Muitas pessoas me conhecem pelo trabalho que faço nessa área chamada UX, hoje é chamada de UX. É uma área que começou há mais ou menos uns 10 anos a se estabelecer no Brasil, mas ela teve um momento anterior a isso, que ela nem se chamava UX, nem chamava experiência do usuário, ela se chamava usabilidade. Então foi nessa época em que eu ingressei nesse assunto, eu estava terminando a graduação em 2003, resolvi abrir um blog chamado Usabilidade. Muitas pessoas aprenderam sobre usabilidade comigo, porque nessa época não havia muitas referências, nem mesmo no mercado para poder aprender junto. Então eu trazia aquilo que eu aprendia na academia para aquilo que eu achava que o mercado poderia ser no futuro, uma vez que esse mercado não existia. Então eu prospectei uma área e acabei acertando, mas pode ser que eu não esteja acertando mais, eu hoje queria com vocês avaliar a minha capacidade de prospectar novos futuros. Então o que eu vou apresentar para vocês hoje é o que eu acho que é o próximo passo dessa área do design. Eu queria muito ouvir de vocês num diálogo frank e aberto, principalmente porque hoje eu estou mais fortemente ligado à academia, se isso faz sentido no mercado. É claro que eu vou relativizar as respostas de vocês, porque quando eu perguntei há 20 anos atrás "Será que usabilidade tem mercado no Brasil?" todo mundo me disse que não, eu insisti. Mas de qualquer forma, a gente precisa ajustar. Uma das coisas importantes foi não preocupar-se apenas com usabilidade, mas também com outros fatores da experiência do usuário, que foi algo que eu fiz já desde cedo e que também já foi uma espécie de pioneirismo nessa área, que ficou conhecida hoje como experiência do usuário e que envolve outras qualidades além da usabilidade. Então deixa eu compartilhar os meus slides. Espero que dê certo, vamos lá. Fernanda, está tudo certo aí com vocês? Então tá, eu vou falar sobre prospectando futuros a partir do design, é uma tentativa de imaginar o que pode ser o design no contexto de crises, de contradições, de mudanças estruturais que são necessárias em larga escala na nossa sociedade brasileira, na sociedade moderna de âmbito internacional. Então eu estou localizado no Departamento de Desenho Industrial da Universidade Tecnológica Federal do Paraná e esse conceito design prospectivo que eu vou apresentar para vocês, ele está sendo desenvolvido com a proposta de um novo programa de mestrado, que a gente pretende inclusive formar profissionais para o mercado também. Então ajudem-nos a avaliar se isso aqui faz sentido para vocês e para outras demandas futuras que vocês imaginem. Bom, se a gente voltar um pouquinho na história do design, lá nos anos 50, 60, Raymond Louis, que foi um dos grandes figuras no desenho industrial estadunidense, ele dizia que design deveria ser Maya, most advanced yet acceptable. Então esse acrônimo serve para nos lembrar de que design nunca é você reproduzir uma estrutura atual, que todo mundo está fazendo, igual, copiar. Se for cópia, não é design para Raymond Louis. Então já desde o início a Sária está preocupada com originalidade, novidade. Só que nessa época também, o que era novidade para o Louis era mudanças estéticas, mudanças de estilo, tanto é que ele fez parte de um movimento chamado styling, que você mudava os carros, mudava os objetos apenas de formato, mas a função, a usabilidade continuava a mesma, se não muitas vezes pior. Isso era um processo muito específico daquela época de profusão de consumo, havia uma demanda de consumo grande e uma capacidade para um consumo grande, coisa que foi se perdendo conforme houve a crise do petróleo nos anos 70 e o design começou a ficar mais focado nessa linha mais minimalista que a gente conhece até hoje. Aqui na UTFPR, nesse programa de pós-graduação, design prospectivo que estamos construindo, a gente acredita que design pode ser muito mais do que focado na estética ou no estilo, nem mesmo muito mais também pensar em funcionalidade ou usabilidade. A gente acredita que podemos, com o design, prospectar novas relações em sistemas sociotécnicos. Então estamos falando de uma maneira de projetar muito mais complexa e ampla do que anteriormente. Mas vamos começar desde o começo, da noção mais simples, para que todo mundo fique na mesma página nessa conversa. O que seria um sistema sociotécnico? Em sua essência é uma série de relações entre diferentes coisas. Então você tem uma coisa de um lado, uma coisa do outro, uma relação no meio. E a relação é o interessante no sistema sociotécnico. Então percebam que para você entender um sistema sociotécnico como uma mobilidade urbana, que envolve não só