Eu sou o Rodrigo Gonzaga, sou professor aqui do curso de Design Digital da Escola de Arquitetura e Design e estou participando aqui no FliSol com várias coisas, uma delas é uma banquinha de livros que a gente tem ali fora que o professor Fred que deve ter indicado, tem a versão impressa dos livros para vocês consultarem ali ou pegar o link direto para vocês baixarem online. Também a gente está preparando um teatro aqui mais para o final do dia, vai ser interessante para trabalhar um teatro sobre design e software livre e também a gente vai fazer uma palestra que eu vou apresentar agora. É um tema que eu gostaria de pedir, já estava querendo apresentar há muito tempo dentro do contexto do FliSol ou do software livre. É uma palestra que tem origem em tantas questões, dúvidas, preocupações que eu e o Fred temos, tanto no Brasil quanto na América do Sul, tem uma reflexão sobre a questão da liberdade, mas também é um texto que eu fiz um doutorado em tecnologia e não em software. A gente fiz um texto sobre a questão da liberdade e a questão da materialidade. Então essa palestra se chama "Filosofia da tecnologia e do software livre", "Pode um software ser livre?" Essa é a pergunta que vai guiar a gente a partir de dois eixos. Então primeiro agradecer por poder apresentar essa palestra aqui no FliSol, Festival Latino-Americano de Instalação de Software Livre. Então perguntas para a gente começar, são perguntas que eu faço para mim mesmo. O que é liberdade? E essa pergunta se pergunta a todo mundo ao longo da sua existência. Passa por essa pergunta, se pergunta o que é liberdade, e depois pode acabar se perguntando por que eu quero ser livre. Por que eu pergunto o que é liberdade? Se eu quero saber o que é, provavelmente é porque eu quero usar essa liberdade para alguma coisa. A pergunta que eu proponho, me aproximando da questão do software livre é "Serei livre se eu usar software livre?" E a outra pergunta que veio principalmente da reflexão da prática de usar software livre e de ver outras pessoas usando é "Se eu colocar e fizer uma pessoa ser obrigada a utilizar software livre, essa pessoa terá de verdade?" Essa é uma contradição que eu acredito que muitos de vocês podem ter se perguntado, que é uma pergunta que cresce principalmente em contextos em que o software livre se torna, por exemplo, política pública, ou então um departamento, seja universitário, em outro lugar, instala software livre nas máquinas. Eu, pessoalmente, já ouvi muita gente que se sentiu obrigada a utilizar software livre, se sentiu polida da sua liberdade. Essa pessoa está certa? Em que noções de liberdade a gente está trabalhando nesse tipo de situação, por exemplo? Então a primeira parte, a pergunta é "O software que é software livre, ele é liberdade?" O software é? Então, o termo "livre" é utilizado hoje para além de coisas. Né? Nessa semana tem um movimento na internet livre, acho que é isso. O "livre" ali está sendo utilizado como adjetivo. "Internet" quer dizer alguma coisa. Quando tem o termo "software livre", o termo "livre" quer dizer alguma coisa. Quando você vai assistir um programa de televisão e diz "classificação da tarefa é livre", esse "livre" quer dizer alguma coisa também. Quer dizer, não é qualquer tipo de classificação, não é qualquer tipo de software. É um software que tem ali algo a mais que tem a ver com liberdade. Então a pergunta, para a gente começar a trazer uma questão mais filosófica, é "as coisas, os objetos, os artefatos, eles podem ter qualidades e valores tais como a liberdade?" Uma coisa pode ter o valor da liberdade ou as coisas são neutras de valores? Se as coisas podem ter valores de liberdade, a liberdade é um valor que as coisas podem ter. Então uma coisa pode ser boa ou má, ou ruim. Ou um software pode ser eficaz e ele também pode ser livre. Antes de entrar aqui, quis trazer um pouco de materialidade. Trouxe um CD. Porque quando eu penso em software, é muito difícil eu pegar um software e investigar nesse objeto onde está a liberdade. Eu posso tentar olhar no computador e não encontrar a liberdade ali. Então eu tentei pegar uma representação no tangido, como um CD. Eu podia pegar um pendrive também. Então