Então, essa apresentação vai tratar da relação dos jogos como ferramentas de desenvolvimento de agência. Porém, agência é uma palavra que no design normalmente se refere a um tipo de empresa específica que é bastante intensa, tem um ritmo bastante intenso e que muitos designers às vezes têm uma certa resistência de trabalhar com esse tipo de empresa porque é um trabalho de alto risco, de curto prazo, e a agência emprega designers num âmbito de trabalho que é a comunicação através da publicidade que nem sempre os designers conseguem se desenvolver completamente ou fazer todas as metodologias que gostaria de desenvolver. Mas agência também é um nome utilizado para outro tipo de instituição que tem o papel de regular um determinado mercado. Só dois exemplos de agências reguladoras aqui no Brasil, a Anatel e a Ancine, a agência nacional do cinema, são essas agências, elas intermediam, elas não são necessariamente nem 100% governo, nem 100% mercado, elas têm representantes das duas áreas e tentam exercer um poder mediador entre os clientes e os produtores, os provedores e serviços. Então, essas organizações, elas trabalham tanto a agência de publicidade quanto as agências reguladoras para que clientes tenham agências sobre os produtores. Eu estou usando esse exemplo para revelar um pouco da importância dessa palavra agência que muitas vezes ela é tida como sendo algo que é fixo, a agência enquanto uma estrutura que institucionaliza e se fixa, mas a agência na teoria da atividade ela tem a ver com o papel que essas empresas desempenham, que essas organizações desempenham, papel de intermediação da ação. Isso não é restrito apenas às empresas, às organizações, qualquer pessoa ou coletivo humano pode ter agência sobre outra pessoa ou sobre outro coletivo. Então, desrespeita a capacidade de agir, agência desrespeita a capacidade de agir de um determinado sujeito individual coletivo e essa capacidade de agir está constantemente sendo negociada e transformada. A delegação ou usurpação de agência de um sujeito para outro se chama relação de poder. A teoria da atividade é uma teoria que estuda a ação mediada há muito tempo, mas só muito recentemente ela começa a discutir relações de poder através desse conceito de agência transformativa, que refere-se a capacidade de transformar relações de poder. Então a relação de poder é basicamente utilizar a ação de outrem para expandir a sua própria ação. Esse conceito está sendo desenvolvido pelos pesquisadores finlandeses, que também são chamados da Escola Finlandesa da Teoria da Atividade, a partir de uns dez anos para cá. A Annalisa Sanino é uma das líderes desse movimento, ela escreveu um artigo em 2015 e um recentemente publicado em 2020 em que ela desenvolve melhor esse conceito de agência transformativa, que ainda não está completamente consolidado, mas que aponta caminhos muito interessantes para pensar o papel dos jogos na transformação da sociedade. Em primeiro lugar, eu quero relembrar alguns conceitos fundamentais de teoria da atividade, que na verdade é uma abreviação para teoria histórico-cultural da atividade. Ela define que fenômenos humanos não são naturais, eles são culturais e históricos. Portanto, a agência transformativa não é uma capacidade natural dos animais e do ser humano. Algumas pessoas às vezes utilizam exemplos como da revoada dos pássaros e a liderança que um pássaro exerce lá na frente, como ele tendo uma relação de poder sobre os outros pássaros, mas isso na visão da teoria da atividade seria um antropomorfismo, você explicar o comportamento dos animais que não têm funções superiores cognitivas a partir de uma perspectiva humana. Os pássaros têm outras dinâmicas que explicariam porque que um pássaro vai na frente dos outros, mas uma coisa que é essencialmente diferente dos seres humanos é que por mais que um ser humano possa desempenhar o papel de liderança num coletivo, essa liderança, a forma como ele vai exercer as relações de poder podem ser transformadas. Por isso que os pássaros não têm, pela teoria da atividade, capacidade de transformar suas agências. Eles estão presos aí em extintos, em processos de relações que estão determinadas muito pelo seu genes, já os seres humanos têm uma capacidade incrível de transformar os seus genes, as suas determinações naturais através da cultura, através da história. Aqui está um exemplo de que a agência está vinculada a um momento histórico e cultural de uma determinada sociedade. As sociedades capitalistas têm uma, tradicionalmente, uma hierarquia em que o capital está no topo. O capital e as necessidades do capital são as predominantes dentro de uma hierarquia capitalista. Depois você tem aqueles que são os governantes, que podem ser uma realeza, mas podem ser também governantes eleitos. Aí você tem o clero, que propaga ideologias, podem ser diferentes religiões. E você