o próprio carro, mas envolve os postos, envolve a rede de combustíveis, envolve as fábricas que produzem os diversos equipamentos e peças desses carros, que fazem eventualmente equipamentos para manutenção, assim como também envolve diversos tipos de consumidores, de usuários, de pessoas que fazem manutenção, pessoas que alugam, que usam de diferentes maneiras os carros. Instituições mais diversas, com destaque para o governo, que eventualmente vai definir várias leis e políticas públicas para a mobilidade. E as prefeituras, que vão fazer os planejamentos urbanos. Então todos esses atores e coisas fazem parte do que a gente chama de sistema de mobilidade urbana. E se você quiser mudar um elemento dessa rede, você vai ter que desconsiderar as relações que esse elemento tem com todas as outras. Por isso que é tão difícil fazer uma transição para um modelo de mobilidade baseado em combustíveis renováveis. Porque não é só mudar o carro e o motor do carro ser movido a eletricidade. Você precisa mudar todas essas cadeias de relações que estão aqui postas brevemente nesse diagrama. Essas relações surgem de maneira espontânea quando os diferentes atores e coisas começam a se relacionar. Quando eles se conhecem, quando eles começam a trocar alguma coisa. Mas isso também pode ser projetado de maneira mais ampla, planejado, pensado com intencionalidade, que é o domínio do design, mas não de maneira fechada. De maneira que o projeto acabe quando ele seja implementado. Um projeto, um design para um sistema sociotécnico, que tem que estar aberto ao desenvolvimento e mudanças dessas relações. Então aqui nós temos um exemplo de uma foto no fundo desse slide que demonstra as mudanças de relações que as aplicativos de mobilidade como Uber, Lyft e outros promoveram dentro do sistema de mobilidade. Não foi só dentro do carro que mudou a relação do passageiro com o motorista, se quiser uma analogia com a relação anterior entre taxista e passageiro, completamente diferente. Mas mais do que isso, a relação de um cidadão com a sua cidade muda porque ele já nem precisa mais ter necessariamente um carro para poder aproveitar as melhores oportunidades que a cidade oferece. Isso fora de uma série de outras relações econômicas, políticas, trabalhistas que eu não vou entrar em detalhes agora. O ponto é que trabalhar com relações significa lidar com uma temporalidade mais ampla do que estamos acostumados nas disciplinas de design que já existem consolidadas hoje no mercado e na academia. Normalmente o design está muito focado na transmissão de informações de modo que ela fique mais clara. Então quando o Raymond Louis falava "nós temos que focar no estilo, no visual", ele queria também expressar informações nem que fossem informações emocionais e afetivas para você se vincular emocionalmente com um produto. Isso acontecia de maneira instantânea praticamente. Já uma experiência que você busca com um produto pode durar horas, pode ser mais intensa. Então a temporalidade tem um escopo mais amplo. Agora quando você pensa em interações, ações em conjunto entre diferentes atores, você pode considerar escopos de meses. Já a relação, que é o nosso foco aqui do design prospectivo, ela pode durar anos. Então o escopo de projeto também pode ser mais do que um ano, como normalmente não acontece hoje no mercado, mas pode vir a acontecer. Então design prospectivo envolve uma expansão temporal, mas também uma expansão conceitual de como pensar e como fazer design. Eu vou trazer aqui um diagrama muito interessante do Richard Buchanan, um pesquisador da área do design, que definiu e percebeu um padrão de expansão do design a partir do início dos anos 90, se espalhando até chegar nos dias de hoje. Naquela época, nos anos 90, o design estava muito focado no gráfico, na informação. Já existia estabelecido um design de produto, mas ele ainda estava focado na informação também. Começava nos anos 90 um design de produto focado em experiências, em emoções, o que hoje a gente conhece como design emocional. A terceira ordem e a quarta ordem foram produtos desse visionário, que é o Richard Buchanan. Ele imaginou que no futuro o design ia se orientar mais para a área de serviços e focado em interações. Isso era algo incipiente, não tinha praticamente nem cursos e nem profissionais especialistas em design de serviços, algo que hoje já é realidade inclusive no Brasil. Agora a quarta ordem, essa que ele vislumbrou lá atrás, das relações ou também do pensamento sistêmico, ainda não está estabelecida nem no mercado nem na academia, e é justamente o foco de expansão que a gente quer trazer com o nosso programa. Eu já tive