O tema de hoje é "Aprendendo a ser designer entre o método e o caos". Então a gente vai falar muito sobre essa questão do ser, de como a gente se constitui enquanto designer. Isso tem um termo técnico dentro da filosofia do design, que é o design ontológico. Talvez vocês não precisem saber agora o que significa ontológico, mas certamente vocês precisam saber ao longo da constituição, ao longo da construção dos seus seres aqui neste curso de design, vocês vão precisar saber o que é ser metódico e o que é ser caótico. Porque o tempo todo vocês vão estar sendo puxados para um lado ou para o outro. Alguns professores vão puxar mais para um design metódico, vão dizer que esse é o único design, o único que vale a pena. E outros professores vão puxar mais para o design caótico e vão dizer que não existe método, o método é uma enganação, não vale a pena seguir nenhum método, o negócio é você seguir sua intuição. Isso não vai parar, depois que vocês forem para o mercado de trabalho vocês não vão ter uma resposta final sobre isso. Isso vai continuar, é uma dúvida existencial inerente à profissão do design, se perguntar entre ser metódico e ser caótico. E com base em que você responde essa pergunta? E como é que você entende o que é isso, ser metódico ou ser caótico? Eu espero que eu ajude vocês com essa apresentação a entender um pouquinho melhor as possibilidades. Daí para isso eu vou usar uma analogia com alguns elementos da cultura popular, em especial aquela cultura pop mesmo que vem importada de outros países aí, porque eu acho que é similar também à situação do design. O design também é uma cultura pop importada de outros países e agora eu imagino que ao contar essa história vocês vão entender porque eu toquei o Batman Cumba do Gilberto Gil antes de começar essa apresentação. Então o design metódico é como se fosse o Batman, ele não tem superpoderes, um talento, um gênio, uma capacidade inata de fazer design, então ele precisa utilizar métodos e ferramentas para fazer design. Ali vem o poder dele, saber usar a ferramenta certa na hora certa. O Batman leva no cinturão de utilidades apenas as ferramentas que ele domina, então ele não vai levar no cinturão de utilidades uma arma que ainda está em fase experimental, uma arma que ele nunca usou, ele vai levar aquilo que ele já conhece. De maneira similar, designers não vão levar no seu cinturão de utilidades métodos e ferramentas que eles não conhecem. Eles vão tentar sempre aproveitar o que já é conhecido, até porque assim como o Batman que treina para dominar as ferramentas, para ter elas sempre à mão, designers também não vão ter tempo de aprender a dominar uma nova ferramenta quando surgir um novo vilão ou um novo cliente, ou uma nova emergência dentro de um projeto, uma situação inesperada. É muito comum você não ter tempo de estudar e aprender novos métodos e ferramentas de design enquanto você está inserido em projeto. Quando você tem o período entre projetos ou o período de baixa, quando tem menos projeto, é época que designers vão estudar e aprender novas métodos e ferramentas. É uma coisa similar à rotina do Batman, que vai lá para a Batcaverna treinar e estudar os métodos e as ferramentas que ele tem disponível para combater os vilões. Essa discussão não é uma discussão meramente cultural, é uma discussão filosófica também. Aqui nós estamos discutindo algo que dentro da filosofia é chamado de fenomenologia ou a maneira como a gente se coloca no mundo, como que a gente se constitui no mundo. E um dos filósofos que mais contribuiu para o conhecimento nessa área e que também influencia as teorias de design para caramba é o Heidegger, um alemão que estudou o papel das ferramentas na constituição dos nossos seres no mundo. E ele disse lá pelas tantas que uma ferramenta que está à mão, que a gente está usando e que a gente já tem prática, ela é muito diferente de uma ferramenta que está distante de nós, que está numa mala, por exemplo, que está guardada, que está quebrada. Então aqui nós temos um exemplo no momento no filme "O Cavaleiro das Trevas" em que o Batman, o Bruce Wayne, melhor dizendo, é apresentado a ele novas ferramentas que o Lucius Fox desenvolveu e ele está ali se perguntando o que é isso, como é que eu vou usar, tanto é que a próxima cena ele até pega uma dessas armas, brinca com elas e quase mata o Lucius Fox, ou porque ele não conhece, não domina dessas ferramentas. Então existe um processo de apropriação dessas ferramentas no seu ser. Você