tem os militares logo abaixo, que são aqueles que punem as pessoas que não seguem as determinações que está lá em cima. Essa é a visão estratificada da sociedade, bastante simplificadora do processo de negociação e transformação dessa agência. Mas é um papel, desculpa, é um panfleto que visava motivar os trabalhadores a se organizarem para destruir e transformarem essa estrutura de poder colocando um outro tipo de modelo econômico e político para uma sociedade. Eu não vou entrar no mérito qual modelo é melhor, porque não é essa discussão que agora, mas o ponto é, o modelo pode ser transformado e essa transformação das relações de poder é o que se chama de agência transformativa. Essa agência transformativa não se resume apenas a mudanças em grandes organizações que acontecem na fase adulta, como governos e sistemas econômicos, mas ela também se desenvolve em pequenas associações e organizações que os seres humanos já constituem na sua fase de infância, no seu desenvolvimento juvenil. Então os seres humanos precisam aprender a lidar com a agência e com a agência transformativa desde a eternidade, porque a sociedade humana é uma sociedade dinâmica que está em constante transformação. E os jogos, as brincadeiras e os brinquedos são ferramentas essenciais para as crianças aprenderem a agir neste mundo complexo que exige negociação. Então aqui a gente vê uma imagem bastante do século 19, se não me engano, ou 18, em que as crianças já estão brincando de jogos e já tem uma relação de poder das crianças menores e maiores, que as maiores normalmente dominam as habilidades para jogar esses jogos e a partir disso elas estabelecem uma liderança sobre as outras crianças, que são mais jovens. Mas isso pode também ser reconfigurado dependendo do jogo. Às vezes uma criança mais jovem é melhor do que uma criança mais idosa no mesmo jogo ou no outro jogo e se inverte a essa relação. Isso são momentos em que as crianças estão aprendendo a transformar suas relações de poder a partir de uma ferramenta externa, que pode ser o brinquedo, brincadeiras e jogos. Esse conceito de brincadeiras, brinquedos e jogos deriva da teoria da atividade, como eu mencionei, eu vou rapidamente mencionar, resumir a teoria da atividade em apenas um slide segundo Vygotsky, que escreveu lá no começo do século 20 e estudou o processo de formação de conceitos, da formação da linguagem dentro do desenvolvimento do pensamento humano, ele percebeu que inicialmente os bebês não nasciam com a habilidade de falar e eles precisavam desenvolver essa habilidade e os primeiros signos que eles dominavam não eram nem os signos da fala, mas os signos baseados em gestos. Então o bebê, inicialmente, faz vários movimentos, aí sim, muitas vezes motivado por um instinto e esses movimentos não tem um significado para ele inicialmente, não tem uma intenção muito clara. Mas quando a mãe responde a um movimento aleatório que o bebê fez e esse bebê percebe que existe uma relação entre o movimento que ele fez, que é de apontar algo que a mãe interpretou como apontar, e um brinquedo que vem para a mão dele, para ele poder examinar, ele começa gradualmente a aprender que os gestos têm significados e ele domina aquele signo do apontar e ele pode usar, inclusive, para direcionar outros atores dentro do seu círculo social, como por exemplo uma vovó. E aí com isso ele começa a manipular ou influenciar o comportamento das outras pessoas ao seu redor. Esse processo é descrito como, na primeira fase, internalização de signos, porque os signos já existiam no apontar na sociedade, ele internalizou, mas aí existe um processo de externalização quando a criança dá o próprio significado e usa esse apontar para construir não só as suas ações, mas também uma personalidade dentro da sociedade. Mas pode, de maneira bem simplista, denotar uma personalidade de uma criança que está se impondo aos adultos, está querendo aproveitar-se da disponibilidade dos adultos, ou uma criança que negocia ou está mais aberta, ou ela incorpora esse gesto de apontar como uma ordem para as ações dela também. Então a internalização e a externalização são os processos básicos que a teoria da atividade vai tratar. Como que a atividade cognitiva, as funções superiores da cognição, se constitui a partir da interação com as outras pessoas em sociedade e como essas atividades sociais se transformam a partir da cognição individual e dos signos externos que a pessoa vai colocar no mundo, principalmente através de ferramentas. Então o signo posto em ação tem um ou mais motivos que são constituídos a partir de sentidos pessoais e significados sociais. A teoria da atividade trabalha sempre com uma dialética, indivíduo, sociedade que se manifesta através de motivos que são muitas vezes conflituosos. Por um lado eu quero fazer isso, por outro lado eu tenho que fazer aquilo que a sociedade me exige. Então