O que nós vamos fazer a respeito das questões que vão ser colocadas? Então vamos lá, projetando uma plataforma para autogestão. O que seria autogestão hoje em dia? Tem várias acepções do termo. Uma pessoa que está bem famosa no mundo inteiro promovendo autogestão é um empresário brasileiro chamado Ricardo Sembler. Ele talvez esteja mais famoso fora do Brasil do que aqui, na Holanda, onde eu fiz doutorado. Fizeram vários documentários enquanto eu estava lá entrevistando ele. Ele é autoridade. Eles fazem uma startup para difundir o estilo de autogestão da empresa dele, que é a Senco, na Holanda chamada Senco Style. E eles vendem muitos cursos, muitos treinamentos e muitos holandeses admiram ele como se fosse um Bill Gates. - Já faz bastante tempo, né? - Sim, faz bastante tempo que ele fez esse livro. São anos 80 ou 90. É muito tempo. Mas desde então ele tem se tornado cada vez mais a virada esquerda, eu diria. Nesse livro ele fala "eu sou contra autogestão". Nesse livro aí não é autogestão, é que cada funcionário individualmente tem a sua capacidade de decidir quanto o salário vai receber, quantas horas vai trabalhar, qual projeto vai querer trabalhar. Que foi o que ele fez na empresa dele que gerou um resultado grande. Hoje em dia ele já fala que a decisão tem que ser coletiva. Então a gente já vê, houve uma transição aí. Mas nessa época, autogestão era a capacidade de um indivíduo ou de coletivo de gerir suas atividades de maneira sustentável sem a necessidade de um gestor ou chefe, que foi criado aí no começo do século XX, transição do século XIX para o XX para gerenciar trabalhadores inicialmente para SAIS. Precisava de alguém para ficar vendo se você fazer de maneira eficiente o que você tinha que fazer. O que eu acho que pode se tornar autogestão? Eu já sigo aí autores mais de uma linha de esquerda, né? Mais radicais do que o Simmler eu diria, que vêem autogestão como um princípio possível para uma nova sociedade. Uma sociedade não necessariamente uma sociedade socialista, mas uma sociedade que é parte dos desejos que as pessoas sentem no seu cotidiano para organizar a produção e não a partir da capacidade que é uma empresa, uma organização tem para produzir, que é o que normalmente a gente vê numa sociedade capitalista. O que eu consigo fazer? Então vou produzir e depois eu vejo se eu consigo vender no mercado. Aqui não, você começa a partir das demandas das pessoas, desejos das pessoas no seu dia a dia. E como essas demandas são muito diversas, isso só funciona numa sociedade onde você tem muitas pequenas empresas, muitos pequenos negócios, esses trabalhando cada um com um desejo específico. E eu estou denominando essas organizações de coletivos, vou usar essa palavra aqui durante a apresentação, porque é como normalmente as pessoas se autodenominam na plataforma Corais que eu vou introduzir daqui a pouco. O autor que eu sigo que fala sobre autogestão é Henri Lefevre, um filósofo francês. Agora contextualizando nossos tempos... - Não pode tirar aquele negócio aqui? - Nossa, o que é aquilo? Meu Deus, só um instante. Vamos lá. Vamos ver se isso sai. Aí, pronto. Obrigado. Tinha percebido. Nos nossos tempos atuais, nós temos as redes de tecnologia, de informação e comunicação conectando indivíduos em diversos lugares do mundo. Se tornou possível que se formassem coletivos geograficamente dispersos. Isso foi um momento de muita empolgação nos anos 90, começo dos anos 2000. Agora nós vamos finalmente construir uma nova sociedade, porque as pessoas que pensam diferente podem se conectar globalmente mesmo que elas não tenham pessoas próximas que pensam parecido. O que aconteceu foi que a gente criou monopólios, monopólios de processamento de dados. Facebook, Google, Amazon, exploraram essas conexões que as pessoas estavam fazendo, dessas comunidades coletivos, oferecendo infraestrutura para que essas pessoas se organizassem e até mesmo se autogerissem. Porém, em troca, essas pessoas tinham que fornecer os dados, porque os dados é como eles geram valor. Essas plataformas, como ficaram conhecidas, criaram um novo tipo de capitalismo, descrito nesse livro do Nick Shrimsek. Ele coloca que os dados são o novo petróleo. Então agora a gente tem uma sociedade com grandes empresas fornecendo infraestrutura para as pessoas se auto-organizarem. É muito bonito, mas elas às vezes nem sabem que a troca, a contrapartida, que os coletivos ofereçam todos os dados do que eles estão fazendo e aí, em troca, essas plataformas podem oferecer produtos e serviços focalizados nas demandas que essas pessoas têm. Mas esses produtos e serviços não são criados pelos pequenos coletivos que a gente estava falando agora pouco. São criados por grandes corporações que criaram sistemas de customização em massa que permitem atender alguns desses desejos, mas nem todos. Só que você acaba distorcendo a realidade através de algoritmos de filtragem, de informação nessas redes, que faz a pessoa acreditar que sim, aquele produto massificado atende o seu desejo específico. Que é uma outra discussão que eu não vou entrar aqui, mas é só para mostrar que nesse contexto de capitalismo de plataforma há um problema seríssimo novo para os coletivos, não é tão simples eles se auto-organizarem. Por quê? Porque essas plataformas são privadas e esses coletivos estão interessados em construir coisas públicas. Então, se a plataforma fecha, você acaba um problema, um problema seríssimo para uma coisa pública. Essa plataforma sendo privada, ela define as próprias regras, você não pode interferir, não há uma gestão democrática dessas plataformas. Elas vigiam você o tempo todo, inclusive compartilham esses dados com governos e com terceiros, o que pode ser muito pior, terceiro pode ser uma empresa fazendo marketing direto, que vai utilizar esses dados para, por exemplo, vender um produto para