não consegue usar uma ferramenta enquanto você não é aquela ferramenta junto com você. Então quando a ferramenta está separada, ela é uma parte do mundo, ela não é uma parte do ser, não é uma parte de você, do seu sujeito. Então existe um processo de aprendizagem que não é só conhecimento, não é só você saber como funciona e ler o manual de instruções da ferramenta. Você precisa incorporar esse conhecimento no seu ser. A partir do momento que você começa a treinar com aquela ferramenta, experimentar as possibilidades de uso depois de ler o manual, ou enquanto se ler o manual, aquela ferramenta começa a fazer parte de você. E aí você chega a um ponto que ela faz parte de você de maneira tão intrínseca que você não consegue mais pensar ou agir ou combater o crime, como o Batman, sem usar, por exemplo, aqueles churigens, aqueles estrelinhas que ele joga, aquela marca registrada dele que é em formato de morceguinho, ou então aquela ferramenta que ele atira pra cima, um gancho com a corda, ele vai puxando assim pra cima, ele vai subindo. O Batman sempre usa essas ferramentas e elas são marcas registradas do ser Batman. Então se qualquer super-herói começa a usar uma ferramenta como essa, as pessoas já olham e falam "eita, fazendo que nem o Batman", porque a identidade do sujeito começa a se transformar à medida em que ele vai adotando essas ferramentas na mão dele. Então a ferramenta na mão é uma extensão dessa mão, uma parte da pessoa, certo? Agora, além do Heidegger, vários outros filósofos refletiram sobre essa questão do estar no mundo, um deles é o filósofo Álvaro Vera Pinto, que eu já mencionei pra vocês numa apresentação sobre fundamentos existenciais da pesquisa em design, e ele vai chamar a atenção pra um aspecto que o Heidegger não trabalhou, mas que pra nós que fazemos design é muito importante, que é o trabalho necessário para você construir e projetar as ferramentas antes delas estarem à disposição dos seus usuários, antes delas estar na mala do Lucius Fox, ela esteve na mesa de projeto do Lucius Fox. Então, no caso, o trabalho do Lucius Fox é muito importante para o Batman, sem o Lucius Fox projetando as ferramentas que o Batman vai usar, como que ele vai combater o crime, como que ele vai ser o Batman, com todos aqueles apetrechos que ele precisa pra ter alguma vantagem em relação aos super-milões. Então, o Lucius Fox faz um papel que a gente já tinha discutido anteriormente, que é, se a gente fazer a analogia com o design, o designer que projeta ferramentas de design é o quê? Meta designer, exatamente, então o Lucius Fox é o meta designer do Batman, e ele de certa forma vai projetar as ações que o Batman faz, então o Batman não é um super-herói que se autodetermina completamente, ele depende de outras pessoas, primeiramente do Lucius Fox, mas o Lucius Fox não trabalha sozinho, certo? Quem lembra aí? O Lucius Fox é o CEO, o diretor da Wayne Enterprises, que é a hold, um grupo de empresas que o Bruce Wayne herdou dos seus pais. Então ele é um diretor, um presidente, ele é uma pessoa que está no topo dessa empresa e ele direciona todos os recursos dessa empresa para, de maneira escondida, subreptícia, sem ninguém saber, construir essas ferramentas para o Batman. Ele faz uma série de ações ali que poderiam ser consideradas crimes, porque está ocultando a utilização desses recursos. Então o Lucius Fox não trabalha sozinho, ele se aproveita do trabalho dos funcionários da Wayne Enterprises, e esse trabalho vai se acumulando até chegar ao topo de estar à mão do Batman, então não é por acaso que o Batman tem as coisas à mão, é resultado de trabalho de centenas, talvez até milhares de pessoas, certo? Os trabalhadores da Wayne Enterprises e também da DC Comics na realidade, agora não estou só fazendo uma analogia, estou falando de uma realidade, eles desenvolvem ferramentas para que o Batman faça justiça com as próprias mãos. E agora voltando para a realidade e também com a nossa imaginação. Fala o quê? O que você está querendo dizer, professor? O que eu estou querendo dizer é que o Batman decidiu que vai fazer justiça com as próprias mãos e vingar a morte dos pais e perseguir vários bandidos e tudo mais, inclusive executar esses bandidos sem um julgamento próprio, fazer justiça com as próprias mãos. A gente acha que está ok quando a gente pensa que o Batman age sozinho, e o Batman fala isso, eu estou agindo sozinho, mas não, o Batman não age sozinho. O Batman depende de todos esses trabalhadores