libertando futuros domesticados pelo design imperialista. Então essa fala é uma provocação para a gente pensar nas possibilidades de desenvolver o design prospectivo, que é essa abordagem que a gente tem conversado, discutido aqui na UTFPR, como uma maneira de abordar futuros no design de maneira prospectiva e não só especulativa ou transicional, mas uma maneira de você ativamente prospectar esses futuros por uma perspectiva anti-imperialista, uma perspectiva decolonial ou decolonizadora. Ao invés de partir de autores que falam de realidades e a partir de realidades exógenas a nossa condição, a nossa realidade que é no Brasil, eu estou tentando partir agora de autores brasileiros ou brasileiras que falam da nossa realidade em primeira instância, porque eu acredito que isso nos ajuda a ser mais relevantes ao que dá para fazer aqui, dentro das nossas possibilidades. Um desses autores pouco conhecido no Brasil, infelizmente, dada a perseguição que ele sofreu durante a ditadura militar, é o Álvaro Vera Pinto. Ele tem vários livros, mas sobre este assunto tem um livro que é, na verdade, dividido em dois volumes, dois volumes muito grossos, são o conceito de tecnologia. Volume 1 e volume 2 são obras maravilhosas para entender prospecção de futuros dada a possibilidade que a gente tem aqui no Brasil. Por que o futuro é uma coisa importante para o Brasil? E a tecnologia do futuro ou o futuro da tecnologia. Então é um livro maravilhoso, um tom gigante. Eu não vou falar sobre tudo que tem nesse livro, eu vou focar especificamente no conceito de domesticação do futuro. E vou tentar mostrar como a gente precisa criticar esse conceito e além dele, quando pensar e desenvolver o design prospectivo. Essa domesticação do futuro pode ser definida de várias maneiras, mas eu peguei uma parte do texto dele que ele diz assim, "em vez de negar o futuro ou de ignorá-lo, as classes dominantes e os países centrais de desenvolvimento tecnológico, eles domesticam de antemão esse futuro. Então o futuro deixa de ser ameaçador, ele perde o caráter de incógnita e ele não traz mais com si qualquer mudança substancial nos status dos grupos dirigentes." Ou seja, quando ele está fazendo a crítica, a domesticação do futuro, ele está falando sobre um movimento de manter o status quo. Domesticar o futuro para ele significa que o futuro não signifique mudança, que o futuro significa continuidade. Então aquela incógnita, aquela incerteza, aquela monstruosidade que está embutida nesse futuro que não se sabe, através da domesticação ele se torna mais conhecido. Outra pessoa que trabalhou com esse conceito de domesticação do futuro, curiosamente, é o Paulo Freire, que é na área da educação. E ele usa esses termos mesmo, domesticação do futuro, na obra Pedagogia do Primido, que é o texto mais conhecido dele, mas também fala de domesticação em livros como Extensão e Comunicação, Ação Cultural para a Liberdade e outros textos. O Paulo Freire, para quem não conhece a biografia dele, colaborou muito fortemente com o Álvaro Vera Pinto. Ele se referia ao Vera Pinto como um mestre brasileiro, um mestre da filosofia brasileira, um mestre que tinha uma filosofia autêntica brasileira. E ele se apropriou principalmente de categorias como consciência crítica do trabalho do Álvaro Vera Pinto. Mas eu acredito que o conceito de domesticação do futuro que o Freire usa, no mesmo sentido do Vera Pinto, deve ter sido fonte de alguma interação que eles cocriaram esse conceito ou ele está fazendo uma referência velada ao Vera Pinto. Porque vejam como é parecido o conceito dele de domesticação do futuro. Então ele vai, lá pelas tantas no prefácio do Pedagogia do Primido, dizer o seguinte, "O sectário de direita pretende domesticar o presente para que o futuro, na melhor das hipóteses, repita o presente domesticado, enquanto o sectário de esquerda transforma o futuro em algo pré-estabelecido, uma espécie de fado, de sina ou de destinos irremediáveis." Então aqui ele está fazendo uma coisa muito interessante, mostrando que o futuro não deve estar dado, nem do ponto de vista de manter-se como está a situação atual, nem do ponto de