uma mesma ação pode ter vários motivos, o meu motivo intrínseco, o motivo extrínseco de outras pessoas e aí isso vai gerar uma necessidade muito grande de aprender a lidar com conflitos de motivos para exercer uma atividade social. A criança percebe, ela observa a atividade social dos adultos e das demais crianças que estão ao seu redor e ela percebe que ela precisa engajar-se nessas atividades para compreender porque que as pessoas fazem o que fazem, ou seja, os motivos da atividade. Esses conflitos de motivos muitas vezes vão fazer a criança, vão prevenir que a criança haja. Por exemplo, a criança está interessada no roubo enquanto uma atividade humana, mas os pais dizem "você não pode roubar" e aí a criança fica naquele conflito de motivos. Ela quer entender o que é roubo, o que as pessoas roubam e o que tem de legal e o que tem de risco em roubar. Então o que a criança faz? Ela brinca que está roubando. Ela vai lá roubar alguma coisa, se o pai ou mãe chama a atenção, ela diz "eu estava só fazendo uma brincadeira". A criança já percebeu que o signo da brincadeira pode ser usado para permitir acesso a outros signos mais complexos que estão envolvidos em outras atividades, como por exemplo o roubo. Já no caso do assalto, a criança se quiser assaltar uma outra pessoa, ela vai precisar de uma ferramenta, uma arma, mas essa arma não está disponível para ela. Os adultos normalmente não deixam essas armas acessíveis para as crianças e se eles descobrem que a criança teve acesso, eles punem essa criança. Então a criança pode criar um brinquedo para dar um apoio a essa brincadeira e ela imaginar a situação do assalto para entender o que está em jogo no assalto. Por que os adultos colocam tanto frisson em cima dessa atividade? Por que ela é tão perigosa? O que é vida e o que é morte? Por que a morte está em jogo durante um assalto? E a partir da brincadeira, as crianças vão aprendendo o significado dessas ações. As crianças vão portanto expressar valores culturais da sociedade que vem através dos significados das ações, mas elas vão também subverter esses significados e transformá-los a partir dos seus pensamentos, das suas reflexões. Quanto mais livres as crianças estiverem para brincar entre si sem supervisão de adultos, mais elas irão subverter os valores da cultura adulta que elas observam e construir a sua própria cultura de criança, muitas vezes em oposição ou em chacota à cultura dos adultos. Dessa maneira, as crianças vão criando percepções, visões pessoais que vão criando também sementes para mudanças culturais que vão acontecer na idade adulta quando essas crianças puderem externalizar novas ferramentas e transformar as atividades sociais quando elas tiverem relações de poder e poderem transformar o seu entorno. Por enquanto, enquanto crianças elas se limitam a experimentar transformações no âmbito das suas relações, do seu círculo social e são mudanças ensaiadas. Quando eu era criança, eu brincava com outras meninas, eu percebia que as meninas elas tinham uma brincadeira peculiar de que as bonecas elas mandavam nos bonecos, elas eram donas de casa, mas elas eram também trabalhadoras, super bem sucedidas e os homens tinham que ficar cuidando da casa sem poder trabalhar, sem poder ir para as suas aventuras, os bonequinhos masculinos. Isso era uma inversão de uma relação de gênero que elas vinham nas suas casas, porque na época em que eu era criança ainda não existia uma emancipação completa das mulheres aqui no Brasil, pelo menos na cidade onde eu nasci, no Rio de Janeiro, e eu acho que hoje em dia ainda também não se goza desse direito de emancipação. Portanto, as crianças brincam com possibilidades futuras que elas podem tentar e experimentar quando elas se tornam adultas, conforme elas vão crescendo. Então a criança aprende a manusear ferramentas para desenvolver agência sobre o mundo humano, este mundo que é, lembrando, mediado por ferramentas, signos que têm um significado, que se você não compreende o significado, as suas ações não vão ter os efeitos que você busca. Já o brinquedo, agora vamos entrar numa diferenciação entre brinquedo, brincadeira e jogo. Essas palavras nas traduções da literatura de Vigotsky, Elkanin, Leontiev e outros que estão nesse cabedal dos cânones da teoria da atividade, infelizmente sofrem de um problema que no russo é uma única palavra. "Igra" ele serve para brinquedo, brinquedo e brincadeira. Mas no português temos três palavras que ajudam a gente a distinguir esse fenômeno e eu vou arriscar fazer uma tradução minha que é diferente das traduções dos textos publicados em português, que são bastante confusos. Na minha leitura de Vigotsky, brinquedo é uma ferramenta que a criança se apropria para apoiar a sua brincadeira. Isso normalmente é dominante quando a criança ainda é um bebê ou quando ela está na fase que no inglês é chamada toddler, que