Meta criatividade, o que seria isso? Seria a criatividade sobre a criatividade. Esse é um resumo muito rápido do que a gente tem trabalhado na disciplina Psicologia 1, ou Psicologia da Criatividade no Bacharelado em Design, que dá o TFPR. Então, em poucos minutos eu vou primeiro passar um pouquinho sobre a visão geral teórica, sobre o que é isso e como a gente realiza isso na prática através de algumas heurísticas e de teorismos que a gente tem compilado essa teoria. Primeiro, uma única frase, tudo que eu vou dizer aqui, o novo surge de corpos ordinários empenhados em uma atividade constante que se desenrola sobre um espaço compartilhado. Então, a visão de meta criatividade é que não há necessidade de ter um corpo especial privilegiado, nem um espaço especial, nem uma atividade especial. Qualquer atividade pode se tornar uma criatividade. Por isso, eu separo com um tracinho para enfatizar isso. Uma atividade criativa é uma criatividade, um corpo criativo é um cria-corpo, um espaço criativo é um cria-espaço. Qualquer espaço criatimizado, corpo criatimizado, atividade criatimizada, quer dizer, a gente pode recriar tudo isso. Tudo isso é fluido, tudo isso é mudança, tudo isso é transformação. Basta a gente se conscientizar disso. Agora, a meta criatividade dá um passo além. É justamente essa consciência, é você tornar consolidada essa visão de que é possível você transformar aquilo que é a criatividade, ou seja, você na verdade faz uma criatividade da criatividade. Por isso meta criatividade. Em palavras mais simples, para fazer o novo de novo é preciso fazer diferente, é preciso refazer o modo de se fazer. Então, a gente não tem mais só o cria-espaço, a gente tem o meta cria-espaço, o espaço criado para recriar o espaço de se criar. Fica meio abstrato isso, né? Mas vamos pensar na ideia do corpo então. Um corpo que se cria e se recria para criar novas coisas. Ficou um pouco abstrato, né? E isso é a meta criatividade, é corpos e espaços interagindo para se recriar mutuamente. Isso é muito importante para entender, ponto de vista prático, porque é que muitas pessoas não se sentem criativas, acham que não nasceram para isso, não têm talento. É porque os cria-espaços que elas tiveram parte, fizeram parte, criaram situações milímitas para elas, como um bloqueio criativo. Uma situação em que há alguma configuração em que você tem que criar, mas você não tem meios para criar, você não tem recursos nem inspiração para criar. Isso é um momento em que essa opressão é sentida na carne por quem é bloqueado, por quem sente esse bloqueio criativo. Não é só um momento na vida, é várias vezes e é por isso que a pessoa se julga menos criativa. Então esse julgamento que vem de famílias, membros da família, vem de amigos, vem de escola, vem de trabalho, vem de governo e principalmente da mídia, ele vai fazer a gente acreditar que nossos corpos, os criacorpos são menos criativos. Na verdade, eu como homem branco, hétero cis, eu não posso dizer que o meu criacorpo é julgado como menos criativo. Pelo contrário, quando eu olho na mídia e olho essas referências todas ao meu redor, as pessoas me dizem "você é criativo", sempre me falaram isso. E eu acreditava que tudo bem, eu era diferente dos outros, até o momento que começa a se estudar a criatividade, você percebe que eu não é criativo, eu estava criativo porque existia uma configuração, um cri espaço que me permitia criar o meu corpo e recriar esse corpo para ser criativo. Mas isso não é um privilégio que é exclusivo para mim, isso pode ser transformado em um direito e é exatamente isso que a gente trabalha nessa disciplina de psicologia. A gente quer que, primeiro, os estudantes percebam que seus criacorpos, em especial se eles fazem parte de grupos historicamente oprimidos, foram considerados menos criativos. Então negros, indígenas, mulheres, pessoas com deficiência, são tradicionalmente vistos como menos criativos. Por quê? Porque na mídia não aparece pessoas bem sucedidas e criativas com esse tipo de corpo, raramente isso acontece. E aí você só por ver uma imagem de uma pessoa que tem um corpo completamente diferente do seu, ou melhor, de várias pessoas, constantemente, você nunca vê o teu tipo de corpo, você acha que o teu criacorpo não é o que você precisa para criar. Então, conscientizar-se dessa metacreatividade é justamente esse processo de reagir a essa opressão e libertar esse criacorpo oprimido. Então metacreatividade não é ser criativo ou ser criativo sob sua própria criatividade, na