Pesquisa etnográfica e ecológica para design transicional. Esse termo não existe, eu estou cunhando aqui essa junção dessas duas áreas, dessas suas técnicas, na verdade. Existe a investigação ecológica, existe a pesquisa etnográfica, existe algumas tentativas de aproximação das duas áreas num plano teórico, mas eu estou fazendo essa junção já num ponto de vista prático para permitir design transicional, que é o interesse dessa nossa disciplina. Só para recapitular, o que seria design transicional? A gente teve uma aula específica sobre isso lá atrás, mas só para a gente encaixar esse método que eu vou propor para vocês dentro do contexto. O design transicional é um projeto de envolvimento com uma comunidade que visa facilitar a especulação de transições futuras necessárias para uma sociedade mais sustentável e facilitar essas transições. Então você especula e você facilita algo que possa ser feito e executado já nos próximos anos. Isso aqui é um exemplo de uma comunidade que a gente já viu, a Garfield Farm, que designers que estavam estudando a Karing Mellon visitaram essa comunidade e viram quais eram as possíveis desenvolvimentos futuros, cenários futuros. Essa comunidade poderia se tornar uma comunidade com conhecimento de construção de permacultura ou uma comunidade para oferecer serviço de educação para crianças que querem conhecer a sustentabilidade ou desenvolver tecnologias sociais. E esses caminhos aqui foram especulados com a facilitação dos designs transicionais e os pontos, os passos para chegar lá, as transições são essas folhinhas. Aqui é o cenário futuro, lembra do back casting, você imaginar a situação ideal no futuro e aí você imaginar os caminhos seriam as transições. Os espinhos é a metáfora das dificuldades que eles precisam superar. Então vocês não vão superar as dificuldades pela comunidade aí que está, vocês não vão desenvolver a solução para o problema. Se vocês já mapearam e fizeram uma coisa assim, isso aqui é uma síntese de um trabalho bem complexo. Eu estou mostrando só a ponta do iceberg que é esse diagrama. Mas se vocês fizerem uma coisa assim já está suficiente para essa disciplina. Como é que faz isso? Para projetar transições é primeiro que eu preciso conhecer a visão de mundo das pessoas que estão nessa comunidade ou das pessoas que precisam dessa transição. Por que a visão de mundo? Porque se a gente está falando de futuro, se está falando de situações preferidas, a gente tem que entender não só a coisa objetiva que a pessoa fala, a pessoa fala de repente "ah, no futuro eu vejo a gente reciclando o lixo mais". Mas por que isso? Qual é a visão de mundo dessas pessoas que gera esse desejo, essa necessidade? Provavelmente existem outros elementos nessa visão de mundo que podem ajudar a pensar outros caminhos possíveis e outras ações possíveis. Então é importante você conhecer o contexto de onde vêm esses desejos. Historicamente uma disciplina que se desenvolveu um método bem interessante para fazer esse tipo de estudo de visão de mundo é a antropologia. Dentro da antropologia existem dois paradigmas principais, que é o estudo antropológico em teórico, baseado em escritórios, que é Desk Anthropology, antropologia de escritório, e tem a antropologia na rua ou no mato mesmo, que é a antropologia etnográfica. Essa antropologia etnográfica é mais predominante hoje, mas no começo dessa disciplina era o contrário. O pesquisador que fez essa mudança da antropologia, que começou a fazer estudos de campo, foi o Malinovski. No começo dos anos, no século XX, ele começou a visitar algumas comunidades indígenas, aborígenes na verdade, em regiões remotas do nosso planeta, isso aqui no caso é na Oceania, e aí ele vai estudar os hábitos e cultura dessa população do ponto de vista dessas pessoas, então ele vai permanecer, conviver com esses nativos durante um tempo, para aprender a língua deles, para aprender a cultura e tentar entender porque eles fazem o que eles fazem, não do ponto de vista de um europeu que vai de cara colocar um monte de preconceito e achar que eles são nativos, primitivos e que não tem nada a acrescentar, que só fazem besteira, são burros e ignorantes, por aí vai. O Malinovski parte do princípio de que ali existe alguma riqueza, um modo de ser, uma visão de mundo que pode ser muito interessante conhecer, só que Malinovski e os outros que participaram desse movimento da etnografia no começo da antropologia, eles partiam do princípio de que eles eram muito diferentes daquele povo e que eles tinham que proteger aquele povo para ele não ser aniquilado pelos colonizadores e por aí vai, e no final das contas eles acabam descrevendo como é aquela cultura para mostrar para os outros europeus que ali existia uma estrutura de poder, que existia uma maneira de se organizar, que existia toda uma série de características civilizadas. Aí o que os gestores, os políticos fazem com esses estudos? Vão lá e utilizam esses estudos para aperfeiçoar os mecanismos de controle e dominação das colônias. Então essa relação de alteridade, alteridade é relação de diferença, ou você se sentir, ou você se relacionar com um outro, é relação de alteridade, nesse caso ela era baseada numa premissa de que havia uma grande diferença cultural entre a cultura do pesquisador e a cultura do pesquisado. Isso acabou gerando um distanciamento tão grande que gerou essa possibilidade de exploração do... porque aqui no caso Malinovsky e dos outros, embora eles tivessem esse cuidado e preocupação de valorizar a cultura desses povos exóticos, eles não tinham compromisso político com essa cultura, nem com essa comunidade. Avancemos aí quase 100 anos da pesquisa antropológica e etnografia especificamente, ela se torna algo mais próximo da nossa cultura, ela muda a sua preocupação e interesse do exótico para o familiar. Então aqui está um exemplo de uma antropóloga, a Helene Jakub, que faz etnografia em favelas no Rio de Janeiro. E nesse caso ela tem um nível de comprometimento muito maior com a comunidade do que tinha, por exemplo, o Malinovsky, que ela mora nessa favela já há muitos anos. Então ela é um membro da comunidade, ela não se identifica como alguém que está fora, ela é nativa. E assim ela também se compromete com as causas políticas dessa comunidade e faz manifestação, quando tem manifestação, protege as pessoas quando tem tiroteio e por aí vai. Faz parte da convivência. Agora vamos para sair da antropologia, vamos ver um caso específico de um designer que começou a utilizar métodos inspirados na etnografia, alguns elementos da etnografia, ele não chama de etnografia, mas a gente sabe que é dessa fonte que ele está bebendo. O Yann Tichese começa a viajar o mundo na ENOC, na época ele trabalhava nessa empresa que antigamente era uma das maiores fabricantes de telefones celulares, para ver como que as pessoas estão usando telefones celulares em diferentes regiões mais remotas do mundo. E aí ele observa o dia a dia das pessoas, anota as descobertas, compila relatórios e às vezes ele faz até propostas de novos produtos que podem aproveitar melhor as possibilidades e oportunidades que tem nesses negócios em mercados emergentes, que normalmente não são conhecidos pelos europeus. Então aqui, por exemplo, ele descobriu na África uma prática muito comum que as pessoas não tinham celular na época lá, no começo dos anos 2000, mas tinha uma pessoa que era empreendedora que comprava um celular para alugar esse celular para outras pessoas. E aí para que essas pessoas tivessem, essas pessoas às vezes não sabiam nem ler e escrever, então ele mantinha um livro de contatos para aquela comunidade e esse livro de contatos era compartilhado, uma espécie de address book daquela comunidade. Então se você queria ligar para fulano, sicrano, você possivelmente já tinha o telefone dele nesse livro. Então o serviço dele aumentava o valor porque ele não só dava o celular, mas ele também te dava o telefone de todo mundo que normalmente era contatado naquela vila. E aí a Nokia falou "putz, essa oportunidade de negócio, vamos criar uma ferramenta dentro do nosso celular, na época não era smartphone, que permite ter múltiplas agendas, então tem a agenda do fulano, do sicrano, do beltrano no mesmo aparelho e você pode selecionar qual agenda você vai querer". E aí eles lançam esse produto e esse produto obviamente tem um diferencial em relação a outros produtos, outros telefones celulares que eram vendidos e se torna um produto mais vendido