experiências diversas em várias ordens do design, mas eu vou destacar uma que foi uma transição interessante, acompanhando o Renault Experience 2.0. Fui um consultor desse projeto trabalhando na Hot Wheel, que é a aceleradora de startups da PUC do Paraná, quando eu ainda era funcionário dessa universidade no passado. Então a gente redesinhou esse programa para que ele tivesse não só o foco no carro, ou na mobilidade física, mas também na mobilidade enquanto um serviço que uma cidade oferece para um cidadão. Então foi uma expansão da segunda ordem focada em produto para a terceira ordem focada em serviços. Nós tivemos muitas startups de serviços, mas que tinham também aplicativos e outros avatários digitais, que eram apenas um meio para esse serviço ser oferecido. Então não chegou-se a quarta ordem no Renault Experience nessa época, nem era o foco também. Mas é um exemplo de como que um projeto que busca repensar os fundamentos do design consegue expandir para uma nova área de atuação. Hoje o Renault Experience é um dos programas mais interessantes de articulação com as universidades e com os jovens que estão sendo motivados a empreender nessa área da mobilidade nos seus diversos ordens. Agora essa preocupação com as relações ainda é incipiente no design, só que é extremamente necessária, ainda mais depois da pandemia Covid-19. Então nós temos um estudo que a gente fez no final do ano passado sobre todas as infraestruturas que foram quebradas, que houve rompimento durante essa pandemia, inclusive o sistema de transporte, o sistema de mobilidade urbana. A gente publicou um artigo sobre a fumaça digital, que foi um dos fenômenos que a gente descobriu, que estava associado a esse processo de doenças, que a doença não atingia só as pessoas, mas atingia também as infraestruturas digitais da nossa sociedade, sendo que a gente depende muitas vezes mais da infraestrutura digital do que da infraestrutura física. Chamamos isso de fumaça digital nesse estudo. A partir desse estudo a gente começou a olhar quais eram as soluções de design que estavam sendo propostas para essas quebras de infraestruturas. E a gente viu várias soluções como essa, ventiladores que têm peças mais fáceis de você trocar ou que não quebram, ou que têm maior usabilidade, não causam erros de ergonomia e eventualmente uma pessoa não vai sofrer um acidente médico por conta de uma experiência do usuário ruim desse tipo de produto. Vejam, isso aqui é uma resposta na segunda ordem do Buchanan, é uma resposta de design de produto focado em uma experiência. Teve muitas intervenções também que a gente descobriu, focadas em informação. A gente resolveu mapear todas essas soluções e problemas que a gente encontrou publicadas em websites, em especiais websites e portais do mercado, como o Design Boom e outros. E aí a gente começou a relacionar esses problemas e soluções com as ordens de design para ver quais eram as ordens que atraem mais atenção dos praticantes e pesquisadores da área do design. E percebemos que a terceira e quarta ordens ficaram negligenciadas, os designers queriam saber de experiência, melhorar a experiência dos produtos que ajudavam ao combate à pandemia e por outro lado melhorar a informação oferecida para as pessoas sobre os cuidados sanitários. São soluções importantíssimas, porém, quando a gente olhou para aquele outro estudo que a gente viu, que é as quebras das infraestruturas, a gente percebeu que os problemas se concentravam mais na terceira e quarta ordem. Um outro ponto importante é que a gente viu quem eram os atores que estavam propondo essas soluções. Na maior parte dos casos, as soluções de design eram propostas por empresas que queriam aproveitar oportunidades de negócio, enfim, nada de questionável sobre isso. Mas o que a gente quer propor, a reflexão, é será que empresas só podem focar em soluções e projetos de primeira e segunda ordem, ou seja, provendo informação, provendo produtos, será que empresas não podem oferecer também serviços e, quizá, novas relações em sistemas sociotécnicos? Então, eu estou começando a imaginar que isso é possível sim, por enquanto ele não é uma realidade, conforme a gente prospectou nesse estudo publicado recentemente. Então, a gente acredita que o problema é que muitas empresas e profissionais focam numa prospecção individual, que vai depender da capacidade daquele indivíduo ou daquela organização para vislumbrar as possibilidades disponíveis. Então, se você imaginar que as possibilidades estão no mundo, mas a gente não enxerga elas, muitas vezes por ter uma visão muito curta, às vezes uns atores enxergam um pouco mais além, mas aí também