Bom, nós vamos nessa apresentação contar um pouco de uma história, um movimento de desenvolvimento da consciência crítica na educação em design. Essa é uma trajetória que vai se estender desde a minha formação em design lá na graduação até chegar o momento em que hoje estou como professor do Departamento de Desenho Industrial da UTFPR. O que será apresentado a seguir é uma tentativa de capturar um movimento coletivo ao qual eu fiz parte, mas que nem sempre eu estive totalmente consciente de fazer parte, dependendo do meu nível de consciência crítica. Diversas pessoas participaram desse movimento e possuem perspectivas bem diferentes das minhas, por isso elas serão compartilhadas através de referências a outras publicações que também avaliaram e descreveram partes desse movimento. Quem tiver participado desse movimento e não tiver publicado, se manifestado ou quiser deixar um comentário ou quiser em algum momento publicar algo para contrapor essa apresentação, fique bem à vontade. Vamos lá então. Acho que tudo começa no momento em que eu participo de um projeto bastante subversivo de estudantes de Calouros de Comunicação Social e Jornalismo em 2001 chamado O Lenhador, um jornal apócrifo que criticava tudo e a todos que se criticavam de maneira ingênua, politicamente neutra ou muitas vezes contra os estudantes, contra o interesse público, pelo menos na nossa perspectiva, bastante ingênua de estudantes de Calouros. Esse jornal teve bastante distribuição, várias edições, até patrocínio dentro da universidade, nós distribuímos mais de 600 cópias e nesse momento a gente percebeu que era possível fazer um respeito de questões institucionais, questões políticas, questões de relacionamento pessoal, as quais a gente eventualmente achava que estavam fixas e que não poderiam ser transformadas. O Lenhador me fez acreditar e que era possível você ser um jornalista criticamente engajado. Porém, uma coisa muito curiosa aconteceu, na medida em que eu fui participando do projeto e tomando as minhas responsabilidades, acabou caindo no meu colo, em algum momento, o design gráfico do jornal, o projeto editorial do jornal como um todo e eu comecei a gostar muito desse projeto visual, até nesse momento que eu produzia essa capa da edição número 6 ou 7 e colocando esse Lenhador quebrando todo o layout da capa, eu senti que eu estava fazendo uma comunicação a respeito de uma política a partir dos recursos gráficos. Eu fiquei muito interessado, isso foi fazer algumas disciplinas optativas no curso de design e acabei me apaixonando pela área migrando da comunicação e jornalismo para o design gráfico, posteriormente para o design de interação, que eu fui descobrindo na medida que eu ia entrando no meu mestrado em tecnologia e sociedade. Nesse período entre o final da graduação em jornalismo e o começo do mestrado, eu lancei o blog Usabilidoido para justamente provocar essa formação de pensamento crítico que eu tinha na minha graduação em comunicação social nessa área de design que eu estava chegando que eu não notava o mesmo nível de criticidade. Usabilidoidoido, esse nome já diz, é uma crítica à própria ideia de usabilidade e há muito uma série de regras a serem aplicadas dentro da área de comunicação social, não existe conceitos fechados assim, tão prescritivos há muito tempo. A comunicação já discutiu se vale a pena você estruturar a comunicação dentro de caixinhas, metodologias muito fechadas e a criticidade levou a conclusão de que isso era restritivo. Usabilidoido é um projeto então desde 2003 vem trazendo esse tipo de pensamento crítico para a área de design de interação que era meu interesse no começo. Para desenvolver esse pensamento crítico resolvi candidatar estudante de mestrado do PPGT, Programa de Pós-graduação em Tecnologia e Sociedade, e de 2006 a 2008 estive lá estudando coisas maravilhosas que tinham um nível de engajamento com questões políticas as mais diversas que vinham de várias disciplinas e pude aperfeiçoar muito meu pensamento crítico, principalmente calcado em várias áreas, calcado nessa triangulação entre disciplinas, entre teorias e entre métodos, que é uma característica primária muito marcante deste programa de pós-graduação. Lá eu conheci várias pessoas que, por exemplo, a professora Claudia Bordinho Rodrigues, que está no canto superior direito da imagem, e várias outras que compuseram junto comigo a formação do Instituto Faber-Hooding, de 2007 a 2012 nós tentamos implementar uma visão crítica a respeito do design de interação dentro da formação de profissionais e também na área de consultoria e ?s aplicada para empresas. Então o Instituto Faber-Hooding foi uma ONG, uma entidade semfis lucrativos, que teve, dentre outras, uma atividade de ensino muito forte, formando talvez uma das primeiras gerações de profissionais de design de interação com uma pós-graduação latus senso nesta área aqui em Curitiba. Essa experiência foi muito marcante para minha carreira e eu fui tentando reaproveitar e retransformar o que eu tinha aprendido ali e algo muito importante que a gente conseguiu atingir foi essa característica de fazer pensando e pensar fazendo. Está sempre buscando uma crítica que não nos paralisa de criar, pelo contrário, uma crítica que nos guia numa criação de alternativas. A principal alternativa que a gente descobriu no Faber-Hooding a desenvolver, a criar, é justamente a questão do perfil de designer que a gente queria ser. A gente descobriu que, em última análise, a educação é um processo de formação, talvez de um design, de nós mesmos enquanto seres humanos no mundo. Por isso que a gente brinca com o nome Faber-Hooding, né? "Homo Faber homo Ludens" e não "homo Satens". Faber-Hooding é esse ser humano que faz brincando. E essa essa foto é icônica num momento, assim como vários outros que a gente teve no Instituto Faber-Hooding, de um momento absolutamente lúdico de experimentação do que a tecnologia poderia oferecer para o nosso próprio prazer, não só para aumentar a produtividade de uma linha de produção ou prevenir erros e por aí vai, mas que fosse realmente para uma