vista, uma utopia em que quem já está ganhando continua ganhando, ou uma distopia em quem está perdendo continua perdendo. Então ele propõe, na sequência desse trecho, que a gente encare o futuro como uma construção, algo que nós podemos fazer agora no presente, que a gente vai determinar a partir das nossas ações. Por isso ele recupera a noção de história e explica que a educação é história, que ela produz novos futuros, ela abre novas possibilidades. Mas o Paulo Freire também usa o conceito de domesticação num outro sentido, daí falando da domesticação dos próprios educandos. Os educandos, quando eles estão passando por um processo de educação formal, eles costumam ser domesticados. Então essa prática domesticadora na educação formal tem como conotação central a dimensão manipuladora das relações entre educadores e educandos, em que obviamente os segundos são os objetos passivos da ação dos primeiros. Então essa domesticação é uma analogia à maneira como se educam animais, porque esse parte do princípio que o educando não tem nenhum conteúdo, nenhum conhecimento, ele é uma tábula rasa, ele é um selvagem, na verdade, que precisa ser domesticado, ser trazido para a civilização através do processo de educação. E o Paulo Freire vai fazer referências em outras partes do texto dele, e que essa característica da educação bancária ou domesticadora, ela já existe aqui no nosso país, no Brasil, no nosso contexto latino-americano de maneira mais ampla, desde o processo de colonização e especificamente a catequização dos indígenas, que inicialmente eram vistos como selvagens incapazes de serem domesticados, muitos bandeirantes passaram pelo interior do Brasil dizimando a população indígena, e eles tentavam escravizar os indígenas e viam que os indígenas lhes obedeciam, então eles acreditavam que não era possível domesticá-los e matavam os indígenas. A partir do momento que começam a surgir as missões jesuítas no Brasil, esses indígenas são "protegidos" desses bandeirantes, existem até guerras entre jesuítas e bandeirantes, conflitos, porque os jesuítas acreditavam que era possível domesticar esses homens selvagens. Esse afresco no ladrilho mostra claramente os indígenas saindo da mata, da condição natural de besta, de animal selvagem que eles têm, e se transformando gradualmente em seres domesticados, no lado esquerdo mais próximo do jesuíta que está promovendo esse ritual de transformação. No lado esquerdo você já vê alguns indígenas "civilizados" que foram domesticados já vivendo dentro de um ambiente produzido pelo ser humano, que não é a mata. Então a domesticação tem um propósito específico de afirmar a superioridade dessa cultura europeia, eurocêntrica, que vem através de Portugal, mas de outros países também, e depois ela volta, essa cultura indígena volta para os países europeus não como uma contribuição cultural, um processo de transformação, alteridade, mas sim como uma conquista, uma espécie de um prêmio, um troféu a ser exibido, o resultado da colonização, e olha só, esses selvagens que ficavam na mata agora estão domesticados, mas eles ainda conservam alguns traços peculiares que tornam eles muito curiosamente interessantes, eles não se humanizaram completamente, não são completamente humanos, ainda são um pouco bestas, então vamos mostrar eles em zoológicos, os tamados zoológicos humanos, que não tinha esse nome, mas hoje em dia a gente conhece dessa maneira. Então esse é uma cartaz de divulgação de um zoológico humano na França, e notem que é um trabalho de design gráfico, bastante, enfim, que utiliza várias técnicas já modernas de design gráfico para vender essa mercadoria, então esses corpos colonizados são transformados em mercadorias. Essa domesticação do futuro, ou melhor dizendo, essa domesticação do colonizado e os zoológicos humanos é uma relação que não é tão antiga assim quanto parece, porque o último zoológico humano de que se tem registro data de 1958, durante a exposição internacional, feira internacional, que não me lembro exatamente o nome, chamada Atomium, na Bélgica, foram exibidos duas grandes atrações, uma era a tenda dos congoleses, que