que fazem as ferramentas para ele, certo? Então ali ele está se aproveitando desse trabalho para fazer uma coisa que possivelmente é bem provável que os funcionários dessa empresa não concordem. Eles não concordem que o Batman use os lucros extraídos do seu trabalho para gastar com uma ação que pode ser vista, e é vista, e o Batman é criticado nos próprios filmes como sendo um fora da lei tanto quanto aqueles que ele está perseguindo, ele não serve as regras. Agora, aparentemente se você olhar o meta design só pela perspectiva daquilo que aparece de maneira mais explícita você vai achar que o Batman está evoluindo, porque a cada nova geração de filme do Batman as ferramentas dele parecem mais realistas, mais inteligentes, mais "bad ass" em inglês, mais mal. Você vê que no Batman dos anos 90, olha só, o Michael Keaton de Batman é um desastre, e aí ele vai ficando mais mal. Então você fala "nossa, está evoluindo o Batman, está evoluindo as ferramentas do Batman". Mas por outro lado eu acredito que também está intensificando cada vez mais o Batman como aquele que é cavaleiro das trevas mesmo, aquele que não segue as regras e que está disposto a realizar o programa de vingança dele como prioridade. Se você descobrisse que o Batman é o seu chefe, quer dizer, que é o Bruce Wayne, você trabalha com o Bruce Wayne e o Bruce Wayne é o Batman, você continuaria a trabalhar para ele? Levanta a mão aí, quem continuaria a trabalhar para o Bruce Wayne se descobrisse que ele é o Batman? Depende do emprego, né? Vamos ver, né? Então tá, algumas pessoas ainda trabalham ali, agora pense duas vezes depois que eu mostrar a segunda parte um aspecto do filme que é muito pouco discutido, porque a gente às vezes nem presta atenção, tá? Apesar de todo o trabalho acumulado que o Batman tem a ver a mão, ele não conseguiu deter o Coringa em O Cavaleiro das Trevas, que é considerado um dos melhores filmes da série de filmes do Batman, em 2008. Então o Coringa estava tocando terror em Gotham e o Batman não conseguia parar ele. Aí, irritados lá pelas tantas, o Alfred, que é o mordomo do Batman, é o cara que é responsável por colocar as coisas à mão do Batman na casa dele, né? Ele diz assim, "Bruce Wayne, eu vou te contar uma história de um bandido que eu enfrentei na Birmania". Agora presta atenção nessa história, que às vezes passa muito rápido, a gente não percebe. Então Alfred diz assim, "Muito tempo atrás eu estive na Birmania, que é um país lá na Ásia, que foi colônia da Britânica. Os meus amigos e eu trabalhávamos para o governo local. Eles tentavam comprar a lealdade dos líderes tribais, subornando-os com pedras preciosas. Mas as suas caravanas estavam sendo atacadas por um bandido em uma floresta ao norte de Rangoon. Então fomos procurar as pedras. Mas em seis meses nunca encontramos ninguém que tivesse negociado com esse bandido. Um dia eu vi uma criança brincando com um rubi do tamanho de uma tangerina. Então eu entendi que o bandido tinha jogado as pedras fora". Aí o Bruce Wayne pergunta, "Mas por que o bandido roubava as pedras então?" E o Alfred, "Bem, porque ele achou que era algo divertido. Alguns homens não procuram nada lógico como dinheiro. Eles não podem ser comprados, forçados, convencidos ou negociados. Alguns homens apenas querem apenas ver o mundo pegar fogo". Aí o Bruce Wayne, depois de uma outra cena, ele pergunta, "Alfred, e o bandido escondido na floresta da Birmania? Você o pegou?" E o Alfred, "Sim". "Como?" "Incendiamos a floresta". Então, se vocês por acaso não pegaram essa história, só vão enfadar uma coisa. Era um país colonizado pela colônia britânica. Para colonizar, eles subornaram os líderes locais de modo que eles obedecessem a coroa britânica. E quando os líderes não obedeceram, quando houve alguma resistência que eles fizeram, queimaram tudo. Então, métodos racionais, como os empreendidos e utilizados pelo Batman, ou mesmo pelo Alfred, enquanto um militar trabalhando para a coroa britânica, eles escondem intenções irracionais. Por trás do colonialismo, que parece uma proposta magnífica para desenvolver os países subdesenvolvidos, está uma vontade de destruir aquela terra, de se apropriar, de roubar aquele recurso natural, de explorar tudo que tem ali para o seu benefício até acabar. Isso é irracional, porque quando acaba o meio ambiente, ele requer cuidados, ele começa a causar problemas, como por exemplo a poluição ou aquecimento global, que estão muito ligados ao colonialismo em escala