Então eu vou falar sobre contradições do solucionismo tecnológico. Mas antes um disclaimer, eu não sou filósofo, eu sou comunicador originalmente, então o professor Merkley já me chamou atenção diversas vezes por apresentar ideias filosóficas de uma maneira um tanto quanto sensacionalistas, simplificadas e tal, então eu tenho essa natureza de formação, de tentar tornar os discursos extremamente complexos em coisas mais simples que se aproximam até de uma linguagem coloquial. Da comunicação eu fui para o design, por intermédio do PPGTE, tecnologia e sociedade, uma visão crítica no design a partir da comunicação, trabalhei com estudos culturais, visão latino-americana dos estudos culturais, em particular Jesus Martim Barbeiro, foi meu autor principal do mestrado. Já no doutorado eu tive a oportunidade de trabalhar com uma visão mais estruturalista, digamos assim, do fenômeno da produção de espaço e da atividade, que foi o trabalho baseado em Henle Fevre e Engelstrom, que eu mencionei anteriormente. Eu vou mostrar aqui uma síntese de alguns conceitos que eles vão trazer, ou melhor, um conceito, que é o conceito de contradição em Henle Fevre e o conceito de contradição em Engelstrom, e eu vou aplicar isso nos meus projetos que eu desenvolvo na área de design. Então não é uma apresentação filosófica, provavelmente dita, é mais uma aplicação de um pedacinho bem pequeno da obra de um autor que pode ser considerado filósofo, que é o Henle Fevre, e um outro que não é filósofo, que é da área de psicologia, o Engelstrom. E eu vou mostrar isso, como esse conceito me ajuda, digamos assim, a trabalhar contra o seu solucionismo tecnológico, como que ele ajuda na prática, digamos assim, a gente contrapor-se e oferecer, por outro lado, uma alternativa viável, prática de criação de tecnologia, de design de tecnologias. Então como é que o Irwin Engelstrom define contradição? Ele vem aí da psicologia sócio-histórica ou histórico-cultural, de matriz marxista, a origem dessa psicologia é o Vygotsky, que é um psicólogo russo, o Engelstrom é finlandês e ele já faz uma apropriação já muito mais próxima do que seria interessante e produtivo numa sociedade capitalista. Então ele vai redefinir a noção de contradição que o Vygotsky trabalha a partir de Marx, como sendo uma tensão social, que se acumula na história de uma atividade humana. Então a relação da contradição é uma espécie de impedimento que é inevitável, digamos assim, dentro daquela atividade. E a tese dele vai ser como que as pessoas podem, através do aprendizado, superar essas contradições. Para ele, a contradição é um fator importante na aquisição do conhecimento, talvez um motor, digamos assim, que impulsiona a produção de novos conhecimentos. O Henri Lefebvre, ele já tem uma matriz de formação bem mais variada do que o Engelstrom, filósofo, sociólogo, semiólogo também dá para dizer, e ele vai fazer, a obra principal dele trabalha com a crítica da vida cotidiana e depois, mais tarde, ele vai escrever um livro que foi muito impactante na área da geografia e no urbanismo, que é a produção do espaço. Nesse livro ele vai falar que a contradição é uma disputa entre forças opostas, aquele tal, usando a noção de contradição muito hegeliana, ele trabalha com Marx, mas ele não dispensa Hegel, ele complementa com Nietzsche. Então ele faz essa mistura, esses três primeiros autores, como que ele faz essa mistura eu não vou saber explicar, mas o fato é que ele reproduz aqui Hegel, a ideia de que a contradição é uma disputa entre forças opostas pelo domínio do espaço. E aqui ele vai trazer o lado marxista dele e vai mostrar que quando está falando de contradição você está falando de luta de classes, está falando de dispender energia para você tentar dominar uma determinada meio de produção. E o meio de produção principal que ele vai colocar é a questão do espaço, quando fala de espaço não está falando só de espaço físico, mas o espaço também conceitual, o espaço da filosofia, por exemplo, é um espaço onde há luta de classes também. Por isso que a proposta principal, talvez filosófica do Henri Lefebvre é a metafilosofia, que é você filosofar sobre a filosofia, isso que significa agir. Para ele a metafilosofia, como Marx já dizia, não é