Expressando a posicionalidade do Cria-Corpo. Então isso aqui é uma apresentação rápida de uma proposta de uma oficina em que a gente vai trabalhar a construção de um auto-retrato com material lixo reciclável, que é o material que vocês coletaram ao longo de uma semana da vida de vocês, com o objetivo de a gente refletir sobre a posicionalidade deste Cria-Corpo. Posicionalidade é uma questão que eu já vou explicar. Primeiramente, o que é Cria-Corpo? Relembrando, é um corpo que se recria ao criar algo. Então o adjetivo, ou melhor, esse sufixo Cria que eu acrescentei a palavra corpo, significa que o corpo não é uma coisa estática, não é uma coisa parada, é uma coisa que está sempre criando algo, criando objetos, criando espaços, criando atividades, mas também está se criando ao criar. E esse ponto muitas vezes é negligenciado na formação e design, que é a questão da subjetividade, do processo criativo, ou seja, como é que você se constrói como uma pessoa criativa. E aí vem o conceito de posicionalidade. Posicionalidade seria a reflexão sobre as condições deste Cria-Corpo, as condições desse corpo Cria-Corpo para criar. E aí a divisão, a diferença, a desigualdade entre esses corpos. Os corpos são socializados, constituídos dentro da sociedade, o mais que você acha que você é uma coisa, as outras pessoas acham que você é outra e te tratam dessas diferentes maneiras. Então vai existir diferenças corporais relativas à ancestralidade, de onde vieram os seus parentes, os seus pais, os seus avós, gênero, raça, classe, etnia, condição física e a manualidade, que é um tema pouco trabalhado na discussão de posicionalidade, mas de respeito ao acesso que você tem aos benefícios materiais. Benefícios esses que são tratados como privilégios. Então dentro da discussão sobre posicionalidade tem várias abordagens. Eu destaco aqui o trabalho pioneiro da professora Leslie Enoel, uma colega com a qual eu já colaborei em várias iniciativas. Ela é de Trinidad Tobago, mas atua hoje nos Estados Unidos. E ela organiza várias oficinas para discutir diversidade cultural e corporal. Então ela pergunta para os estudantes dela quem sou eu, e aí ela vai ajudando eles a responder essas perguntas e a organizar e ver padrões similares em respostas relativas a língua, que a pessoa fala, língua nativa, condição, habilidade, gênero e por aí vai. Aquelas questões que eu já coloquei no slide anterior. E aí no final dessa discussão, dessa oficina, você tem uma visão geral dessa diversidade de corpos, de origens, de capacidades que estão ali postas. Com base nisso, tanto Leslie Enoel quanto eu nas minhas atividades, propõe uma discussão sobre privilégios. Quem tem mais acesso às condições para criar e por que tem esse acesso? Muitas vezes não é por um mérito pessoal, não é por uma capacidade adquirida da pessoa, mas uma capacidade que a pessoa tenha desenvolvido por conta própria, mas uma capacidade que é inferida, que é especulada, que as pessoas acham que você tem só por fazer parte daquele grupo social. Então você herda ou recebe privilégios, nunca você conquista um privilégio. E aí acontece que a desigualdade desses criacorfos não é uma desigualdade que parece muito justa, porque de geração em geração as pessoas que têm os mesmos privilégios continuam tendo, porque ele é passado de geração em geração, a mesma coisa acontece com quem tem os desprivilégios. Então dentro da rede design opressão, rede AESA que faz parte do laboratório Lago, é uma rede nacional de pesquisadores que trabalham em combate, essas injustiças, a gente tem uma atividade chamada caminhada digital de privilégios de design, que a gente vai perguntando para as pessoas que participam, você tem esse privilégio? Se você tem, dá um passo à frente, se você não tem, dá um passo atrás. E aí no final a gente tem uma visualização das pessoas mais privilegiadas do grupo e a gente discute quais são as características desses criacorfos que atraem e que fazem parecer merecidos esse privilégio, embora não seja. E aí a gente discute como transformar esses privilégios em direitos. Esses privilégios vão estabelecer na prática diferenças no acesso ao consumo e indiretamente vão delinear a forma, a capacidade, a apresentação deste criacorpo. Isso vai se refletir em diversas maneiras na nossa sociedade, mas aqui eu vou focar especificamente na incidência do privilégio, impacto do privilégio na competição que existe no mercado de design e isso vai