enxergam um pouco aquilo que está próximo a ser feito ao seu redor. Então, o ideal para você pensar fora dessa caixa do que é possível e do que é provável, é o que a gente chama de prospecção coletiva. Então, nessa quarta ordem de relações, é preciso prospecções coletivas que envolvam várias organizações. E que essas atores, essas pessoas, esses indivíduos, essas empresas, essas organizações do terceiro setor, governamentais, que sejam, elas precisam confrontar suas perspectivas de futuro. E esse confronto, essa interação é o que pode gerar novas explorações do espaço de possibilidades. Quanto mais diferentes forem as qualidades dessas prospecções, cada uma traz uma qualidade diferente. Por exemplo, quando um ator do governo está prospectando, ele vai olhar para a governabilidade, um ator do mercado vai olhar para a lucratividade, mas o ideal para pensar na mudança de sistema social e técnico é articular essas duas possibilidades juntas. Então, se você imaginar a caixa de possibilidades como uma coisa fixa, estática, você não vai ver justamente o que a gente chama de um novo possível, que é a redefinição daquilo que era possível por considerar algo impensável, algo improvável, algo impossível se tornar possível. Então a gente tenta expandir essa caixa e considerar ideias que eventualmente podem parecer malucas para um ator, mas a hora que conflita a ideia maluca de um ator com a ideia maluca de outro ator, surge ideias viáveis, que é o que a gente chama de um novo possível. Então, o design prospectivo é caracterizado por um possibilismo, uma tentativa constante de explorar o que é improvável, o que é impossível e até mesmo o que é impensável, para viabilizar o que seria possível, o que não seria possível anteriormente, mas que agora se torna possível, o que já começou a se estabelecer novas relações entre os atores. Eu vou dar um exemplo rápido aqui de uma empresa ficcional que os nossos estudantes de design criaram, chamada Optimus Body. Eles imaginaram que em Curitiba haveria a fundação dessa empresa nos anos 70 e essa empresa teria se tornado nos anos atuais a maior produtora de próteses do mundo. E essas próteses, esses membros artificiais que essa empresa produzia, eles tinham todo o glamour, toda a beleza de um produto industrial como o da Apple. Então, as pessoas começavam a querer trocar membros saudáveis por próteses porque eles eram mais eficientes, porque as pessoas podiam trabalhar mais e inclusive eram mais bonitos. Então, eles criaram uma ficção projetual, uma visão de futuro que parece impossível. Mas a hora que você começa a assistir essa história e ver como ela tem vários elementos de realidade, você vai dizer que aquilo ali é possível, que a gente quer isso, esse é o ponto. Então, essa prospecção futura é interessante para pensar que relações nós queremos cultivar no presente, porque as sementes para a gente ser em Curitiba a capital mundial das próteses já estão ali. O que, no caso, a gente queria estimular com os estudantes é que eles também fossem empreendedores, mas empreendedores com visão de mudar o mundo nesse sentido. Então, as relações já começavam a mudar em sala de aula. Toda essa história da Optimus Varis surgiu quando um estudante, durante uma sessão de prospecção, usando o corpo inteiro e tecnologias emergentes, a gente usa várias técnicas, dentre elas o teatro oprimido, o estudante pegou uma mão biónica, colocou no casaco, escondeu e começou a interagir como se fosse uma pessoa que tivesse um membro amputado e tentaria construir um emprego com essa mão biónica, que era muito mais eficiente para o trabalho braçal do que uma mão natural. E aí ele enfrenta vários preconceitos e a história se desenrola de várias maneiras. Os estudantes começam a perceber como a inovação sempre enfrenta relações sociais. A gente também publicou um artigo científico sobre isso. Agora eu vou passar então para o ponto principal da estética desse design prospectivo, que não é visual. Eu não sei se já estão percebendo, mas é uma estética que tem a ver com qualidades que a gente chama de relacionais. Então, o que seria isso? Olhem para essa imagem, vejam o sistema sociotécnico representado de maneira muito simplista, lembrando daquele primeiro slide que a gente mostrou que relação era entre uma coisa e outra coisa, agora vocês têm várias relações e várias coisas. Então, quando várias coisas estão interagindo, cada coisa tem uma qualidade específica. Quando você interage com um ponto de contato, por exemplo, de um serviço, você tem uma sensação de que é rápido, com outro ponto de contato tem uma sensação de que é lento. Isso é uma qualidade daquela entidade, daquela