nessas regiões africanas. Então aqui vejam como volta, digamos assim, aquela visão colonizadora da antropologia de você produzir um conhecimento, tirar esse conhecimento da comunidade, desenvolver uma tecnologia e vender ela de volta sem ter um compromisso de dar algo de retorno para essa comunidade. Esse livro aqui, "The Field Study Handbook", é o livro que o Ian Tipchase escreveu depois de muitos anos fazendo esse tipo de estudo, é um livro muito bem feito, muito bem escrito, muito bem projetado, super difícil de encontrar e caro, mas eu trouxe aí para vocês olharem, digamos assim, a bíblia da pesquisa etnográfica no design, apesar de que não exista uma discussão, uma reflexão crítica a respeito desse probleminha que eu falei de você roubar esse conhecimento da comunidade. Mas enfim, existem outros livros que falam sobre isso, o que é legal do livro dele é essa parte prática, como fazer a pesquisa etnográfica que a maioria dos livros e artigos sobre esse assunto não falam, tipo, como que você aborda uma pessoa, como você descobre que pessoa que você vai abordar, como que você vai de um lugar a outro prestando atenção nas coisas que você vê na rua, então ele fala, vai de bicicleta, que bicicleta é a melhor ferramenta para pesquisa etnográfica. Então esses detalhes assim você não vê em outras publicações, por isso eu trouxe aí para vocês darem uma olhada. Nesse contexto já da pesquisa etnográfica do design e da própria antropologia urbana, que é o caso da Yacob lá nas favelas, você já tem uma relação de alteridade diferente baseada no estranhamento. O estranhamento é um dispositivo antropológico ou talvez um mindset, uma maneira de você ver o mundo que você começa a olhar, o mundo que você acreditava ser verdadeiro e comum e normal e você começa a falar, gente, por que a gente faz isso todo dia? Nossa, isso é muito estranho, por que a gente todo dia coloca um dispositivo para controlar o nosso sono e acorda com o barulho dele? Que violência é esta? Quer dizer... Não, mas são perspectivas diferentes, entendeu? Quando você começa a estranhar, você começa a ver outras visões de mundo. Então aqui no caso, para simplificar bastante, o pesquisador se torna o outro na relação. Ao invés dele ser do outro ser os pesquisados, o pesquisador começa a se tornar uma pessoa diferentona, começa a buscar experiências em que ela olhe para essa sociedade com uma visão diferente. Por isso que também o contato com outras visões de mundo ajuda o pesquisador a desenvolver esse estranhamento. Quando você entra em outra visão de mundo, você sente isso se você estiver prestando atenção, obviamente. Então basicamente a pesquisa etnográfica, ela ajuda a criar representações que permitem compreender até certo ponto outras visões de mundo. Aqui eu estou mostrando uma representação que não é etnográfica, mas é só para metaforicamente mostrar para vocês que uma visão de mundo pode inverter completamente as nossas bases para viver no mundo, para estar no mundo. Então por exemplo, a gente costuma aprender e se acostumar com a ideia de que nós estamos no sul do hemisfério do globo, no hemisfério sul do planeta. E a gente está sempre embaixo e tudo que é desenvolvido de conhecimentos e tecnologias e capital vem de cima para baixo. A gente está acostumado com esse conceito e isso se repete em trocentos mil instâncias na nossa sociedade brasileira. Porém, por que a gente se acostumou com essa representação? A quem ela traz vantagens? A quem está lá em cima no hemisfério norte. Então se você inverte o mapa mundo e você coloca o sul na parte superior do desenho, você vê o Brasil aqui, você começa a enfatizar uma visão de mundo de que não, aqui no sul também produzimos conhecimento. Aqui no sul nós também temos uma visão de mundo particular e não é menor nem pior do que a visão de mundo do norte, mas é a nossa visão de mundo e a gente quer fortalecê-la. Esse movimento se chama epistemologias do sul, só para pontuar. É um movimento que é capitaneado muitas vezes por antropólogos, mas também tem sociólogos e outros zólogos, mas eles falam que a gente tem que inverter essas representações porque o fato do norte estar em cima e o sul estar embaixo é uma mera convenção, porque o planeta terra não tem parte de cima e parte de baixo, a gravidade puxa todo mundo para o centro. Então se você está em pé aqui ou se você está em pé aqui, o cima e o baixo é relativo. Então essa convenção serve de maneira indireta para nos diminuir, por isso que é interessante esse tipo de exercício de fazer mapa mundi invertidos. Então etnografia, o que é? É o estudo empírico, quer dizer, eu vou buscar os dados, buscar os fenômenos onde eles estão acontecendo, eu vou vivenciar esses fenômenos em primeira mão, ao invés de ficar lendo artigos ou teorias sobre aqueles fenômenos. É localizado porque eu vou no local, eu vou ver as coisas no nível micro e é engajado porque você muitas vezes vai precisar participar das atividades para você compreender a cultura. Então etnografia é o estudo da cultura, etno tem a ver com etnia e etnia é uma constituição cultural, um conceito cultural, um deles. Então agora vamos destrinchar e vamos chegar no outro ponto que a gente está interessado que é a ecologia, tem a ver com sustentabilidade que é o tema dessa disciplina. O que é cultura? Cultura não é ir no museu ou no teatro, cultura também não é ter boa educação e bons modos, cultura também não é tudo que é natural no ser humano. Isso aqui são preconceitos que as pessoas têm a respeito de cultura quando elas usam a palavra num vocabulário de senso comum. Para etnografia e para antropologia, cultura não são essas coisas mais estereotipadas. Cultura é tudo aquilo que é cultivado por um determinado grupo humano. Se existe uma cultivo, a ideia de que está sempre sendo refeito, reconstruído, aí você pode falar que aquilo ali é cultura. Então se por exemplo eu vou lá e faço um gesto, eu fiz o gesto, mas isso é cultivado pelo grupo humano? Não é, esse gesto não significa nada. Agora se eu faço esse gesto aqui, é um gesto, então vocês entendem porque a gente cultiva esse gesto. Isso permite o quê? Produção de sentidos, produção coletiva de sentidos, vocês entendem o que eu falo quando eu faço assim, mas também substâncias, e aqui a gente faz a conexão com a perspectiva ecológica. Normalmente a etnografia trata de sentidos, mas em alguns momentos ela vai tratar também da condição material de vida que tem a ver com substâncias. Então por exemplo, cultivar arroz, é uma substância que a gente ingere e come, amido, querendo arroz, então cultivar qualquer coisa em grupo humano faz parte da produção de cultura. Ok, vamos para a natureza. De novo, vamos construir alguns preconceitos. Natureza não é aquilo que é oposto à cultura, então aqui tem um ponto fundamental. Normalmente as pessoas falam que tudo aquilo que o ser humano constrói em cima da natureza é cultura, e tudo aquilo que é natureza é aquilo que o ser humano não consegue construir, não consegue evitar, é instintivo, é natural que o ser humano seja agressivo, violento, e por isso nós temos que assinar um decreto que libera o uso de fuzis no dia a dia, porque é natural do ser humano precisar de uma arma. Então o que acontece, esse argumento do natural é utilizado para naturalizar alguns tipos de cultivos, de atividades cultivadas por um determinado grupo humano, de modo a impor para outro determinado grupo humano. Então para algumas pessoas é natural mexer com armas, é natural a violência, porque elas cresceram num ambiente onde essa violência é constante. E elas vão dizer que isso é natural, porque elas não conseguiram ver em outras culturas como é possível você cultivar valores que não estão baseados somente na violência. Então elas vão usar esse argumento do natural para sustentar uma imposição. A antropologia vai desconstruir a ideia de que existem características naturais no comportamento humano. Ela vai dizer que na verdade a adaptação do comportamento humano é a característica natural, ou seja, a transformação, a mudança é a coisa mais natural do ser humano. Então quando a antropologia faz isso, ela quebra a divisão entre cultura e natureza, e ela vai dizer que a cultura é a natureza do ser humano. E aí eu vou usar o termo "segunda natureza" para falar dessa natureza que o ser humano está produzindo, manejada. E o que seria a natureza então? É um conjunto de fenômenos, basicamente, que constitui tanto a sociedade humana quanto o mundo