proposta de humanização, para tornar mais humano, além do que a gente já era. No final do processo de aprendizagem do Instituto Faber-Hooding em 2012, quando eu estava deixando o Instituto para seguir no doutorado, na Holanda, eu resolvi voltar para o Brasil apenas para escrever esse livro, design livre, que é um livro manifesto, em que a gente apresenta as ideias de um design que a gente desenvolveu ali no Instituto Faber-Hooding, uns quase cinco anos de funcionamento, é um design que visa libertar a capacidade de projetar de todas as pessoas e também questionar quem projeta e quem é projetado, porque o software livre já fazia isso no âmbito da computação, mostrando que a caixa preta do software proprietário, de uma certa maneira, restringia a liberdade de quem iria usar. A gente vai mais além, no sentido de que a ferramenta de design que a gente usa, que é software proprietário, também nos torna pessoas fechadas, pessoas com menos capacidade de colaborar e de abrir a cabeça para pessoas diferentes. Então o design livre é um livro que está disponível para download gratuitamente, até hoje, com licença Creative Commons para modificação, é um livro que estimula designers a pensar no seu papel político na sociedade e se apropriar dessas tecnologias para a organização do seu povo, de modo que o povo possa projetar, usar as tecnologias livremente. Quebra completamente com a ideia de um design centrado no usuário ou mesmo de um design participativo, ele é um projeto aberto, mas também livre para transformações diversas. Um dos projetos mais marcantes que existe até hoje, dessa visão de design livre, foi a plataforma Corais. É plataforma Corais. Ela foi criada pelo Instituto Faber-Lewis para funcionar como uma infraestrutura para o design livre e ela ofereceu várias ferramentas de software livre combinadas de um determinado jeito que o conhecimento de design que as pessoas já tinham podia ser acumulado. Por exemplo, a gente tem lá uma possibilidade de você marcar quais são os conheamentos que estão disponibilizados numa espécie de wiki dentro da plataforma, você já usou, você é especialista ou que você está estudando. Então nessa página de perfil de usuários ou membros da plataforma Corais, você pode saber o que aquela pessoa sabe para entrar em contato visando proporcionar oportunidades de troca de conhecimentos espontâneos ou estimulados. Em 2014, a comunidade de membros da plataforma Corais, de pessoas que estavam desenvolvendo projetos lá, resolveu se organizar para escrever um outro livro. Esse livro se chamou Coralizando e ele é uma espécie de um manifesto também das práticas de organização de coletivos, de organização de circuitos de economia solidária, de organização de projetos culturais colaborativos e de várias outras ações, atividades e consciência crítica que estava se formando ali naquela plataforma. Esse livro foi escrito também com várias pessoas, é um escrito coletivo e que ele vai mostrar que existem conhecimentos de design que não são reconhecidos com conhecimentos de design e talvez nem precisam ser. Então aqui já tem uma expansão de um âmbito de atuação dessa consciência crítica que vai além da disciplina de design enquanto uma área formalizada dentro da academia. A gente está trabalhando sim com conhecimento de projeto no Coralizando, mas não é o projeto institucionalizado pelo design enquanto uma área acadêmica. Nesta época a gente publicou, além desses dois livros coletivos e manifestos, alguns artigos científicos, como um artigo sobre a questão do humor nas metodologias de design, um artigo sobre a história do Instituto Faber Ludens e a sua raiz no movimento antropofágico, que vai dar origem ao movimento de cultura digital, encabeçado pelo ministro da Cultura na época do Gilberto Gil. Além disso, vamos ter alguns textos bem posteriores que são reflexões sobre os projetos de ficção projetual ou de design fiction, design especulativo e por aí vai. Até culminar um artigo bem recente que a gente conta a história, especificamente da parte da consciência crítica envolvida na autogestão desses coletivos que se apropriavam da plataforma Corais e produziam, por exemplo, o seu próprio dinheiro usando a ferramenta de moeda social. Bom, na sequência desse processo histórico, voltando para o momento lá do Faber Ludens e a minha saída do Faber Ludens para fazer o botorado, vou começar agora a comentar como que eu reagi, digamos, a essa outra cultura, essa outra disciplina que eu estava inserido na Universidade de Twente. Bom, lá era um departamento de construção e gestão, construção civil e gestão da engenharia civil em parceria com um departamento de produção, engenharia da produção e design, então muito distante dos coletivos em que eu estava inserido e lá minha tarefa era descobrir como é que a gente poderia tornar a experiência dos pacientes de hospitais uma questão importante num projeto de hospital, principalmente quando não haviam designer de experiência ou designer de serviços disponíveis para esse projeto. Então eu criei um jogo sério chamado design, chamado Hospital Expansivo e esse jogo foi testado através de um método chamado dupla estimulação. Essa experiência para mim de me envolver com a ciência mais tradicional, em especial a psicologia, enquanto uma área que me permitia construir um projeto de investigação considerado como científico para outras disciplinas, foi fundamental para construir o meu pensamento sobre o que que era o design e o que que poderia ser o design dentro da universidade. Ao retornar para o Brasil em 2015 ingressei na Pontífice Universidade Católica do Paraná, PUC do Paraná, num curso que tinha sido criado recentemente em parte por influência do Instituto Faber Ruiz, tinha alguns professores que tinham participado lá, que estavam lá na PUC do Paraná também. É um curso de design digital que tinha várias disciplinas, entre elas usabilidade, interação no computador, criatura da informação e design de interação. Essa última foi a disciplina que me concentrei mais e trabalhando juntamente com o professor Rodrigo Gonzato, sempre dando essa disciplina