global. Então essas intenções ficam evidentes quando os planos não dão certo. E olha o que o Batman faz. Bom, o Lucius Fox apresenta para ele o último gadget que ele desenvolveu, que é um aplicativo móvel que conseguia mapear em 3D o ambiente que estava inserido através de um sonar. Ele emitia sons através da caixinha de som do celular, sons imperceptíveis para o ouvido humano, mas que o próprio microfone do celular conseguia capturar depois e com isso tinha um efeito de mapeamento do espaço em tridimensional. Isso é ficção científica, na prática não dá para fazer isso, mas é uma menção indireta à maneira como os morcegos entendem os espaços, que é através do sonar, uma vez que eles não enxergam. E aí o Batman o que fez? Quando descobriu essa ferramenta, ele instalou, sempre de autorização, em todos os telefones dos cidadãos de Gotham City, quer dizer, ele hackeou todos os telefones dos cidadãos de Gotham City para monitorar todos os espaços da cidade e saber onde estava o Puringa em qualquer momento que ele quisesse. Então ele desenvolveu não só, aí o próprio Batman, ou alguém ajudou ele, não sei quem, não aparece no filme, desenvolveu um óculos de realidade aumentada que o Batman consegue ver esse espaço 3D mapeado pelos celulares que estão espalhados pela cidade e assim ele conseguia rastrear o Puringa. Quando ele fez isso, é equivalente à situação do Alfred que queimou a floresta para acabar com o bandido. Em vez de você caçar o bandido e até matar o bandido, você matou todos os seres vivos que estavam em volta do bandido, se destruiu o ecossistema inteiro por causa de uma vingança, uma sede de vingança irracional. No caso, o Lucius Fox se revolta com essa situação, ele não concorda com isso que o Batman faz, ele pede demissão para o Batman porque ele acha antiético ele fazer isso, ele invadir todos os celulares de todo o mundo, e aí o Batman fala "Não, não, Lucius, por favor, é a última vez que eu vou te pedir uma ajuda num projeto meu aqui, só isso, só peço isso". E aí o Lucius Fox fala "Tá bom, eu vou te ajudar nessa última luta contra a Puringa, mas depois eu vou pedir demissão". Então acontece isso, o caso daquela luta magnífica num prédio, não me lembro exatamente os detalhes, mas o Batman acaba vencendo porque ele tem essa capacidade de enxergar o que está acontecendo a partir do campo sensorial gerado pelo aplicativo, que é uma mão superpoder de uma certa maneira. Agora, vamos olhar para essa situação do ponto de vista do Puringa, que foi muito bem desenvolvida no último filme de 2019 da série, que é muito bom esse filme porque ele mostra que o bandido Puringa, que a gente costuma ver nos outros filmes como alguém sem caráter, alguém que é um maluco sem razão, alguém que simplesmente quer matar e destruir e dar risada, nesse filme, em 2019, se constrói o personagem de maneira muito bem fundamentada nas contradições sociais pelos quais passava esse personagem. Então é uma atuação magnífica do Joaquim Fox, que rendeu ele o Oscar, não é por acaso, mas também é um filme que demonstra a disparidade, embora não seja colocado de maneira explícita, entre a realidade social em que o Puringa nasceu, enquanto uma pessoa pobre, uma classe trabalhadora, sofrendo problemas de ordem mental e não tendo o apoio do Estado para sair daquela situação. Ele não queria ser o bandido que ele acabou se tornando, mas a sociedade não o apoiou, de todas maneiras jogou ele cada vez mais para o fundo do poço. O Batman, por sua vez que é um bilionário, nasceu em berço de ouro e nunca vai entender o que é ser Puringa e porque o Puringa é do jeito que é. O Puringa estimula que as pessoas coloquem o seu lado obscuro para fora porque ele acredita que o caos é o estado natural das coisas. Ele nasceu no caos, o Puringa cresceu no caos e o Puringa viu as pessoas tentando esconder o seu lado obscuro e ele acha isso uma hipocrisia. Na opinião do Puringa, o certo é as pessoas expressarem aquilo que elas têm dentro delas mesas e botar para fora as suas loucuras. E é por isso que, numa determinada cena que eu acho fantástica também, no Cavaleiro das Trevas, ele aponta uma arma para a cabeça dele e ele dá a opção, duas caras, de matar ele ali na hora. E ele diz "eu não estou preocupado com o meu plano dar certo, eu estou aqui para plantar o caos, eu sou um agente do caos", ele diz. Então, o Puringa não está interessado no dinheiro, na verdade o que ele está interessado é provocar uma mudança na sociedade. Agora, o que vai se colocar no