quanto o próprio universo. Então natureza basicamente é fenômenos, não uma fonte de ameaça, o ser humano precisa ser controlado, precisa ser destruído ou manejado, ou é uma dádiva que é para a gente manejar e produzir, gerar capital e privar. Natureza é o que está acontecendo basicamente. Natureza não é uma coisa que está fora do ser humano nessa perspectiva. Na verdade o ser humano é a natureza. Essa perspectiva é muito interessante para trabalhar a ecologia, porque na própria ecologia existe essa divisão entre cultura e natureza, porém essa é uma divisão péssima para o conhecimento ecológico e também para as práticas ecológicas. O que acontece quando a ecologia fala "o ser humano pare de destruir a natureza"? Os seres humanos, os grupos, os políticos vão falar "ah, esses caras aí estão doentes, psicose ambiental e nós não estamos destruindo a natureza coisa nenhuma, 61% da nossa, da mata brasileira ainda está preservada, foi o que o Eduardo Bolsonaro disse ontem, né? 61% da mata brasileira está igual como era na época de Adão e Eva. É, foi isso, declaração de ontem. E aí o que acontece? Esse tipo de discurso é natural numa sociedade que divide o natural do cultural, porque aí algumas pessoas vão ficar de um lado, outras vão ficar de outro. Você divide, você sim de a sociedade. Algumas pessoas vão defender o natural, outras vão defender o cultural. Mas na verdade não faz sentido essa divisão, porque pela perspectiva que eu estou passando para vocês, o natural é cultural e o cultural é natural. Então as duas coisas estão juntas, aí a gente tem que decidir juntos ao invés de a gente ficar se separando e usando armas para desconversar. Ou não, né? Ou para se matar, né? Enfim, que algumas pessoas precisam de armas para conversar, mas deixa para lá. A etnoblogia e a etnobiologia são áreas de interdisciplinaridade entre antropologia e biologia que já tentam há muitos anos buscar essas pontes. Então vê essa tal de segunda natureza como uma parte fundamental do estudo da cultura. E dentre essas duas áreas, ecologia e antropologia, o conceito de comunidade funciona como uma ponte muito interessante. Então eu vou usar, por isso que eu tenho dito para vocês, vocês precisam fazer um estudo dentro de uma comunidade. Por que uma comunidade? E alguns me perguntaram o que é uma comunidade. Vou explicar agora. É porque esse conceito ajuda você a entender a relação entre vários tipos de seres vivos e vários tipos de substâncias e recursos naturais. Então a comunidade basicamente é uma relação biológica entre seres vivos, que você vai ver tanto num recife de corais, com um monte de tipos de seres vivos diferentes, quanto numa chamada favela. Então vamos lá, definição textual só para deixar bem claro o que é uma comunidade. É uma relação histórica, isso obviamente a gente já conhece da sociologia, que também utiliza até mais esse conceito de comunidade, mas também uma relação biológica entre diversos tipos de seres vivos que compartilham um determinado, daí vem a conexão ecossistema. Os indivíduos se organizam em relação a essa comunidade, por isso pode-se dizer que eles pertencem. Aí você pergunta, professor, eu que moro no bairro do Portão, eu estou na mesma comunidade do que as pessoas que moram no bairro do Capanema? Bom, se a gente estivesse organizando em relação a essa comunidade, sim, se não, não. Se não houver um sentimento de pertencimento, não faz parte da comunidade. Esse pertencimento não precisa necessariamente ser um sentimento consciente, pode ser uma orientação de organização do ser vivo, porque, por exemplo, os animais não têm essa sensação de pertencimento que nem nós temos, é diferente, eles também têm essa sensação de pertencimento, mas em uma árvore, ela tem uma raiz, está enraizada, e isso é uma sensação de pertencimento, só para colocar de maneira mais abstrata. Essas relações, elas vão definir, então, níveis de organização. Isso aqui é um conceito da biologia poderosíssima para pensar design, possíveis intervenções de design em comunidades, porque você pode intervir em todos esses níveis. Inclusive, hoje está cada vez mais disponível recursos técnicos para você modificar esses níveis aqui, intrabiológicos, intracorporais, que antigamente não eram possíveis, mas você pode, então já tem gente fazendo edição de moléculas, ou até mesmo uma questão atômica, a bomba nuclear é uma intervenção humana no nível atômico, uma intervenção destruidora, mas no caso existem outras intervenções no nível atômico, como a quimioterapia, por exemplo, que salva vidas. Enfim, o nível de comunidade é um nível onde existem várias populações de seres vivos diferentes se relacionando em cima de um ecossistema. Então o conceito de ecossistema e de comunidade é fundamental porque são as unidades onde você tem o maior número de riqueza das relações sem necessariamente você perder o vínculo com um local específico. Se você for estudar a biosfera inteira, ou bioma, que é uma categoria que aparece aqui, você vai olhar isso de um ponto de vista muito distanciado e você vai ter pouca possibilidade de ter incidência no nível de design. No design a gente trabalha no nível micro, no nível do cotidiano, então você não vai conseguir interferir muito bem aqui, mas você consegue interferir bem no nível ecossistema e comunidade, por isso eu estou destacando esse nível para o estudo que vocês vão fazer. Esse conceito de ecossistema, curiosamente, ele já se espalhou bastante dentro da comunidade, dentro da área de design, da área profissional de design, principalmente quem trabalha com design digital, design de experiências, design de serviço já utilizou esse conceito em algum momento na área de startups, inovação muito forte. E um exemplo clássico que é dado para aplicar esse conceito de ecossistema no design é quando você fala que os projetos e o design da Apple, eles não são isolados um do outro, então cada produto se conversa com outro produto e o produto sempre está associado a um serviço que permite que esse produto aumente de valor conforme ele seja utilizado e mais pessoas utilizem ele. Então existe uma certa retroalimentação entre os produtos e serviços e por isso que a Apple acabou ganhando uma posição competitiva avançada na área de comunicação móvel e entretenimento porque ela oferecia esse card app, outra palavra utilizada, de ofertas de experiências que um Blackberry, por exemplo, não conseguia oferecer. Por isso que o iPhone acabou deixando para trás o paradigma do smartphone isolado, que era o caso do Blackberry, um smartphone sem serviços, que você tinha que buscar serviços de terceiros que não eram muitas vezes integrados, que não funcionavam muito bem, quando você queria transmitir dados de um lado para o outro ou continuar uma atividade num sistema para outro, você tinha alguma perda, uma quebra e a proposta da Apple é fazer essa transição livremente. Esse conceito dentro do design não é problematizado, ele não é relacionado com a questão biológica que a gente está discutindo aqui nessa disciplina. Eu só estou mostrando para vocês perceberem como talvez exista alguma coisa ali que a gente precisa recuperar e relacionar com essa discussão de sustentabilidade e talvez isso seja o segredo também para os projetos de sustentabilidade pensar dessa maneira ecossistêmica e não pensar apenas em produtos isolados. Aqui tem um exemplo de um projeto de produto que pensou um produto isolado com a proposta dentre outras de ser mais sustentável. Então isso aqui é o Prete Porte, alguém já viu isso aqui? Da Brastemp? É, mais ou menos, não é só secar a roupa. Então a ideia é a seguinte, você é uma pessoa que tem uma consciência ecológica, tem pouco tempo na sua vida e tem pouco espaço na sua casa, então você não quer lavar muita roupa. Então você usa a roupa uns dois, três dias ou um dia, depende do seu ritmo, aí você pega, depende da sua anhaca, aí você coloca a sua roupa com anhaca dentro do Prete Porte e liga o negócio, ele vai desodorificar a sua roupa, vai meio que jogar um bapho quente ali que vai passar a sua roupa também. Quando terminar ela sai fresquinha para você reutilizar sem precisar lavar ela. O que vocês acharam aí? Vocês usariam? E aí você gasta tipo 3% do que você gastaria de água numa lavagem normal e a roupa sai fresquinha. Vocês estão com uma cara de que não estão botando fé, né? Tipo "ah, nem sai, né? Limpinha. Fica um fedorzinho, fica uma anhaquinha". O que acontece? Eu imagino que isso não tenha, esse produto foi um