em parceria, nós desenvolvemos uma abordagem característica muito interessante para o projeto de design de interação que levava em consideração o papel cultural que essa área tinha no nosso país, principalmente destacando projetos de redes sociais, projetos de tecnologias que eram utilizadas no nosso dia a dia e que transformava o nosso cotidiano. Estimulamos os nossos estudantes a desenvolver uma perspectiva crítica a respeito dessas tecnologias, já num nível de criticidade maior do que a gente tinha conseguido no Instituto Faber Ruiz, até pelo contexto em que a gente tinha uma formação de graduação. Na pós-graduação é difícil você formar as questões mais fundamentais da visão política do estudante, você discutir o posicionamento já vem formado quando o sujeito já tem uma certa idade. Nessa época ele ainda está se formando, ele ainda está experimentando se posicionar e é exatamente isso que as ferramentas e abordagens pedagógicas que a gente testou acabaram explorando. A gente testou teatro, deprimido, a gente testou sondas culturais, a gente testou desenho condicional, a gente testou toy-hacking e fomos vendo aquelas abordagens que permitiam esse engajamento crítico do estudante com o material digital. As nossas reflexões a respeito desses quase quatro anos de docência foram se desthematizadas num artigo sobre o Atelier Antropofágico. Esse artigo então define o nosso atelier de projetos de interação como um atelier que buscava um encontro radical com o outro, essa pessoa diferente que trazia uma comida diferente que muitas vezes era um estrangeiro que a gente queria comer e incorporar. Uma tecnologia que esse estrangeiro tinha no seu corpo, na sua manualidade, ou seja, no torno desse corpo que era muito interessante para a gente trazer para o nosso contexto brasileiro, mas não sem uma boa dose de suco gástrico ácido que seria essa criticidade aplicada de maneira metafórica para que as partes desse corpo externo, estranho, se misturem com as partes do corpo já existente e formem um corpo mais forte, um corpo que é autônomo e que não depende, digamos, dessa importação, pode se desenvolver por conta própria. Em paralelo, a atividade da docência na graduação em design digital, eu conduzi também o curso de extensão Apple Developer Academy também na PUC do Paraná, junto com outros professores da área de computação, nós criamos então toda uma abordagem para incorporar o design nesse projeto de aplicativos móveis e mais além desse projeto de startups e ações empreendedoras, que era o objetivo principal dessa formação que dura quase dois anos e que se transformou de fato num ateliê de software. Essa abordagem do design, de você aprender a projetar alguma coisa projetando ou aprender fazendo ou como alguns estudantes e professores de design mais radicais dizem, design se faz fazendo, a gente conseguiu desenvolver um currículo, uma abordagem pedagógica em interação com o challenge-based learning, que é a abordagem que a Apple desenvolveu, que os pedagogos da Apple recomendam e isso foi maravilhoso para os estudantes aprender nesse aspecto colaborativo, mais do que através de aulas expositivas, é muito satisfatório e complementar a experiência que se tem na graduação regular em que você tem predominantemente aulas expositivas. Então a gente desenvolveu muitos projetos, mas a gente não teve talvez o mesmo nível de criticidade que a gente conseguiu desenvolver, por exemplo, na graduação, pela pressa, digamos assim, que se tinha de colocar um aplicativo logo na Apple Store, de buscar essa chegada, digamos, ao usuário mais cedo do que ela deveria, até por influência do movimento de falhar cedo e falar antes e eventualmente não pedir desculpas pelo que você fez errado, que é uma ideologia californiana do Vale do Silício, que infelizmente a gente ainda não tinha conseguido desenvolver uma criticidade suficiente para parar esse rolo compressor. Então a gente tem alguns artigos em que a gente analisa também essas experiências durante a minha passagem pela PUC do Paraná e também no meu doutorado, tem artigos diversos, científicos, sobre essa experiência, inclusive tive até a oportunidade de trabalhar com dois estudantes de mestrado da PUC do Paraná, que estavam estudando a Apple Developer Academy e inclusive observando criticamente o que estava acontecendo lá. Então tem duas dissertações de mestrado e alguns artigos científicos a respeito dessa formação multidisciplinar, ou melhor transdisciplinar, talvez até subversiva que a gente desenvolveu de desenvolvedores de aplicativos nesse programa. Saindo então da universidade privada, eu parti para uma universidade pública, a UTFPR, em 2019, passei num concurso público e resolvi completamente o rumo da minha carreira para atender cada vez mais as questões de interesse público na minha docência, vinculando também as ações de extensão e de pesquisa a uma abordagem explicitamente crítica em educação e em pesquisa e extensão. Uma das primeiras ações que eu realizei quando entrei na Universidade Tecnológica foi me filiar ao sindicato. Em 2019, nós havíamos recebido muitas críticas do nosso presidente, do seu ministro da educação e de vários atores públicos da sociedade que nos acusavam de não estar trabalhando na universidade pública ou não estar trabalhando o suficiente, ou de só fazermos baderna, ou de fazermos plantação de maconha e por aí vai ataques completamente infundados, mas que prejudicavam a nossa imagem perante a opinião pública. Isso ajudava a justificar os cortes orçamentários que nos perseguiram durante todo o governo Bolsonaro. A gente sabia então que era preciso se organizar, fazer protestos e o sindicato era o órgão que nos permitiria fazer isso. Portanto, me filhei e na primeira oportunidade de greve já estava lá participando com as minhas atividades de teatro do oprimido e várias outras que apoiavam esse momento de luta, de reconhecimento, pelo reconhecimento do nosso trabalho e da importância social que ele tem. Nessa época também eu vou incorporar uma disciplina de uma disciplina optativa chamada projetos para pessoas que vai se tornar