lugar desse caos é o que o Puringa não sabe, ele não é um revolucionário com um plano alternativo para a gota. Ele simplesmente quer ver, como disse o Alfred, quer ver a floresta queimar, quer ver tudo queimar. Por quê? Porque os seus sonhos foram destruídos, porque não tem estrutura para aquilo, ele só tem raiva, ele só tem insatisfação em relação àquela sociedade. Só que o Puringa foi formado, nesse filme de 2019 fica muito claro que ele é um agente do caos formado pelos agentes do método, que são os burocratas de um estado que está sendo sucateado, está tendo vários cortes forçamentários por conta de políticas neoliberais em que o estado passa a fazer menos e deixa para a iniciativa privada o cuidado de saúde, em especial o que ele estava precisando que era ter acesso aos remédios psiquiátricos e ao atendimento psicológico. Então ele perde isso e a partir daquele momento ele começa o processo de construção do anti-herói que ele vai se tornar. Então, na verdade, tanto o Batman quanto o Puringa são agentes do caos, eles são resultados de um método que parece racional mas que não é, que no fundo gera mais caos. Você desmontar um estado que atende uma população que não tem condição de pagar para ter seus acessos em nome de uma racionalidade financeira, vamos economizar, por isso vamos cortar os atendimentos de saúde mental como o formato que o nosso presidente tentou fazer alguns anos atrás, desmontar a política pública de saúde mental, porque não temos magia, porque é racional, o que acontece? Você vai gerar o caos. E o Batman também gera caos, ele não é um personagem do lado ordeiro ou metódico, que é uma possível tradução da palavra "lofo" nesse meme. O Batman é "chaotic good", já o Puringa é "chaotic evil". Os métodos do Batman e do Puringa são muito parecidos, tanto é que o próprio Puringa fala "Você e eu somos iguais, só nos diferimos no jeito que a gente faz as coisas, mas no fundo nós dois só estamos procurando a vingança". Isso faz o Batman ficar pensativo depois. Mas vejam que essa visão que o meme traz de classificar os personagens do filme de acordo com duas categorias, duas variáveis, que é metódico e caótico, é uma redução de possibilidades. É claro que é engraçado no meme, fica divertido e você fala "nossa, faz sentido". Mas não é tão simples, por exemplo, o Alfred está sendo colocado como o bom neutro, mas a gente viu na história que ele não é nada neutro e nem nada bom, ele foi capaz de queimar uma floresta e destruir um ecossistema só para se vingar de um bandido, o que eu acho que qualquer tribunal iria condená-lo a excesso de força desproporcional em relação à agressão recebida. Então o que acontece é que o pensamento moderno que separa método de caos, bom e mal, que dá origem à ideia de herói ser o composto de um anti-herói, um vilão que dá origem a vários filmes e produtos de cultura pop que a gente importa no Brasil, ou seja, pensamento moderno não é originalmente nosso brasileiro, da terra de Pindoram, não foi criado aqui pelos nossos povos originários, isso veio de fora, é um produto da indústria cultural que a gente foi obrigado a consumir e é costumeiramente obrigado a consumir. Mas nós, enquanto uma cultura ou várias culturas que se transformam e que reagem a essa colonização, imperialismo em formato cultural, a gente vai hibridizar e subverter esses valores e essas cisões. Então por isso que eu comecei a nossa aula com o Batman Cumba do Gilberto Gil, que é um exemplo, claro, de uma subversão e uma hibridização, uma mistura dessas culturas pop com culturas ancestrais originares, visando com isso nos libertar desse pensamento moderno, para a gente não ficar preso nessas duas oposições. Se a gente for continuar na discussão dos heróis, a gente tem exemplos tão poderosos quanto o Batman e o Coringa, mas com um valor ético mais superior. O Chapolin Colorado é um anti-herói híbrido que resistiu a lógica capitalista que levou o Coringa a se tornar o bandido que ele é, mas ele não se tornou esse assassino. Quer dizer, tem até um episódio explícito, mais explícito ainda do que o filme do Coringa, em que o Chapolin luta contra esse personagem, que eu não me lembro o nome, que é um super-herói gringo que representa o Tio Sam, que é o Estados Unidos imperialista, vindo tentar roubar o trabalho de herói do Chapolin. Mas ele também enfrenta o outro personagem, que não está aqui na foto, que representa a União Soviética. E numa época em que existia a tal da Guerra Fria e os países da