fracasso no Brasil. Eu imagino que o motivo é porque as pessoas ficam nojos. Eu acho que é uma questão de cultura. Exatamente, de cultura. A gente... A gente está aqui com uma gestão hídrica maior e as pessoas acham que vai limpar, assim, usar água. Pois é. Em países que já tem problema hídrico, sejam as soluções mais viáveis. Bingo. O que acontece? Que no Brasil as pessoas não valorizam água porque a gente tem teoricamente de montes, porque a gente tem uma coisa que não tem nesses outros países, que é falta de água por conta de calor, excesso de calor. Já teve racionamento de água no Brasil, inclusive em Curitiba eu já presenciei. Não foi há bastante tempo atrás, mas já teve racionamento de água. Do tipo você abrir a torneira e não tem água naquele dia. Você vai ter que viver a sua vida sem água naquele dia. Já aconteceu uns 10, 15 anos atrás. E pode voltar a acontecer de novo. Quer dizer, a gente não tem água infinita, mas a gente acha que tem água infinita e a água é barata no Brasil. Nesses países o que eles fazem? Para a galera valorizar água, o preço da água é caro. Então você vai pensar que esse tipo de solução é interessante, mas no Brasil é complicado. Mas mesmo que fosse caro, ainda assim teria um preconceito cultural de que a roupa limpa é roupa lavadinha pela sua mãe. Aquela com o cheirinho do amaceante que a sua mãe coloca. E aqui não tem essa... É um outro processo. Você mesmo lava, você mesmo coloca. Então você perde todo esse significado cultural que tem o ato de lavar roupa. Então esse projeto, que não considerou cultura e natureza, falhou miseravelmente. Isso pode acontecer em outras situações. Talvez esse seja o ponto de aprendizagem mais importante dessa disciplina que eu quero enfatizar. Por acaso, tem que fazer uma intervenção aqui, você tem que conhecer e entender como que você vai seduzir as pessoas a mudar esse comportamento, daí usando talvez aquelas técnicas que vocês viram na aula de mudança de comportamento através do design, aquelas cartinhas que a gente viu do Dan Lockton, aquilo ali pode ajudar nesses contextos. Primeiro você tem que entender a motivação para depois você mudar isso. E aí você vai fazer uma pesquisa etnográfica, e aqui eu estou acrescentando a palavra "ecológica" para enfatizar que você vai estudar ecologia, natureza junto com cultura, estudo integrado. Focado numa comunidade, não num país, num estado, você tem que focar numa coisa local onde você consiga entender. E agora vem um ponto polêmico. No design, essa pesquisa etnográfica e ecológica é uma maneira de tirar o ser humano do centro do projeto. E aqui eu estou desafiando diretamente a noção de design centrado no usuário que vocês já tiveram em outras disciplinas. Então um dos principais problemas que nós temos do pensamento moderno, não é do design centrado no usuário porque esse apenas reproduz essa perspectiva, é que o ser humano é o ser mais avançado deste mundo e ele merece estar no centro do projeto. E merece que todos os desejos e necessidades dele sejam supridos às custas dos outros seres vivos deste planeta. Então, quando a gente está trabalhando com design sustentável, a gente deveria questionar isso e deveria pensar que o ser humano é mais um dos seres vivos deste planeta, dessa biosfera incrível. E a gente tem que respeitar e pensar nos outros e não colocar só as necessidades do ser humano como prioridade. Infelizmente não é o que acontece na maior parte do design sustentável. A maior parte do design sustentável tem a falhada "não, não, vamos convencer esse sujeito aqui, vamos seduzir ele para ele continuar sendo super bem atendido e ainda assim ele diminuir o seu impacto ambiental". A gente já discutiu isso no começo da disciplina, mas a minha perspectiva até agora, e eu estou deixando cada vez mais claro, é que essa abordagem não é sustentável. Isso aí é a sustentabilidade, na verdade, para os ricos, a sustentabilidade da elite, das custas, da insustentabilidade do resto da população e também da diminuição da qualidade de vida de todos os seres vivos do planeta. Ok, como é que você faz isso? Como é que você na prática tira o ser humano do centro? E o que você vê? Se sai do centro e fica aquele buracão, qual é o foco do projeto? O foco do projeto passa a ser relações e não coisas independentes. Isso aqui é uma mudança filosófica absurda para o design e isso é o motivo por que muitos dos professores aqui do curso da Dean ou mesmo os estudantes não entendem o que eu faço. Eu não projeto coisas, eu projeto relações entre coisas. Quando eu falo experiência, interação, serviços e outras coisas mais que podem surgir no futuro, outras relações, eu estou falando de relações, eu não estou falando de uma coisa específica. E quando você começa a ver relações, você começa a perceber que uma coisa não é melhor nem pior do que outra. Você começa a ter uma visão mais igualitária do todo. E igualitária não no sentido só social ou humano, do tipo eu ver um rico e um pobre igualmente, mas no sentido de eu ver um ser humano e uma vaca no mesmo nível de direito à existência. E isso é fundamental para pensar a sustentabilidade na minha visão, não só na área de experiências e interações. Por isso eu estou dando essa disciplina com o viés do que eu conheço, do que eu acredito. Isso aqui é um diagrama que mostra relações, é o diagrama de um ecossistema. E aqui você vai ver que o sol fornece energia para os fitoplanctons, daí tem os zooplanctons, aí tem as águas vivas que comem os plantons, aí tem os peixes que comem as águas vivas e os peixes que são comidos pelos seres humanos. E o ser humano vai lá e faz cocô de repente, daí alimenta para alguém. Se você tem uma escala pequena dessas, você tem uma relação multidirecional entre o ser humano e o resto dos seres nesse ecossistema. Esses seres não precisam fazer muito esforço para serem multidirecionais, porque eles se constituíram dessa maneira. A evolução os colocou nessa situação. O ser humano aqui muitas vezes age contra, ou se acha superior aos processos evolutivos e aí ele começa a direcionar essas relações. Vou explicar isso melhor daqui a pouco. Quando ele direciona, o que ele faz? Ao invés de ser um pescador, um homenzinho lá, ele vem com um mega navio pesqueiro gigante, pega todos os peixes daquela região, inclusive os peixes que são bebezinhos e os peixes que estão na fase de procreação, e aí leva todos os peixes embora e quando ele volta de novo para pescar, acabou os peixes, não tem mais. Essa é uma relação unidirecional. É só do ecossistema para o ser humano e o ser humano não dá nada em troca, não nutre aquele ecossistema e aí você perde essa capacidade regenerativa que o ecossistema tem. O ecossistema, por ter muitas relações multidirecionais, uma coisa está sempre alimentando a outra. Quando o ser humano age contra os processos evolutivos, ele está quebrando essas cadeias. Que tipo de relações que existem no ecossistema? Eu não encontrei uma referência muito clara sobre isso na literatura, então estou especulando aqui. Normalmente a literatura vai falar de relações tróficas, que é isso que eu estou falando de um bicho se alimentar de outro ou de um bicho se alimentar dos restos de outro bicho, por exemplo, os dejetos fisiológicos nossos, alimento de fungos, bactérias e vermes e por aí vai. Mas existem também relações sexuais, espaciais, simbólicas e econômicas. Então veja, aqui eu estou incluindo as relações culturais dentro do estudo biológico. E é isso que vocês vão fazer também no caso de vocês. Normalmente no design a gente vai considerar apenas essas daqui, espaciais, simbólicas, mas eu vou esperar que vocês considerem as tróficas e sexuais também. Sexuais, professor? Não, pode também pensar não só em seres humanos, podem pensar em outras espécies, gente, mas seres humanos também. O papel da festa dentro de uma comunidade é bem importante, né? Não é à toa que tanta gente no Brasil nasce em novembro, né? Carnaval. É um fator biológico, gente. É uma cultura e biologia aí tudo junto. Mas um problema na verdade acontece quando existem relações unidirecionais, tá? Que eu já mencionei o exemplo da pesca. Aqui eu estou mencionando o exemplo da superalimentação das águas. O ser humano quando ele joga esgoto na água ele está superalimentando aquele ecossistema, colocando muito nutriente. Então o nosso cocô ele é nutritivo para o ecossistema. Só que se você colocar uma quantidade muito grande o que que vai acontecer? As algas vão crescer um monte, elas