coisa do sistema, mas não do sistema como um todo. Quando a gente fala em qualidade relacional, queremos pensar nas qualidades estéticas de você passar de um para o outro e mais para você ter uma relação com todos aqueles pontos de contato pelos quais você passou. Então, você tem uma gestalt, uma sensação de um todo que vai muito além das partes. Aqui um exemplo de como a gente está tentando desenvolver e aplicar esse tipo de visão em projetos, em parceria de pesquisa, em parceria com empresas, como a Bosch Brasil. A gente fez um mapeamento do ecossistema de internet das coisas no Brasil e posicionamos a Bosch, onde que ela estava, quais são os atores mais próximos da Bosch, quais são os atores que a Bosch precisa estar mais próxima, quais são os atores que a Bosch está distante e precisa se conectar, porque ali está acontecendo uma troca. Vocês estão vendo aí, devem ter alguns clusters, acumulações de atores fazendo trocas que não estão conectados ainda à Bosch. E para o outro lado, qual é a qualidade das relações que a Bosch quer ter com esses atores? Ela quer ter uma relação de, naquela época estava muito focada na relação de adquirir inovações, de incorporar nesse processo de entrada de inovações, mas a Bosch também precisa ter um processo de saída de inovações, se é que ela quer articular esse ecossistema com a estratégia de inovação aberta, que era a ideia. Então esse diagrama foi importantíssimo para ver o que é que a Bosch estava investindo e o que a Bosch estava tirando desse ecossistema para que essas relações fossem sustentáveis. Essa palavra sustentável é um tipo de qualidade relacional, que normalmente está associada a questões ambientais, mas que pode também estar associada a questões estratégicas, como eu estou colocando aqui, ou sociais também. Mas voltando, quando a gente fala em estética, no design prospectivo, nossa beleza se manifesta nessas qualidades. Então elas não são necessariamente visíveis. Se as qualidades objetivas são mais explícitas, como a usabilidade, a acessibilidade, a durabilidade, a utilidade, a beleza, a clareza, que são todas as qualidades com as quais eu trabalhava no início da minha carreira, agora essas qualidades relacionais são mais difíceis de você vivenciar, mas não são menos importantes, nem menos impactantes na vida das pessoas que estão vivendo a partir de vários sistemas sociotécnicos. Nós vivencemos o dia a dia, a dificuldade de você ter uma falta de sustentabilidade, por exemplo, crise hídrica que estamos vivenciando agora no Brasil, falta de sustentabilidade nos nossos sistemas hídricos. Resiliência, igualdade, solidariedade, convidialidade, mobilidade, todas essas são qualidades desses sistemas sociotécnicos como um todo. Não adianta você mexer só num elemento. E porque muitas vezes também você vai ter atores que não conseguem ter essa visão toda e vão focar apenas naquelas coisas que lhes concernem, que estão mais próximas. No caso da GM, tem o caso clássico do EV1, que foi um carro elétrico muito interessante que eles projetaram nos anos 90, mas que eles mesmo os mataram. O filme "Quem Matou o Carro Elétrico" conta essa história muito bem, se ele tivesse sido mantido, talvez ele tivesse antecipado essa transição para combustíveis renováveis que a gente tem hoje. Hoje no Paraná, por exemplo, temos a Copel, que é uma distribuidora de energia elétrica, fazendo vários projetos de estímulo para essa transição para combustíveis renováveis. E agora, o fato da Copel instalar um posto, um eletroposto, um só, ou dez postos em uma única estrada, você só não vai mudar esse sistema. Apenas um incentivo, um estímulo para que empreendedores e outras empresas grandes se motivem a se engajar com essa transição. E essas parcerias de novo, agora a Renault aparecendo aí em parceria com a Copel, permitindo que esse tipo de investimento faça sentido, porque o que adianta ter eletroposto se não ter carro elétrico? Então tem lá a Renault se propondo a testar os carros elétricos que eles estão começando a trazer para o nosso mercado. Então, essas qualidades relacionais vão se mudar mesmo, vão se transformar quando houver pressões de todos os lados no sistema sociotécnico. Aqui eu estou destacando um exemplo de uma pressão no sistema de mobilidade que acabou gerando uma crise chamada "breque dos apps", que foram os entregadores de aplicativos fazendo greve em um determinado dia, mas também representando outros trabalhadores de plataforma, que trabalham por exemplo motoristas de Uber, que também tem situações de trabalho similares, que eles chamam de precarizadas. Então o "breque dos apps" é uma manifestação que a gente pode