mostrava as suas habilidades, as suas técnicas de artesanais ancestrais e tradicionais, e do outro lado tinha a grande atração que era uma exortação ao domínio da energia nuclear, com esse grande monumento à estrutura atômica. Então essa relação entre a tecnologia mais avançada e a tecnologia menos avançada era fundamental para justificar porque que deveria existir essa domesticação, porque com isso você conseguia garantir que esses povos domesticados não se revoltassem contra os colonizadores, porque eles estavam dando uma bênção para esses povos, olha só como eles são atrasados, eles precisam da colonização, por outro lado, olha só, a gente pode trocar essa tecnologia super moderna com eles, eles nos dão esses bens artesanais tão bem feitos que demonstram a criatividade do ser humano, só que essa troca não é justa obviamente, porque o preço da tecnologia atômica é muito maior do que a tecnologia artesanal, então essa relação não é balanceada, justamente não deve ser o que quem está organizando o evento, quem está falando, são os dominadores, são os colonizadores. Essa exposição acontece numa época que ainda existiam lutas pela descolonização política desses países, mas esse tipo de comparação ainda existe até hoje e o design tem um papel importantíssimo na manutenção do que já existia antes do colonialismo, mas se torna mais intenso que é o imperialismo, que é a tentativa de uma nação dominar de maneira hegemônica uma determinada região geográfica, seja através da colonização, seja através de outros processos políticos, econômicos e culturais. No caso do Brasil, nós temos um processo de imperialismo muito forte no século XX a partir da influência dos Estados Unidos no nosso desenvolvimento, isso fica patente com algumas referências constantes na mídia promovidas pelo nosso governo atual a um antigo presidente que já não está mais liderando os Estados Unidos. Então, os Estados Unidos se colocam não como um colonizador, mas como um parceiro no desenvolvimento, um desenvolvimento que é dependente ou assistido. Então, os Estados Unidos oferecem essas tecnologias a um custo mais fácil, a um tipo de acesso, oferecem algum benefício para apoiar, ou às vezes até oferecem a tecnologia de graça, que é o novo recurso imperialista, para gerar uma dependência e depois aí sim receber algum tipo de recurso nascer em troca. Uma das estratégias do imperialismo é utilizar o design para tornar essas tecnologias parecerem ser futuristas, quando na verdade não são. São tecnologias que quando você modifica o espaço onde elas estão sendo utilizadas, elas parecem pelo contraste entre outras realidades. Nesse caso é um vídeo, é uma curta metragem chamada Microsoft 2019, que a Microsoft fez para promover a visão de futuro que eles tinham sobre o trabalho, colaboração na educação entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos. No caso, estamos vendo uma sala de aula na Austrália, país desenvolvido, colaborando com uma outra sala de aula num país subdesenvolvido, que é a Índia, que a professora está mostrando para os estudantes que não sabem onde é no mapa onde fica a Índia. E os estudantes estão interagindo via videoconferência, numa época em que ainda não era tão comum isso, essa videoconferência permite que eles falem sobre diferenças culturais. Porém, a professora não está chamando atenção para o que eles estão conversando ali, essa interação na verdade parece mais como uma curiosidade, como se eles tivessem esses estudantes indianos estivessem dando uma espécie de jaula, sendo mostrado para os estudantes australianos. Olha só como eles são estranhos, olha esse alfabeto rudimentar que eles utilizam, o devanagari, isso gera uma diferença de hierarquia, quem está do lado de cá do monitor é superior a quem está do lado de lá do monitor, porque quem está do lado de cá é que determina as regras, o ritmo da aula. Você não vê, por exemplo, uma professora do outro lado indiano como se não houvesse conhecimento, não houvesse autoridade, não houvesse capacidade de autodeterminação. Então vejo que designers que criaram esse vídeo possivelmente não pensaram nisso, apenas reproduziram um