vão tampar a entrada de luz no mar ou num determinado lago e os peixes vão morrer também pelo excesso de óxido nitroso. Acho que é isso, não tenho certeza. Mas é um tipo de substância que vai vir com o esgoto que vai matar os peixes. Aí só vai ter alga e você vai ter um fenômeno chamado de eutroficação, ou eutrofização. Que é basicamente aquela cobertura verde que você vai ver, por exemplo, nas cavas do Parque Iguaçu. Aquilo ali é um fenômeno causado pela poluição daquelas águas. Se não tivesse poluição não teria tantas plantas ali. Então aquilo ali é basicamente um ecossistema morto porque não tem outras formas de seres vivos muito ricos, não tem muitas relações ali embaixo daquela água. Ali é uma água morta, só tem aquelas plantinhas em cima. Então as pessoas que não conhecem isso, que são meio ignorantes vão olhar e vão falar "olha, nossa que bonito, esse campo verde em cima da água, olha que legal, natureza, preservação ambiental". Aquilo ali é o sinal de um ecossistema muito pobre, que não vai ter biodiversidade, ele vai ter apenas algum tipo de... Mas ao longo prazo, se você parar de emitir esses influentes aqui, o ecossistema se regenera, não é um problema ambiental muito grave, é fácil de resolver na verdade. Apesar de que a gente não faça isso, mas enfim. Então transição para relações multidirecionais é o nosso foco aqui, tentar facilitar esse tipo de relação nas comunidades que vocês forem trabalhar. Busquem ajudar as pessoas a perceber como traçar vários tipos de relações, não uma única relação do tipo "ah, o que seria uma relação unidirecional?" Você ajudar uma comunidade a separar o lixo. Essa é uma relação unidirecional, não é multidirecional. E o que ela recebe em troca por separar o lixo? Se você começar a fazer esse tipo de co-criação, de valores, não é uma troca meramente, mas uma co-criação, aí você está começando a fazer relações multidirecionais. Vamos ver dois exemplos aqui. Um exemplo num ciclo tecnológico, um exemplo no ciclo biológico. Vocês lembram da discussão sobre design circular, economia circular da última aula, que foi quase um mês atrás? A gente viu que existia no cradle to cradle, do berço ao berço existia o conceito de separar o ciclo biológico do ciclo tecnológico. E reutilizar a matéria no ciclo tecnológico, quer dizer, reciclar tudo, e no ciclo biológico você tem um processo de regeneração do ambiente daquelas substâncias. Aqui é um exemplo de um ciclo tecnológico, ou técnico na verdade, na cidade de Kalundborg, na Dinamarca, várias indústrias fizeram acordos a partir dos anos 70 para reutilizar essas emissões de gases ou de dejetos que a indústria fazia, elas combinaram de que uma outra indústria iria reutilizar naquele mesmo território. Em vez de você levar esse material para reciclar em outro lugar, que é o que a maioria das empresas fazem, as indústrias elas reciclam o máximo que elas puderem, se aquilo ali pudesse ser, por exemplo, se o meu lixo pode ser vendido, a indústria vai vender. Só que o problema é, se o meu lixo for vendido lá para a China, tem um custo de transporte para chegar até lá, às vezes, o preço que paga não vale a pena nem a organização daquele lixo. Mas se você consegue estabelecer uma economia local onde isso possa acontecer, você viabiliza esse tipo de reciclagem e de troca, na verdade, de substâncias. Então esse é um dos exemplos mais interessantes de ecologia industrial que existe no mundo. Essa cidade conseguiu conectar 20, 30 indústrias diferentes e criar esse ciclo virtuoso de troca de... Só que isso aqui é no ciclo técnico. Agora eu vou falar do ciclo biológico. Um exemplo muito interessante, daí no nível, eles conseguem implementar isso no nível mais menor, é a permacultura. A gente vai discutir permacultura mais para frente na disciplina, mas para adiantar um pouquinho é uma abordagem de design que tenta conectar, fechar todos os ciclos biológicos de uma determinada comunidade ou até mesmo de uma residência humana. E a ideia de permacultura é de permitir que a gente tenha um cultivo constante dessas modos de viver, dessas subsistências. Então coisas que eles fazem que são simples, mas muito efetivas é reaproveitar toda a água que é gerada na cozinha, todo o esgoto que é gerado no banheiro, e aí você utilizar isso na composteira para gerar um composto orgânico que é usado para a agricultura. Você... Onde que está o banheiro que eu não estou vendo? Não colocaram aqui o banheiro, ficaram com vergonha esse lá. Mas eu sei que eles pegam o banheiro lá e fazem biodigestores com o banheiro, daí você não faz cocôzinho na água, você faz cocôzinho no banheiro seco, porque no banheiro seco eles pegam aquele material, colocam no biodigestor, lá dentro desse biodigestor vai gerar gás, esse gás vai ser usado na cozinha para cozinhar as refeições. É, não está aparecendo aí, curioso. - Não tem que voltar com uma camisa com lazeira ali? - Lazeira? Pode ser, pode ser, pode ser. É, curioso. Não apareceu. - Esses dogrinhos cruzes, os gatos, os gatos, os gatos. - Minha cara. - É, pode ser. - Mas eu sei que... - Não vai ser da cozinha. - Eu sei que acontece porque eu tenho um... Meu cunhado fez um curso no Pindorama, inclusive eu convidei ele para conversar com vocês umas aulas mais para frente. Pindorama é um lugar onde... Acho que o lugar no Brasil que mais conhecido de treinamento em permacultura. Então depois a gente vai falar um pouquinho mais sobre esse assunto. Voltando para a nossa pesquisa etnográfica. Como fazer então pesquisa etnográfica e ecológica? Espero que até aqui vocês tenham tido uma noção geral. Alguma dúvida sobre o que é e por que que deve fazer ser feita? Não? Então beleza, vamos para a parte prática aí que é o que interessa para vocês. Primeiro, como não fazer? Porque a maioria dos textos em design que vão falar sobre pesquisa etnográfica ou vão usar até a palavra imersão ou é visita ao usuário ou é observação, eles vão recomendar você fazer isso. Eu não recomendo. Que é o seguinte, você fazer uma visita, conversar com uma pessoa, tirar um monte de foto, encontrar um problema de design, ir embora e não dar nenhum retorno e considerar apenas uma única perspectiva. O que você acha que é um problema? Infelizmente isso aqui é o que mais se faz, inclusive no mercado de trabalho quando existe a oportunidade de trabalho para você fazer uma pesquisa etnográfica, a maioria dos profissionais vai fazer isso. Isso não é uma etnografia ou talvez possa ser considerada uma etnografia ruim. Por quê? A proposta da etnografia, como vocês viram anteriormente, é perceber a visão de mundo das outras pessoas e trazer essa visão de mundo e incorporar ela no projeto ao invés de você impor a sua visão de mundo, que é o que acontece quando você faz isso aqui. Por isso que eu estou enfatizando tanto para vocês terem paciência e se engajarem mais com a comunidade do que pensarem em soluções de problemas. Eu não vou valorizar a criatividade da sua solução, eu vou valorizar a criatividade do seu engajamento com a comunidade, porque eu acho que isso é mais sustentável. A ideia de um designer produzindo coisas criativas para o mundo inteiro e se tornando uma pessoa famosa e dizendo como as pessoas têm que ser, se portar na sua vida, na cultura e na natureza, essa ideia não é sustentável. Esse tipo de papel de designer, star designer, destrelinha, não é sustentável. Qualquer padrão de centralização na sociedade não é sustentável. Se olhar os padrões de organização da natureza, não são centralizados. Um dos principais problemas do pensamento moderno é querer centralizar tudo. E a coisa que a nossa sociedade moderna mais centraliza e mais destrói nosso planeta é o capital. Eu acho que se deveria conversar com as pessoas de projetos de sistema design, elas estão precisando muito ouvir isso. A gente tenta. Realmente são projetos ecológicos, assim. Só que não dá nenhum retorno para os lugares, assim, é muito tenso, é muito tenso. Tipo, o último projeto acho que era num centro de indígenas, ali, e tipo, as meninas foram pegar desenhos de várias pessoas, assim. Fizerem tipo roupa com desenhos e não retornaram nada para as pessoas, assim, sabe. Só apresentaram o negócio tipo... Mas veja, isso aí, isso aí na verdade é uma prática de mercado, entendeu? Um mercado orientado por valores capitalistas, isso aqui rende livros caros e bonitos como esse. Se você é um designer que quer se encaixar no capitalismo apenas e não criticar, beleza, você aceita isso acriticamente. Eu pelo