explicar da seguinte maneira. Você tem nesse modelo multinível de transições sociotécnicas os nichos tecnológicos onde estão localizados as startups como o iFood, como era Uber antigamente. Esses aplicativos de mobilidade tentam trazer novas relações para o regime que está estabelecido, as grandes empresas, os governos, os atores dinossauros gigantes. Esses atores gigantes estão tentando manter o status quo, agora esses atores não podem ignorar as forças que estão vindo, as pressões que estão vindo do panorama. No panorama estão ali mudanças climáticas e o desemprego cada vez aumentando mais no país como o Brasil. E aí você tem uma oportunidade gerada por essa pressão que abre espaço para que esses aplicativos de mobilidade explorem falta de políticas públicas de mobilidade, de transporte público. Por outro lado, tem pessoas desempregadas precisando pegar mais trabalho, dirigir o seu carro e tudo mais, e aí você tem essa tensão que vai acumulando até eventos como o "breque dos apps" e outros eventos que podem vir a acontecer, porque essa tensão ainda não foi resolvida. Agora, do outro lado vocês viram um exemplo de algo que ainda não entrou em conflito drástico, o carro híbrido por exemplo, ele tem uma outra abordagem diferente para a presa pressão das mudanças climáticas. Ele é o que a gente chama de tecnologia de transição, ele está no nicho, mas ele não vem para causar uma disrupção, ele não entra no regime tão rápido, ele fica no nicho por um tempo até que haja uma acumulação suficiente de qualidades relacionais para que a entrada dessa inovação seja mais gradual. Então, não é a tecnologia de transição oposta a tecnologia disruptiva, ela vai tentar propor uma mudança gradual no sistema sociotécnico. E aqui eu volto de novo para o exemplo do sistema elétrico, sistema de energia, eles estão tentando hoje no Brasil e em vários lugares do mundo, transicionar para smart grids, que são esses sistemas de distribuição que podem envolver não só grandes produtores de energia, grandes consumidores de energia, mas diversos consumidores e produtores pequenos, que você na verdade pode se tornar não só um consumidor de energia como um produtor se você instalar placas fotovoltaicas no telhado do seu prédio. E aí você pode devolver a esse grid e ganhar dinheiro ao invés de pagar pela eletricidade, é uma compra, uma venda de eletricidade em mercados, isso já é uma realidade aqui dentro do Brasil, mas as distribuidoras de energia tradicionais como a Copel, que é uma empresa de capital misto, ainda estão precisando se atualizar perante essa situação e não querem um rompimento que possa ocasionar uma dificuldade de atender populações, carentes, que não tem muito dinheiro, porque por enquanto ainda tem esse diés público-privado. Então a gente fez vários estudos, foi um projeto bem amplo, de novo com a Hot Milk em 2018 lá na Pública do Paraná, a gente construiu um programa de aceleração, mas antes disso a gente identificou quais eram as pressões que existiam nesse panorama do sistema sociotécnico usando várias técnicas de materialização de ideias como League of Souls Play, PSP e várias outras. Nós documentamos e publicamos isso abertamente, essas pressões, através de animações que explicam claramente quais são esses desafios do setor elétrico, de onde está vindo as pressões e como não é tão simples assim você chegar lá e resolver todos os problemas, como eu falei, precisa pensar em intervenções que sejam sistêmicas, que considerem várias relações dentro daquela realidade. Então aqui é uma reunião de várias ideias que foram geradas nesse programa de aceleração chamado Copel+ Tem várias ideias, mas muitas delas voltadas para novos serviços, novos produtos, todos com foco em qualidades relacionais, principalmente a sustentabilidade. Mas também justiça social, muitos empreendedores preocupados com o crescimento de população que não teria acesso à energia em casa, com isso tendo que ter uma série de problemas e perdas de direitos e possibilidades também de educação e por aí vai. Então essa prospecção de relações no futuro, a gente considera que ela já transforma o presente, a partir do momento que os empreendedores do Copel+, os estudantes, os empresários que participam do programa, começam a ver que existe necessidade de intervir nesse sistema de energia, eles já começam a intervir e já começam a surgir negócios. Então a gente costuma aprender nas aulas de literatura, de português, que o passado vem antes do presente e o futuro vem depois do presente. O futuro não chegou, o passado já foi e não volta mais. Só que essa é uma visão linear do tempo que não é a realidade experienciada