padrão cultural típico de uma cultura imperialista. Aqui nós vemos daí sim um projeto intencional de imperialismo, mas claro que prejudica bastante, que ameaça na verdade a nossa autodeterminação aqui no Brasil, que são as cidades importadas inteiras, chamadas smart cities. Já tem uma no Ceará que chama Smart City Laguna, é uma cidade que está sendo financiada, desenvolvida, projetada, planejada e administrada por um grupo de empresas israelense. Então não é uma cidade que os brasileiros estão construindo no seu território, é uma cidade que outros povos estão construindo no Brasil, com tecnologias que também foram desenvolvidas fora do Brasil. Então pense na soberania que o Brasil terá ou não terá, melhor dizendo, sobre esse território, como se isso se espalhar, isso pode ser um risco muito grande à soberania nacional. Por enquanto talvez seja uma questão mais soberania regional, mas ainda assim bastante preocupante. Agora, além das smart cities criadas do zero, com tecnologias totalitárias, porque elas definem todas as interações que a pessoa vai ter naquela cidade, e não é só a tecnologia do planejamento urbano, que define, por exemplo, o desenho urbano que vocês estão vendo na imagem, mas também a tecnologia das interações do dia a dia, definidas por smartphones, definidas por serviços digitais, definidas por governo eletrônico e tudo mais, que estão integradas nesse chamado Planet App. Agora, essas visões de futuro que são produzidas e compradas aqui, produzidas fora e compradas aqui importadas para o Brasil, elas escondem, através de um design que é futurista, ou que faz referência a um suposto futuro, elas escondem as contradições que estão por trás desses modelos de interação, estão por trás dessas formas de governança, estão por trás dessa maneira de produzir a esfera pública. Uma das contradições é o colonialismo digital, que é um problema cada vez mais sério, que é uma dependência de aplicativos, de redes sociais, de estruturas de logística completamente estrangeiras, que nos dão benesses, inclusive até mesmo de graça, mas que tem um custo ambiental e humano gigantesco e que não aparece, mas que é muito parecido com o custo humano da colonização e do processo de acumulação de riquezas e recursos naturais numa determinada parte do planeta, enquanto outras partes são tratadas como meras fontes de recursos, mantendo a dependência, no caso do Brasil, mantendo, por exemplo, uma economia baseada em produtos, commodities agrícolas. Nessa imagem vocês veem no centro um colonizador, possivelmente do norte global, dos Estados Unidos, europeu, mas eu acho que mais dos Estados Unidos, porque as empresas que estão aparecendo ali embaixo deles são empresas dos Estados Unidos, e é um problema até inclusive para a própria Europa, que é muitas vezes vítima desse processo de expropriação, não necessariamente de recursos naturais, no caso da Europa, mas também de recursos humanos, como por exemplo a atenção que as pessoas devotam a esses aplicativos e os textos que as pessoas escrevem, as avaliações que elas deixam, tudo de graça para que esses novos colonos possam se aproveitar e gerar mais valia de trabalhadores, que muitas vezes estão precarizados trabalhando em outros países, muitas dessas grandes empresas de tecnologia tecerizam, fazem outsourcing da produção dos seus aplicativos para países como a Índia, por exemplo, então vocês veem do lado direito trabalhadores precarizados, do lado esquerdo nós vemos outros trabalhadores precarizados na produção dos materiais, como o carbono e outros minerais são necessários para a produção de chips e tecnologias que são ditas avançadas, mas que causam impactos ambientais terríveis. Quando a gente vive uma realidade oprimida como essa, a gente olha para nós mesmos e nosso design como sendo inferior, por isso que eu gosto de fazer essa distinção entre o design do oprimido e o design do opressor, olhando para a relação imperialista como a relação de opressão, ou melhor, a relação de subdesenvolvimento como a relação de opressão, a gente nunca vai considerar o nosso design tão desenvolvido quanto o design desses países ou imperiais. Então