menos desejo ter uma visão crítica e desejo estimular que vocês também tenham. Mas isso é uma opção. Se vocês não quiserem ter, não precisa. Só vão precisar para poder fazer esse trabalho. Depois disso, podem voltar as suas práticas insustentáveis, que vocês podem querer chamar de escolas. Tudo bem, cada um escolhe a sua. Vivemos uma democracia. Tudo bem, a gente pode aceitar o fato de uma pessoa dizer que 61% da mata no Brasil não foi desmatada e tudo bem. A gente convive de jeitinho. Olha, estou esperando... Não, deixa eu... Como fazer etnografia? Tem que voltar ao normal, não grava isso. Eu estou gravando, não tem problema. Vamos lá. Como fazer etnografia? Agora vamos ver na prática. Esquece aquele negócio de modelos lineares. Já viram esse aqui, o modelo centralizado. Outro problema sério da nossa sociedade são os modelos 1, 2, 3. Isso aqui também é especialmente... Lembra da ideia de economia circular? Circularidade? Esse negócio de você vai lá, observa, anota as tarefas do usuário, identifica a necessidade. Não é sustentável. Sustentável é o caos. Porque a natureza se desenvolve pelo caos. Se você quer entender a natureza, tem que ser o caos. Estar no caos. Então esse aqui é um modelo que eu proponho de etnografia que você tem um movimento de vai e volta. Não tem lugar de entrada e de saída. O lugar de entrada e de saída é você. Onde você está. A partir do momento que você se movimenta, você pode ir para qualquer um desses aqui. Então em algum momento você vai fazer pergunta, hipóteses, vai gerar interesses. Aí você vai fazer algumas observações, entrevistas, oficinas. Aí você vai voltar a rever suas perguntas e hipóteses. Aí você vai querer interpretar esses dados, analisar eles. Aí de repente você vai querer compartilhar a descoberta com um professor orientador, com um outro colega, vai fazer uma oficina de co-criação. Isso vai disparar em novos insights, ideias, necessidades, conceitos. Isso vai retroalimentar esse processo gerando uma consciência, um pensamento ecológico. Se você não tiver o ecossistema na sua cabeça, como é que você vai entender o que é estar dentro de um ecossistema? Se o seu processo não for ecológico, como é que você vai querer nutrir um ecossistema? Então basicamente é por isso que eu proponho essa união entre pesquisa etnográfica e pesquisa ecológica. Então isso aqui é uma tradução daquele diagrama de maneira mais concreta através de fotos. Isso aqui é uma pesquisa etnográfica que não tinha na época, eu não pensava que era ecológica, mas agora voltando atrás e começo a considerar que era assim, a minha pesquisa do doutorado, a gente fez várias incursões em vários contextos e comunidades diferentes, sempre buscando compreender essa realidade por múltiplas perspectivas, por múltiplas atividades, tecendo vários tipos de relações. Então o papel do pesquisador muda de acordo com as situações, sempre tentando descentrar do ser humano, tentando descentrar de uma única questão. Então agora vamos ver algumas dessas centros de... Não, como é que eu vou chamar isso aqui? Atividades, tá? Cada bolinha dessa é um tipo de atividade. Então vamos ver essas duas atividades ali, eu vou mostrar alguns exemplos, que é a parte de perguntar, de levantar hipóteses e observar. E antes de tudo, só para deixar claro, bem concreto, o que você precisa levar para fazer um estudo etnográfico? Caderno de anotações, um aplicativo de câmera, um aplicativo de gravação de áudio, normalmente os aplicativos de gravação de áudio que vêm embutidos nos aparelhos são ruins, então você deve baixar um melhorzinho, que tem um botão de pausa, que salve em arquivo MP3, que você possa gerenciar depois. Se você quiser usar essa gravação de áudio para alguma coisa. Para essa disciplina não precisa, mas se eu usar esse método para o seu TCC, provavelmente você vai querer. E a outra coisa são as sondas culturais. Eu vou mostrar um exemplo daqui a pouco. A sonda cultural, ela substitui a ideia de questionário e também de roteiro de entrevista. A sonda cultural é um método especificamente criado no design, inspirado na antropologia, que substitui esse ranço da pesquisa social, que não é da etnografia. Questionário e roteiro de entrevista não é etnografia. Se você tem isso, você não está fazendo etnografia, porque isso aí vem da pesquisa de enquete, que é um outro tipo de método da sociologia, não é da antropologia. A antropologia quer muito mais que venha, como falei, as perguntas sejam feitas pela comunidade. Porém, eu vou sugerir para vocês algumas perguntas sim, cujas respostas devem vir, na verdade devem ser reformuladas essas perguntas, e as respostas devem vir com as perspectivas dos pesquisados. Eu poderia, na verdade, eu estou simplificando o processo de, estou simplificando o método de pesquisa etnográfica para vocês conseguirem trabalhar com isso sem ter uma bagagem muito grande a respeito. Então, nesse caso, eu estou dando algumas perguntas que são orientadoras, mas não é que você precise ter a resposta para todas elas. Você pode ou não fazer essas perguntas, e o ideal é que você reconstrua essas perguntas com as pessoas que você interagir na comunidade. Então, onde está enraizada a comunidade? Quais são os locais? Quais são os lugares? O que a comunidade produz para outras comunidades? Isso nos interessa, porque é ali que provavelmente no ciclo produtivo que a gente vai poder fazer algum tipo de proposta de transição. Que energia, materiais, ideias e seres vivos são transformados pela produção? No design normalmente a gente se preocupa com materiais e ideias, mas seres vivos não. Mas se fala, mas pessoa, que ser vivo que você é transformado? É, trabalhadores, e podem ser trabalhadores unicelulares também, que é isso que são as bactérias que fazem o seu iogurtinho. São trabalhadores unicelulares, ou pluricelulares, não sei. Enfim, são seres vivos que são transformados. Imagina a produção de seda sem o bichinho da seda, não existe. O bichinho da seda é um colaborador do ser humano no processo produtivo. Por exemplo, os animais que são usados para gerar alimentos para a gente, como por exemplo, ou melhor, que se transforme em alimentos de maneira muitas vezes violenta, que a gente já discutiu esse assunto, não estão cooperando com a gente. Do contrário, a gente está se aproveitando deles, mas de qualquer forma eles são transformados no processo produtivo. Qual a origem? De onde eles vêm? Para onde eles vão? Como essa comunidade se organiza e como ela é organizada pelo ecossistema? Isso tem a ver com você perceber não só a rotina de produção, mas outras rotinas dentro dessa comunidade. Onde há perda de energia, material, ideias ou seres vivos? Essas perguntas aqui já estão te ajudando a pensar em possíveis propostas de transição. Que relações com esse ecossistema não estão balanceadas, são unidirecionais? O que está organizado demais e o que está organizado de menos? Então, na natureza, se você organiza demais uma coisa, você trava ela, não consegue ter trocas com o meio ambiente. Se você não organiza nada, o meio ambiente vai lá e se apropria daquilo e aquilo ali vira uma ruína. O que está ameaçando o futuro dessa comunidade? E por outro lado, o que é futuro para essa comunidade? Qual a visão de mundo? Onde ela quer chegar? Qual seria a utopia e a distopia dessa comunidade? São algumas perguntas que vocês podem fazer, como eu disse, não precisa responder todas elas. Isso aqui é só uma oritação. Não deveria fazer isso que eu estou fazendo, porque na etnografia a ideia é você se deixar transformar pelo outro. Só que vocês não vão ter tanto tempo para fazer isso. Inclusive, poderia-se dizer que o que eu estou pedindo para vocês é uma espécie de etnografia rápida. É uma adaptação que os designers estão fazendo do conhecimento antropológico. O professor André escreveu um artigo sobre o assunto, eu coloquei lá no mudo. Então vocês podem depois ver mais detalhes se quiserem conhecer essa fundamentação teórica. Vamos mostrar um exemplo de uma pesquisa etnográfica que não tinha o viésco biológico na época, mas tinha tudo isso que eu estou apresentando para vocês. A sonda cultural. É uma técnica que a gente utilizou para estudar um grupo de estudantes de uma escola que estavam em processo de alfabetização e a gente queria entender qual as dificuldades que as crianças enfrentavam sociais para ingressar na cultura letrada. Então a transição de analfabeto para alfabetizado não era vista só como o domingo de uma técnica, como