um laboratório de pedagogia crítica em design, permitindo que dentro de uma universidade pública, com toda a liberdade de docência que a gente tenha, que os experimentos mais radicais de pedagogia crítica que eu já tive contato aconteça. Então nessa disciplina a gente começou primeiro com a premissa de que nós temos um planejamento oficial para atender os requisitos da universidade, que nos pede que ele seja publicado antes de começar a disciplina, mas a gente vai ter um planejamento real participativo com os estudantes durante todo o semestre. Os estudantes também vão decidir junto com a gente o que a gente vai estudar e como a gente vai avaliar esse estudo. Então essa proposta vira completamente a relação de poder que existe entre professores, como detentores do conhecimento, estudantes como aqueles que recebem algo. Os professores passam a ser mais um dentro de uma comunidade de aprendizagem muito interessada em aprender alguma coisa que interessa a todos ou interessas alguns e há um interesse também de que todos possam obter aquilo que desejam em um tempo disponível. A ferramenta básica que nos ajudou e viabilizou esse tipo de auto gestão da aprendizagem foi a Matriz de Hunsfeld, um método que foi sistematizado, pelo menos o método, a maneira como eu conheci ele foi no Game Storming, que é um livro fantástico, que fala sobre como a gente pode organizar o nosso conhecimento numa matriz simplista que separa aquilo que a gente já sabe do que aquilo que a gente não sabe e cruza isso duas vezes. Então a gente começa a ter categorias como as coisas que a gente sabia que não sabia e as coisas que não sabia que sabia não sabia que não sabia. Essas categorias, obviamente, são categorias descobertas do processo. Então a cada aula, a gente terminava a aula, reservávamos pelo menos 30 minutos para refletir sobre o que a gente já tinha aprendido e o que a gente tinha aprendido que nem sabia que existia durante o processo. Então esse canto do não sabemos que não sabemos começava a ser preenchido no final da disciplina ou na metade para frente e ali ficavam registrados as principais descobertas que nós, enquanto uma comunidade de aprendizagem e também de pesquisa, porque a gente estava aprendendo novos conhecimentos, se tornava consciente de que tínhamos, de fato, atingido esse nível de aprender algo que nós não sabíamos que existia e talvez ninguém mais no mundo soubesse, porque era uma inovação. Nós partimos então da premissa da Bell Hooks, que é uma autora sobre pedagogia crítica inspirada no trabalho do Paulo Freire, de que existe uma comunidade de aprendizagem. Se uma pessoa sabe de algo, todas podem ficar sabendo, é só uma levantar a mão e falar quem pode me ajudar com isso e a outra vem ajudar. Isso é muito mais interessante do que um professor faça um nivelamento da turma e que todos saibam a mesma coisa que o professor sabe ou aquilo que o professor acha que os alunos podem saber. Normalmente é um nível muito inferior do que o próprio professor sabe, mas porque ele tem que esperar que todos saibam o mesmo nível, acaba simplificando todas as questões. Nesse modelo de autogestão da aprendizagem não há necessidade de padronizar, porque é na diferença que surge a riqueza. E aí então, se os estudantes também são fontes de conhecimento, eles também podem dar aula. Nós começamos a convidar estudantes que sabiam melhor até do que os professores sobre aquele determinado assunto que a turma estava interessada em estudar naquele momento. Eventualmente uma pessoa dava uma aula, um estudante da turma, eventualmente um de outra turma ou estudante já em ingresso, já tinha terminado o curso, vinha dar essas aulas. Os professores evitavam ao máximo possível estar nesse lugar daqueles que expõem um determinado conteúdo e a participar mais como mais um dos organizadores, digamos, desse processo de aprendizagem. Lá pelas tantas nessa disciplina tivemos um experimento muito interessante de escrever um manifesto político sobre design social. Antes de escrever o manifesto, nós fizemos uma leitura pública de manifestos políticos, no caso da foto no canto superior esquerdo, nós temos a leitura do manifesto antropófago, que estão fazendo a conexão com essa história da antropofagia. Temos aí um momento que a gente começa a modelar os sentimentos e emoções que a gente queria expressar no manifesto, escrevemos sobre tecido, esse tecido é compilado, ele é amarrado, ele é costurado, como se na forma de um parangolé, que é essa performance, essa roupa, esse projeto de moda maravilhoso do Helioti Sica, que serviu como uma referência para a nossa momento de tomada de consciência coletiva, que acabou se tornando uma intervenção pública. A gente levou esse parangolé, vestimos uma estátua bastante icônica dentro do pátio principal da Universidade Tecnológica no centro de Curitiba e ali a gente deixou o nosso manifesto político, de que a gente tinha várias ideias sobre o que poderia mudar no nosso cenário político, era um momento de bastante envolvimento, engajamento dos jovens, o Brasil estava dividido por causa de uma eleição e alguns estudantes eram a favor do presidente, outros eram contra e, no entanto, a gente chegou aonde nós precisávamos debater política, que nós precisávamos encontrar a síntese das diferenças, mesmo que a gente tivesse um dissenso, isso tinha que aparecer. Depois de fazer esse experimento com o manifesto vestível, resolvemos fazer, escrever um manifesto digital que pudesse ser compartilhado nas redes sociais e até mesmo impresso. Abrimos o Google Drive, que era a única ferramenta que a gente tinha que identificar, que permitisse que todos nós tivéssemos acesso a escrever equitativo e também de projetar layout, mudar o projeto editorial deste manifesto. Então, não houve nenhum planejamento prévio ou mesmo uma definição de regras de cima para baixo de como tinha que ser esse manifesto, ele foi emergindo a partir de tudo que cada um escrevia, desenhava e formatava, por que ele era tão plural. E o título dele carrega essa intenção de incluir o dissenso e não acabar com ele, que era uma característica