grávidas, sendo que você nem contou para o seu pai ainda que você está grávida e chega uma carta na sua casa de marketing direto de um dado coletado online na navegação da internet, por conta de tudo isso o seu pai ficou sabendo antes e você contar para ele que você estava grávida por causa dessa carta que chegou. Então esse tipo de aberração está acontecendo hoje, as pessoas não há uma accountability, não há como você perguntar "o que dados você está coletando de mim em plataforma?" Elas não oferecem esses dados e pior, no coletivo, "o que dados você está coletando da minha nação?" que é muito mais severo, eu diria, o impacto disso. Essas plataformas têm mecanismos de bloqueios e incompatibilidades para que você não possa sair da plataforma. Como é que você exporta os dados de uma comunidade no Facebook e importa numa comunidade Google Plus? Impossível, não tem como. Então o que acontece? As pessoas tendem a ficar presas nas plataformas que elas começam a colaborar. E por último, interfaces que facilitam uma interação efêmera e rápida de troca de mensagens, como no WhatsApp e no Facebook, você consegue rapidamente se organizar, mas você não consegue fazer algo grandes obras, você não consegue fazer grandes projetos, porque elas extremamente distraem as pessoas, elas têm um espaço de informação muito pequeno, você não consegue explicar bem as coisas e acaba que as pessoas acham que elas estão se organizando, mas na verdade estão se desorganizando. Um dos grandes sistemas hoje de desarticulação dos coletivos são as redes sociais. Pode parecer que é o contrário. Muita gente diz que as redes sociais permitiram a primavera árabe e aí acabaram todos os governos totalitários. E o que que veio em troca? Vieram governos ainda talvez muito piores e que começaram a utilizar essas redes de maneira mais inteligente para desarticular os coletivos. Então eu não caio nessa, nem as pessoas que estão na plataforma Corais. Elas fazem essa reflexão e acabaram encontrando na plataforma que a gente desenvolveu um espaço para autogestão. O que é essa plataforma Corais? Ela foi criada pelo Instituto Faber Ludens, foi uma ONG que eu ajudei a fundar com outras pessoas. Nesse meio tempo essa ONG parou de ficar ativa e eu passei a plataforma para o Instituto Ambiente e Movimento que é onde ela está hoje. Ela foi desenvolvida com software livre, no caso o Drupal. Software livre permite que você utilize essa ferramenta sem necessariamente você ter um custo inicial, porque você conta com a colaboração de vários desenvolvedores ao redor do mundo que estão fazendo trabalho voluntário concedendo parte do desenvolvimento do software. Ela é hospedada pela Can Trust Hosting, que é uma cooperativa do Canadá que hospeda iniciativas solidárias. Se não fosse pela Can Trust o Corais já teria sido fechado, porque a partir do momento que ele teve muitos usuários o custo de processamento no servidor onde está hospedado se tornou proibitivo, a gente não conseguia mais pagar. Tentamos fazer campanhas de geração de fundos, não conseguimos até que a gente chegou nessa, descobrimos essa cooperativa que nos hospedou por um preço fantástico. Nosso custo hoje de hospedagem é de R$ 300 por mês, que é muito baixo. Ela é utilizada por produtoras culturais colaborativas, o Coletivo Intervozes, quem é da comunicação deve conhecer, TA, Eita, que é uma cooperativa de desenvolvimento de software associada ao MST, FISLI e muitos outros coletivos que eu vou citar ao longo da minha apresentação. O Instituto Fabio Lúdiz, como eu falei, ele estava focalizado em desenvolver design e tecnologia, foi fundado aqui em Curitiba, a gente rodou ele mais ou menos por uns 5, 6 anos bastante ativo, depois houve uma diminuição das atividades. O que a gente tinha lá? Desenvolvimento de projetos de design, de inovação a distância. Nossos estudantes tinham uma pós-graduação na época, eles vinham de vários lugares do Brasil, para eles trabalhem colaborativamente eles tinham que usar Google Drive, que eram as ferramentas que a gente conhecia na época. Essa reflexão crítica que eu estou fazendo aqui agora, a gente não tinha na época, a gente passou por esses problemas todos para gerar essa reflexão. Mais ou menos lá pelos anos 2008, a gente começou a ver um debate internacional rolando em torno de pensar um design que seria compatível, equivalente ao software livre. E ficou conhecido lá fora como open design, assim como open source, também é um termo usado relativo ao software livre. Só que no Brasil a gente usa a palavra software livre ao invés de open design, o design aberto, o código aberto, desculpa. Então a gente começou a discutir, será que tem um design livre a partir dessas referências culturais que o próprio movimento software livre no Brasil já traz, que é o movimento de pontos de cultura que o Gilberto Gil lançou aqui no Brasil no começo dos anos 2000, que foi excelente para divulgar o software livre como uma ferramenta de criação artística. Ele mesmo fez parte do Creative Commons, que é uma iniciativa de legislação aberta para licenças abertas. E também trazendo a origem desse movimento que o Gil fez parte, foi o Tropicália, que vem lá da antropofagia do movimento modernista brasileiro no começo dos anos do século XX, que dizia que a gente deveria se apropriar de conceitos externos através de uma degustação canibal metafórica. Não é para você comer as pessoas que vêm aqui, mas você come as ideias das pessoas que trazem para cá, ou quando você vai para fora e você digere, ele transforme algo que seja mais condizente com a nossa cultura. Então a gente sempre pensando um design que fizesse sentido no contexto brasileiro, a gente criou a plataforma Corais. Ela foi desenvolvida inicialmente para permitir a autogestão de projetos em design. A gente na época só trabalhava com designers, só com designers e pessoas