somente descrever o mundo, porém transformá-lo. Então ele critica a filosofia do século XX por não ter se preocupado com essa questão e ter mantido, digamos assim, as mesmas estruturas de dominação da filosofia de séculos passados. No entanto, ele próprio, na sua vida pessoal, além de escrever tratados filosóficos, ele também participou ativamente de projetos urbanísticos, principalmente em algumas cidades na Iugoslávia, além de ter influenciado muitos planejadores urbanos e arquitetos na França e na Europa como um todo. Na minha tese de doutorado, que é uma tentativa muito mais humilde do que os dois colegas ali anteriores, eu vou definir o design como uma relação entre espaço e atividade. Então espaço é Lillefebvre, atividade é Englishton, que emerge para manter ou para superar contradições. Então eu vejo aqui a ideia de design como uma coisa emergente, não como um projeto que você faz mentalmente na sua cabeça de um designer para depois você implementar concretamente numa realidade, ou melhor, outra pessoa implementar, que é a ideia de design já que surge depois da divisão do trabalho intensa que houve nas disciplinas de projeto, coisa que não existia antigamente, por exemplo, na arquitetura mais clássica, tradicional, você tinha uma união muito forte entre a implementação, a conceptualização, o desenvolvimento do projeto, era uma coisa só. E por isso eu tento recuperar, digamos assim, essa visão de design e ver, por outro lado, como um fenômeno social que emerge, digamos assim, desse desenvolvimento, por vezes, desconectado, dessincronizado entre espaço e atividade humana. Essa produção das organizações, da atividade, como a gente faz as coisas, a produção do espaço, de como a gente determina o que a gente pode e o que a gente não pode fazer, eu vejo design como sendo uma relação que tenta manter ou eventualmente tenta superar contradições. E se consegue manter, se consegue superar, isso é uma outra discussão que eu não vou entrar aqui agora, mas eu sempre considero que design não é uma coisa determinista, não é determinar, prever e projetar o que deve ser, mas sim o que realmente acontece. Então design não é o projeto que tem na minha cabeça, é o projeto que realmente emergiu, o que ficou, digamos assim, relacionando a atividade das pessoas, que pode incluir aí a palavra uso, que o Gilmar já usou mais cedo, e o espaço, que pode incluir também o projeto mais técnico, digamos assim. Pode-se dizer que também é um espaço. Então design é uma relação emergente. O principal ponto da minha fala, então, é uma ideologia que eu estou chamando de solucionismo tecnológico, para colocar num termo bem coloquial, que significa o seguinte, essa ideologia tenta fazer as pessoas acreditarem que é possível solucionar qualquer problema, seja ele social, seja ele técnico, seja ele religioso, seja ele afetivo, qualquer problema, qualquer um, só precisa de uma boa dose de tecnologia. Então qualquer situação problemática, qualquer coisa que nem é problemática, pode se tornar um problema e a gente vai resolver isso aí. Então a tecnologia, ela se torna uma solução generalizada para qualquer problema, só que essa solução generalizada, ela pode ser tornada um produto, um commodity, uma função que você pode utilizar no seu produto cotidiano, através da tecnologia. Então a tecnologia transforma essas soluções que são criadas por pessoas geniais, dignas de valor na nossa sociedade, ela fica disponível à mão para um usuário. E aí se cria essa noção de que existem pessoas que são produtores de tecnologia, pessoas que são meramente usuários de tecnologia. E aí toda uma gama de marketing, propaganda, branding, se fundamenta nessa cisão, nessa distinção que as pessoas que usam, elas precisam consumir avidamente, essas tecnologias dependem dos produtores. Então o que te falta, digamos assim, para você ser completo é uma tecnologia brilhante, uma tecnologia incrível que vai resolver todos os seus problemas, só que não. Então você vai resolver alguns problemas, só que daqui a pouco você vai ter que se atualizar de novo, comprar de novo a nova versão dessa tecnologia. Daqui a pouco você vai ter que trocar de novo, enfim, a obsolescência programada é, digamos assim, uma das consequências do solucionismo