verdade é você saber como se refazer ou se refazer criativo quando você precisar ser assim. E aí começa a integrar essas relações entre Criatras em Atividade, Criatras em Espaço e Criatras em Corpo. O primeiro elemento do Cri-Espasso é fácil de você perceber fisicamente, mas ele tem uma dimensão mental também. As ideias, os conceitos, elas se relacionam em redes neurais, em redes de associações cognitivas, isso também é um Cri-Espasso, tanto físico quanto mental tem os seus limites e aí que mora a barreira, muitas vezes intranspunível, ou considerada intranspunível, as limitações que vão fazer a gente achar que a gente não consegue criar nada além do que já foi criado. Porém, é justamente ali nessas fronteiras que mora a possibilidade de a gente criar ideias questionadoras que vão empurrar essas fronteiras, vão até quebrar elas. Então, liberdade em meta criativa seria justamente essa capacidade de impor seus próprios limites, tá empurrando eles pra frente, ou puxando eles para trás, para dar um salto, para criar uma tensão. Esse Cri-Espasso, portanto, ele não é um espaço predeterminado com objetos determinados, ele é sempre um espaço de possibilidades. Agora, cada ideia ali é uma, dentre muitas, então se cada, se o espaço é composto de possibilidades, a gente tem muitas que a gente ainda nem conhece, né? Então o mundo ele sempre vai oferecer muito mais possibilidades do que a gente consegue conceber, do que a gente consegue colocar nesse Cri-Espasso mental. Cri-Espasso físico é sempre maior e esse Cri-Espasso ele vai se desenvolvendo, vai mudando, vai se transformando. O mental também, por isso que a primeira ideia que a gente coloca no Cri-Espasso é sempre a pior ideia, mas ela é absolutamente necessária, porque uma ideia leva a outra ideia e essa segunda, terceira, quarta, de repente a sexta ideia já vai ser muito melhor que a primeira. Uma maneira bem simples de romper com esse bloqueio criativo de não ter nenhuma ideia para começar, é colocar algo aleatório, simplesmente aleatório, qualquer coisa serve, mas quanto mais diferente, quanto mais ridícula, melhor. Por exemplo, eventualmente eu peço para os meus estudantes, agora que você fez toda essa composição, encaixa um ornitorrínquo aí no meio. Difícil, né? Não faz sentido nenhum, mas é justamente recriar esse sentido que estimula o processo de metacreatividade. E aí então, isso significa o que? Que qualquer Cri-Espasso pode te dar uma inspiração. Se você não tem nada para se inspirar, jogue algo aleatório, mas você pode também buscar algo aleatório que já está lá esperando. A sua própria criatividade pode ser aleatória até encontrar um ponto de partida. Então andar com diferentes Cri-Espasso é uma maneira de você promover esse tipo de encontro. Agora, depois que a ideia já está em movimento, ela começa a precisar se desenvolver e para isso ela precisa se confrontar com outras ideias. Por isso lembrar é tão importante quanto imaginar, lembrar o que já foi criado para contrapor com as novas ideias. Porque uma ideia que já foi materializada, ela tem sempre mais chance de ser lembrada e confrontada do que uma ideia que ficou cri-Espasso mental guardada na cabeça. Um Cri-Espasso bagunçado cheio de ideias, seja bagunçado fisicamente ou mentalmente, ele vai propiciar sim melhor, mais chance de confronto entre as ideias do que um Cri-Espasso organizado. Por isso um certo nível de bagunça é necessário. E a bagunça ela também ela é acolhedora para ideias malucas, para a aleatoriedade, para esse momento em que você vai tentar criar aquilo que já foi criado, recriar as possibilidades. Por isso a estranheza que essas ideias malucas vão gerar. Essa estranheza, ou mesmo a familiaridade que as pessoas têm com as ideias, a estranheza na verdade ela é um posto da familiaridade. Uma ideia que é maluca é facilmente criticada porque ninguém se identifica com ela, ninguém afinal de contas assume que é maluco. Agora uma ideia que parece muito racional e organizada, facilmente a pessoa que deu essa ideia acha que ela é igual a ideia e ela fica muito chateada quando se critica. É por isso que é importante colocar essas ideias num Cri-Espasso compartilhado, materializar elas, exteriorizar elas, porque uma ideia sem dono se desenvolve mais rapidamente. É uma ideia que pode ser facilmente agregada em outras ideias, gerando uma propriedade compartilhada de ideias. Então o novo ele vai sempre surgir do indivíduo, mas ele vai precisar do coletivo para se tornar inovação, que seria o novo se