esse bebê está começando a se transformar uma criança. Eu gosto de chamar de pré-criança, que é a fase que o bebê ainda não tem total independência, eu chamo de pré-criança. E a pré-criança usa o brinquedo para entender os motivos das atividades dos adultos. Os adultos trazem esses brinquedos, eles são uma espécie de sondas com uma espécie de significado cultural que o bebê ou a pré-criança precisa investigar. Então no caso do carrinho de brinquedo, ele cristaliza o motivo da mobilidade, que é tão importante para tantas atividades que as pessoas que vivem em sociedades urbanas têm um grande desempenho. Já o autorama não é um brinquedo apenas, ele também é um jogo, porque além de ter cristalizado o motivo da mobilidade, ele tem os motivos da competição, eles têm o motivo do passar de uma pessoa para trás, ele tem o motivo do desempenho através da habilidade de você controlar um recurso que está na sua mão, que é a energia elétrica, a descarga elétrica que você aperta, o carrinho vai mais rápido, mas às vezes você precisa parar de apertar o botão quando ele vai entrar numa curva para ele desacelerar e você não perder o seu carrinho para fora do tríbulo. Então existem vários motivos do jogo e esses vários motivos estão em conflito. Aqui rapidamente existe o motivo entre um jogador e outro, no motivo de um jogador quer vencer outro, também quer vencer, só que o jogo só permite que um vença porque ele mistura quem passa primeiro na linha de chegada. Existe também o motivo de você acelerar o mais rápido possível, existe o motivo de você não acelerar demais para não cair para fora daquela rampa, desculpa, da estrada, e a estrada é feita para colocar você nesse limite para que você várias vezes esteja numa situação que você sente vontade de acelerar numa reta, de repente vem uma curva e você tem que fazer essa transição e isso exige um domínio fino daquele controle. Então existe aí mais um outro motivo entre dominar o jogo de maneira lógica e dominar o jogo de maneira motora e aí está o grande desafio que o Autorama propõe. O Eucânio é um psicólogo que continuou os trabalhos do Vigotsky, escreveu bastante sobre teoria do jogo, tem um livro traduzido em português que é "A psicologia do jogo", talvez o livro mais completo na teoria da atividade hoje sobre esse assunto, mas ele não aborda todos esses elementos que eu estou trazendo aqui, porém vale citar porque é uma referência importante para nós. Os colegas nos dias anteriores, a Dani e o Luis Cláudio, evitaram de definir o que é jogo, mas eu gosto de definições depois de fazer bastante pesquisa, eu acho que eu já tenho uma definição que funciona para essa discussão, que é o seguinte, jogo é um sistema de signos caracterizado por vários conflitos de motivos que podem ser vividos pelos jogadores através de uma situação imaginária. O jogo é diferente do brinquedo porque o brinquedo normalmente ele é um signo ou uma ferramenta, já o jogo tem uma série de signos que tem uma relação com a outra para gerar potenciais conflitos de motivos entre os jogadores. E existe um elemento novo que a gente não tinha falado ainda que é a situação imaginária, o jogo ele vai criar uma atividade que é imaginária, que muitas vezes vai fazer referência ou se não vai ser uma reprodução mais realista possível de uma atividade que existe no mundo dos adultos, por exemplo, o jogo que simula, por exemplo, a corrida de carros, que é uma atividade que existe, mas no autorama ela acontece de maneira imaginária. Essa situação imaginária ela reproduz a atividade a partir de significados compartilhados pelos jogadores, então o jogo faz sentido para os jogadores individualmente porque existe um significado compartilhado numa atividade conhecida que é reproduzida através da situação imaginária, então é um processo cognitivo, coletivo, não é um processo individualizado. Por exemplo, aqui no caso temos a atividade de manejar um barco pirata com a divisão do trabalho, cada personagem está fazendo uma coisa diferente, você tem lá a pessoa que fica vendo onde nós estamos, que grita terra à vista, nós temos o pirata que vai lutar contra os inimigos, que vai capturar os tesouros dos inimigos que forem se aproximando e nós temos lá o timoneiro que cuida de para onde está indo a direção da embarcação. Essa brincadeira tem os elementos principais da atividade, mas utiliza uma rede como base infraestrutural, como uma ferramenta para a atividade da situação imaginária e essa situação imaginária precisa ser compartilhada, as crianças precisam entender o que é a atividade dos piratas minimamente para poder entrar na brincadeira, caso uma criança não saiba outra criança vai lá e ajuda ela a entender do que se trata essa atividade, a partir do momento que elas estão imersas nessa situação imaginária elas atuam como se fossem piratas de fato. Porém essa situação imaginária não é