tecnológico. Vamos ver um exemplo. O fluxo de denúncias do Facebook, essa rede social ubíqua, digamos assim, hoje no nosso mundo, ele se propõe a resolver qualquer tipo de problemas que as pessoas têm ao se comunicar usando essa plataforma. Então você tem um botãozinho, não sei se já prestaram atenção no seu feed de notícias onde aparecem essas atualizações, você tem a opção de reportar, denunciar aquela postagem. E aí você vai poder dizer, você vai passar por esse fluxo aqui de opções para você dizer qual que foi o problema. Ah, o problema é que foi propaganda, então se foi propaganda vai ter um curso de ação na moderação do Facebook, eles vão, de repente, verificar se aquele mesmo usuário postou outras propagandas e talvez desativar o perfil daquela pessoa. Mas pode ser que o problema seja discriminação social, de repente você quer denunciar alguém que está fazendo uma postagem, que está discriminando um grupo social que você acha injusto fazer dessa maneira. Então você vai lá e denuncia, como é que o Facebook reage a isso? Não está claro, não deixa claro aqui como que ele reage contra isso. Eles dizem que vai ter uma equipe de moderadores do Facebook que vai lá olhar e vai ler e vai fazer um julgamento. Como assim? Com que critérios eles vão fazer esse julgamento? Com base em quê? E existem outros problemas que são solucionados aqui, outros problemas são solucionados pelo Facebook de maneira muito mais automática, que são os algoritmos de, que não estão aqui nessa imagem, são os algoritmos de detecção de potenciais conteúdos ofensivos, como por exemplo nudez humana. Então existe já um algoritmo que se você postar uma foto lá e aparecer mamilos, ela vai ser automaticamente moderada pelo Facebook, talvez seja removida, talvez seu perfil seja bloqueado ou alguma coisa aconteça de negativo para você que postou essa imagem. Gerou uma polêmica muito interessante há uns dois anos atrás, quando o Ministério da Cultura Brasileira postou uma foto de indígenas e aí essa foto de indígenas que estavam com as mamas à amostra, como é uma situação na verdade cotidiana para aquela população, foi interpretada como um conteúdo pornográfico pelo Facebook. E o próprio... Mamilos de mulheres. Mamilos de mulheres, vale citar, vale citar. E o ministro Juca Ferreira, Juca Ferreira na época... Juca Oliveira. Juca Oliveira, Juca Oliveira, que era na época o ministro da cultura brasileira, fez toda uma manifestação pública criticando o Facebook e o próprio Facebook voltou atrás e permitiu as imagens, depois afrouxou um pouco, digamos assim, essas regras, esses algoritmos, porque entendeu que aquilo ali era uma, digamos assim, uma própria discriminação que estava embutida no próprio algoritmo deles. Mas eles não têm ainda uma solução para isso. Na verdade eles têm muito poucas soluções para os problemas que eles estão querendo resolver. Então, vamos ver como é que funciona isso aqui daí com a perspectiva da contradição, o conceito da contradição. Eles pegam as contradições sociais, que é algo muito mais complexo do que um problema, e reduz a um problema que é técnico, tá, é um problema técnico, é a moderação que a gente precisa, é um algoritmo que a gente precisa, então isso a gente consegue fazer. E aí os especialistas vão lá, resolvem o problema de maneira técnica também. Então todas as questões sociais, culturais, que estão na matriz, digamos assim, do fenômeno, são ignoradas em função de o que a gente consegue fazer a respeito na visão do especialista. Esse é basicamente a parte da ideologia que não se conta, digamos assim, é o substrato material da ideologia na prática. A ideologia do solucionismo tecnológico vai te esconder isso. Por isso que a análise das contradições é interessante quando se trata de estudos da ideologia, porque mostra a relação entre ideologia e as práticas cotidianas. Segundo ponto, problemas e soluções escondem as contradições, como eu estava dizendo, você falar de problema, você esconde que aquilo ali seja uma condição estrutural da sua sociedade, esconde que aquilo ali é histórico, esconde que aquilo ali permite também você superar a situação, não é simplesmente resolver o problema técnico, você pode fazer de outro jeito, completamente diferente, onde