explicar por que é que muitas vezes, é uma teoria que explica por que é que quando você vai ver concursos ou histórias do design ou eventos que vão destacar os principais nomes do mercado de design, você vai ver mais corpos brancos, mais homens, cis, que vem de uma origem calcasiã, europeia, nos seus ancestrais, eram ancestrais que escravizaram os ancestrais das pessoas negras e também as indígenas, que roubaram a terra dos indígenas. Então essas pessoas que acumulam privilégios de geração e geração continuam acumulando privilégios na área do design porque ainda não há uma organização política ou educacional forte para combater a reprodução desses privilégios. Então esse tipo de visualização que não faz jus a diversidade da totalidade da população de designers do Brasil porque designers brasileiros não são necessariamente brancos e homens, pelo contrário, a gente tem uma diversidade muito maior do que se reflete nesse filtro que seleciona aqueles que são os melhores designers do Brasil. Agora, para que esses criacorpos cheguem lá, não é só uma questão deles receberem aceitado o privilégio, esse privilégio tem que ser construído pelos corpos desprivilegiados e aí entra a parte mais sinistra dessa desigualdade social. Não é que as pessoas desprivilegiadas não só não tenham privilégio, elas têm que trabalhar para construir o privilégio dos priviligiados e assim manter historicamente essa relação de desigualdade. Então o fato de que existe um monte de lixo acumulado em aterros sanitários ou não, lixões ou sistemas um pouco mais inteligentes de tratamento desses resíduos, o fato de ter pessoas que dependem da separação desse lixo para obter o seu sustento, isso é uma relação direta, uma coisa não existe sem a outra, você só tem a concentração de recursos no centro de uma sociedade se você tiver uma desconcentração de recursos, uma pilhagem, um roubo de recursos das periferias, das margens. Esses recursos não vêm do nada, não caem do céu, eles são privilégios conquistados na base da desigualdade. E isso aqui é o impacto do trabalho específico do design da nossa sociedade, porque esse lixo que está aqui acumulado no lixão composto principalmente de plástico, de metal, de vidro e de outros materiais que não são biodegradáveis, são criados, definidos e projetados por designers. Eu espero que vocês estejam percebendo a responsabilidade social que vocês estão carregando, essa profissão que vocês querem obter, porque esse lixo que vocês acumularam ao longo de sete dias foi criado por alguém, possivelmente não vocês, mas no futuro pode ser vocês que estejam lá, é bem provável que sejam vocês que estejam lá, tomando a decisão entre usar um material que é reciclável ou usar um material que é biodegradável e usar um material que não tem nenhuma dessas características e vai manter essa relação não só de privilégio social, porque é um material luxuoso, ou transformar essa relação, a gente tem essa chance de formar estudantes críticos para transformar a sociedade e é justamente isso que eu quero propor. Essa discussão dessa disciplina não é sobre sustentabilidade, embora vocês vão ter depois essa discussão em outras disciplinas, mas aqui é sobre responsabilidade social desde que cria a curta. Então você é o que você consome, mas você também pode ser aquilo que você cria a partir do que você consome. Então não interessa tanto apenas o que você está consumindo, mas o que você faz com o seu consumo. Você compartilha os seus privilégios, você hackeia, você subverte os seus privilégios ou você mantém eles do jeito que eles estão. Eu acredito que vocês podem ser a crítica dos seus privilégios e também da falta deles, porque nem todo mundo aqui, eu imagino que a maioria de vocês não são privilegiados na maioria daquelas relações que eu mostrei anteriormente, senão vocês não estariam numa universidade pública com cotas. Nossa universidade é para, assim, tem políticas oficiais de acolhimento de pessoas desprivilegiadas, embora nem sempre elas sejam políticas tão efetivas, mas o nosso objetivo é esse. Bom, agora eu vou dar alguns exemplos de atividades que eu conheci e que me inspiraram a propor essa atividade para vocês. A primeira delas é um filme maravilhoso chamado "Lixo Extraordinário", que documenta um projeto artístico do Vic Muniz, um artista brasileiro conhecido e famoso no mundo inteiro, que resolveu fazer um trabalho com os catadores de lixo do Aterro Sanitário de Gramacho, no