América Latina se posicionavam nem de um lado nem de outro. É claro que o Brasil, na verdade, nessa época estava mais alinhado aos Estados Unidos, mas o México, da onde vinha o Bolhâneos, esse ator, ele estava nesse meio-termo entre um lado e outro, tentando buscar o seu próprio caminho, nem alinhado aos Estados Unidos, nem alinhado à União Soviética completamente. E aí a reflexão do Chapolin Colorado é muito interessante, porque ele é um super-herói que... Os super-poderes não são efetivos, não são tão super-poderes assim, né? O que ele consegue fazer que as outras pessoas não conseguem? Bom, ele tem umas anteninhas que ficam piscando quando ele sente que vai haver algum perigo, alguma coisa assim, mas elas não ajudam a dizer o que ele tem que fazer. E às vezes jogam ele em confusões, as mais diversas. Ele tem uma pílula também que ele consegue ficar pequenininho, miniatura, que às vezes ajuda, às vezes atrapalha, não dá tanta vantagem assim. Ele tem essa marreta biônica que ele bate nas pessoas e não acontece nada. Enfim, não é isso que realmente torna as histórias do Chapolin tão interessantes, ou o que fazem as pessoas admirarem o Chapolin. O que faz as pessoas admirarem o Chapolin e assistirem é as virtudes dele. Ele é um super-herói que tem empatia, que sente a dor das pessoas, que se coloca no lugar delas, que ouve, que conversa, tem um diálogo. Ele é um cara que tem muita paciência, quando ele não sabe como enfrentar o perigo ele simplesmente senta e descansa. Uma hora a gente vai chegar à solução. E ele tem muita sinceridade, ele fala as coisas na cara dura, às vezes meio sem noção. É uma característica que foi explorada por muitos memes da internet. O Chapolin Sincero, desde 2017 ou 2014, está nas redes sociais aí. Então essa daqui é para vocês, gente. Nesse Halloween o Chapolin diz "eu vou fantasiado de TCC". Sinceridade para o monstro que vocês vão construir aí. Agora, se a gente olhar para a nossa história no Brasil, na América Latina, nós além de termos heróis imaginários, nós temos heróis de verdade também. Paulo Freire, por exemplo, foi incluído oficialmente pelo Senado Federal como um herói da pátria federal, incluído de um livro. Um livro que é impresso em metal e colocado lá num monumento em Brasília. Isso foi recentemente, em novembro de 2021, como uma maneira também de afirmar e combater as críticas infundadas que foram feitas ao trabalho dele. A tentativa também de demorê-lo da posição de patrono da educação brasileira. São todos títulos oficiais concedidos após muita deliberação e voto dentro do Congresso Nacional e do Senado Federal. Então ele é um herói mesmo. A gente pode falar isso porque, por vários motivos, um dos principais é o fato dele ter criado o programa de alfabetização de adultos mais eficiente na época dele, que existia. Bateu o recorde e foi parar no Guinness, porque ele conseguiu alfabetizar pessoas adultas em 30 horas ou 40 horas, não me lembro agora, de aula. Isso era uma coisa muito difícil na época, porque os métodos de alfabetização eram baseados no processo de alfabetização das crianças que infantilizavam o adulto. Então o adulto tinha que aprender a ler e escrever frases do tipo "vovô viu a uva". E isso para um adulto não tem muito sentido. O que o adulto acha interessante é o que é votar na eleição, a importância do voto na eleição. Porque isso muda a possibilidade de futuro daquele adulto. Se ele sabe votar melhor, porque ele sabe ler, ele pode mudar a realidade dele. Então a motivação de um adulto para aprender a dominar a leitura, quando ele vê um propósito para essa leitura, é muito maior. E essa foi a grande sacada do Paulo Freire, que influenciou a educação em várias áreas, inclusive me influencia na maneira como eu ensino design para vocês. Eu estou o tempo todo colocando a questão do propósito. Por que a gente vai aprender a dominar vários métodos? Porque ao invés de dominar um só e saber fazer um bem, ou ter sempre a mesma metodologia, eu estou propondo para vocês que vocês tenham a possibilidade de criar várias metodologias a partir de vários métodos. Então tem um propósito para isso, que tem a ver com virtudes, o desenvolvimento de virtudes. Então ao refletir sobre as virtudes do educador, o Paulo Freire disse claramente, olha, não adianta só ter o discurso crítico. Você precisa ter a prática crítica. As virtudes se constroem fazendo e não só falando. Isso é muito interessante, diferente também da ideia que a gente tem de virtude, a partir de uma