igual, normalmente ela é uma miniatura da atividade original, ela só vai reproduzir os aspectos mais característicos daquela atividade. E aqui eu trago um exemplo fantástico da Holanda que tem uma cidade miniatura dentro de uma cidade de verdade, então existe a cidade Aya, que é a capital política da Holanda e existe uma cidade miniatura dentro dela que se chama Madurodã. Dentro de Madurodã existe representações dos principais locais da Holanda, locais culturalmente ou politicamente ou tecnicamente interessantes para a Holanda representar como se fosse um micromundo para as suas futuras gerações e também para as gerações mais idosas. Então as pessoas quando visitam Madurodã elas veem uma espécie de microcosmo do que é a Holanda. E a Holanda ela tem uma preso como uma característica cultural, a criação de miniaturas, de modelos e também de jogos. Eles jogam muito e eles brincam muito, é uma cultura bastante jocosa assim. E sempre com essa visão de criar coisas pequenininhas. Se você voar pela Holanda, passar de avião, você vai olhar de cima para baixo e você vai achar que você está olhando para uma miniatura, porque é tudo, mesmo as cidades são construídas com essa lógica de sistemas de signos, tudo é muito interconectado, tudo é muito pensado de maneira racional, tudo muito primor, tal como as miniaturas de Madurodã. Só que a situação imaginária, lembrando, ela não é só uma miniatura linda das coisas estáticas como é Madurodã. A situação imaginária do jogo, ela tem uma diferença da miniatura estática que ela tem um conflito de motivos. Pode ter vários, mas o que eu vou destacar aqui, que é o conflito fundamental e que tem a ver com a agência transformativa, é o conflito entre um indivíduo ser um personagem no jogo e ter uma personalidade social que é percebida pelos outros jogadores. E quando ele está atuando como personagem, às vezes existe dúvida se ele está atuando como personagem ou usando a personalidade dele, ou desenvolvendo a personalidade, manifestando a personalidade dele dentro do jogo. E essa ambiguidade que não se resolve com uma fala do tipo "estou só brincando, na vida real não sou assim", as pessoas continuam desconfiadas. Essa ambiguidade é fundamental para o sujeito construir essa personalidade e transformá-la, porque é como uma espécie de espelho dinâmico da sua personalidade que se cria no jogo e que você pode moldar esse espelho diferente do espelho visual que a gente vê na parede. Então aqui você pode se ver enquanto personagem, se ver enquanto personalidade e fazer essa transição. Você pode pedir para parar o jogo, interromper o chamado círculo mágico e fazer uma reflexão. E eventualmente os jogadores fazem isso, principalmente quando terminam o jogo. Quem trata muito desse assunto, esse não é um assunto muito discutido na teoria da atividade, é o Augusto Boal e a teoria do teatro do oprimido. E especificamente o arco-íris do desejo, que é uma das técnicas que ele utiliza, trabalha muito esse conflito entre personagem e personalidade e uso de jogos dramáticos como uma ferramenta para entender e desenvolver a personalidade. Aqui tem uma pergunta da Pietra Secco, ela está perguntando assim "a principal diferença entre brincadeira e jogo seria que a primeira envolve mais de um signo?" Bom, eu acho que não seria tão simples essa diferença. A brincadeira aparece num momento genético da formação do sujeito, da personalidade, que é justamente nessa transição pré-escolar, da pré-criança para se tornar uma criança, a brincadeira de papéis. O jogo já é mais característico do ingresso da criança nas atividades sociais como a escola, e aí o jogo tem uma série de signos formalizados tal como tem a escola. Então tem uma relação com o momento histórico-cultural que o sujeito se encara quando ele tem que lidar com instituições. Mas eu não vou querer elaborar muito em cima disso porque são questões de classificação e taxonomia que não me interessam tanto, eu quero mais posicionar o conceito de agência transformadora. Então eu vou voltar aqui à apresentação, daqui a pouco eu paro, se vocês quiserem fazer perguntas para o vídeo, acho que fica mais fácil. Então voltando para a apresentação, essa imagem que vocês estão vendo dos colegas jogando tabuleiro e jogando para cima o banco imobiliário, que é um jogo que às vezes causa um conflito de motivos tão forte, tão forte que as pessoas querem destruir o jogo, e acabam até às vezes ficando outras pessoas que não, que estavam ganhando, ficam chateadas com quem destruiu e jogou para cima o tabuleiro. Mas existe um elemento aqui que a teoria da atividade não discute tanto, mas que o estudo de jogos discute e que uma outra teoria, a produção do espaço complementa, é a questão do espaço de possibilidades. O espaço de possibilidades que você tem em um jogo vai estimular os conflitos de motivos. Então dentro do banco imobiliário existe