dessa época política em que a gente vivia, de intensa polarização política, mas também de uma intensa vontade de retornar ao momento que a gente poderia ter uma democracia, mesmo que fosse uma democracia com opostos. Então, esse manifesto, mas que tudo é um manifesto a respeito da importância da democracia dentro do design, ele tem frases de efeito contra o fascismo, mas ele também tem frases de efeito contra um design pela arte, um design pela expressão da subjetividade. Então, você tem visões conservadoras e visões progressistas no mesmo manifesto, expressando o estado da consciência crítica dos estudantes de design da UTFPR naquele momento. Depois de escrever o manifesto, chegamos à conclusão que não adiantava só colocar as nossas ideias no mundo, a gente precisava fazer essas ideias transformar esse mundo. Então, fizemos alguns modelos de League of Serious Play, brainstorming de ações possíveis a serem realizadas na UTFPR, e a principal ação foi a criação de um projeto de extensão chamado COISA, Colaboratório de Inovação Mundial e Autonomia. Esse nome, a identidade visual, a própria proposta do projeto foi toda construída com os estudantes e, posteriormente, ela foi tomando uma força de intervenções diversas, dentre elas a possibilidade de uma incorporação oficial desse projeto de extensão na disciplina optativa, vinculando a somada dessa optativa numa disciplina que a gente chama de extensionista dentro da universidade. Em 2020, a turma que continuou o trabalho, a idade de 2019, infelizmente não pôde continuar esse trabalho magnífico que estava acontecendo na nossa turma por conta da pandemia. Houve uma interrupção das aulas, não tivemos aulas em 2020, voltamos depois de 2021, mas nesse tempo de 2020 a gente teve uma atividade muito interessante por iniciativa de um dos professores que se aproximaram de mim nessa época, o professor Marco Mazaroto, que começou a lecionar disciplina projetos para pessoas junto comigo. Ele também tinha uma agenda e um interesse de pesquisa pelo trabalho do professor Paulo Freire, e aí ele vai propor para mim, para outros colegas do departamento, e mais para frente a gente vai levar esse convite para outras universidades do Brasil, um grupo de estudos remoto sobre Paulo Freire em design. Esse grupo foi maravilhoso, teve várias reuniões durante de três meses, toda semana, a gente leu várias obras do Paulo Freire, já se preparando também para o centenário de Paulo Freire, que aconteceu no ano de 2021, a gente compilou tudo que a gente aprendeu sobre Paulo Freire em vários gráficos e textos e vídeos, e no final desse grupo de estudos resolvemos criar uma rede chamada design opressão. Então, naquele mesmo ano fundou-se essa rede com os participantes do grupo, que ampliou com um convite mais abrangente, com a mudança da nossa ferramenta do Google Meet para o Discord, que é uma ferramenta mais apropriada para a construção de comunidade, e aí nós tivemos encontros regulares, né, toda semana até o final de 2021. Então, foram quase 6 encontros, foi um processo que envolveu marginalmente 600 pessoas, mas de maneira mais intensa talvez umas 50 pessoas, espalhadas por vários lugares do Brasil. Essa rede continua bastante ativa, está crescendo, tem vários desdobramentos que eu vou falar mais para frente, e nessa época o interessante foi tentar adaptar todas aquelas abordagens de pedagogia crítica inicial que a gente tinha desenvolvido lá na PUC do Paraná, depois da UTFPR, para um ambiente remoto, que é bastante limitado e que dificulta principalmente o diálogo, que é a principal base de uma pedagogia crítica, as pessoas falarem o que elas pensam e também receberem comentários que desafiam o que elas pensam para elas construírem conhecimento em conjunto, mesmo que seja um conhecimento com as quais inicialmente elas não concordavam. Esse desenvolvimento do sujeito é fundamental para a pedagogia crítica, mas como fazer isso num ambiente que promove distanciamento através do fechamento de câmeras e microfone, uma dificuldade muito grande técnica também de você ter acesso à internet e ter a velocidade para poder transmitir os seus dados. Então a gente fez muitos experimentos, um deles que eu gostaria de mostrar é o teatro imagem, que é uma das técnicas do teatro do oprimido, realizado com uma ferramenta de modelagem de modelos tridimensionais para desenho técnico, desenho de ilustração, que é uma ferramenta absolutamente voltada para um propósito técnico, usada por um propósito político, construindo cenas de opressão que a gente pudesse discutir e conversar sobre as questões dos diferentes atores em relação àquela cena de violência implícita ou simbólica. O conhecimento que a rede Design Opressão levantou nesse grupo de estudos foi sintetizado em várias lives, vídeos que foram transmitidos ao vivo no YouTube, estão disponíveis para quem quiser assistir posteriormente, tem lives sobre as leituras do Paulo Freire, mas também de outros que nós engajamos na sequência, como o François Fanon, Augusto Ball e a própria Bel Rux que eu já citei. Quando o projeto para pessoas, a disciplina optativa voltou na modalidade remota em 2021, na UTF-PR, eu tentei aplicar tudo que eu tinha aprendido na rede Design Opressão, então a gente usou mesmo a mesma ferramenta de conversa remota que é o Discord e o sistema de votação e processo relativo da disciplina autogestão, mas a gente teve muitas dificuldades porque os nossos estudantes realmente estavam sofrendo muito com a pandemia, alguns tinham perdido os parentes, alguns estavam doentes, alguns não tinham acesso a uma rede de internet rápida, alguns não tinham o espaço físico em casa para poder estudar com calma, isso foi muito difícil para eles superarem, a gente teve um nível de participação muito inferior em relação à abordagem presencial de 2019, mas aconteceu algo muito interessante no final de 2021 que foi a abertura de um laboratório de design contra opressões ulado aqui na UTF-PR, então o professor Marco Mazaroto e mais uma outra professora chamada Cláudia Bordin-Rodrigues que também participou lá, o Faber Ludens no começo