eu sei que tem um software aqui. Se eu olhar de perto, eu posso ver aqui que na parte que imprime, que grava o CD, posso ver que tem uma parte que tem uma cor ligeiramente diferente. Eu sei que tem alguma coisa diferente ali. Ou seja, a parte dele tem alguma coisa. Talvez seja software. Aqui, eu poderia dizer que eu sei que tem software. Mas esse software ali, se eu só olhar, investigar, olhar de perto, tenho certeza que não saberia, não conseguiria determinar se ele é livre ou não, se ele é a liberdade ou não, somente com essa análise, digamos, bem empírica. Seja com microscópio ou qualquer outro tipo de técnica. Não conseguiria encontrar, ou definir, ou ter certeza se há liberdade aqui ou não. Bem, a forma que o software livre resume, quando eu falo "resume", é porque tem muitas outras questões que já estão debatidas fora da filosofia mesmo, da técnica. Mas o software livre define a questão da liberdade, ou seja, ele propõe essa lista como uma forma de você saber se o que tem aqui dentro for igual a esses quatro itens, teria liberdade. Então é uma espécie de escrutínio, que eu posso passar esse CD1, esse CD, e saber se há liberdade aqui. É assim que pelo menos o software livre em geral propõe, e as pessoas realmente seguem essa ideia. As liberdades básicas. Executar um programa importante para qualquer propósito. Porque um programa podia ser proposto, você pode executar esse programa, mas só para fins educacionais, ou só sem fins lucrativos. No caso aqui, você pode executar o programa para qualquer propósito. Você pode estudar como ele funciona, e para isso você usa o código-fonte e não o programa em si. Pode usar o programa em si também, mas principalmente se usa o código-fonte. Então quando a gente está falando de software livre, a gente não está falando de uma coisa, estamos falando de duas. Que é uma coisa, mais outra coisa que vem junto. O software e o código. Redistribuir cópias. Eu posso dar esse CD para qualquer pessoa, e essa pessoa pode pegar e fazer uma cópia idêntica a ele. É perfeito só o programa. A pessoa pode modificar esse código e esse software que tem aqui. Essas quatro liberdades básicas foram propostas num contexto bem específico. E elas são hoje um mantra que continua, que o software livre, porém, eu acredito que só elas não conseguem determinar a liberdade. Porque a gente tem questões que a filosofia da técnica vai trazer para a gente, que são bem interessantes. Então, eu queria aliar essa discussão do software livre com a questão da filosofia da tecnologia. A filosofia da tecnologia surge num contexto moderno, ou seja, na contemporaneidade, principalmente nos últimos 60, 70 anos, no máximo. A filosofia da tecnologia vem com uma crítica à modernidade e uma crítica à ciência. Uma visão de que a gente produziu muita ciência e é onde a gente chegou. Não é à toa que muitos filósofos da técnica começam a pensar no contexto da modernidade e da ciência antes, durante e depois da Segunda Guerra Mundial. Ou seja, você vê o resultado da produção científica que foi a morte e a destruição e daí você se reflete. Será que é essa a tecnologia que a gente quer? Então, esses são alguns pontos da filosofia da tecnologia. As abordagens que eu trago hoje vão ser um pouquinho de teoria crítica, filosofia da existência e materialismo dialético. É interessante que quase todos os autores que eu trago aqui são marxianos. Ou seja, eles têm uma influência, eles pegam alguma coisa do pensamento de Marx, mas não seguem totalmente, eles não são ortodoxos. Eles têm vários questionamentos também, por isso que eu trago aqui materialismo dialético. Dentro da filosofia da existência, ela foi uma grande produção principalmente na Europa, mas também tem esses filósofos da existência no mundo todo. Eles colocam que a liberdade é uma realidade humana, porque o ser humano é liberdade. Não existe como desassociar uma coisa da outra. Segundo a filosofia da existência, o ser humano é um existente, ele existe justamente porque ele é livre. Então, é um erro até falar que o ser humano é livre. Seria certo dizer que esse ser livre é a Link. É uma condição do ser humano ser a liberdade. E a liberdade é relacional, ela não é uma