o Banco Ipalmas, que criou um dos primeiros bancos eletrônicos do mundo, que é baseado aí no eDinheiro, que é uma moeda digital solidária criada por um grupo de produtores que resolve se organizar para poder evitar a fuga de capitais do seu território pela utilização de moeda corrente, eles resolvem criar sua própria moeda, isso tudo com observação, acompanhamento, e chancela do Banco Central, então esse tipo de recurso que ajudou a levantar da pobreza milhares de pessoas, nós olhamos para ele como se fosse menos desenvolvido, como se fosse uma gambiarra, como se fosse uma coisa menos importante, e aí o resultado é que a gente não valoriza, né? Poucas pessoas conhecem o eDinheiro e o Banco Palmas, mas muitas pessoas conhecem as ferramentas de, enfim, de Visa, Electron e Mastercard que são importadas de outros países e se espalham aqui no Brasil, enquanto que a gente poderia estar desenvolvendo e investindo mais dinheiro no Banco Palmas e no eDinheiro para ter uma economia solidária no Brasil, a gente fica querendo ter uma economia, ou melhor a ser que parar numa competição de uma economia selvagem como essa globalizada, né? Bom, o design opressor, ele também tem um efeito subjetivo, né? Quando a gente vai interagir com o opressor através de interfaces digitais, o sistema sociotécnicos, nós sentimos vergonha da maneira como a gente interage, a gente acha que interage de uma maneira feia. Então, para a gente fazer um design prospectivo original e autônomo, para a gente se olhar como bonito, né? Se ver como bonito, que a gente olhe nosso design como uma referência bacana, né? A gente precisa libertar os nossos futuros domesticados e assumir a nossa monstruosidade. Com isso, eu quero dizer que existem algumas forças contraditórias dentro de nós que podem ser forças de mudança positivas e não mudanças negativas que precisam ser eliminadas pela domesticação. Então, se a gente olhar na história de como os colonos nos olhavam no começo da colonização, a gente vai encontrar várias referências a monstros diversos que existiam aqui no Brasil, documentados em livros e ilustrações como essa. Eu estou trazendo talvez um dos mais antigos, que é o Cupiara, documentado no começo do século 16. Esse monstro vivia zanzando pelos primeiros assentamentos humanos das colonos e também pelas aldeias indígenas. Os colonos ouviam falar dos indígenas desse monstro, interpretavam aquilo de um jeito e alguns dos colonos diziam ter visto também. Então, geralmente, o disco me diz que eventualmente as pessoas faziam imagens e contavam histórias como essa, né? De um monstro que misturava gênero, mulher e homem, misturava animal e ser humano. Basicamente, comia tudo aquilo que via e ao comer ele se transformava. Então, essa monstruosidade já estava representando uma preocupação do colono de se transformar um nativo, de se misturar aos indígenas e se tornar um híbrido, se tornar o que na época eles chamavam de... Enfim, é um mestizo, né? Um mestizo. E isso amendoentrava muito essa lógica moderna ser ameaçada por uma lógica anti-moderna. A lógica moderna também é definida por um monstro, só que esse monstro não tem contradições, que é o chamado Leviathan. Então, o conceito de estado moderno, a própria ideia de modernidade, foi construída por filósofos como Hobbes em cima do conceito de monstruosidade. Leviathan é um grande monstro que, na verdade, é encarnado pelo monarca. E esse monarca, ele atenua as contradições desse monstro. Então, ele se torna um monstro domesticado. Então, basicamente, a necessidade de estado é porque os homens naturalmente vão se matar se não houver um opressor maior que oprima eles e evite que eles sejam violentos consigo mesmo, sendo violento com o povo. Mas não demais, de maneira racional. E aí, por isso, a importância da racionalidade para a modernidade. Então, com os nossos estudantes, ao refletir sobre essas contradições que estavam acumulando, digamos, na nossa condição de habitantes cidadãos de um país que foi modernizado, né? Foi a força que foi colocada numa condição moderna, a gente percebe que não é uma característica natural ou culturalmente válida para a