moral, ou mesmo de um academicismo, que a gente na universidade aprende a ter virtudes lendo, refletindo, escrevendo. Mas eu acho que a gente também aprende a ter virtudes seguindo o Paulo Freire, fazendo design. Então além das teorias que nos permitem antecipar as virtudes, as viradas do mundo, a teoria tem essa característica preditiva, ela antecipa algo que vai acontecer, você já sabe mais ou menos o que vai acontecer porque você tem a teoria, os métodos e as ferramentas que usamos também projetam um jeito de estar no mundo. E esse jeito pode ser caótico, pode ser metódico, ele tem um aspecto ético. Se a gente quer estar no mundo de maneira livre, a gente não quer estar preso, limitado pelos nossos métodos e ferramentas, nós precisamos projetar ferramentas livres para nós próprios e também para os outros. Isso significa se apropriar do meta design como uma maneira de realizar o design ontológico crítico do ser que projeta a sua liberdade. Então essa aqui é filosofia, é um pouco complexo de capturar o que eu estou querendo dizer, mas vejam, quando a gente fala que o meta design é o design do design, vocês já capturaram, vocês tiveram a experiência prática de fazer um projeto de um processo para uma pesquisa de experiências. Ok, mas uma coisa que talvez não tenha ficado claro que ao montar esse processo vocês não fizeram só o design do design, vocês também fizeram o design dos designers que vocês estão se constituindo, dos designers que vocês estão sendo. Pode dar a impressão de que a minha intenção com essa aula é que vocês se tornem designers metódicos, porque eu estou ensinando a usar métodos, a disciplinar metodologia da pesquisa, mas a minha intenção é que vocês pensem, reflitam, sejam críticos em relação às possibilidades de ser designers, eu quero que vocês sejam livres. Essa reflexão que agora está mais clara, muitos anos depois de ter lido e refletido e testado essa ferramenta UX Cards foi na sua origem motivadora. Por que a gente criou UX Cards? Por isso tudo que a gente está falando aqui agora. Inclusive esse desenho do Batman usando ferramentas na mão, no cinto, no livro, é um desenho daquela época, de 2011 que eu fiz para refletir por que eu estava criando UX Cards. Então isso já está comigo há muito tempo. E a ideia de que o designer é uma espécie de super-herói, hoje em dia eu já vejo que o design pode ser um anti-herói também, pode ser outra coisa que não é nada de herói. Enfim, a diferença entre um método na mão, no livro e no cinto é fundamental. O que não apareceu aqui é o método no trabalho, o método sendo desenvolvido, isso é uma coisa que eu percebi com o longo do tempo. Então o objetivo do UX Cards é meta-estruturar o planejamento colaborativo de um projeto de experiências de modo que a autogestão seja possível, de modo que os designers sejam livres ali no processo e possam interferir e não seja um designer, uma designer mandando nos outros como eles devem fazer. Por isso é uma ferramenta fluida, uma ferramenta disputável, uma ferramenta que você não consegue botar a mão e segurar e falar "é meu". Ela está distribuída, é como água, a água ninguém consegue segurar, até por isso é um dos poucos recursos naturais que ainda não foram completamente privatizados, também tem a ver com a materialidade da água e essa característica delas correr pelos nossos dedos, diferente do ouro por exemplo. Cada carta do UX Cards ela tem QR Code, que aponta para uma página Wiki na plataforma Corais e Wiki significa o que? Que vocês podem editar e contribuir para essas páginas. Vocês já deram uma lida, eu imagino, semana passada, viram que tem bastante conteúdo, algumas outras nem tanto, se vocês quiserem depois contribuir podem. É uma coisa que vários estudantes de várias universidades que eu dei aula até hoje já contribuíram e vocês podem continuar se quiserem. E o legal é que vocês podem ver quem contribuiu ou quem usou aquela ferramenta. Então aqui tem os perfis das pessoas que usaram, que estudaram, tem o perfil do especialista também, você pode mandar uma mensagem perguntando "como é que eu faço para usar isso?" Você tem alguma dica? Então é uma espécie de comunidade de prática essa plataforma, ela oferece uma maneira de conectar as pessoas pelo que elas têm em comum nos seus cinturões. Então quando você entra no perfil da pessoa na plataforma Corais você vai ver todas as cartinhas que ela está estudando, que ela já sabe, e aí você pode ver o cinturão de utilidades dela, você pode entrar em