aquele problema talvez nem apareça mais, porque no fundo, no fundo, o objetivo é criar uma situação de dependência entre aqueles que tem o problema e aqueles que solucionam o problema através de tecnologia, uma relação até comercial, muitas vezes. E uma coisa que obviamente é totalmente escondida nessa ideologia do solucionismo tecnológico é que as soluções com frequência acabam por agravar as contradições ao invés de amenizar ou de superar essas contradições. Por exemplo, eu acho que o problema principal técnico que o Facebook está tentando resolver hoje são as notícias falsas, fake news, que foi um problema negado pelo Facebook por muito tempo. Eu já ouvia o que dizia Marcos Ukeberge nas falas dele, que não, isso aí, 99% das notícias do Facebook não são falsas. Pois é, mas 1% das notícias já é coisa para caramba, porque hoje o Facebook é talvez o maior distribuidor de notícias, de jornais online, de revistas e tal, do mundo, é o maior feed. E aí como é que eles, depois de assumirem que é um problema, depois de toda a discussão que houve, enfim, a respeito, eles começaram a adotar uma funcionalidade nova, que é quando você vai compartilhar uma notícia que alguém postou no feed dela e essa notícia já foi marcada ou identificada por algum algoritmo que julgou alguma denúncia de alguém originalmente que disse que aquela notícia era falsa, ele vai te mostrar uma caixa de alerta dizendo "você quer mesmo compartilhar? Veja, essa notícia está sendo disputada aqui, existem pessoas que estão, são organizações sem fins lucrativos que estão fazendo checagem de fatos, fact checkers, são empresas ou organizações sem fins lucrativos que estão adquirindo, digamos assim, essa reputação de dizer o que é um fato e o que não é um fato". Que é uma outra discussão bem interessante também para trabalhar, que está ligada a essa contradição, mas que eu não vou explorar aqui. A questão que eu estou querendo colocar é como o Facebook está solucionando esse problema, que é muito mais complexo do que parece, não é simplesmente, está delegando na verdade, estão delegando, ah não, os fact checkers aqui, independentes que estão falando isso. Então a gente bota a pergunta "você quer ou não quer?" "Claro que eu quero, a minha notícia sobre o Bolsonaro aqui, eu quero colocar assim". Reproduz, não quero saber, Bolsonaro é muito melhor que Lula e tal. Então não importa, as pessoas podem continuar utilizando essa mesma ferramenta para disseminar notícias falsas independente dessa solução. E por outro lado pode até gerar uma própria discussão do que é uma notícia falsa e o que não é. Então talvez as pessoas comecem a se apropriar "não, mas notícia falsa é aquilo que vai contra o que eu acredito que seja verdade, então é falsa". Então se acontecer alguma coisa que desconstrói, digamos assim, as coisas que eu acredito, eu vou dizer que é falsa e vou até utilizar isso contra a própria intenção do Facebook de separar o que era fato e o que era realidade. Isso na verdade é um fenômeno que é muito comum dentro já da rede do Facebook, independente de ter aquela ferramenta, já existem as pessoas, já estão disputando se a notícia falsa não é nos comentários. As pessoas dizem já há muitos anos "isso é notícia falsa, não coloque isso aí não". Mas às vezes é uma notícia que tem uma base factual real, mas a pessoa está disputando "não, é notícia falsa". Não, o Bolsonaro não faz apologia ao crime, o Bolsonaro não faz apologia ao uso de armas, não, não, que isso. Então isso aqui é estudado por alguns pesquisadores como o efeito bolha, o filtro de realidade que você entra dentro da rede social e só começa a receber pelo seu comportamento, você começa a filtrar o tipo de notícia que você recebe para receber apenas notícias que vão ser coerentes, consistentes com aquilo que você já está consumindo, ou seja, só aquilo que você gosta. O que você disser é "gostei", "curti", no Facebook você vai receber mais e mais do mesmo. Então com o tempo você vai criando um filtro, você só recebe notícias daquelas pessoas que concordam com você na maioria dos pontos. E aquelas pessoas que são diferentes de você, que são cores diferentes, são diversas de você, você começa a não ter mais contato para essas redes sociais graças aos