ligadas ao design. A gente criou a plataforma achando que os designers iam se apropriar, mas não foi isso que aconteceu. Pouquíssimos designers, a não ser aqueles que realmente estavam vinculados aos nossos cursos e atividades, utilizaram, mas houve uma utilização massiva por outros tipos de coletivos, que eu já vou apresentar daqui a pouco. A plataforma foi criada com a visão de que ela fosse funcionar como se fosse um recife de corais, isso no design a gente chama de biomimética, que significa você criar um sistema inspirado num sistema natural. E o que tem nas corais, no recife de corais que é interessante? Quando surge um corais, que é um ser vivo, surge aquele desenhinho lá, tipo uma árvorezinha e tal, ele cresce, ele vai se desenvolvendo, chega uma hora que ele morre. Quando ele morre, a estrutura dele de calcário fica, ele não desaparece, não é como um esqueleto que se decompõe, fica e começa a crescer outros corais em cima dessa estrutura. Quanto mais corais vão crescendo um para o outro, vai ficando mais robusto, mais forte. Então, o corpo morto, digamos assim, aos restos de um animal, ele se torna substrato para outro animal. E aqui a analogia é a seguinte, o corpo morto de um projeto se torna substrato para um outro projeto. Então a ideia é que todos os projetos da plataforma corais fossem públicos, e que todas as pessoas pudessem ver os erros e acertos dos projetos que passaram por lá, para aprender e utilizar inclusive ferramentas desenvolvidas nesses projetos. Existem outras analogias que a gente fez entre o Recife de Corais e a plataforma, mas eu não vou entrar em detalhes aqui no design. Uma delas é que o corais não é uma rede estilo Facebook e Google em que você define uma relação objetiva entre um ser vivo e outro. Então você adiciona como amigo, uma pessoa, formando uma rede baseada em vértices, então látices, melhor dizendo, isso aqui na matemática, ou gráficos sociais. Na plataforma corais, assim como nos recifes de corais, a relação se dá por superposição e compartilhamento de espaços. Então a metáfora não é uma metáfora de rede, é uma metáfora de espaços compartilhados. Então cada projeto ele reúne um grupo de pessoas, nesse caso aqui é um projeto que tem 1, 2, 3, 6 pessoas, e aqui tem um outro projeto que tem duas pessoas só. Essa pessoa é compartilhada pelos dois projetos. Essa pessoa não adicionou essa aqui como amigo, nem essa como amigo, nem essa. Ninguém se adicionou como amigo. As pessoas criam um projeto e colocam as pessoas que vão participar daquele projeto. E acabou, não tem uma ligação de elos fracos como existe numa rede social como o Facebook que se adiciona a duas mil pessoas e que você não necessariamente nem conhece quem está na sua rede. Para o Facebook é interessante que você tenha mais contatos, que você gere mais dados e você seja exposto também a maior número de propaganda, aumentando a chance deles terem uma rentabilidade maior. Para corais o foco não era esse, o foco era que as pessoas realmente construíssem os seus projetos, executassem e compartilhassem os resultados com as outras pessoas que eventualmente tivessem interesse. Aqui é um exemplo de uma página de um projeto, como vocês podem ver tem muita informação, são várias ferramentas aqui em cima que você pode utilizar para organizar o seu projeto. A gente chama de ferramentas colaborativas. A primeira ferramenta é o painel de novidades, que é isso que vocês estão vendo aqui. Então o grupo utiliza, o projeto utiliza para avisar os seus colegas o que está acontecendo. Aí você tem blog, ferramenta de gestão de tarefas, a listagem dos membros com seus contatos, sugestões, texto colaborativo, votação, questionários, moeda social, agenda, compartilhamento de fotos, mapas mentais, compartilhamento de arquivos, planilhas. Todas essas ferramentas são desenvolvidas com software livre. Algumas delas a gente fez adaptação, outras já foram disponibilizadas pela própria comunidade. O projeto colaborativo é estruturado de maneira que as pessoas tenham sempre uma consciência histórica do projeto. Então existe uma ordenação cronológica, bastante ferramenta para você ter uma noção de onde o projeto está neste momento, pelo que ele já passou e para onde ele está indo. Então a gente tem visualizações como essa aqui que mostra quando foi postado cada uma das informações dentro do projeto e em que momento do ano. Então você pode navegar aqui e ver todo o histórico do projeto. Você tem um calendário também mensal para organizar as atividades do mês e outras ferramentas que eu não vou mostrar aqui. A ferramenta que eu acho que tem mais a ver com esse grupo é a ferramenta de moeda social, que a partir do momento que a gente desenvolveu gerou muita procura por essa plataforma. Essa ferramenta consiste em um sistema de trocas customizado. Cada projeto vai criar o seu, vai criar a sua moeda, vai definir o que ela representa em termos de trabalho e vai utilizar ferramentas de visualização da economia. Aqui nós estamos vendo uma economia solidária criada para a Universidade Livre de Teatro de Vila Velha e mostra o perfil de cada participante desse projeto e quanto dinheiro ele tem no saldo dessa moeda social. Quando o mostrador está no verdinho, quer dizer que essa pessoa fez muito pela comunidade e a comunidade tem um crédito com ela. Quando ela está no vermelho, acho que não tem nenhum aqui, tem alguém que está no amarelo, significa que essa pessoa está devendo alguma coisa. Essa comunidade do Teatro de Vila Velha utiliza a moeda social principalmente para cobrar mensalidades dos seus alunos. Então eles pagam moeda social. Então quando ele paga, como é que ele recebe o dinheiro para poder pagar a mensalidade que é cobrada todo mês? Automaticamente. Ele tem que fazer uma tarefa voluntária, que na verdade não é voluntária, é paga, de manutenção do teatro. Então, por