pelos seres humanos. Temos alguns estudos mais filosóficos que demonstram que o tempo tem uma característica existencial, o que interessa no tempo é onde eu existi, quando eu existi, o que eu fiz e o que eu vou fazer, onde eu vou existir, com quem eu vou existir. E essa existência não é linear, ela depende da nossa memória, ela depende das nossas relações. Então pode acontecer algo que existe até no português, que é o futuro do pretérito, o futuro do passado e o passado do futuro. Então você vai ter nas imaginações sobre como a nossa sociedade está se desenvolvendo, ideias que vão voltar das cinzas, como o carro voador, que moderno, que futurístico, mas é uma ideia que já apareceu desde os anos do século 19, já tinha ideia de carro voador, e a cada 20 anos volta, alguém vai lá e fala que vai construir, e até constrói um protótipo, levanta voo, mas aquilo ali não muda o sistema sociotécnico, não consegue se estabelecer. Por outro lado, nós temos o retrô, a força das formas anteriores de fazer as coisas, como sempre foram feitas, a tradição que vai nos puxar, por exemplo, a reproduzir aquele estilo do Raymond Louie lá do começo do design, que é o caso desse carro da Chrysler, que ele tenta trazer o Cadillac de volta, a época de ouro do styling para a época dos anos 90. Então, a gente não vive um tempo linear nas nossas existências humanas, a gente está sempre convivendo com o passado e com o futuro como uma evidência da nossa existência no presente, porque se a gente eliminar o nosso passado, a nossa memória, a gente não lembra mais quem a gente é, se a gente eliminar o futuro, a gente elimina a nossa possibilidade de ser e acaba, a gente vira um pingo no tempo, nós somos seres humanos com história, a história envolve passado, presente e futuro. Agora, essa história não é construída individualmente, não podemos fazer o que queremos, a gente tem que dialogar, a gente tem que debater, a gente tem que discutir, por isso que o futuro e o passado são constantemente objetos de disputa política, porque eles têm um poder muito forte de interferir ideologicamente sobre o presente. Uma vez que eles não são físicos, eles não são experienciados de maneira objetiva o futuro e o passado, muitas vezes a gente pode distorcer e mudar o que era o passado, ou descobrir uma coisa nova que a gente não sabia, se o passado é a mesma coisa sobre uma possibilidade no futuro, isso significa que a gente pode mudar o nosso presente, pelo menos a percepção que a gente tem desse presente, pode ser negativo, pode ser positivo, pode esconder, pode revelar, então aqui eu trago um exemplo negativo do tal do colonialismo digital, que é vendido como um futuro para o nosso país, no Brasil, por exemplo, dependemos de muitas tecnologias estrangeiras, e a gente importa essas tecnologias e não se preocupa em desenvolver as nossas próprias, muitas vezes ficamos dependentes, e com isso a gente entra numa relação que é muito antiga já, que é essa relação de dependência cultural, política, às vezes até econômica, muitas vezes mais econômica até do que política, então a gente escreveu vários artigos também sobre o que hoje se chama descolonização do design, que não é o tema da minha fala de hoje, mas também que envolve repensar estruturas e mudanças e relações muito mais amplas do que simplesmente um projeto isolado, então para libertar o futuro de ideologias conservadoras e abrir o horizonte para realmente transformar o nosso presente, a gente precisa pensar que a realidade atual é sempre uma alternativa entre várias, então o que é presente é sempre alternativo, então quando pensar em mobilidade, não pensar só numa cadeia temporal de evoluções tecnológicas com base no automóvel, a gente pode pensar também no transporte coletivo, como o ônibus, por exemplo, e as diferentes formas que o ônibus teve no passado, vai ter no futuro, mas também a bicicleta e os outros veículos leves, a hora que a gente pensa que o passado, presente e futuro são todas alternativas, a gente começa a considerar mais possibilidades e a gente começa a ter o impossível, o improvável, o impensável, começa a vir para o presente expandir, se tornar um novo possível, agora quando começa a ter mais visões vai ter necessariamente conflitos, e esses conflitos, aí que entra a contribuição do design, porque até aqui muitas das coisas que eu falei já são feitas em outras áreas, como administração, principalmente na própria prospectiva, que é uma área de dentro da administração, isso é feito também na engenharia, mas uma coisa que tem característica no design é a possibilidade de materializar cenários e infraestruturas através de protótipos, através