uma transição para uma cultura letrada. E aí a gente pensou como é que a gente vai fazer essa pesquisa com essas crianças sendo que a gente não pode ir até lá e falar com as crianças e ver o dia a dia delas, entrar na casa dessas crianças. Então a gente criou uma espécie de um questionário mais subjetivo. A sonda cultural colocando de grosso modo é isso. Ao invés de você passar um questionário com uma criança que não sabe ler e escrever, é bizarro, não faz sentido nenhum, mas tem gente que faz essas coisas. Tá tão cabeça fechada que imagina que vai botar o pai para preencher para a criança. Não, aí você já não está tendo acesso primário à fonte de dados. Você quer ter acesso primário, você pode usar a sonda cultural, que é um método, como eu falei, que surgiu no design. E vejam porque que tem a ver com o design. Na sonda cultural você constrói um objeto que serve para que aquela pessoa expresse seus valores culturais. Por isso a ideia de sonda. Quando você envia uma sonda para o fundo do oceano, você quer receber alguns dados, mas você não pode ir até lá, então você envia a sonda. É a mesma coisa quando você não pode estar dentro de uma cultura, você envia essa sonda. Nesse caso é uma cabeça de boneca cortada, tem um buracão na cabeça dela, e ali tem algumas instruções dizendo "coloca o post-it aqui dentro com o que você acha que essa criança tem que saber". E a criança podia fazer isso também, mas primeiro tinha que passar pelo professor, depois pelos pais, e aí chegava na criança e a criança podia ler o que os pais e professores pensavam a respeito do que devia ter na cabeça dela. Ou o pai ou a mãe poderia ajudar a criança a ler, no caso dela não saber ler ainda, ou escrever. Então o que aconteceu? A criança e os pais e os professores podiam refletir, nós também como designers, podíamos refletir sobre as diferenças perspectivas. Então o que aconteceu foi que os professores falavam que as crianças deveriam ter mais organização mental e dominar mais a matéria da disciplina, ou os pais queriam que as crianças fossem boas pessoas do mundo, se comportassem bem, e as crianças queriam saber o que era sexo. Porque ninguém falava pra elas, né? Então essas respostas elas devem refletir o ponto de vista e a visão de mundo dos pesquisados, e não a sua visão. Tem que fazer um esforço muito grande pra interpretar isso por essa perspectiva. Por isso existem métodos específicos de interpretação em náries de dados. Vamos ver alguns, tá? O painel de evidências é o mais simples de todos, você tem post-its com cores diferentes, três cores, tá? Evidência, insight e questão. As evidências é o que você observou, o insight é uma interpretação e a questão é o que você ainda não sabe sobre aquilo que vai te motivar a ir atrás da informação, seja voltando lá na comunidade, seja fazendo algum contato via telefone ou WhatsApp. Esse painel de evidências é uma versão simplificada do painel de evidências do detetive, que vocês já viram naqueles filmes policiais, né? Aquele momento do detetive mais louco, assim que o cara começa a conectar as coisas, fazer essas conexões aqui, e aí chega "encontrei", aí sempre no meio, né? Ele bate assim "ai, daqui que tá saindo o problema", e aí ele vai lá prender o bandidão, né? A ideia do filme normalmente é prender o bandidão, a sociedade volta ao equilíbrio, só que esse detetive não foi na causa, na construção do bandidão, que normalmente a construção social do bandidão vai envolver ações multidirecionais que o detetive não vai ter tempo de fazer durante duas horas de filme. Então por isso, na nossa sociedade, acreditamos que intervenções policiais têm que ser focadas no bandidão, bandido bom ou bandido morto. Então é cultural a gente acreditar que a centralização é a solução de tudo, porém não é. A gente precisa de outras maneiras, inclusive designs criativos que consigam fazer filmes policiais, porque isso vai ajudar, filmes policiais multidirecionais, com vários personagens, com várias pessoas que não são nem bandidos nem mocinhos, e também com personagens animais também ou personagens vegetais. Pokémon detetive aí, tá aí, assistam. Mapiamento de opressões. Isso aqui é um exemplo de um outro tipo de painel que você pode fazer, não precisa usar esse, tá? Mas é só um exemplo de que você pode conjugar elementos culturais, sociais, simbólicos, econômicos, tá tudo aqui. Muitas dessas relações desse tipo estão nesse diagrama bem simples, mas estão aqui. O que eles estão falando? Como é que existe, por que que existe essa, por que que na maioria das vezes os negros da nossa sociedade acabam tendo profissões que não ganham um salário muito alto, não têm um prestígio grande na sociedade, e por que que os brancos, por outro lado, têm essas posições? E aí tem uma análise aqui, por exemplo, né, de que a própria família desse negro vai estar sujeita a essas profissões, a esse acesso e oportunidades contra a família, né, e a família já é uma construção histórica que vem aí desde a escravidão e pra aí vai, isso também tá ligado com os serviços públicos, enfim. Eu não lembro exatamente todos os detalhes desse diagrama, eu acho que nem convém, mas é só um exemplo de mostrar como essa visualização e é uma característica da etnografia no design, ela ajuda a ver essas relações múltiplas, multireccionais. E você tivesse a perspectiva do descentramento que eu tava falando pra vocês. É, o descentramento é assim, né, na verdade. Só pra deixar claro. Tem um monte de coisa, não é só você conectar o centro com... se você conectar o centro com as pontas, né, não é descentramento, você tá mantendo o centro. É o pentagrama que é bom. Ok, agora a gente vai falar sobre compartilhadas cobertas, cocriação, insights, interpretação colaborativa. Isso aqui é um exemplo de um projeto com o movimento Arquitetos Sem Fronteiras, em Londres, que eu participei em 2014, o Change by Design, estava tendo uma possível relocação de uma população carente de um conjunto habitacional em Londres por conta de um trem-bala que eles iam construir lá entre Birmingham e Londres, e aí a gente foi lá estudar o impacto ambiental e social dessa obra pra ajudar as ONGs que faziam a defesa dos direitos dessa comunidade protestarem contra o governo. Então a gente fez um mapeamento colaborativo do território. A gente tinha um mapa desenhado, alguns ícones incentivando a pessoa a falar de certas coisas desse ambiente. Então tinha um ícone que falava sobre ratos. Onde tem ratos nesse lugar aqui? Porque era um problema sério daquele conjunto habitacional e a gente queria identificar onde tinha, pra quê? E daí a comunidade podia chegar pra o governo e falar "ó, vocês vão derrubar os nossos prédios aqui, que de conjunto habitacional, alguns, né, não eram todos, mas em troca vocês resolvem o problema dos ratos aqui acolá, resolvem outros e outros problemas que eu não mencionei aqui, mas só pra dar uma noção. Mapeamento colaborativo dos atores. Nesse caso eu tô mapeando só os atores humanos e instituições que são humanos, grandes humanos, né, monstros, né? Mas poderia estar mapeando também animais aqui, poderia ter relações com animais nesse mesmo mapa, poderia ter relações com vegetais e por aí vai, se fizesse sentido pro projeto. Na época eu não pensei nisso, agora tô começando a pensar depois de dar essa disciplina pra vocês que a gente teria que ter considerado, por exemplo, aí, é um projeto pra Copel, deveria ter, por exemplo, aí, os animais que sofrem com o impacto ambiental das hidrelétricas. Não sei se eles iam gostar muito disso, mas tudo bem. Eu ia tentar. Agora eu vou tentar, na próxima vez que eu tiver a oportunidade eu vou fazer isso. Esse projeto já foi mais fácil, trabalhar isso, o mapeamento de dilemas. A gente tava estudando lá na Holanda uma reformulação de um DIC, que fazia proteção contra enchentes e esse DIC tinha várias opções, eles estavam considerando coisas bizarras do tipo colocar um shopping center em cima do DIC, colocar uma escola, colocar um parque de diversões ou colocar um parque ambiental ou deixar do jeito que tá e não pode fazer nada, então tinha essas opções e aí cada uma dessas opções foi considerada vantagem e desvantagem. Então, quando tinha uma vantagem era vermelhinho, não, desculpa, era verdinho, quando tinha desvantagem era vermelho e aí você via que algumas opções que estão no topo desse curvo, elas tinham mais dilemas do que outras. E o caso do, uma coisa interessante desse projeto é que o DIC participou dessa