estado do Rio de Janeiro. Lá pelas tantas, ele resolve criar uma obra que representa a vida desses catadores usando o próprio material que eles lindam, que é o próprio lixo. Então essa fotocomposição foi concorda com a ajuda dos próprios catadores de lixo. Ela é uma foto tirada talvez uns 10 ou 20 metros de altura, então muitos materiais não estão visíveis, mas aqui eu já aviso para vocês que são tampinhas de garrafa acumuladas que você vai colocando aqui e vai desenhando as formas com base nesse acúmulo de objetos. Desenhando com o lixo a imagem dos próprios catadores de lixo. Esse documentário teve também um sucesso estrondoso e muitos desses catadores conseguiram se tornar artistas por terem participado dessa obra e saído de uma condição de extrema vulnerabilidade social. Outro projeto interessante também é o Ser Humano no Lixo, uma atividade que faz parte do Teatro do Oprimido, realizada em escolas com o objetivo da gente refletir sobre as nossas escolhas de consumo, mas também como a gente se constitui na sociedade a partir de classe, raça, etnia e outras categorias em que nossos corpos são socializados. E por fim a atividade Seven Days or Gabbard, é um projeto feito pelo fotógrafo Greg Siegel, em que ele fotografou pessoas e as coisas que elas consumiram durante sete dias em diferentes culturas e exibiu essas fotografias para a gente comparar e refletir um pouco sobre o impacto do lixo e como é diferente em diferentes culturas o tipo de lixo que a gente produz. Se o lixo é uma questão cultural, logo ela não é natural, inevitável e pode ser transformada. Então muito interessante o projeto de Greg Siegel. E aí a nossa atividade aqui, Eu Sou Meu Lixo, que eu já executei ela com estudantes da disciplina Teoria do Design 4, que trata de design e sustentabilidade. Na ocasião os estudantes fizeram então um autorretrato com o lixo acumulado durante sete dias. Notem as diferentes abordagens, vocês estão livres para criar esse autorretrato como quiserem. Vocês podem aparecer na foto ou não aparecer na foto, seu Criacorpo pode não estar ali, mas eu acredito muito que todo o lixo que vocês carregam também faz parte do seu Criacorpo, então é impossível você não estar ali porque as suas escolhas de consumo também refletem a sua personalidade. E aí você pode fazer o meio-termo também, que aparecer o corpo mas não aparecer o rosto, por exemplo. Fiquem bem à vontade para criar a representação que vocês quiserem, mas lembre-se a proposta não é criar qualquer coisa, a proposta é refletir sobre privilégios e também a falta deles. Vamos fazer um exercício rápido de leitura da minha atividade, porque eu não poderia propor isso para vocês sem fazer isso comigo próprio. E aí eu queria perguntar para vocês, vendo essa foto, esse autorretrato, que privilégios você acha que essa pessoa, no caso eu, tenho e quais você acha que eu não tenho? Vendo os objetos que eu escolhi mostrar nessa foto e também a posição deles e a relação que eles têm na composição visual, o que vocês podem me dizer? Podem criticar, podem falar coisas... Como? Você acha que isso é um privilégio, desse privilégio? É um privilégio comprar coisa em pote de vidro? Por quê? Porque é um pouco mais caro e as coisas em plástico elas são mais caras. E geralmente a gente começa a ver se o molho, o vigalério é um pouco mais caro do que estão em embalagens mais... Vocês viram que é interessante como designers ao escolher o material da embalagem já estão selecionando o público-alvo e também reiterando situações de privilégio? Mas por que é que o vidro... Qual a diferença do vidro? Qual a vantagem para o meu corpo? Por que eu escolho o vidro? Alguém sabe me dizer por que se escolhe o vidro? Não só pela questão de "eu vou manter o meu privilégio", mas tem uma questão de saúde envolvida também, alguém sabe? Isso, o vidro é o plástico, dependendo do tipo de plástico ele libera algumas toxinas no alimento. Mas a Coca-Cola da marmita de vidro é mais gostosa do que a de plástico, por exemplo. Pronto, mas tem alguns casos que são especialmente ruins quando você esquenta o plástico. Evitem de esquentar comida na marmita de plástico porque muitos radicais livres são liberados ali. Mas enfim, não é essa a discussão aqui agora, né? A discussão é dos privilégios, continuem. O que mais de privilégios vocês veem na minha foto? A gente viu esse privilégio por causa da gente ter muito barco. Não é um EP, né? Não é um EP, não é um