exemplo, quebrou alguma coisa no teatro. É oferecido uma demanda de "ó, está quebrado o negócio, se alguém consertar isso, essa pessoa ganha 100 tempos", que é o nome da moeda deles. Quando a pessoa ganha 100 tempos, ela pode usar os 100 tempos para pagar a mensalidade do teatro. Eles já estão rodando esse teatro Vila Velha há mais ou menos uns três anos nesse modelo. Ainda estão até hoje. Ainda estão até hoje. Como é que eles desenvolveram uma metodologia de organização que não foi eu que desenvolvi, nem estava na plataforma? A plataforma foi reagindo ao que eles começaram a fazer. Então, eles começaram assim, uma pessoa cadastra uma tarefa, uma tarefa bem parecida com os sistemas de gestão de tarefas como o próprio Google Keep e outros que existem. "Ah, tem que fazer isso, tem que consertar alguma coisa". Uma outra pessoa vai lá e conserta, fala "consertei". Ela bota um comentário "consertei". Uma terceira pessoa fala "realmente consertou, está consertado, está funcionando". Esse aqui é o fiscal. Depois que o fiscal verificou, vem uma quarta pessoa que é o banco, essa pessoa é o gestor do banco. E ela vai fazer a transação pagando Mariana Rosa por ter feito a tarefa. Aqui está o valor de 40 tempos pela atividade de pesquisa, no caso aqui o que ela fez. Então, esse método de divisão do trabalho para gestão do banco tem funcionado muito bem porque não sobrecarrega o gestor do banco, que é um problema sério nas economias solidárias, nos arranjos solidários, normalmente a pessoa que gere o banco fica puxando o cabelo, assim, não aguenta mais porque é muita informação que ela tem que gerir. Outra coisa, ninguém precisa perguntar a ela como é que está o estado atual da economia, que é o que normalmente precisa também. Isso é porque está no caderno, só aquela pessoa tem. Não, que você vê online em tempo real o estado da economia. Como é que constrói um lastro social, o lastro dessa moeda, que é bem difícil isso aqui, não é tão fácil resolver isso, porque senão as pessoas começam a gastar, gastar, gastar, como é que você dá um limite, como é que as pessoas acreditam no dinheiro? Se as pessoas não acreditarem no dinheiro, não tem valor. Daí uma produtora cultural colaborativa, que é chamada Colaborativa Pé, eles são de Pernambuco, obviamente, eles tinham um movimento de ocupação da concha acústica da Universidade Federal do Pernambuco. E lá, assim como a gente tem uma concha aqui também, ficava vazia, quase não tinha nada acontecendo, então os coletivos se organizaram e falaram "vamos organizar um monte de eventos, a universidade se deixa a gente administrar a concha, a gente inclusive limpa, administra e faz tudo, mas também a gente faz os nossos eventos e a gente cobra por esses eventos". Beleza, a universidade deu ok, eles começaram a gerenciar a concha. E aí eles criaram uma moeda social que poderia ser trocada por serviços que essa produtora cultural colaborativa podia fazer. Por exemplo, você era um músico, você queria fazer um show na concha, você tinha que pagar, não, desculpa, você dava o show, você ganhava, na verdade você era pago. O músico ganhava 500 conchas, por exemplo, da show. E aí depois eles podiam usar esses 500 para produzir uma camisa, produzir CD, produzir outras coisas. Então um esquema de trocas solidárias que começava a gerar uma ação cultural que poderia ter sido feito somente na base do voluntariado, mas estruturar isso como uma economia solidária deu muito mais credibilidade, visibilidade e permitiu que não havia essa necessidade de ter um chefe, uma pessoa dizendo o que cada um tinha que fazer. Porque nesse sistema qualquer pessoa pode levantar uma tarefa, qualquer pessoa pode fiscalizar uma tarefa. Então o lastro dessa moeda social é a capacidade produtiva do coletivo num determinado período. Então isso aqui é o máximo de conchas que esse coletivo consegue produzir em um mês, 11 mil conchas. E aí é o máximo de endividamento que uma pessoa pode ter. Uma pessoa pode estar endividado devendo 11 mil conchas ou ter no máximo 11 mil conchas. Mas que isso não é possível. E qual a vantagem? Não pode ter uma pessoa extremamente rica, extremamente poderosa, que pode ficar só comprando as pessoas, ou seja, acumulando capital, mandando nas pessoas sem fazer nada. Então essa economia solidária quebra, através de regras muito funcionais, os problemas do capitalismo tradicional. Além do espaço para projetos, tem um outro espaço de compartilhar conhecimentos que é muito parecido com a Wikipedia. Cada pessoa cadastra um conhecimento. A diferença é que você pode linkar esse conhecimento com uma tarefa específica dentro de um projeto, de modo que a pessoa que tem que fazer a tarefa pode descobrir como fazer a tarefa caso ela não saiba fazer. Essa parte da Corais é a que menos se desenvolveu nesses anos todos, mas já serviu mais de 2 milhões de pessoas que acessaram essas páginas de conhecimento. Na verdade hoje a gente vê que as pessoas de fora que buscam no Google esses termos acabam usando mais essa parte do que outras partes da plataforma Corais. Em 2014, os grupos de coletivos sentiram que havia uma dificuldade muito grande para quem entrava novo na plataforma e não entendia muito bem o modo de trabalhar ali dentro, porque é uma maneira muito diferente de trabalhar colaborativamente através da iniciativa, pela autogestão. E a gente resolveu escrever um livro. Melhor, eles resolveram escrever um livro e me chamaram. A gente vai fazer um livro, você quer participar? Ah, beleza, vamos participar. Então o livro ficou conhecido como "Coralizando" e o detalhe é que ele não foi um livro como normalmente os acadêmicos fazem, que divide, cada um pega um capítulo, ou às vezes um grupo de pessoas pega um capítulo. Aqui não, foi um caos, todo mundo escreveu tudo. E a prova disso está aqui na contracapa. A contracapa foi redigida