a possibilidade de uma pessoa ficar rica e outra pessoa ficar pobre, e a pessoa pobre ficar tão pobre que ela vai a falência dando todo o seu dinheiro para os ricos. E essa situação é o que normalmente gera o conflito de motivos entre uma pessoa que está se sentindo humilhada por ter que pagar o aluguel de uma pessoa que é dona do monopólio, e aí está a graça do jogo, ou talvez a desgraça do jogo, que também é uma desgraça real. O monopólio não é só uma brincadeira, ele existe e ele tem alguns elementos que foram simulados nesse jogo, embora de maneira muito simplificada. Jogos mais complexos, como o 1830, que é um jogo de tabuleiro extremamente complexo que eu joguei quando estava na Holanda, ele traz então o espaço de ação de uma atividade real para dentro do espaço de possibilidades do jogo. O Banco Imobiliário é muito simplificado da maneira como ele representa o mercado imobiliário. Já o 1830 é muito mais próximo de um mercado ferroviário liberal do que o Banco Imobiliário. Então às vezes algumas pessoas chamam de simuladores esses jogos, mas eu não acredito que o 1830 chega nesse nível. O 1830 é um jogo complexo, avançado para quem já jogou vários outros jogos de tabuleiro, e o interessante é que ele consegue reproduzir a dinâmica de você construir uma empresa de ferroviária, você construir a malha ferroviária dessa empresa e você competir com outras empresas que também estão construindo malha ferroviária. Você decidir se vai conectar com essas outras empresas ou não e você vender ações dessa empresa de modo que os jogadores começam a criar conflitos de motivos, porque o mesmo jogador pode ser dono de porcentagens de diferentes empresas que estão em atuação e você fazer uma ação que vai prejudicar uma empresa que você é dono para beneficiar uma outra empresa que você ainda não é dono, mas que você quer ser dono através de uma jogada na bolsa de valores. Tudo isso acontece nesse jogo e por isso eu acho ele tão interessante. Em um artigo que a gente publicou na Simulation Games junto com uma colega no doutorado, a gente detalha como que existe essa transposição do espaço de uma atividade e das suas características para o espaço de possibilidades do jogo, até que ponto você consegue representar esse espaço de ação. O que a gente destaca nesse artigo, na verdade, desculpa, em outro artigo, na minha tese, eu vou destacar que essas contradições que estão presentes no espaço se manifestam como conflitos de motivos entre os jogadores e por jogar um jogo como 1830, eu no caso tive a oportunidade de entender as contradições básicas do capitalismo e como se reverte no design de infraestrutura social, como a estrutura ferroviária. O resultado de um jogo 1830 é uma malha ferroviária extremamente ineficaz para os passageiros e extremamente lucrativa para as empresas, porque esse jogo simula um mercado totalmente liberal, sem nenhuma regulação do governo. Todos os conflitos de motivos que aparecem através da contradição, dentro da teoria da atividade, eles são trabalhados através de um fenômeno chamado dupla estimulação, que como eu disse foi recuperado pela Ananisa Sanino, é um conceito lá do Vigotsky, que ela recuperou em 2015 e que ela desenvolveu num nível muito avançado em alguns artigos que saíram este ano. Então como eu estava falando, conflitos de motivos são superados pelo fenômeno chamado de dupla estimulação. Esse fenômeno está se tornando talvez um dos principais princípios básicos da teoria da atividade. Ele não era quando o Vigotsky formulou esse conceito lá no "Formação Social da Mente", que é um livro que ele escreveu no começo do século XX. Ele era um elemento da teoria dentro de vários outros conceitos, mas que agora com o trabalho dessa escola finlandesa, em especial o trabalho da Ananisa Sanino, que foi verificar nos documentos muitas vezes, cartas que foram publicadas só muito recentemente, que para o Vigotsky a dupla estimulação era muito mais importante do que se imaginava. Então o que seria, eu vou fazer um jogo aqui simulado bem rápido, imagine que vocês estão jogando esse jogo, porque eu quero só dar um exemplo rápido mesmo, mas imagine que eu mostrasse essa imagem para vocês e eu perguntasse "Que bicho é esse?" Esse é o jogo. Eu mostro uma imagem e pergunto "Que bicho é esse?" Por que isso aqui é uma dupla estimulação? Porque por um lado tem uma imagem que é ambígua, essa imagem pode parecer uma coisa, pode parecer outra. Não vou dizer o quê, talvez alguns já saibam do que se trata, talvez outros já tenham visto essa imagem no passado, talvez outros tenham visto coisas que se pareçam com essa imagem. Mas quando eu digo "Que bicho é esse?" eu já estou estabelecendo um conflito de motivos. Eu estou dizendo "Essa garatuja preta em cima do fundo branco é um bicho, mas pode ser um bicho ou pode ser outro bicho". E eu sei quais são os bichos que podem estar