nossa vivência, nossa existência. Então, a gente começou a fazer vários experimentos para botar para fora essa monstruosidade. Um deles muito interessante foi feito com alguns estudantes que estão aqui, né? O Rafa Angelon, o Conrado estavam presentes, né? A Rafa inclusive escreveu um texto, um artigo científico sobre essa estética monstruosa que surgiu nesse experimento em que a gente está expressando vários manifestos sobre como design poderia ser mais politicamente orientado, mas ao mesmo tempo não orientado a uma visão política, a várias, né? Portanto, esse manifesto tem várias visões políticas contraditórias e isso acabou virando a temática do manifesto, né? Que se chamou o Manifesto Design de Senso. E depois esse manifesto foi posicionado num local de proeminente de visibilidade dentro da UTF-PR para que a gente pudesse discutir as contradições entre design, arte, ciência e engenharia na UTF-PR. No dia seguinte esse manifesto já não estava mais lá, a gente tentou investigar para saber quem tinha retirado e por que tinha feito isso, ninguém quis assumir esse feito, né? Então o diálogo que a gente queria propor, que não era um diálogo destrutivo, veja, não houve depredação nenhuma do espaço público, apenas se acrescentou uma nova camada de diálogo, ele foi interrompido. Mas esse caso não é um caso ainda de falar sobre futuros, né? A libertação da monstruosidade no presente. Esse projeto a gente não pensou muito na questão da perspectiva histórica. E eu acho muito mais interessante a perspectiva histórica porque ela nos ajuda a ver de onde vem essas contradições, como é que elas se construíram e, por outro lado, o que a gente pode fazer para superar essas contradições. Então vou mostrar aqui alguns outros exemplos e reflexões da minha prática anterior ao Design Prospectivo, antes da gente mesmo formar esse grupo, que eu acredito que podem ser lições interessantes para essa área. Então, primeiramente, buscar sempre referências locais e culturais para descobrir raízes de contradições. Então estudar movimentos culturais brasileiros e se inspirar neles é uma das maneiras de entender contradições nossas e não contradições Joltrem, que muitas vezes não são reais aqui ou não são tão fortes, né? Então, tropofagia, tropicalia, fandango, maracatu e várias formas originais aqui podem ser muito úteis para o Design Prospectivo. Outra coisa que pode ser útil também são as artes temporais, que podem nos ajudar a descobrir possibilidades de superação dessas contradições. Teatro, fotografia, cinema, animação são áreas que já trabalham com cenários hipotéticos, utópicos ou distópicos de mudanças que só conseguem ser percebidas ao longo do tempo. Daí é interessante a relevância dessas mídias, né? Que tem essas mídias e também das maneiras de usar essas mídias, né? Dos conhecimentos dessas mídias que estão documentadas nos experimentos artísticos. Então, para mim o Design Prospectivo pode aproveitar essas experiências de criação de cenários de transição em outras áreas. Um exemplo muito interessante é um TCC que eu coerentei junto com a professora Marinês do Roger Silva. Ele estudou videoclipes afrofuturistas, né? Que representavam as contradições das desigualdades ou da igualdade racial. Nesse caso tem dois videoclipes que eu destaquei aqui, o Nave da China e França e o 2 e 5 mais Cox e Ciência do Criolo, que são videoclipes muito bem produzidos, que se você olha fala "não devem nada para os videoclipes estrangeiros", mas ao mesmo tempo eles trazem, eles dialogam com a nossa realidade, o que é uma vantagem muito grande em relação a videoclipes que muitas vezes são afrofuturistas, mas que falam de realidades dos Estados Unidos, por exemplo. Tem um artigo publicado pelo Roger também muito interessante como essa questão do corpo estar presente lá da pessoa negra, mostrando que ele também é futuro, também está no futuro, abre a possibilidade da gente acreditar que o futuro também tem pessoas negras e que elas também são importantes para serem incluídas nas definições democráticas de como que a gente quer que seja esse futuro. Mas no caso da pesquisa do Roger não havia ainda uma especulação