dos anos 2000, a gente se uniu e se juntou esse laboratório como um projeto de extensão inicialmente e a gente começou as atividades também usando o Discord, depois posteriormente com a volta das aulas presenciais nós tivemos a oportunidade de expandir a nossa proposta de pedagogia crítica, mas ainda assim durante a pandemia continuamos as pesquisas e as análises do que a gente estava tinha descoberto em 2019 e uma descoberta muito importante foi publicada pela estudante Rafael Angelon orientando a iniciação científica minha dessa época, ela descobriu que existia uma consciência coletiva emergindo entre os estudantes de design que participaram da disciplina lá em 2019 e essa consciência coletiva visava uma autonomia, um pensamento próprio sobre o design, ela vai fazer um artigo chamado Monster Aesthetics as an Expression of Decolonized Design Body que vai ser publicado no periódico internacional que vai ter bastante impacto, já está bastante citado esse artigo por ele apresentar uma abordagem de pedagogia crítica calcada no movimento anticolonial ou decolonial como algumas pessoas comentam. Há também um momento que a gente escreve sobre a rede de expressão, tem um capítulo de livro, depois tem um artigo que sai em um congresso internacional chamado Pivot 2021 e esse momento então ele acaba sendo registrado rapidamente graças também a gente ter esse tempo disponível no final dos anos, no final de 2020, a gente não estava tendo aula para escrever sobre as pesquisas e também montar os nossos projetos de extensão. Então a partir de 2022 a gente começa a se perguntar se essa consciência coletiva que estava se formando entre os estudantes ela poderia ser uma consciência crítica e quais seriam as condições para que ela fosse crítica. Então esse retorno presencial da disciplina projetos para pessoas foi uma oportunidade de voltar a experimentar essa coletividade uma vez que na educação remota era muito difícil trabalhar com a coletividade fazer síntese de algo em conjunto. Os materiais não eram tão fáceis de manipular em conjunto até a própria computador tem todos os seus vieses de um mouse, um teclado, você não tem dois mouses no computador. Em um videogame você pode botar dois controles mas no computador você não pode operar com dois mouses. Pense no impacto que isso tem na formação da disposição de um estudante ou de um designer de participar de um processo colaborativo, um processo participativo é menor do que quando você tem por exemplo uma sala de aula um painel colocado na parede onde todo mundo pode escrever post-it, tirar post-it e é exatamente esse o desafio que designers de interação que trabalham com ferramentas colaborativas e participativas, Computers Support Cooperative Work, CSCW, essas pessoas têm. A própria plataforma Corais lá atrás que a gente desenvolveu quando eles tinham essa proposta e dentro dos seus limites ela oferecia essa oportunidade mas não com o nível de velocidade necessária que uma experiência presencial permite. Então nós voltamos a utilizar aquele painelzinho das coisas que a gente queria saber, que a gente não sabia que sabia e em 2022 a primeira atividade foi uma oficina para entender essa relação de alteridade que você tem com os redesigners e usuários e usuários diferentes de você mesmo. Então essa oficina o eu no outro e propôs vários jogos dramáticos para a gente entender o outro como alguém diferente de nós, não uma pessoa igual. A gente buscou as diferenças, ressaltasse as diferenças, descobrir algo sobre a outra pessoa que a gente não conhecia. Depois nós fizemos algumas visitas técnicas para ver ambientes e organizações que já se trabalhavam com inovação social, o terraço verde foi um espaço muito importante para os nossos estudantes conhecerem que abriga várias iniciativas de inovação social visando promover a sustentabilidade, visando promover a organização de negócios sociais e por aí vai. No meio da disciplina nós chegamos à conclusão de que havia um interesse sobre essas infraestruturas, esses recursos que estavam meio escondidos por trás de uma iniciativa de sustentabilidade ou de inovação e que normalmente não eram consideradas uma questão de design. Então a gente convidou o ex-estudante ou egresso dessa disciplina, Mateus Pelando, que estava fazendo mestrado em tecnologia e sociedade do PPGTE sobre esse assunto infraestrutura. Então ele veio, fez uma oficina sobre o que ele chama de infra design e a gente depois começou a procurar entender melhor na prática esse infra design através de jogos. Jogos de tabuleiro como, por exemplo, Colarization, que é um jogo alemão e espanhol que traz as contradições, deixam energias, contradições que estão na infraestrutura da colonização. Por exemplo, a exploração abusiva, talvez até genocida da população negra escravizada que é trazida da África para o Brasil e para outros países, ou melhor, outros territórios que foram colonizados, no caso, em Dorama, que era a terra dos indígenas antes dos portugueses chegarem. Então essas contradições começam a aparecer no jogo e o estudante que joga esse jogo, ele tem uma perspectiva crítica a respeito da colonização que uma leitura de um texto ou assistir um filme talvez não chegue, porque no caso você tem que tomar uma posição. E um dos estudantes tomou a posição de ser o maior opressor daquele cenário de colonização. Ele fazia acordos entre os outros colonizadores e ele quebrava esses acordos, ele traía os acordos com todos os seus oponentes e não era para ser diferente, ele acaba vencendo o jogo, ultrapassear. Porque afinal de contas o sistema de colonização não é justo. Os outros jogadores terminaram o jogo e reclamaram com ele "Poxa, mas vocês nos traíram, vocês não traíram". Ele falou "Eu traí vocês porque o sistema facilitava essa traição e tornava isso uma estratégia válida e é exatamente isso que o jogo quer mostrar, que essa traição era inerente a estar naquele papel de colonizador. Se a gente quer evitar a opressão com uma colonização e outras, nós podemos ter esses temas e processos históricos que não facilitem esse tipo de comportamento. Então precisa