai explicar muito claramente. Essa tese vai fazer os oprimidos terem medo da técnica e da tecnologia, como se fosse algo que eles não pudessem tocar. É tipo aquela explicação de por que manga com leite faz mal na cultura brasileira, porque originalmente a manga, o leite era uma produção para o senhor, era para os escravos ordenhar as vacas, recolher o leite e levar para o senhor. A manga que era uma coisa que dava muito fácil em qualquer lugar naquela época era para os escravos, então era para eles não misturarem, não tomarem junto as coisas. Cria-se a crença de que manga com leite faz mal, que existe até hoje, mas é um ranço escravocrata. É muito curioso que a gente consegue fazer essa crítica sobre manga e leite, mas às vezes não consegue fazer a crítica entre tecnologia e ser humano. E a gente vai, mesmo na esquerda, que está lutando contra o imperialismo, vai falar "nós temos que voltar as nossas origens, nós temos que ser mais naturalistas, nós temos que voltar para o campo, a gente tem que retroceder ao desenvolvimento, nós temos que parar de se desenvolver, nós temos que ter o crescimento zero, nós temos que ser mais sustentáveis, mais próximos da natureza". É impressionante como esse discurso se instala dentro da esquerda e ele acaba sendo uma espécie de tiro no pé do processo de autonomização dos povos oprimidos, dos povos desenvolvidos, e esse tipo de discurso que o Vera Pinto vai tentar desconstruir nessas três obras, que tem a ver com o que a gente estava discutindo do integralismo. Se ele fez parte do integralismo por um tempo, por muito mais tempo ele tentou desbancar as teses fundamentais do integralismo. Uma delas é que o ser humano é um ser de natureza, um ser que nasce um jeito, cresce um jeito, por causa que a natureza o coloca assim. Não, para o Vera Pinto e para os outros autores dessa "Finomenologia Crítica da Opressão", o ser humano é um ser que se faz, ele se produz, essa é uma característica existencial do ser humano, se produzir, só que ele se produz em sociedade, e aí entram os conflitos, e aí entra a opressão. A opressão é justamente a interferência sobre o processo de produção de si próprio pelo outro, um outro que quer se aproveitar dessa produção para se produzir e se desenvolver mais. Daí a teoria de desenvolvimento, respondendo a sua pergunta, do Vera Pinto, é uma teoria de desenvolvimento humano, fundamentalmente, não é desenvolvimento econômico, isso é uma diferença em relação aos outros autores ligados ao SETAL e o ISAB. O Vera Pinto acaba tendo essa postura humanista relativa ao desenvolvimento em que o que interessa é o desenvolvimento das pessoas em relação a quem elas já se desenvolveram no passado. Daí de novo a recursividade que vai da origem do "Personagem Cybernetica", de que a diferença que interessa no desenvolvimento não é entre você ser ou não ser, que é o questionamento xeque-speriano, que dá origem à modernidade, ou você é ou você não é, que dá origem ao pensamento cartesiano-dualista, que dá origem à distinção entre mente e corpo, que dá origem depois à base do pensamento matemático-informático e o 01 e a sociedade digital que a gente está vivendo. A questão para o Vera Pinto é a diferença entre o ser menos e o ser mais. E essa, na minha opinião até agora, me parece ser conceitualmente uma das maiores contribuições filosóficas do Vera Pinto que passa desapercebido porque as pessoas vão citar o Freire quando vão falar do ser menos e ser mais. Mas no Consencialidade Nacional, e a gente vai chegar lá, ele vai apresentar essas categorias, o ser menos e ser mais, vai dar referência que ele está relendo o trabalho do Jaspers e outros existencialistas que vão colocar a questão do desenvolvimento humano como sendo uma questão de escolher entre você ser ou não ser, entre você ser e um nada, que é uma temática dentro da Fenomenologia Crítica do Sartre, que é um cara que já estava atento à opressão, mas não conseguiu sacar que isso ainda era um ranço imperialista colonial, de que aqueles que merecem ser são aqueles que conseguiram ter coragem de ser, inclusive, em frente à morte. Então, o ser ou não ser na verdade era um ser para a morte, é um ser que se constitui enfrentando a morte e mostrando que ele não tem medo de morrer. Essa é uma tese básica do