essência, não é uma coisa que o ser humano tem. Ele é um feixe, um conjunto, ele só age, ele só existe porque é a liberdade. As essências são criadas pela liberdade, então a liberdade é a existência do ser humano. E por ser livre é que ele cria coisas, cria essências, diz o que as coisas são. Segundo esse pensamento, a gente tem aqui uma referência que é o Sartre. O Sartre tem uma frase que ficou famosa, que é que o ser humano é condenado a ser livre. Então, o ser humano é condenado a tomar decisões e a escolher. O que isso significa? Que quando a gente não consegue não escolher, quando eu digo assim, você quer um bolo de chocolate ou um bolo de morango? E eu falo, não quero nenhum dos dois. Você está escolhendo. Isso não é uma não decisão. Isso é uma decisão, é uma escolha e você não consegue se omitir das escolhas. Ele chama de má fé quando a gente acredita que a gente ficou a parte e não tomou a decisão. Por exemplo, sei lá, resolvi ficar em casa, não pude ir para o frissol hoje. Essa pessoa que não pôde, na verdade, ela escolheu e não vim para cá. E ela deveria assumir essa liberdade que ela é e ter tomado essas escolhas. Outra questão é que a liberdade é situada. Por causa dessa noção de liberdade do Sartre, a liberdade é situada. Então, o Sartre nunca vai definir que a liberdade é quanto mais coisas você pode fazer, mais livre você é. A liberdade sempre dá essas escolhas, sempre dá um contexto. Então, eu peguei de manhã, acordei com sono e tomei a decisão de não ir para o frissol. O fato de eu estar com sono é a minha situação, é a minha condição. Não é algo que me restringiu à liberdade, sei lá, ou porque eu fui numa festa ontem ou porque eu se apresentava com preguiça. A gente toma essas decisões em situação. Então, não existe uma liberdade universal e não é possível ficar comparando liberdades. Tipo, você é mais livre do que eu. Isso tem implicações muito grandes quando a gente pensa em software livre, porque, bem, a gente quer dizer que alguns softwares são livres e outros não. Então, como é que eu posso dizer que um é livre ou não, se eu penso que, primeiro, a liberdade é uma propriedade das pessoas e não das coisas, e, segundo, que já somos livres. Outro pensador, que agora é um filósofo brasileiro, que utilizou muitas ideias de Sartre, mas modificou elas, é o filósofo Álvaro Peregrino. Ele vai estar preocupado mais em pensar a filosofia do Sartre a partir da realidade brasileira, ou, melhor, da realidade das nações subdesenvolvidas. Ou seja, elas não estão nas mesmas condições que o pessoal da Europa. Então, será que o conceito que eles fazem lá serve para cá? Então, ele vai tentar entender também que a nossa liberdade situada também tem outras noções, porque a gente pensa a partir dessa realidade. E ele vai dizer que a liberdade não é escolher, mas ter escolhido, porque a liberdade não pode ser apontada como algo que vai acontecer. Se a liberdade só é liberdade porque você já fez. Quando você faz, depois de ter feito, você olha para trás e fala "fui livre". Justamente por isso que você quer olhar para frente e pensar "quero ser livre de novo". Outra noção dele é que a liberdade é a libertação. A liberdade não é uma coisa que você busca, do tipo "se eu for livre, farei um software que revoluciona a educação". Não, é o fazer o software que revoluciona a educação, que você faz a liberdade, e depois de ter feito esse software, você olha para o seu efeito e fala "criei liberdade aqui". Uma noção bem complicada que é uma palestra de 30, 40 minutos, é bem intenso, mas já temos duas visões sobre liberdade radicalmente diferentes, e muito diferentes do que a gente está acostumado também. Então, para o Virapindo, liberdade é superar as determinações da realidade. É justamente porque eu estou situado num contexto, como por exemplo, a gente que gosta de software livre, a gente vê que o software é proprietário, a gente não consegue fazer certas coisas, a gente não consegue nem passar arquivos para nossos colegas, nossos amigos, é justamente por isso que a gente busca o software livre. Quando a gente busca e usa ele, a gente quer superar uma determinação que a realidade nos impõe, que é não poder fazer certa coisa.