de como esse futuro de fato poderia ser criado pelo design, ele apenas documentou projetos que foram feitos por outras áreas. Essa tentativa de a partir do design imaginar futuros mais inclusivos vem a partir de um trabalho que eu fiz em colaboração com o professor Rodrigo Onzato da PUC do Paraná e aqui tem um exemplo de uma sessão de teatro do oprimido em que a gente está discutindo a utilização de próteses e o impacto que essas próteses têm nas relações de trabalho. Nos cantos esquerdo vocês veem um estudante usando uma mão de brinquedo de aço, uma espécie de uma prótese, para conversar sobre política e por exemplo a história que ele está contando e está contando essa história em primeira pessoa é que ele foi inicialmente vítima de preconceito por ter uma mão biônica, mas depois de um tempo alguns chefes começaram a se aproveitar do fato dele ter uma mão mais poderosa. No final do fato dele ter uma mão mais produtiva e rápida do que os outros e dar ele mais trabalho, mas sem necessariamente dar um salário maior. Aí depois ele se revoltou, se organizou, fez um sindicato, no final da história ele acaba virando presidente do Brasil. Muito interessante e também muito parecido com algumas histórias que a gente tem aqui no Brasil. E a gente escreveu um artigo sobre esses experimentos com o professor Gonzato que vai falar também como que esse teatro do oprimido foi fundamental para construir um documentário, seja um projeto especulativo de um futuro alternativo para Curitiba, em que Curitiba se torna a capital das próteses mundial, porque uma empresa chamada Optimus Bari, uma empresa fictícia, é óbvio, é lançada aqui em Curitiba e ela consegue produzir próteses muito fortes, muito potentes, mas também muito bonitas e muito sedutoras, que chegam a seduzir as pessoas, a cortarem os seus membros, amputarem os seus membros originais e colocarem próteses no seu lugar. Então, esse curta-metragem discute como que esse preconceito, inicialmente contra as pessoas que tenham alguma deficiência, acaba sendo um preconceito invertido, porque aí as pessoas que tem próteses começam a tentar excluir as outras. Na verdade, o vídeo acaba desconstruindo a ideia de que é um preconceito invertido, pelo contrário, eles colocam a questão muito bem colocada que é por pressões mercadológicas e trabalhistas que as pessoas sem deficiência acabam tendo que amputar seus membros, porque elas não conseguem emprego, porque só se admite pessoas com próteses no trabalho. Então, é muito interessante como essa complexidade das relações sociais consegue ser explicada num curta-metragem de apenas cinco minutos. Outro documentário bem interessante também, criado pelos estudantes em reflexão sobre o impeachment, ou melhor dizendo, o golpe, de Dilma Rousseff em 2016, eles colocaram a culpa desse golpe numa secretária eletrônica baseada numa inteligência artificial que tinha sido instalada pela Dilma para ajudar a gerenciar o trabalho no país e acabou gerenciando o trabalho dela. Essa inteligência artificial é o que cometeu a famosa decisão das pedaladas fiscais seguindo um padrão de comportamento dos presidentes anteriores, como toda boa inteligência artificial faz, reconhece o padrão pela aprendizagem máquina e reproduz esse padrão. Se você gostou disso, outras pessoas gostaram daquilo, então goste disso também. Então se os outros presidentes gostaram de dar pedalada fiscal, você também pode, presidente. Mas o que aconteceu foi que esse ato foi utilizado pelos oponentes, as oposição, no caso o PSDB e outros partidos, para colocar a Dilma para fora do cargo dela eleita democraticamente, aí sim acusando o imperialismo estadunidense, aí que é interessante porque nesse futuro a direita é contra o imperialismo, que é um futuro obviamente diferente da nossa situação atual em que a direita coaduna com o imperialismo, se não que ela é protagonista desse imperialismo dentro do nosso país no momento. E por fim, o último experimento são experimentos de teatro do oprimido pós pandemia, com o recurso Teatro Fórum, usando máscaras digitais para representar papéis de tecnologias nas nossas interações. No centro nós