ter uma visão crítica a respeito da colonização e isso começa a partir de uma formação já na fase da idade jovem, como esses estudantes estavam tendo. Então após ter essa experiência, a gente começou a olhar para a nossa própria, nosso próprio enbigo. Quais eram as reflexões que nós, estudantes e professores do design da UTFPR, estávamos colocando para baixo do tapete. E aí a gente começou a usar o League of Serious Play de maneira mais intensa do que em outros experimentos para buscar essa poética da contradição, para que a contradição aparecesse. E lá pelas tantas ela vai se consubstanciar nesse conceito do "The designer". Esse "The designer" é esse designer que se coloca como um iluminado, que vê mais do que outras pessoas vêm dentro da sociedade ou do que outros profissionais de design. Só que esse "The designer" ele está olhando para uma parede, ele está tentando olhar de dentro da universidade para fora, mas ele não consegue ver o que realmente acontece lá fora. Ele não tem nem coragem de sair da sua torre de marfim, que é a universidade, que posteriormente pode ser a empresa onde ele trabalha. Então esse "The designer" ele tem um ego muito inflável, mas ele tem por conta desse ego também uma dificuldade muito grande de abrir a cabeça para receber novas informações e mudar as suas perspectivas de vida. Então há estudantes, havia estudantes no curso que eram mais conscientes desse "The designer", porém eles também não conseguiam ver o que estava acontecendo lá fora. Então aqui na parte de baixo da imagem tem outros personagens diferentes desse "Pinguin" "The designer", outros animaizinhos que estavam conversando, estavam dialogando politicamente, se organizando dentro da universidade, mas que não tinham muito acesso ao mundo lá fora, não sabiam como desenvolver uma carreira de design que pagasse os boletos, mas que também permitisse se engajar com as contradições concretas da sua sociedade brasileira. Não fosse um design de mais do mesmo, em especial um design dos privilegiados para os privilegiados. Então nesse momento a gente começa a ter discussões mais ricas sobre essa consciência crítica. E aí o trabalho do filósofo brasileiro Álvaro Vieira Pinto, que vai ser fundamental para o Paulo Freire, para outros educadores que vão vir na sequência, ele diz o seguinte, que essa consciência crítica chama-se consciência crítica porque de fato é uma consciência permanentemente atenta em denunciar as influências a que está assumida e criticá-las. Então consciência crítica significa consciência autocrítica, começa a se percebendo sobre o que ela é e porque ela é do jeito que é. Então consciência crítica não é aquela que está ocupada com a crítica do outro, mas primeiramente ela é ocupada com a crítica de si próprio, que muitas vezes é um traço histórico do outro. O outro vai colocar, por exemplo, minhocas na sua cabeça que você precisa ser crítico a respeito delas. Então esse momento dessa compilação desse modelo em legacy replay acaba sendo o momento que os estudantes percebem essas minhocas na cabeça deles, como por exemplo a criança numa carreira solo, egocêntrica que o mercado de trabalho oferecia, que a ideia de um designer estreia, famoso oferecia. E eles vão percebendo nessa tarefa, nessa atividade de que havia um outro caminho possível, uma guinada à esquerda, olhar para o lado, digamos, da sua formação, do caminho orientado ao mercado de trabalho, que poderia acontecer em algum momento dentro da formação do estudante. Por mais que a universidade tivesse o seu viés voltado para a formação ao mercado de trabalho, isso é uma característica bem própria da UTFPR, universidade tem historicamente buscado formar profissionais com um perfil técnico para o mercado de trabalho, apesar de ser uma universidade pública, o que é uma coisa um pouco contraditória, mas em todo caso nossos estudantes estavam buscando ativas a isso, também pautados nas políticas públicas sobre a educação superior, que não é pelo nosso planejamento enormes da universidade e do Ministério da Educação voltado apenas para a formação do mercado. Nós formamos o estudante para a vida, o mercado é um dos elementos da nossa vida. E essa formação precisa ser crítica, porque muitas vezes o que se faz no mercado é antiético, o estudante vem justamente para combater alguma prática antiética e elevar o nível das práticas de mercado, que é algo fundamentalmente importante, que só pela universidade pública que acaba acontecendo, uma vez que na educação privada muitas vezes não há essa possibilidade, até porque o estudante está pagando para receber um serviço e pode reclamar de uma educação crítica visiquicional que está acontecendo no mercado. Então a universidade pública tem essa, digamos, independência que permite também desenvolver a consciência crítica do estudante e do pesquisador, também do extensionista. Bom, depois de explorar então esse modelo de possibilidades, os estudantes chegaram à conclusão de que eles queriam construir um baralho de técnicas, métodos ou conhecimentos de design que estimulasse a formação da consciência crítica. Então nós fomos comparar os diferentes baralhos que eu tinha na minha coleção de baralhos e toolkits de design, essa caixinha que vocês estão vendo no canto superior direito da mesa, ao analisar as questões visuais, as temáticas e pensar na nossa questão, nas nossas questões concretas do curso de design, nós chegamos a um modelo inspirado na lógica dialética e também na filosofia existencialista, um modelo que iria ser, permitir aos estudantes pensar sobre o seu futuro e o seu passado e o seu presente, numa perspectiva existencial. A referência mais próxima do que eu queria fazer curiosamente foi o baralho de tarot. Nós queríamos criar um baralho de tarot para estudantes de design que estavam em crise existencial, ao respeito do que fazer sobre a sua, o seu lugar no mundo, mas não só a carreira profissional, mas também a sua realização enquanto um projeto de vida, enquanto um sentido para a sua existência no mundo. E a gente jogou um pouco de tarot, com um pouco do conhecimento que a gente