minuano? É um minuano. Não, EP, EP. O pessoal conhece, então, o salvo ali. Quem sabe o que é a marca minuano? Levanta a mão aí. - Eu sou pobre, né? - Tá bom. Parece que você consome esses moranguinhos, esses moranguinhos caros da cilda. - Cobra aí? - Você consome abreia. - Aqui, né? - Esse aí deve ser morango. Olha só, ela identificou que eu consome morango aqui, ó. É caro pra caramba. Você consome mingauzinho de aveia no café da manhã. Mingauzinho... Mas mingauzinho de aveia é privilégio? Acho que é o primeiro tempo que eu vou ter acesso a comida saudável. Opa, esse é um ponto mais geral aqui, de tudo que vocês estão vendo. Acesso a comida saudável normalmente custa mais caro ou mais barato? Mais caro. Um manto geral mais caro. O que você conseguir que você a gente consale e comer comida mais saudável é um privilégio. - O conhecimento. - O conhecimento. Perfeito. A maioria das pessoas consomem comida processada e não tem um com o que você quiser. - A gente consome o beijinho da comida. - Tá. Mas agora vocês falaram muitas coisas sobre o privilégio adquirido de classe social. Eu estou numa classe social que é já considerada um pouco mais privilegiada por ter um salário melhor, por ter tido talvez uma construção... Bom, tem uma construção aí que é mais difícil de saber pela imagem, mas é importante eu dar esse dado pra vocês. Os meus antepassados são europeus, colonizaram o Brasil, colonizaram a Indonésia e obtiveram os... Roubaram recursos desses territórios. Isso também me traz essa condição de acesso à informação e de acesso ao consumo. Mas o que mais vocês podem me dizer sobre meus privilégios? O que mais? - O que mais você quer dizer, Adriana? - Hã? - O que é o negócio que você quer dizer? - O que vocês acham? - Mas o que vocês acham? - Hã? - Mais um pedaço de bambu. - Pendaço de bambu cortado no meio? - Você usa bambu em casa? - Por que vocês acham que eu uso esse bambu? Vocês têm que fazer a leitura aí. Deixa eu desligar a luz aqui, espera um pouco. E aí? Por que que eu botei o bambu no meio? - É um bambu mesmo? - É um bambu. E aí? - Ah, você botei o pedaço, então você deu um negócio de bambu cortado. - É verdade, como é que você gosta desse negócio? - Eu não gosto. Tá, mas em termos de intenção, vocês estão olhando só para o material, mas eu fiz uma composição aqui, né? O que eu estou querendo dizer? - Agora... - O cara está tipo o mesmo passo, assim, preso na cruz. Opa! Olha só que interessante essa leitura, né? Eu estou numa posição bem crítica ali, né? Por que? Por que que eu estou nessa posição? O que que eu estou querendo dizer com isso? Vocês têm alguma composição visual também, né? - Estou me sentindo condenado pelos lixos, pelos meus pecados. Eu estou sendo crucificado pelo meu próprio lixo. E porque eu sou branco, assim como a gente constrói na nossa sociedade Jesus, então eu tenho fardo do homem branco carregar, né? Eu vou sofrer pela humanidade, pelos oprimidos. Eu estou sentindo tão pesadamente no meu coração o impacto do meu lixo que eu estou jogando, me livrando para não me preocupar mais. Nossa, que dor no meu coração que me dá isso. Alguém está levando o lixo e resolvendo esse problema para mim. - Acho que certamente é uma coisa assim, como a super-mulcia do bambu. No ensino de você, o bambu, começando a dominar humanidade, você está saindo do seu... Nossa! Aí já foi longe, olha. Ok, gente. A gente fez um exercício rápido de leitura. Certamente vocês talvez tenham outras colocações, outras leituras possíveis, mas a gente não tem tempo suficiente para estender essa discussão. Vocês vão criar imagens, depois vocês vão jogar isso lá no Moodle, e aí a gente vai poder fazer um debate se sobrar tempo no final dessa oficina de hoje. Então vocês vão expressar os seus privilégios ou a falta deles, apresentando o seu lixo em um autorretrato. Instruções. Abra o seu saco, separe. Pera aí, eu vejo instruções antes, calma. Arranje, corte e cole o lixo. Tire uma foto do seu criacorpo com um smartphone. Peça ajuda para seus colegas caso precise para tirar foto. E por fim vocês vão enviar essa foto no Moodle. E não adianta usar o aplicativo do Moodle, que infelizmente não funciona a função de envio, de imagens. Você vai ter que logar pelo Moodle no celular. Pede ajuda para um colega se o celular estiver sem bateria ou sem acesso à internet. E aí vocês enviam lá no Moodle as suas fotos. Depois a gente vai debater algumas coisas para finalizar. Ok, gente?