temos uma inteligência artificial que substituiria o trabalho de design e tornaria esse trabalho plataformizado, tal como o Uber ou outras plataformas nessa linha. Do lado esquerdo e direito nós vemos dois designers precarizados trabalhando para essa inteligência artificial e fazendo o trabalho, e na verdade não estão trabalhando para ela. A inteligência artificial simplesmente está distribuindo o trabalho para esses agentes precarizados que são escondidos e invisibilizados pela plataforma. Então a logo que é encomendada para a inteligência artificial é feita por uma pessoa em outro lugar do mundo, mas o cliente não sabe disso. E esse filme, na verdade esse Teatro Fórum, que é uma interação que a gente fez com estudantes de design da USP, levanta essa questão até que ponto a gente é opressor enquanto designer, até que ponto a gente é oprimido nas relações de trabalho. E por fim, gostaria de mencionar que a gente tem discutido esses assuntos sobre colonização, imperialismo e as possibilidades, o que o design pode fazer para contribuir para a descolonização e autonomização dos nossos projetos e das comunidades. Dentro da rede design opressão, projeto de extensão, ou melhor, uma atividade de extensão vinculada a um projeto de extensão que eu tenho desenvolvido junto com o professor Marco e a professora Cláudia aqui no departamento. Essa rede engloba vários outros grupos de pesquisa de outras universidades, tem algumas pessoas aqui presentes como a Bibiana, a Samia, que fazem parte dessa rede. E a gente tem lido um livro chamado Designs for the Pluriverse, escrito pelo antropólogo Artur Escobar. Esse livro tem sido referenciado como um dos livros mais importantes sobre design transicional, design em transição, design para transição, que é uma referência que a gente usa bastante na própria constituição do design prospectivo. Eu estou falando porque se alguém quiser estudar esse livro com a gente, estamos começando a introdução dele na semana que vem. Então sigam o link que está no bate-papo para se inscrever e participar desse grupo de estudos. Por fim, design prospectivo se baseia numa relação dialética entre cenários e infraestruturas. Eu falei aqui muito hoje sobre a importância da descolonização dos cenários, mas também é importante descolonizar as infraestruturas. Se a gente tiver um processo de descolonização combinado, nós poderemos então admirar o que o Virapinto chama de futuro do futuro. E não mais se contentar com o futuro do presente, que já foi domesticado pelo imperialismo. O que seria esse futuro do futuro? Ele configura-se pelas possibilidades de transformações sociais revolucionárias e pela realização de criações do pensamento, particularmente o exercício do poder inventivo, que determinarão novas formas de organização da sociedade e das mediações tecnológicas. Então esse futuro do futuro não é só uma continuação do presente, ele é um futuro que tem a capacidade de ser imprevisível, mas tão imprevisível que poderia se mudar todo o sistema sociotécnico e todas as relações com sistemas naturais, que é a grande ambição desse programa de pós-graduação, de design prospectivo, de pensar em grandes sistemas. Essa aqui é uma ilustração muito bacana que foi nosso colega Fernanda Bota, que está aqui inclusive com a gente hoje, voltando aí na licença maternidade, seja bem-vinda de volta, Fernanda. E a gente ainda está digerindo esse diagrama, porque tem muita coisa para debater. E vejam, o Virapinto também fala sobre transição, ele fala o seguinte, é a transição entre etapas sociais no desenrolar do processo produtivo, essa passagem a outros modos de convivência humana, expresso em novos regimes políticos, será a determinação fundamental das alterações do curso das técnicas. Então ele já posiciona que o interesse dele com a tecnologia não é para que a tecnologia seja um fim em si mesmo, mas que ela seja um meio de libertação dos regimes políticos e modos de convivência humanas opressivos, que nos impede a possibilidade de se humanizar e se tornar melhores do que nós somos. Gente, muito obrigado e vamos agora talvez a uma conversa, um debate sobre o que foi exposto.