conceito de liberdade sartreano, mas que também está permeando a obra do Heidegger e de outros nazistas. Ele é aquele cidadão que está disposto a morrer pela pátria e por isso ele ganha a sua honra de não ter medo de morrer. Então, o pensamento europeu vai ser muito pautado por esse ser para a morte. E o Vera Pinto vai perceber que isso é uma das maiores armadilhas do existencialismo, mas também da cultura europeia, e vai reformular isso como um ser para a vida. E aí ele vai explicar, a gente vai chegar nessa obra, estou adiantando um pouco, mas ele vai explicar que a nossa questão não é viver ou morrer, a gente vai viver porque a gente é coletivo. Se um indivíduo morre dentro de um processo de revolução, ele morre para o outro viver. E nesse processo de libertação, se a gente se conscientiza de que eventualmente a gente pode ter que enfrentar a morte, não é a morte que nos desafia. O que nos desafia é a vida coletiva mais desenvolvida, é o ser mais que nos desafia. É o que o Vera Pinto vai chamar de situação limite. O Freire vai pegar a situação limite e também vai desenvolver. A situação limite é o momento do desafio existencial que a sociedade nos impõe, é o momento da opressão. E a saída não é a morte, não é o martírio. Mesmo que você morra em combate à opressão, aquilo não é o martírio que termina ali e que por isso você tem que se homenagear. Aquilo ali é um processo de construção coletiva de uma outra vida, uma vida onde a convivência dos seres humanos seja essencialmente pacífica. Então ele é autópico, ele tem uma perspectiva completamente diferente em relação às categorias básicas do existencialismo, e por isso que não dá pra categorizar o Vera Pinto dentro do existencialismo apenas, que é o que muita gente faz, fala "ah, o cara rejeitou o marxismo e virou existencialista". Os existencialistas vão dizer "não, o cara rejeitou o existencialismo, foi o marxismo". Aí tu pode dizer, Vera Pinto é um Vera Pintista, ou a Varian, as vezes fala. Eu acho que sim, acho que tem características originais que os coloca em uma posição de ser um filósofo brasileiro com um pensamento próprio e uma vastidão, categorias filosóficas muito avançadas, mas ao mesmo tempo calcadas numa realidade de luta, voltando à tua pergunta. O que faz a diferença com o Vera Pinto é o fato dele ter se engajado diretamente com as lutas, não só do integralismo, mas a luta do movimento camponês, do movimento de valorização das culturas populares, da educação popular junto à uni. Depois ele vai se exilar, vai fazer parte do movimento de exilados, que vai gerar um pensamento crítico. Ele acaba não podendo protagonizar, mas vai fazer parte do movimento de libertação do Chile, do socialismo no Chile. Depois ele volta ao Brasil e escreve esse magnus opus, a obra prima dele realmente é o conceito de tecnologia, não tenho dúvida disso, que é onde o pensamento dele está mais maduro, que faz parte do movimento de autonomização, de desenvolvimento autônomo, de uma nação subdesenvolvida como o Brasil, pensando especificamente sobre a questão tecnológica que ainda hoje não está bem resolvida. Então eu acho que é impressionante a obra desse autor, como que ele consegue fazer o que o Freire fala, que é a coerência entre teoria prática, entre ação individual e ação coletiva, onde você está completamente consciente da sua situação existencial e o que quer moral ou ético fazer naquela situação. Então é mais ou menos isso, como resumo aí do panorama da obra dele, dessa disciplina, o que a gente vai ver. Acho que a gente não vai focar tanto no ciência e existência, no conceito de tecnologia, agora talvez a gente passe isso, volte para essas obras no AVP2, agora a gente vai ver mais essa parte superior, que tem a ver com essas influências mais próximas do consciencialidade nacional, que é o desenvolvimentismo, integralismo, populismo, nacionalismo, o historicismo, que vem lá dos existencialistas. E aí vamos lidar com duas categorias que eu acho fundamentais, que é a realidade oprimida, que é a realidade nacional brasileira, e a possibilidade de dominar e manusear essa realidade em níveis mais elevados de manuseio, que seria a consciência crítica. Então basicamente esse é o resumo da ópera. Bem, uma coisa que você falou, eu acho bem interessante.