tornando atual, se tornando presente, se tornando real, deixando de ser novo afinal de contas. Então para que o novo não continue a ser novo, passa a ser atual, coletivo é fundamental. E o Cri-Espasso ele é um meio para que o coletivo se conscientize do que ele já sabe, do que ele ainda não sabe. Por isso deixando rastros, deixar rastros no Cri-Espasso da criatividade é fundamental, rastros essa atividade coletiva. E especialmente os rastros das concessões que cada um fez, cada cria-corpo vai fazer uma concessão, eventualmente vai ser "ah, minha ideia é melhor que a tua, mas ok, vamos criar uma outra ideia". Ter acesso histórico dessas ideias originais pode dar origem a outras ideias impensadas até então. Por isso que não é bom jogar no bicho as ideias fisicamente, agora mentalmente até que dá para você esquecer delas por um tempo. Porque quando uma ideia é rejeitada, ela volta, ela volta quando ela está disponível e as pessoas vão procurar dela. E uma ideia rejeitada que volta das cinzas ela é mais forte do que uma ideia que nunca morreu. Aí está o caso das ideias que retornam do inconsciente, do lixo mental, entre aspas. Elas também voltam mais fortes. Agora tem uma maneira de você facilitar esse tipo de retorno, que é a meditação, a contemplação, o relaxamento durante um processo de criatividade. Você pode pausar a criatividade e pedir para as pessoas observarem o Cria-Espasso ativando o seu Cria-Corpo inteiro e recuperando essa dimensão sensorial afetiva com aquelas ideias, permitindo ligações que não tinham sido testadas entre as ideias existentes. E aí essa caixa que restringe o pensamento, o Cria-Espasso mental, ele pode se expandir e aquilo que era considerado impossível pode tornar possível. Para expandir essa caixa então é importante considerar tanto problemas alternativos quanto soluções alternativas. Não basta só problematizar nem só solucionatizar, é preciso fazer os dois juntos. E aí se a gente começa a adentrar nos problemas e soluções, problemas e soluções e um problema dá origem a uma solução que dá origem a um outro problema, quando você chega no ciclo vicioso ou o ciclo cibernético ou no que a gente chama no marxismo de contradição. A contradição é essa estrutura de uma forças opostas se degladiando para delinear a realidade e ela é a origem dos problemas tanto quanto das soluções. Entender uma contradição não é enquanto entender um problema para ser resolvido, pelo contrário, a contradição também tem a solução ali dentro. Nós somos contradições, nós somos contraditórios, os criacorpos são contraditórios, ser humano moderno nasce na contradição, morre na contradição. E é por isso que a gente consegue lidar com contradição, diferente das máquinas, das inteligências artificiais que não conseguem operar com contradições porque não são contraditórios, eram com lógica booleana, é um ou é zero, é certo ou errado. O ser humano sempre tem uma área cinza de possibilidades que vai dar origem a novas formas de ser humano que ainda não estão disponíveis. Essa capacidade autopoética é uma característica única do ser humano e do nosso corpo, é uma questão concreta mesmo. Então a gente é capaz de transformar as nossas próprias contradições, a gente não é só um contraditório, a gente é contraditor porque a gente cria novas contradições. Então, para resumir, meta criatividade não é pensar fora da caixa, fora do criar espaço, botar o seu criacorpo num criar espaço exótico cheio de coisas mirabolantes. Meta criatividade é você entrada na caixa e refazer o seu corpo dentro a partir das suas contradições, das suas forças que estão puxando ela para sair, se criar espaço, se transformar no outro criaspaço a partir do que ele é, mas também a partir do que ele já foi e do que ele pode ser. Então, resumindo nenhuma única imagem, tudo que eu disse até aqui agora, a meta criatividade é esse processo de interação entre criacorpos que estão se recriando, meta cria corpos através de criar espaços ou meta cria espaços, espaços projetados para transformar o espaço considerado num projeto, um espaço que é constantemente palco de novas criatividades, por isso uma meta criatividade. Então é isso que a gente tem visto em psicologia 1, em bacharelada em design, espero que tenha sido uma apresentação estimulante e que vocês pensem a respeito da meta criatividade. Boa sorte nos seus processos e relações sociais tecidos a partir desse processo, porque é aí que está nesse encontro entre criacorpos o segredo da criatividade. [barulho de água]