representados aí, daí está o conflito de motivos. Eu sei que umas pessoas vão ver um bicho, outras pessoas vão ver outra. Se eu perguntar numa sala de aula "Levante a mão", quem está vendo aí um pato, metade da turma vai levantar a mão. Se eu perguntar "Quem está vendo um coelho?", outra metade vai perguntar. E aí, de repente, aparece algum ser criativo dentro da aula que fala "É um patoelho, professor!" e já promove aí uma superação daquele conflito de motivos, respondendo a pergunta de um jeito que poderia ser considerado incorreto. Patoelho não existe, mas o patoelho existe a partir do momento que foi formulado esse conceito e pode vir a existir futuramente em outros momentos. Então o sujeito criativo deu sentido àquele estímulo ambíguo e usou para lidar com o estímulo conflituoso que estava configurado na minha pergunta. Então ele pegou a imagem, deu um sentido pessoal, misturou a experiência de pato e patoelho, viu as duas coisas na mesma imagem, entendeu a situação conflituosa criada ali na sala de alma e disse "Patoele". Esse jogo ou essa solução típica da dupla estimulação, que é o híbrido, que mistura elementos dos dois motivos, ele é explorado num livro para crianças muito bacana que eu li quando era criança e que me lembro até hoje, super influente na minha maneira de ver o mundo, que é o "Quiorta". E esse livro ele vai contando a história do zimpão e do zimpolio, que são dois frades que estão experimentando hibridação de sementes e descobrindo as maravilhas da manipulação genética. Esse livro é inspirado na história da genética mesmo que foi realmente desenvolvida muito por conta de descobertas de frades, de pesquisadores dentro da igreja no século XIX, mas o livro vai muito além do que era possível naquela época. E ele imagina, por exemplo, o rabanete com tomate, o rabamate, e o pepino com agrião, pepe-grião. E esse livro para mim ele era muito estimulante porque ele me deixava à vontade para imaginar novas palavras, criar novas palavras e imaginar novos significados, novos sentidos para essas palavras. Ele me dá uma sensação de que eu era também um produtor de linguagem, eu não era apenas um usuário dessa linguagem, mesmo sendo uma criança, mesmo sabendo, conhecendo tão poucas palavras, eu poderia criar novas palavras que ninguém mais conhecia. Esse é um processo de dupla estimulação que ao ler esse livro eu pude utilizar na minha vida em várias situações diferentes, inclusive na elaboração do exercício anterior aqui do patoeiro. Agora, por trás desse conflito de motivos, existe algo mais profundo. A teoria da atividade é uma teoria que deriva da teoria marxista, que é uma teoria que acredita que a sociedade se move a partir de contradições que estão acumuladas e muitas vezes não são conhecidas e que geram diversos conflitos na sociedade. A contradição básica, primária, que Marx analisou, é a contradição entre burguesia e proletariado, contradição de classes. Mas pesquisadores posteriores, em especial Engels, que era um colega dele, e a própria teoria da atividade, vão falar de uma contradição que está mais profunda ainda, que está relacionada com o domínio da natureza pelo homem. O homem, por um lado, precisa dominar a natureza para se manter, por outro lado, ao dominar a natureza, muitas vezes ele destrói essa natureza e ele reduz os seus recursos futuros para poder sobreviver. Então essa relação de dominação da natureza e, ao mesmo tempo, de criação de uma segunda natureza, que é a natureza do ser humano, e, por outro lado, a possibilidade dessa segunda natureza canibalizar a primeira natureza, é uma contradição, uma contradição primária do ser humano com a natureza, segundo teóricos como o Vigodes, e o próprio Álvaro Vieira Pinto, que é um filósofo brasileiro que fala sobre a relação do homem com a tecnologia, eu concordo que essa contradição é muito forte, ela está na gênese desse conflito de motivos que tem a ver com a relação com a gente lida com aquilo que nos vem de fora, com a natureza, no caso da linguagem, no caso do pepegrião, aquilo ali é uma natureza, segunda natureza, pepino com a grião, segunda natureza, pepegrião, a linguagem. Então a gente está sempre lidando com essa contradição, e essa contradição se desdobra de diferentes maneiras ao longo da nossa história, ela não é a mesma. Isso é algo que eu trabalho bastante na minha tese de doutorado, eu falo que contradições acumulam na história, mas também acumulam no espaço da sociedade humana. E esse insight da contradições do espaço eu trago de um filósofo e sociólogo também marxista, Henri Lefebvre, que não está no cabedal da teoria da atividade, mas que eu trouxe a partir da minha tese, eu não vou discutir muitos detalhes aqui porque isso iria caminhar a discussão para um outro lado, mas eu vou voltar para a discussão de agência transformativa, que quando essa contradição é superada, existem saltos