usando o nosso ferramento de texto colaborativo que coloca uma cor de fundo diferente para cada colaborador. Cada pessoa que escreveu uma parte diferente desse texto está com uma cor diferente aqui. Então dá para ver que pelo menos umas 5, 6 pessoas escreveram e dá para ver exatamente o que cada um contribuiu. No total foram 16 pessoas. Esse livro eu tenho aqui, daí eu vou passar aqui para que vocês quiserem dar uma olhada. Ele está disponível para download PDF gratuitamente, licença Creative Commons e também quem quiser uma versão impressa pode pedir sob demanda. Acho que custa R$ 30,00, alguma coisa assim, não está caro não. Então no total já são mais de 600 projetos, 5 mil membros em várias regiões do país. Eu destaco regiões do norte aí que por mais que seja distante, normalmente não seja utilizados recursos de informática aqui pela falta de infraestrutura, mas ainda assim tem pessoas no Rorâmina, no Amapá, no Amazonas utilizando a nossa plataforma. Tem projetos com índios, tem projetos com comunidades quilombolas, tem vários projetos, não vou passar por todos, mas vou mostrar alguns no contexto das questões de autogestão que surgiram esses anos que a gente tem refletido. O primeiro deles é o que motiva a criação desses projetos. A pessoa em algum determinado momento ou coletivo começa a se frustrar por estar trabalhando para um outro que ele não admira, um outro que faz um uso do seu trabalho que não se sente valorizado ou não se sente que realiza algo interessante para a sociedade. Então a pessoa quer fazer uma coisa que ela gosta, só que a sociedade não paga para fazer aquilo que ela gosta, que é por exemplo produzir música, produzir cultura, e daí o que acontece? Ela entra nessa contradição aqui que o Marx já descreve há muito tempo, que é o valor de uso versus o valor de troca. O que essas comunidades querem é gerar valor de uso, elas querem fazer projetos que deem satisfação por si próprios, não fazer um projeto para receber dinheiro para você, através do consumo, realizar os seus desejos. Eles querem na verdade que o próprio projeto em si já satisfaça as necessidades e isso acontece através da solidariedade. Como? Através da criação de um bem comum, que é uma causa que une o coletivo. O coletivo é orientado para produzir, cuidar, manter e melhorar este bem comum. Só que nem sempre está claro qual é este bem comum, que eu acho que é o grande questão para esse nosso grupo aqui. O que a gente vai construir juntos? Na plataforma Corais a gente utiliza o nome projeto, ao invés de comunidade ou grupo, para forçar as pessoas a definirem esse bem comum. Quando se fala projeto, todo projeto tem um objeto, tem algo que está sendo transformado, algo que você quer realizar. Mas quando se fala comunidade, grupo, que é o que normalmente as redes sociais fazem, nós chamamos de grupo no Facebook, comunidades do Orkut, essas comunidades não têm um foco e acabam muito facilmente perdendo a participação, o engajamento. O comum é importante porque ele gera esse engajamento para a manutenção desse comum. Então aqui eu vou trazer um exemplo de um comum clássico, na verdade a palavra no inglês é commons. Commons são campos que existiam na Inglaterra que não tinham donos, não era uma propriedade privada, era compartilhada. Quem quiser colocar suas vaquinhas para pastar podia colocar. Só que aí começou historicamente surgir regras para as pessoas não abusarem desses comuns. Isso ficou conhecido como tragédia dos comuns, essa discussão sobre esse assunto. Tem um artigo do Hardan falando sobre isso, ele vai explicar que se você não tiver regras vai haver necessariamente a tragédia dos comuns que é uma pessoa ou um grupo de pessoas abusar daquele espaço, colocar mais vacas para pastar do que o campo consegue alimentar e vai eventualmente minar a colaboração. As pessoas vão começar a ter uma atitude egoísta e com o tempo elas vão cercar as suas partes desse comum e o comum que existia deixa de ser comum e passa a ser algo privado. Para evitar que isso aconteça surgem regras e eu uso o termo meta colaboração para falar desse processo que a gente está nesse momento, nesse grupo, que é a definição das regras de como a gente vai colaborar. Então a gente está colaborando sobre como vamos colaborar. Quanto mais explícito essas regras forem mais fácil vai ser para novatos se juntarem ao nosso grupo. Porque ele sabe o que ele pode fazer, como que ele pode colaborar, contribuir. Essas regras é importante que elas sejam revisadas de tempos e tempos e não sejam escritas em pedra, que elas se tornem algo fluido e dinâmico. Na plataforma Corais existe uma ferramenta de texto colaborativo e tem os comentários que são usados para negociar essas regras. A regra mais importante dos projetos da plataforma é a de permeabilidade. Quem pode entrar e quem pode ver as informações que estão lá dentro. Então tem 248 projetos abertos e públicos. Qualquer pessoa pode entrar, qualquer pessoa pode ver. 157 projetos com inscrição moderada. Somente quem for autorizado pode entrar, mas todo mundo pode ver o que foi discutido no projeto. E todo mundo mesmo, não necessariamente logado. 