visualização. Então isso aqui é uma pedra tirada lá do DIC que eles colocaram aqui no meio e aí toda vez que alguma opção afetava diretamente a qualidade de proteção de enchentes que o DIC oferecia, eles amarravam uma cordinha ali e toda vez que isso acontecia, obviamente se a pessoa assim "Nossa!" Porque aqui é muito sério, se você tem um problema, aqui você tem um problema potencial de muitas mortes dentro do, na Holanda a última vez que rompeu um DIC lá, 1950, foram mais de 15 mil pessoas que morreram. Enfim, hoje em dia eles investem muito dinheiro porque a maior parte do país está embaixo d'água, então essa possibilidade de enchente é extremamente grande. Ainda mais com o aquecimento global, também um dos motivos pelo qual a Holanda investe tanto em design sustentável e sustentabilidade é porque eles são os primeiros a serem afetados pelo aquecimento global e aumento do nível dos mares. Tá, voltando, então a etnografia no design, ela pode também não só descrever a situação atual como especular mudanças nessas relações com o ecossistema e aí entra talvez a contribuição maior que o design pode fazer na hora de compartilhar descobertas, co-criar visões de futuro, tá? Isso aqui é um planejamento de cenários participativo, é um planejamento de cenários bem simples, você pega duas variáveis, duas coisas que podem mudar na sua comunidade que essa comunidade acha importantíssima, não foi eu que defini, foi essa comunidade que definiu, no caso o Hospital Universitário da Federal do Paraná especulou se a fila de pacientes aumentasse ou se a taxa de cancelamento de cirurgias aumentasse ou diminuísse, ou diminuísse, tá? Então é basicamente um plano cartesiano com quatro quadrantes e aí cada um desses, imaginando o futuro, se isso acontecesse, aumentasse a taxa de cancelamento e aumentasse a fila de pacientes seria um caos generalizado, então basicamente aqui eles estão detalhando esse caos e aqui seria uma espécie de utopia, você teria uma menor taxa de cancelamento e menor fila de pacientes, ou seja, as pessoas estão ficando menos doentes, isso aqui eles imaginaram que não seria possível de acontecer, mas uma mudança, uma transição para uma saúde preventiva em vez de uma saúde curativa poderia proporcionar esse tipo de cenário no futuro, então quando você começa a mexer com isso, você começa a ver, quando você começa a sair do presente, você começa a ver possibilidades de ação que não eram consideradas antes. Backcasting de transições, isso aqui é uma foto do trabalho de vocês aí, não lembro exatamente quem que fez, né? Mas é um exemplo de você usar uma das técnicas associadas ao design transicional que é o backcasting, onde você imagina um futuro brilhante, um futuro utópico e depois você vai imaginando como chegar até lá, que tipo de etapas que vão ser necessárias e aí você faz também alguns caminhos críticos entre essas etapas. Vocês fizeram isso aqui, mas eu estou enfatizando de novo que é um recurso que vocês podem utilizar na intervenção, no envolvimento que vocês tiverem com a sua comunidade. Ficção projetual, também conhecida como design fiction, ou também design especulativo, speculative design, é você basicamente estudar quais são as descobertas científicas e tecnologias mais avançadas que existem hoje para produzir coisas e você trazer isso para o cotidiano imaginar que se tornou barato, acessível para uma população no modo geral. Nesse caso aqui é a síntese biológica de carne, síntese biológica, não, síntese artificial de carne. Então aqui eles estão imaginando um kit caseiro para você fazer carne na sua cozinha ou na sua área de trabalho. Enfim, aí você coloca lá um materialzinho com células animais, elas vão gotejar, vão crescer nesse meio orgânico, nutritivo e no final você vai ter um pedaço de carne impresso embaixo. Você fala "ah, que coisa estranha". Bom, a proposta desse tipo de projeto é para provocar esse estranhamento, provocar a discussão, provocar o debate para ver se essa comunidade tem interesse em fazer a transição para esse futuro ou se ela quer outro tipo de futuro. E aqui um exemplo ainda mais impactante, um exemplo bem mais simples, você poderia ler esse projeto como um projeto de design viável porque isso aqui já é possível, basicamente um novo tipo de talher para comer insetos. Na verdade é uma série de talheres, eu estou destacando esse que o designer fez com o objetivo de comer escorpiões. E ele não é um produto para hoje, porque embora a tecnologia já esteja disponível, que é uma coisa simples, o processo produtivo que permite que esse fato aconteça seja cotidiano, quer dizer, que comer escorpiões seja uma coisa cotidiana, não existe ainda, não temos produção em massa de escorpiões. Mas a partir do momento que o designer constrói essa imagem, as pessoas começam a debater e pensar, queremos escorpiões na nossa mesa, queremos alavancar esse processo produtivo? Algumas pessoas vão falar que não, "ah não, que coisa horrível e nojenta", mas espera aí, o quanto gasta de energia para você produzir escorpiões e alimentar as pessoas versus o quanto gasta para produzir um boi? O gasto de energia, o dispenso de energia para produzir um boi é muito maior, mas muitos vezes maior do que para produzir um frango, e um frango é infinitamente vezes maior do que para produzir o mesmo tanto de carne de escorpião. Então essa é uma opção sim muito mais sustentável para o nosso planeta se alimentar de insetos, porém a gente precisa mudar a cultura, e até uma mudança muito mais drástica do que aquela que a gente comentou até pouquinho do Preta Porte, de você reutilizar uma roupa que está com um cheirinho, aqui no caso comer inseto é praticamente você ter uma iniciação, você viver uma outra vida, você foi para a China comer um inseto e voltou outra pessoa. Eu conheci algumas pessoas que eram tratadas assim pelos amigos, "ou o cara comeu inseto, ou o cara comeu cachorro, não sei o que", eu não vejo tanta diferença assim, por isso que eu sou vegetariano. Resumindo, não existe receita de bolo para fazer pesquisa etnográfica, o importante é interagir com a comunidade e se deixar transformar por ela, isso é o conceito principal da etnografia que é a alteridade, esse conceito é muito diferente de um outro conceito que você já deve ter ouvido falar, parecido, qualquer. Os modelos lineares de intervenção, observação e inovação se fala muito desse outro conceito, é parecido mas é diferente. É empatia, excelente. Qual a diferença entre empatia e alteridade? Vocês conseguem perceber? O que você acha? Vou dar um exemplo aqui, pobrezinho, o cara anda com o cabelo todo bagunçado, vou dar um pente para ele, olha aqui um pente projetado, design sustentável, super legal, feito de madeira, reciclável, não sei o que, toma aqui o pentezinho, isso é empatia. O que que é a alteridade? Beleza cara? Como você está? Pô, mas você dormiu hoje? Puta cara, você não dormiu né? Então tá cara, aí eu começo a me transformar, já começo a... então, mas porque você não dormiu? Porque você é um estudante, né? Por que você não dormiu? Me fala aí. É pra conseguir chegar a tempo na aula. Pra conseguir chegar a puta, e eu tô começando a aula bem no horário, fico foda, né? O que mais você me diz, Matheus? Por que mais você não dormiu? O que você anda fazendo esses últimos dias? Estudando. Pô, eu e os professores aqui, tô todo dia pedindo pra vocês estudarem, tô pensando duas vezes, eu não quero que vocês fiquem sem dormir, gente. Por favor, não, falando sério, eu não quero que vocês fiquem sem dormir. Eu já falei pra ele antes de chegar na aula que ele tava aqui 7h15, eu falei "vé, você dormiu ou não dormiu?" "Não, vim direto, nem dormiu." Não faço isso, não é bom pra vocês. Quer dizer, e aí eu começo a mudar o meu estilo de aula, começo a mudar a... quer dizer, espero que eu faça isso, né? Não vou ser carrasco e tanto assim, enfim, eu sei o contexto. Então o que acontece? A alteridade transforma o professor, a alteridade transforma o pesquisador, tá? Então a intenção da pesquisa etnográfica, porque que eu tô fazendo ela dentro de um curso de design sustentável, ou teoria design 4, é que vocês não desenvolvem o projeto de fora pra dentro, ou seja, não venham com uma ideia, uma tecnologia, uma coisa que se aprendeu na disciplina de teoria 4 e apliquem na comunidade. Tentem descobrir alguma coisa a partir da comunidade que sirva pra vocês construírem ou ajudar essa comunidade. De dentro pra fora, tá? Inside out. É isso galera, vocês têm alguma dúvida?