tinha, a gente analisou os detalhes da linguagem visual desse baralho e como ele funcionava, uma característica importantíssima do baralho de tarot é que ele tinha imagens ambíguas, que refletiam vários aspectos possíveis de uma crise existencial que a interpretação de uma colega pode ajudar, por exemplo, caso alguém que está ajudando a tirar a carta do baralho. Então nós começamos a aprofundar e entender melhor como é que o baralho de tarot funcionava e também como que a pedagogia crítica lidava com as crises existenciais. O "Chateau oprimido", desenvolvido pela Augusto Boal, tem um conceito muito interessante sobre crise, que é a crise chinesa. A crise chinesa, a crise "weighty", como se escreve em mandarim, é composta por dois ideogramas. Então crise, em mandarim, é composto dos ideogramas "Perigo" e "Ponto de virada", "Ponto de mudança", "Ponto de mutação". Então esses ideogramas juntos formam a palavra "crise". Então dentro do "Chateau oprimido", quando se fala de crise chinesa, se referencia a esse aspecto dúbio, essa ambiguidade, essa possibilidade ao mesmo tempo que algo ruim e bom pode acontecer ao mesmo tempo. É o momento de tudo ou nada, o momento onde pode haver uma mudança naquela estrutura social. Então esse conceito de crise foi fundamental para o projeto do baralho. Antes de projetar o baralho, por si só, os estudantes resolveram entender quais eram as crises que eles passavam. Então ao invés de fazer um mapa da empatia, que é para você entender um outro, como eles faziam parte das pessoas que iriam usar esse projeto, eles fizeram um mapa da simpatia. A simpatia tem a ver com você se identificar com a outra pessoa e não você sentir o que a outra pessoa sente. Então simpatia é você olhar para alguém e você perceber "nossa, ela é parecida comigo". E essa simpatia então vai levar os estudantes a perceber que eles estão numa crise existencial, que não é só deles, que é uma crise existencial dos jovens da sua época. Então eles são preocupados em fazer algo relevante para a sociedade, algo que seja bom para os outros, mas ao mesmo tempo são interpelados por um sistema de exploração do trabalho que muitas vezes requer fazer mal aos outros ou fazer menos bem a algum grupo de pessoas, ao mesmo tempo faz muito bem a um outro grupo, ou seja, reproduzindo as estruturas de desigualdade social que eles gostariam de questionar com a sua profissão. Então nesse momento também o conhecimento da filosofia do Álvaro Vera Pinta é fundamental para entender. Essa palavra consciência crítica tem um outro sentido importante, que é o sentido etimológico. A palavra crise vem originalmente de "crises" em grego, que significa separar os fatores atuantes dentro de uma determinada realidade e apreciar a significação de cada um. Então esse momento que a gente mapeia as crises existenciais que os estudantes estão passando é, por si só, um momento de crise. E apreciar a crise também é uma oportunidade de entender aquela realidade. Então os estudantes começam a penetrar nas suas crises profundamente e tentar modelar as crises existenciais pelo quais eles tinham passado ou iam passando novamente usando o Lego Series Play. Cada crise virou um modelo de Lego Series Play e as contradições começam a ser analisadas nesses post-its, tentando buscar as forças sociais que estão em embate ali naquele modelo. Esses modelos de Lego acabam se tornando um formato de protótipo da ilustração que vai constar em cada carta. Então os estudantes vão lá e tiram foto de cada um desses modelos e vão imprimir essas fotos já no formato de protótipo do baralho. Então a primeira versão desse baralho, que foi já testada ainda no final do primeiro semestre de 2022, ele já tem esse formato de fotos de modelos Lego Series Play de crises existenciais, cada carta um modelo, e algumas cartas tem essa funcionalidade de dois lados, o frente e o verso. Então tinha duas ilustrações em Lego mostrando os dois lados, o perigo e o ponto de virada que aquela crise existencial oferecia. Não havia rótulos e esse foi talvez a escolha mais acertada desse grupo de estudantes, de não colocar um rótulo escrito do que significava essa carta, o nome dela, por exemplo, no tarot. Não tinha nome e cada usuário desse baralho tinha que dar um sentido próprio concreto relativo à crise existencial que aquele estudante estava de fato passando. Foram convidados estudantes de design de outras disciplinas que não estavam fazendo essa disciplina para jogar esse baralho e conversar a respeito dele. Não foi dito o que significava o baralho e nem cada carta, apenas foi aberto esse baralho e dito que cada carta representa uma crise existencial, você acha que você vê alguma crise aqui nesses baralhos? E os estudantes começaram a falar e a conversa foi riquíssima, tanto é que houve um interesse forte de continuar esse projeto, esse baralho que está acontecendo em outros contextos. Projetos para pessoas é uma disciplina que se vinculou formalmente ao laboratório design contra opressões que é o projeto de intenção, foi fundado em 2021, inspirado lá atrás naquele projeto Coisa que os estudantes criaram. Esse laboratório começa a ter um monte de projetos, 2022 especial no segundo semestre, a época que acaba se tornando um hub, um espaço de autogestão para projetos diversos de design contra opressões e a gente continua na disciplina de projetos para pessoas se perguntando como é que nós podemos continuar o desenvolvimento dessa consciência crítica no âmbito coletivo do design. Então, essa tem sido a nossa pergunta de pesquisa enquanto pesquisadores coletivos que estamos aprendendo enquanto fazemos extensão e temos o contato com as comunidades diversas que estão em torno da universidade, buscando com isso promover um conhecimento a qual esta própria aula faz parte, é uma maneira também de a gente fazer extensão e envolver atores que estão fora da universidade dentro do nosso processo, dentro dessa formação dessa consciência crítica. Então, muito obrigado e espero que vocês estejam comigo também. Quando a gente tiver mais uma comunicação a respeito desse processo estônico.