algoritmos e filtros de personalização. O fake news, na verdade, ele começa a se espalhar dentro desse tipo de estrutura, de organização social, até como uma coisa inevitável. Se as pessoas aqui dentro estão o tempo todo se concordando entre si, quando entra uma notícia falsa, essas pessoas tendem a concordar, elas tendem a não questionar, porque não existe a prática comum de debater a notícia para ver se aquilo ali faz sentido ou não faz sentido. Então, a fake news, na verdade, ele surge de uma contradição, não é um mero problema. É uma contradição social, que por acaso hoje eu estou descrevendo assim, é a contradição entre fazer parte de um grupo homogêneo e fazer parte também, ao mesmo tempo, de uma sociedade bastante diversa. Então, as consequências dessa ideologia do solucionismo tecnológico. Basicamente, do ponto de vista do solucionismo tecnológico, dos difusores dessa ideologia, é muito interessante, porque você vai legitimar o domínio dos usuários por uma classe de especialistas, que precisam ter acesso a todos os recursos, incentivos fiscais, propaganda. Os holofotes têm que estar virados para esses especialistas, que são os grandes luminários de uma nova sociedade, uma sociedade melhor, onde todos os problemas podem ser resolvidos com a boa dose de tecnologia. Por outro lado, a consequência que tem muito a ver com a nossa situação aqui no Brasil, é que reproduz uma relação colonial entre os países produtores de tecnologia e os países que são meramente usuários dessas tecnologias. Nós não temos hoje aqui no Brasil um projeto de uma rede social que tenha obtido um número de usuários tão expressivo quanto o Facebook, mas já existiu, já a gente tentou. Por exemplo, na época do Orkut, Orkut é uma rede que cresceu muito, o Brasil se apropriou do Orkut, teve até uma mobilização popular, digamos assim, para dominar o Orkut e ser o país que mais usava aquela rede social. Criou-se vários competidores na época, o Gazag e outros que eu não vou me lembrar o nome, que eram startups brasileiras, que infelizmente não conseguiram obter um número, aliás, na verdade obteram um número bem expressivo, mas não conseguiram ter a mesma fidelidade do usuário estar sempre interagindo, porque não tinham diferencial. A maneira de fazer a interação era muito mais uma cópia do que tinha no Orkut, com algumas funcionalidades um pouquinho levemente diferentes. Porém hoje em dia ninguém mais está tentando fazer isso no Brasil. Desde dessas tentativas aí de cinco anos atrás, o pessoal já começou a aceitar essa relação de que o Vale do Silício é a fonte da inovação e se eu quiser inovar vou ter que ir para o Vale do Silício e abrir minha startup lá. Que é um pensamento colonizado que a gente está tentando contrapor aqui na própria PUC-PR, a gente tem aqui uma aceleradora de startups, a Hot Mill, que enfatiza a inovação aqui no nosso território e tal, mas eu não vou entrar também em detalhes nesse plano, digamos assim, alternativo ao solucionismo tecnológico. Estou me limitando aqui a fazer a crítica. E por último, e talvez o mais perigoso das consequências disso aqui, é que o solucionismo tecnológico abre caminho para uma tecnocracia global. Que muita gente descreveu isso como sendo uma sociedade sem Estado. As empresas, os multinacionais vão dominar o cenário, vão estar mais poderosos que o Estado, mas eu já vejo como uma conflação entre Estado e empresas multinacionais. O Estado se tornando talvez uma empresa multinacional e vice-versa. E isso está cada vez mais próximo de acontecer com a potencial candidatura do Marcos Zuckerberg a presidente dos Estados Unidos. Não sei se vocês estão acompanhando isso, mas ele já está se posicionando politicamente desde o começo deste ano, em função das restrições que o Trump tem feito ao negócio dele. Ele está se colocando como anti-Trump. Só que o mais curioso, é uma contradição que ele está negando o tempo todo, mas que agora ele foi obrigado a assumir perante o Congresso Nacional Americano, é que ele ajudou a eleger o Trump, com os algoritmos de filtro dele. Foram mais de alguns milhões, são 20 milhões de americanos que viram propagandas criadas por agentes russos que faziam algum tipo de, tinham algum efeito positivo em relação à campanha