53 projetos são fechados, ninguém pode entrar, a não ser aqueles que já foram cadastrados, mas todo mundo pode ver. E por fim 164 projetos fechados e privados. Ninguém pode ver, ninguém pode entrar, a não ser quem já está lá dentro. Isso aqui significa o que? Não é uma construção de comum. É um fenômeno que está acontecendo nos últimos anos em função da desarticulação, eu diria, dos movimentos sociais. Eles estão se tornando menos colaborativos entre eles. Essa lógica de competição e de escassez de recursos e a economia baseada nos cortes, inclusive influenciando a organização dos coletivos, então está crescendo muito projetos fechados e privados, que não compartilham informações. É uma pena, mas eles também acham que isso é necessário para se proteger, para evitar que outras pessoas utilizem informações públicas contra o coletivo. No total, 122 projetos atualmente. Nós temos visto que projetar em público tem uma grande vantagem. É um aprendizado que a gente passa para os coletivos, nem todos eles acreditam na gente, que tudo que fica discutido no projeto fica na web, é uma transparência radical. Isso significa que um paradiquedista do Google, que é uma pessoa que está buscando um assunto específico, cai na página que está sendo discutido aquele assunto do projeto, lê e pode usar para outras coisas que você nem imagina. Projetar em público aumenta a chance desse projeto ser útil para alguém, mesmo que ele seja interrompido na metade, mesmo que ele não atinja os seus objetivos. Isso acontece muito, a maior parte dos projetos da plataforma nunca realizam o que eles se propunham a fazer, mas a informação fica ali e uma ou outra pessoa pode utilizar. Vou dar um exemplo aqui, que é o Tecnon Jovem, é uma produtora cultural colaborativa que foi criada a partir da leitura dos seus fundadores das informações dos outros projetos de produtora cultural colaborativa. Vocês já viram aqui anteriormente que eu mostrei. Eles não se conheciam essas pessoas, somente por ver o que estava saindo na plataforma, eles copiaram, o modelo funciona assim de forma, os estudantes precisam ter uma vivência de extensão, como a comunidade, então eles constroem uma produtora cultural colaborativa para produzir filmes, fotografia, criação de software, website, por aí vai, e aí utiliza uma mecânica de economia solidária para motivar os estudantes a criar o seu negócio, por aí vai. É uma ferramenta de empreendedorismo social muito interessante, uma tecnologia social reconhecida pelo Banco do Brasil, inclusive. Cada projeto tem os seus momentos de tomada de decisão, só que essas decisões normalmente são baseadas num consenso mínimo, que não é consenso total, que a gente está acostumado. Mínimo é o seguinte, se uma ou duas pessoas concordarem comigo, vamos tocar e vamos fazer. Isso significa que existem várias ações descoordenadas num coletivo, isso não é necessariamente um problema, desde que haja momentos para se recordenar. Os participantes devem falar sempre o que pensam publicamente, até o prazo de uma decisão colocada por qualquer pessoa, e qualquer pessoa pode propor uma decisão, porém quem abre a decisão também é obrigado a fechar essa decisão e dizer "olha, acabou, foi decidido isso", mesmo que ninguém tenha votado. Essa é uma dica muito boa para o nosso coletivo. Aqui tem dois exemplos, qual deverá ser a próxima sede do encontro de produtoras culturais colaborativas, Recife ou Porto Alegre, qual deverá ser a periodiosidade do encontro anual, bienal. Então esse tipo de decisão é extremamente impactante nas atividades do grupo, do coletivo, e isso é feito usando a ferramenta de votação. Quando você está decidindo, você também, antes disso, você está co-criando alguma coisa para decidir a respeito. E essa co-criação, ela passa por três processos. Criação de algo, análise e síntese de várias ideias. A ideia co-criada gera maior identificação, porque todo mundo olha para aquela ideia e fala "eu participei, eu estou me enxergando ali dentro, eu sinto que eu estou construindo isso, eu faço parte". A gente oferece texto colaborativo, comentários com desenhos, eu esqueci de colocar aqui, mas tem mapa mental também para co-criação. Aqui um exemplo de uma marca criada para um vocabulário da participação social, um projeto capitaneado pela Fundação Avina e o Cidade Democrática. Aqui vocês veem nesse gráfico cada pessoa que participou dessa construção dessa marca. Aqui na primeira coluna sou eu, na segunda coluna é um dos fundadores do projeto, aqui um colaborador do projeto, aqui um fundador, aqui uma pessoa que foi convidada, aqui um terceiro que estava passando a plataforma e começou a colaborar também. Então aqui eu fiz o primeiro rabisco usando a ferramenta de comentário com desenho e o parra Henry, o Fredrick e o Bortolato comentaram em texto. E aí eu reagi e fiz uma nova versão, recebi mais um comentário de outra pessoa, do Rodrigo e Ela, refiz uma nova versão. Então eles não sabiam desenhar de repente para fazer isso, mas eu podia desenhar para eles. Até o momento é que o Ricardo Poppe, ele copiou esse desenho aqui e fez diferente, ele mudou o desenho. Então na ferramenta de desenho você tem que copiar o desenho e continuar o desenho para que haja esse processo. Então foram várias interações até chegar na marca e essa marca quando as pessoas olham elas falam "puxa eu fiz parte disso". Então gera maior identificação. Quando se fala em cocriação é importante falar sobre licenças abertas. Como a autoria é difusa, não sabe dizer exatamente quem é o autor, não foi eu que criei aquela marca, fomos nós que criamos, quem participou do projeto. É difícil você usar uma licença tipo copyright fechada, patentes, registros não fazem muito sentido e também gera tragédia dos comuns. Ao longo prazo as pessoas vão deixar de colaborar porque elas estão preocupadas em garantir o seu, a sua parte do comum. Licenças abertas elas servem para proteger o bem comum, em especial aquelas que obrigam as pessoas a manter a mesma obra. Se ela cria uma obra derivada baseada na sua ela é obrigada a usar a mesma licença. Isso é uma escolha, existem licenças abertas que não exigem isso. Um projeto com licença aberta ele pode contribuir para outro projeto, ampliando assim o bem comum. Então a ideia de creative commons, que é bem famosa na internet, que é a licença que a gente utiliza na própria plataforma, é a ideia de você criar um comum de compartilhamento de música, samplers de música, textos, qualquer tipo de criação criativa que fique disponível para que qualquer pessoa pode compartilhar, remixar, transformar em alguma outra coisa. Na plataforma Corais escolhemos que não seria permitido copyright, para evitar tragédia dos comuns. Então você não pode criar um projeto e dizer é copyright. Se você criar um projeto, automaticamente você está fazendo uma sessão de direitos para quem quiser utilizar desde que essa pessoa siga as regras do creative commons, que são as seguintes. 