contato, trocar ideia. Então o objetivo da Corais é ser um projeto, melhor, da UX Cards, é ser um projeto assim como a plataforma Corais, aberto e livre para a transformação em outros projetos. Então o código fonte e o processo de desenvolvimento da UX Cards está todo documentado, livre e aberto, lá no site chamado uxcards.org, que tem o link no mudo para vocês seguirem. A última atualização desse projeto foi a adaptação do UX Cards para o Miro, que é uma ferramenta digital para você ter uma experiência parecida com o quadro branco que vocês tiveram aqui fisicamente. Se você quiser ter uma oficina de UX Cards a distância com um time que está espalhado pelo Brasil, você pode, usando essa versão 3.3 no Miro, que vocês podem baixar lá e experimentar. Inclusive vocês podem baixar o SVG, que é o código fonte editável do UX Cards para transformar em outra coisa. Vocês podem também criar outros Cards em outras áreas do conhecimento que ainda não tem mapeadas. Por exemplo, a UX Cards descreve projetos na área de experiência, mas se você quiser fazer um baralho usando a mesma estrutura para projetos gráficos, para projetos de produto, para projetos de serviço, para projetos do que você quiser, você pode usar essa mesma estrutura. Essa é a vantagem de ter esse projeto aberto com código fonte e com uma licença aberta Creative Commons. Além do UX Cards, existem várias ferramentas livres de design. Isso é um ponto que eu tenho defendido já há muitos anos, que é melhor, sempre que possível, utilizar software livre ao invés de usar um software proprietário, como a suíte de aplicativos da Adobe, porque um dia pode ser que você não tenha dinheiro para pagar, um dia pode ser que a fiscalização do governo pegue, bata no escritório e você tenha que pagar uma multa porque você está usando software pirata, e por vários outros motivos que tem a ver com essa questão do ser designer, essa questão ética, essa questão política de estar num país subdesenvolvido que não tem dinheiro sobrando para comprar essas ferramentas, que custam muito caro porque elas são importadas, são aplicativos que vêm de fora, e em dólar, muitas vezes cotados em dólar. Então, uma alternativa muito mais interessante para nós no Brasil é aprender a usar software livre, que é um pouquinho mais difícil no começo, mas que a longo prazo vai te dar mais liberdade. Aqui tem alguns que eu utilizo, né, ou que eu conheço, o Inkscape, acho muito bom, o Gimp não acho tão bom, mas funciona equivalente ao Photoshop, esse aqui, o Inkscape é equivalente ao InDesign, o Scribbles, desculpa, equivalente ao InDesign, não, esse aqui é equivalente ao, o Scribbles que é equivalente ao InDesign, o Inkscape é equivalente ao, qual que é o outro lá da Adobe, o Illustrator, equivalente ao Illustrator. Aqui tá repetido, mas tem um erro aqui, é FontForge, que é uma ferramenta de criação de fontes tipográficas, livre também, muito bom. O Blender, que é tão bom esse software livre que ele é usado prioritariamente em relação ao software proprietário, ferramenta de animação em 3D. O Krita, que é a ilustração digital, o FreeCAD, que é pra você fazer objetos tridimensionais na área de produto, máquinas, agora o Canva, gente, não confundam, canva.com, quem não mexer ainda um dia vai mexer, vai ter essa tentação de fazer um trabalho de design com Canva, vocês podem usar, não tô dizendo que não devem usar, só saibam, não é software livre. O fato de ser de graça não significa que é software livre. Software livre significa que você tem acesso ao código fonte, que você pode participar de uma comunidade e interferir no design daquela ferramenta. O Canva não dá essa possibilidade porque ele é uma ferramenta proprietária, que embora seja de graça, ele tem planos pra você ter mais opções pra você pagar. E ele também não tem a opção de você baixar o aplicativo e instalar no teu computador, então o dia que eles quiserem desligar o Canva e deixar vocês todos na mão com todos os seus projetos, vão desaparecer porque tá tudo salvo lá, eles podem fazer isso tranquilamente e você não vai ter o que fazer. Então pra concluir, pra ser designer livre é preciso treinar como Batman, se divertir como Coringa, desenvolver virtudes como Chapolin, ser crítico como Paulo Freire e usar ferramentas livres como UX Cards. Então não tô sugerindo que vocês sejam nenhum desses aqui, tô sugerindo que vocês se construam a partir dessas referências e de muitas outras que vocês vão ter aqui na faculdade. Gente, muito obrigado.