do Trump. Algoritmos falsos veiculados por russos, ainda não está muito claro qual o interesse dos russos e interferir com a eleição norte-americana, estadunidense. Mas o fato é que o próprio Marcos Zuckerberg teve que assumir que elegeu o Trump indiretamente, ou talvez diretamente, não se sabe muito bem. Agora essa imagem aqui, eu gostaria de chamar a atenção, porque ela é muito curiosa e mostra um cenário onde você tem diversas pessoas aqui testando a última tecnologia de realidade virtual que o Facebook desenvolveu, que ele está propondo como o próximo next level, o próximo nível de experiência interativa que eles vão oferecer no Facebook. Está todo mundo com cara feia, fechado, quer dizer, incompenetrado na experiência lúdica ali que ele está proporcionando e o próprio Zuckerberg está andando livremente, assim, passando como se fosse, como se estivesse, enfim, voando. Parece que ele está voando, até a sombra aqui, está voando sobre todas essas pessoas. Enfim, eu não vou nem entrar na questão da discussão se isso aqui é uma realidade alienante ou não, mas o fato de uma pessoa estar completamente diferente das outras e essa pessoa estar feliz em relação, quer dizer, os outros todos estão usando a tecnologia dele e não parece estar muito feliz e ele está feliz por não estar usando, é muito curioso. Enfim, deixa pra lá. Eu acho que esse outro exemplo aqui é muito mais bizarro, muito mais sinistro e mostra um pouquinho, assim, do que poderia acontecer se ele fosse eleito presidente dessa nação. O Marcos Zuckerberg está muito preocupado com a destruição, devastação causada pelo furacão em Porto Rico, então ele resolveu fazer uma visita a Porto Rico para conferir como é que está essa devastação e para também mostrar publicamente que ele está fazendo uma doação de singelos 1 milhão de dólares para essa população, uma empresa que fatura alguns, não, dezenas de bilhões de dólares todo ano, vai fazer uma singela doação de 1 milhão para quê? Para fazer propaganda da tecnologia nova de realidade virtual. 1 milhão talvez seja um preço barato para esse tipo de propaganda, eu acho. O que ele fez? Ele fez um tour virtual por Porto Rico destruída, devastada e mostrando para a colega dele, de trabalho, como é que está a situação lá e tal. Então ele está lá, olha só, nossa, veja lá, caiu a casa do cara, meu Deus, que destruição horrível. Até surgiu, acabou repercutindo no noticiário de maneira negativa, porque o próprio noticiário percebeu que isso era disaster tourism, que é uma ideia de você explorar a desgraça alheia para fazer propaganda. Então, eu acho que nesse caso aqui foi um pouco exagerado, digamos assim, meio falta de simancol, digamos assim, das relações públicas da empresa, que demonstra aí uma visão bastante exploratória, digamos assim, dos problemas humanos, que é o core, digamos assim, dessa ideologia solucionismo tecnológico. Bom, como é que isso se reflete no design, que é a minha área de atuação? Vamos ver como é que estamos de tempo. Design é uma atividade criativa em um espaço de possibilidades, conforme a minha tese, para novas tecnologias. O design solucionista, ele assume que problemas podem ser solucionados de maneira criativa. Ele organiza a atividade através de um processo para permitir que essa criatividade aflore. Só que, por outro lado, a ideia geral é você chegar num número reduzido de possibilidades que possam ser viáveis e implementadas. Então, essa criatividade dentro do design solucionista, ela sempre trabalha dentro de limitações, restrições. Criatividade funciona quando você corta um zero do seu orçamento, disse Jaime Lerner na sua palestra de solucionista do TED Talks, que circulou o mundo e que fez, enfim, muita gente conhecer o trabalho do arquiteto curitibano aqui. Exclui, ultimamente, contradições. Não há contradições no projeto urbanístico do Lerner, não há contradições no projeto do design do Facebook, porque a gente está sempre tentando melhorar. A epítome desse design solucionista é a simplificação dos processos de transformação do produto para que esse produto se transforme num solucionador de problemas para os usuários. Design Sprint, daí não é Facebook, é Google que criou, é uma metodologia, ou melhor, um processo de solução de