480 projetos escolheram que apenas a atribuição, ou seja, o crédito, é suficiente para o projeto deles. É a mais aberta de todos, isso é um sinal bem positivo, que 480 dos 622 escolham que seja tudo aberto. 71 colocaram que é obrigatório que seja compartilhado pela mesma licença, que significa o quê? Você não pode fazer uma apropriação comercial disso aqui e fechar o que você derivou daquela criação. 3 apenas não querem derivados, o que era esperado, as pessoas querem colaborar mesmo, querem derivados. 14 dizem que não pode ser comercial. 3 pessoas falaram que você pode reproduzir a obra, mas você não pode modificar a obra. 14 falaram que não pode fazer uso comercial, mas pode fazer derivados. 42 falaram que não é comercial e tem que compartilhar igual, quer dizer, mais estritivo. E o último, o mais estritivo de todos é que não pode usar uso comercial e não pode fazer derivado nenhum, que é a menos aberta de todas. E assim a gente faz essa escolha, a gente vê aí uma opção P por construir um comum bem aberto. E refletindo sobre comum, a gente tem visto que muitos projetos, esse comum é um espaço físico, compartilhado. Como eu falei já da concha, mas tem vários projetos envolvendo casas colaborativas, casas compartilhadas e outros espaços. A gente entende que o espaço virtual da plataforma expande esse espaço físico, permitindo coexistência quando as pessoas não estão nos espaços físicos. Normalmente esses espaços físicos são gerenciados no tempo de voluntariado da pessoa, não é o tempo principal de trabalho dela, é no final de semana, quando ela não pode necessariamente estar ao mesmo tempo que outra pessoa lá no espaço físico para manter aquele lugar. Então ela se organiza pela plataforma através desse espaço virtual. Então o espaço virtual às vezes é compartilhado por diversos espaços físicos também. 39 dos 622 projetos incluem a palavra espaço na descrição do que é o projeto. Então é uma categoria importante para entender essa plataforma. Um exemplo é o Teatro Vila Velha, eu já tinha mostrado o espaço virtual, agora eu mostro o espaço físico. É um teatro que estava entrando em decadência por conta do corte de financiamento da Petrobras. E a própria comunidade do teatro que estava ao redor resolveu manter, assumir, digamos assim, a manutenção desse teatro, usando o sistema de economia solidária que eu já mencionei para vocês. Então eles conseguem já há três anos manter o teatro funcionando, apesar do corte de recursos de origem governamental. Outra reflexão interessante é que a maior parte dos projetos não tem uma estratégia clara, mas tem muitas táticas. O que é uma tática? Qual a diferença tática e estratégica? Na estratégia você cria um espaço ou pelo menos você observa todos os detalhes do espaço e você pensa em seus movimentos. Na tática você não conhece o espaço todo e você não está preocupado em conhecer, você está preocupado em reagir, encontrar uma brecha rapidamente para você reagir a uma situação, digamos assim, hostil. Então eles trabalham muito nas brechas, aberturas e negligências que o Estado cria na sociedade. A maior parte dos projetos estão fazendo coisas que deveriam estar sendo feitas pelo Estado. Então faz parte, por mais bonito que seja a economia solidária, faz parte de um processo de desarticulação do Estado, Estado mínimo. Na verdade a origem disso aqui não é uma origem muito positiva, mas a gente acha, eu acredito que é mais interessante a gente tentar criar essa alternativa do que tentar salvar o Estado, minha opinião. Mas é obviamente que é um debate difícil. Para produzir um espaço robusto o coletivo precisa criar estratégia de longo prazo. Isso é uma coisa que é difícil conversar com os coletivos porque cada um tem uma visão de como tem que ser o projeto e às vezes para criar uma estratégia você tem que convergir. E essa convergência é muito difícil por causa da diversidade de pessoas, diferença de pensamentos. Então alguns coletivos acham "não, nós não precisamos de estratégia, vamos continuar agindo na tática, que é melhor que a gente tentar definir para onde que a gente vai". O que é também uma discussão bem interessante para o nosso grupo. Eu acredito mais que o nosso grupo precisa de mais tática por um momento do que estratégia, mas tudo bem. E por fim, a última reflexão que eu trago é a solidaridade. Esse sentimento não é natural. Eu não acredito que o homem nasce bom, a sociedade o corrompe, como diz o Rousseau. Eu acredito que a solidaridade, assim como qualquer outro sentimento, é uma construção social. E que a gente pode agora reconstruir esses movimentos de economia solidária realmente tentando reconstruir esse valor perdido, digamos assim, desvalorizado na sociedade capitalista. É muito difícil. Você tem que ter um esforço de resistência porque a todo momento vão vir valores anti-solidários em todas as interações que você tem numa economia capitalista. Aqui vem um ponto importante, que a economia solidária não se sustenta sem uma cultura solidária. Preciso ter símbolos, rituais, marcos simbólicos para que as pessoas acreditem na solidaridade. A esperança, que é uma categoria muito forte da pedagogia do Paulo Freire, de outros pensadores latino-americanos, ela é fundamental para a solidaridade realmente acontecer. Então eu não vejo solidaridade como um mecanismo ou apenas uma atributa, uma característica de uma economia alternativa como solidária. Eu vejo mesmo como um valor cultural que a gente deve cultivar. Por fim, eu