de criações mais variadas com várias mídias, então aqui eu vou destacar dois exemplos, um focado em conflitos inerentes à transição do nicho ao regime, e através de visualizações de cenários, antecipar esses conflitos, então aqui, no caso, trabalhando com a ideia de um pente articulado, hoje em Curitiba nós temos os biarticulados, já estamos considerando a possibilidade de triarticulados, são ônibus com quatro segmentos e três articulações, nesse caso seria um ônibus com seis segmentos e cinco articulações, um monstro, carregaria muitas milhares, centenas de pessoas, e aí nessa imagem você tem obviamente uma edição via Photoshop, colocando esse monstro já no espaço público e imaginando o qual seria o impacto sobre a opinião pública, caso ocorresse um acidente como esse, poderia na verdade acabar com aquela tentativa de transição para um sistema de mobilidade mais sustentável, porque o transporte público é mais sustentável que o transporte privado, agora se ele é inseguro, se ele é lento, se ele é feio, se ele não cabe na sua cidade, não é toda cidade consegue implantar um sistema de BRT como Curitiba fez, então precisa pensar outras possibilidades, não é mais ter mais do mesmo que o que Curitiba hoje tem feito, vamos fazer mais do que a gente já fez, essa nossa transição é ter mais ônibus, ou ter mais biarticulados, ter mais triarticulados, então eles estavam dialogando com esses cenários para expandir de novo o horizonte do novo possível, agora além de visualizar cenários usando as várias mídias, eu mostrei uma foto mas pode trabalhar com vídeo, com animação, no design a gente também tem muita experiência com prototipação de infraestruturas, e você materializar aquilo em algo que você já pode sair usando, então aqui tem um exemplo de um protótipo para um sistema de móvel modular, que tenta repensar o sistema mesmo de produção de móveis para que ele seja distribuído, que ele ocorra em vários maker spaces, em vários tipos de, até a mercenaria perto da sua casa pode ser usada para produzir esses módulos que são acopláveis, podem ser reconfigurados para produzir vários tipos de móveis, e você não precisaria mais jogar fora os móveis quando você tivesse uma mudança na sua família, ou você mudasse de local de moradia, você levaria as peças e assim como um Lego montaria a infraestrutura da sua casa, do seu domicílio, é claro que é possível utilizar, a gente está experimentando também esse tipo de infraestrutura para organização de eventos e outras atividades não domésticas, mas o foco, o interesse desses estudantes era justamente imaginar essa transição para o sistema de moradia. Então aqui é um exemplo interessante de como uma infraestrutura que é complexa, pensar numa maneira diferente de produzir e consumir móveis, ou na verdade nesse caso nem consumir e reutilizar os móveis, isso envolve vários detalhes materiais como esses conectores, esse châmpuros que tem aqui nessa madeira ou também no plástico, precisava testar isso, precisava ver que tipo de configurações eram possíveis, e foi exatamente isso que a prototipação permitiu que os estudantes fizessem, então quando a gente fala de possibilidades no futuro, nós estamos falando apenas de ideias, estamos falando também de ideias materializadas, como é o caso desse protótipo. Então o que a gente quer e vislumbra com esse programa de mestrado design prospectivo, que ainda não foi aprovado pelo nosso governo, mas que está em vias de ser, é que ele forme designas especialistas em articulação de redes sociotécnicas, que consigam navegar por essa complexidade, que consigam perceber essas qualidades relacionais e perceber os pontos de intervenção que podem ter efeitos rede, efeitos que se propagam como um rastrinho de pólvora pelo sistema sociotécnico, e gradualmente, não através de desrupção, mas através de transição, haja uma transformação para valorizar essas qualidades relacionais que estavam enfraquecidas. Então resumindo, em cinco pontos, o design prospectivo, que é esse novo conceito que o guia nosso programa de mestrado. A gente quer trabalhar com projetos de escopo mais amplo, diversos atores e coisas envolvidas, foco em relações de longo prazo, e as estéticas de qualidades relacionais, confiando sempre que a realidade atual pode ser transformada, que é o que a gente chama de possibilismo. Bom gente, agradeço até aqui a atenção de vocês e queria abrir aí para o diálogo, estou muito curioso para saber o que vocês pensam dessa proposta, e se faz sentido, se é uma tendência, se é alguma coisa para hoje, se é para o futuro, enfim, estou bem curioso aí. Muito obrigado gente, e em especial pelo convite da Fernanda.