problemas que está se espalhando bastante pelo mundo, vários lugares estão utilizando, inclusive na Hotmail, que a gente, infelizmente, acaba utilizando aí por uma falta de projetos alternativos, práticos, para fazer coisas similares. O Design Sprint, como exemplo, foi aplicado na Share The Mill, que é um aplicativo para você dar uma doação para pessoas que estão com fome na África e tal. E aí o objetivo era solucionar o problema de que as doações estão diminuindo a cada ano que passa, as pessoas querem doar menos. Então vamos lá fazer uma interface, uma tela melhor para essa tecnologia para que haja mais doações. Só que não questiona qual a contradição social que gera o fenômeno da fome, isso fica totalmente fora de escopo no design solucionista. Agora eu vou falar sobre a nossa alternativa que a gente tem desenvolvendo, muito em colaboração com o professor Rodrigo Gonzaga, que eu vou falar daqui a um pouquinho, que é o design problematizador. Não estamos usando esse nome, esse é um nome que surgiu agora aqui apenas para contrapor seu solucionismo. Basicamente a gente trabalha que problemas podem ser capciosos, "wicked problems", que é uma noção já bastante conhecida dentro da teoria do design, que é o problema que quando você começa a solucionar ele já vira outro problema e você não consegue nunca encurralar ele e falar "consegui solucionar esse problema". Isso normalmente ocorre porque existem múltiplas perspectivas sobre o que é aquele problema, obviamente múltiplas propostas de solução. Trabalhamos tanto com o pensamento crítico quanto o criativo, os dois andam de mãos dadas, ou melhor, dando porrada um no outro. Produz amplos espaços de possibilidades, ou seja, a gente considera muito mais possibilidades do que no solucionista e não ditamos uma única solução porque nós queremos reproduzir contradições, nós estamos conscientes que vamos reproduzir contradições e a gente não vai solucionar, não vai ter um estado final do projeto, que o projeto sempre continua, então a gente tem que criar possibilidades de desenvolvimento. Vamos ver aí alguns exemplos práticos de projetos que a gente tem desenvolvido, enfatizo aí que a epistemologia do design é uma epistemologia que enfatiza o conhecimento que vem a partir do desenvolvimento de projetos, então a gente tem que fazer projeto para ser aceito, digamos assim, nessa comunidade, ter algum impacto transformador. O jogo do Facebook é uma reconstrução do algoritmo do Facebook que a gente faz com muitos dos nossos estudantes de design digital para que eles compreendam como esse algoritmo faz essa criação de bolhas entre eles, como ele cria algum consenso em torno de opiniões bastante radicais, como isso é uma tendência, criar consenso em torno de opiniões radicais, opiniões que são mais ponderadas, que tentam ver múltiplas perspectivas, o algoritmo naturalmente vai filtrar para fora dessas redes, vai acabar mantendo eles no fringe, ou então até mesmo impedindo que essa mensagem circule dentro dessa rede. Então aqui você tem a formação dos grupos, que são as panelinhas da classe, naturalmente emergindo aí dentro de uma visualização física do que é o Facebook. A gente faz isso usando regras mais simples do que o próprio algoritmo, mais parecidas, similares, e alguns materiais físicos que permitem que eles utilizem o corpo inteiro na sua interação com os colegas, de modo a visualizar o impacto que existe dessa interação no corpo mesmo, considerando a mente, as opiniões e pensamento como parte do corpo completo, corpo consciente, na noção do Paulo Freire, que é uma das ideias que a gente desenvolve também. Outra coisa que a gente faz muito é design participativo, participação dos usuários no projeto das tecnologias, participação desde o começo até o fim e depois que você, como designer, saiu. Então eu participei, junto com o professor Gonzalo, também da criação da plataforma Corais, que é uma plataforma para projetos colaborativos que tenta competir com Google Drive, tenta competir com grandes nomes aí da colaboração online. Usando software livre, a gente criou, a gente customizou, tudo com a participação dos próprios usuários. Hoje eu não tenho mais condição de tempo para desenvolver a plataforma e os próprios usuários