queria só falar sobre problemas que a gente enfrenta na plataforma Corais. Ela foi construída com o software Dupal, versão 6. Hoje estamos na versão 8. Não é compatível, não é possível fazer atualização direta. É preciso reconstruir de novo a plataforma Corais. Apenas aproveitando, obviamente, esses aprendizados todos que foram feitos a partir do uso dela. Isso vai dar um trabalhão educão. A gente não tem recursos hoje para fazer isso. O que o próprio sistema, a própria atualização já se fez para não ser compatível? Foi. Foi uma decisão muito ruim da humanidade, desenvolvedores Dupal, de escolher que não fosse compatível à versão 8 nem à 7 com a 6. Eles escolheram isso para permitir que fossem usadas tecnologias mais avançadas. Só que para nós foi péssimo porque significou que a gente ficou deixado para trás. Deixa eu entender um pouquinho a parte da software. Claro. Que é a plataforma que a gente trabalha. O Drupal é uma plataforma. Isso. É uma plataforma, assim como o WordPress, o Moodle, o Jooml. Isso mesmo. A plataforma. A gente utilizou essa plataforma e desenvolveram o componente da plataforma Corais, que são, por exemplo, outros softwares, outros programas que vão dar para cima. Não, não, não. A gente pegou a plataforma Corais, foi construída em cima da plataforma Drupal. Na verdade, não. A palavra é incorreta. É um framework. É um framework de desenvolvimento. É uma estrutura para construir vários tipos de aplicativos que você quiser. Nós construímos uma plataforma que é um aplicativo com vários módulos. Cada um desses módulos foi customizado a partir do que a comunidade de desenvolvedores Drupal ofereceu. E quem foram as pessoas que customizaram o Drupal? Eu. Eu. Customizaram? Só eu. E programação? Não teve mais nenhuma outra pessoa que mexeu no código, não sei eu. Então você foi o programador, era o utilizador ou o programador? Eu quase não programei porque essa customização no Drupal acontece num alto nível de abstração. Muita coisa é feita sem precisar ver o código. Eu vi algumas vezes, mas eu não sou programador de formação, nem gosto de programar. Mas eu consegui fazer uma coisa bastante complexa usando esse framework. Só que o problema é que, como essas plataformas de, esses frameworks de customização de alto nível são muito fáceis de você usar, o custo disso é que eles tem um custo muito, eles exigem muito processamento do servidor, a máquina fica sobrecarregada facilmente e se você quiser atualizar você não consegue. Isso na verdade é inerente ao problema. Então é fácil pra mim que não sou programador criar um negócio desse, mas é difícil pra mim manter e crescer porque eu sou indivíduo. A ideia é que isso se torne um coletivo, mas a gente não tem, na verdade o problema é que a gente não tem auto gestão ainda da plataforma Corais se colocar dessa maneira. Tem um programador que quer fazer uma colaboração. Tiveram vários que tentaram colaborar, mas eles acharam o trabalho grande demais e eles não tinham o tempo necessário pra poder fazer isso acontecer. Então a gente está meio, basicamente mantendo a plataforma, é o que tem hoje, ela é funcional, os projetos continuam rodando, mas pra que eles fossem funcionarem melhor em dispositivos móveis seria necessária essa transição, pra que fosse mais rápido, pra que tivesse a altura do que já tem hoje no mercado não solidário, Slack, Azana, Google Drive, Basecamp, todos eles já estão mais funcionais que a nossa plataforma. Teve uma época que a gente estava na frente, no começo lá em 2011, a gente estava na frente, tinha coisas que a gente tinha que eles não tinham. Então é basicamente essa situação, eu como professor aqui da PUC só pra terminar, ainda não sei como configurar isso enquanto um projeto de extensão, não sei exatamente como fazer isso ser uma parte do meu trabalho aqui na PUC, porque eu acho que tem a ver com a missão da PUC, com várias coisas que a PUC faz aqui, inclusive projetos da PUC poderiam estar dentro da plataforma, poderiam estar se autogerindo através da plataforma, mas eu ainda não encontrei o caminho das pedras, porque eu já apresentei pra trilhas de economias solidárias que deveriam ser, eu imaginei que eles fossem ser usuários muito ávidos dessa plataforma, mas não consegui desenvolver nada até agora, por quê? Porque os projetos aí é minha visão inicial do que eu vi lá, eu participei muito pouco das atividades da trilha, mas o que eu vi é que esses projetos ainda não estão no nível de organização que precisa de uma plataforma como essa, então não há necessidade, por quê? Porque não tem um coletivo, é uma, duas pessoas que estão tentando fazer uma coisa solidária, mas na verdade não ainda conseguem realizar autogestão, que é o que permite dar escala à economia solidária e não ser apenas uma iniciativa de uma pessoa voluntária que quer fazer o bem pra sociedade, que não está preocupada com lucros. Bom, gente, só por último dizer que tem um grupo de programadores que se resolveu fazer o Corais 2.0, tá? Eu não participei dessa iniciativa até porque eu estou em querendo enfatizar autogestão, então eu estou me distanciando pra não ficar carregando nas costas, mas eles estão me comunicando o que eles estão fazendo. Eles conseguiram já criar isso aqui, que é uma ferramenta de comunicação mais intensa em tempo real, mais rápida do que a plataforma Corais, porém ela ainda não é fácil de usar, não é intuitiva, não dá ferramentas de contexto e não substitui plataforma Corais ainda, ela é mais como se fosse um complemento, você chama Rios. Então, como desenvolver uma Corais 2.0 autogerida? Eu não sei. Eu até aceito sugestões, tá? É isso, gente, obrigado. Não, muito obrigado. Não esperava pra ser, não, eu juro que não dê essas respostas. Não, eu acho que autogestão é uma boa instrução que a gente vai ter que fazer, né? Então... bom... E então... Então é isso aí.