estão desenvolvendo. Estou botando o nome usuário aqui apenas para uma facilidade de explicação. Estão desenvolvendo uma nova versão dessa plataforma chamada Rios. E o Corais hoje tem mais de 500 projetos colaborativos, mais de 5 mil pessoas participando. Foi o Drupal. É, tem outras coisas, o Etherpad também e tal, mas a base é Drupal. Outra coisa que a gente tem feito também é criar processos de design alternativos que trazem uma problematização para o centro, mas que parecem ser solucionistas. A gente trabalha muito com essa visão camaleão de dialogar com o solucionismo e tentar fazer o solucionismo ser um pouco mais problematizador ao invés de rejeitá-lo. Então, isso aqui é um projeto que a gente fez lá na Secretaria da Presidência da República quando ainda era a nossa excelentíssima Presidenta Dilma. E a gente tinha lá muitos problemas técnicos para resolver com a falta de popularidade da Presidenta. Ela estava querendo criar um laboratório de participação social para melhorar a popularidade dela e a gente estava levantando os problemas que ele iria resolver. Então, aqui estão os post-its "Rosa é o problema" e as soluções que poderiam ser dadas para esses problemas da participação do governo dela. Só que a gente forçava nesse método PSP a pensar nos problemas das soluções dos problemas e nas soluções dos problemas das soluções dos problemas. Isso poderia às vezes virar um encadeamento bastante profundo para perceber que nunca existiu uma solução final, nem um problema bem definido. Isso aqui visando que percebessem que existiam, na verdade, contradições no governo dela que estavam acumulando e que eles não conseguiram capturar tempo de reverter o golpe que estava se avizinhando. E agora, por último, um projeto bem característico do Design Digital, que é o curso onde a gente dá aula principal. Isso aqui é um TCC criado pela estudante Juliana Saito. Ela estava estudando, ela não estava conseguindo fazer o TCC dela, estava travada, já tinha reprovado a disciplina e tal, porque ela tinha um hábito terrível de procrastinação. Sempre que ela ia fazer o TCC dela, ela começava a acessar o Facebook e fazer outras coisas. Aí a gente teve a ideia brilhante nas orientações de transformar a procrastinação no objeto de pesquisa dela. Faça um TCC sobre procrastinação e o papel dessas tecnologias na procrastinação. E aí ela foi estudar de onde vem a procrastinação na minha vida pessoal e ela percebeu que a procrastinação dela não era um fenômeno individual, ela era um fenômeno social, uma prática contemporânea que todos os amigos dela lá na escola, melhor, na casa do estudante onde ela morava tinham também. Então ela começou a estudar, principalmente através do trabalho do Balma, a procrastinação como um fenômeno do capitalismo tardio e ela criou um assistente virtual para que as pessoas reflitam sobre a procrastinação delas. O assistente vem com a proposta de solucionar o problema, ele fala assim "não, eu vou resolver todos os seus problemas de procrastinação, você não vai mais procrastinar". Só que ele começa ao longo da sua interação, começa a te sugerir "não, você não quer dar uma olhadinha no Facebook agora? Você não quer fazer alguma coisa?". Quer dizer, ele acaba criando para si uma própria incentivo ou talvez uma, às vezes uma punição, ele está sempre oscilando, digamos assim, para que a pessoa reflita e pense a respeito dos hábitos de procrastinação. O que faz essa pessoa procrastinar, ao invés de simplesmente parar de procrastinar, a pessoa reflete e talvez consiga transformar a sua atividade, seu espaço de outra maneira. Então questões que continuam abertas aí no design problematizador, a gente não sabe muito bem as respostas. Como é que a gente consegue desconstruir esse solucionismo tecnológico sem negar o papel das tecnologias na superação de contradições? Nós não queremos ser niilistas aqui, no sentido de "vamos deixar a tecnologia de lado, nos opor à tecnologia, vamos ser neoluditas, vamos só produzir um discurso de crítica". A gente quer produzir um discurso alternativo que nos faça ajudar a superar as contradições sociais, não os problemas da nossa sociedade, em particular a sociedade brasileira, onde a gente está inserido. E, por outro lado, o que fazer...