qualitativos no desenvolvimento da agência, se torna possível fazer coisas que antes eram impossíveis, e não só para um indivíduo, mas para toda a humanidade. A manipulação genética, terapia genética, a engenharia genética, ela permitiu o homem transformar a segunda natureza através da primeira natureza. Então tudo que era considerado natural pode hoje se tornar artificial, porque a gente pode hoje, com as tecnologias que já estão disponíveis, inclusive modificar genes de seres vivos, adultos, e a terapia genética consegue modificar através de uma técnica bem recente chamada CRISPR, através de um processo lá que envolve um vírus geneticamente modificado para modificar o genes das células dentro do seu corpo, pode ser hoje utilizada para tratar doenças genéticas, mas no futuro pode ser utilizada para modificar completamente o organismo. Aqui tem um poder gigantesco que ainda muitas pessoas não entendem como funciona, que provavelmente vai trazer muitos dilemas éticos, mas em especial conflitos políticos sobre quem tem o direito e que tipo de alteração pode ser realizada sobre o DNA. Tem uma discussão já existente sobre os tais designers babies, que são bebês projetados, mas existem muitas possibilidades, por exemplo, de aplicação da terapia genética para fins de eugenia, de melhoria da raça humana, e de novo a gente poder voltar em situações parecidas com o que a gente experimentou durante a Segunda Guerra Mundial com a ascensão do nazismo. Então, essa superação de contradições provocam mudanças drásticas na atividade. Isso é previsto dentro da teoria da atividade com o conceito dos planos genéticos que a Dani apresentou ontem e que eu não vou entrar em detalhes, isso é um conceito muito avançado dentro da teoria histórico-cultural da atividade, mas que é importante para nós porque uma mudança que acontece num indivíduo, ela pode também se propagar para toda a humanidade. Então pode acontecer de uma mudança de um gene, de uma pessoa só, ao longo de muitos anos de reprodução sexuada, se espalhar por toda a humanidade. Isso aconteceu, no passado nós tivemos alguns primatas, um primata que foi um ancestral em comum que deu origem a homo sapiens. Ele teve uma mutação genética e isso transformou a filogênese. Agora imaginem vocês, o ser humano tendo a possibilidade de transformar o gênese em larga escala através de processos técnicos, as possibilidades da ontogênese transformar a filogênese, quer dizer, numa vida você conseguir transformar a história da humanidade, se transformou numa questão muito real. A evidência que o Vigots, que utilizava para sugerir esse ponto, e é muito interessante para nós também, é que no desenvolvimento do embrião humano você tem uma similaridade visual do desenvolvimento dos seres vivos dentro da escala darwiniana. Então dentro da escala darwiniana os primeiros organismos, os mais simples, unicelulares, são equivalentes ao zigoto, depois quando o zigoto se desenvolve, começa a ter algumas células, começa a se diferenciar, já tem os organismos multicelulares. E aí o embrião humano se desenvolve mais algumas semanas e ele começa a parecer um réptil, se você for olhar na semana 15, 16, ele parece um réptil. Depois ele começa a parecer mais com um mamífero com cauda, e aí depois essa cauda vai recidindo, vai se transformando na coluna vertebral e vai desaparecendo aquela cauda. E aí se tornando essa forma mais antropóide que a gente tem hoje. Então esse desenvolvimento da espécie humana, ele se reproduz novamente dentro da ontogênese a partir desse estudo. É claro que isso aqui é uma analogia que o Vigots está usando para mostrar que, por exemplo, quando a criança está se desenvolvendo, ela também está reproduzindo a história da humanidade. Então quando ela aprende a dominar o signo da escrita, ela também está fazendo algo que a humanidade fez no passado. Então isso é uma teoria muito interessante que eu também não vou aprofundar muito, mas vou trazer de novo para o nosso contexto do uso de jogos. Os jogos eles permitem criar uma microgênese, que haja uma gênese de novos comportamentos, novas atividades, você pode transformar suas relações de poder através dos jogos. E assim como a ontogênese reproduz e transforma a filogênese, que é a história da humanidade, um indivíduo reflete a história da humanidade, também a ação de um indivíduo pode reproduzir e transformar a ação ou a atividade social de uma sociedade, que é o equivalente à sociogênese. Então aqui eu trago o exemplo da alimentação. A escolha que você faz todo dia no seu cardápio, do que você vai comer, ela vai ter um impacto gigantesco na sociedade, porque ela vai demandar ingredientes que vão ser produzidos por outras pessoas, por atividades, numa cadeia produtiva que envolve dezenas, se não centenas de pessoas. Isso vai ter um impacto nos mercados, na economia, na política, mas também na ecologia, no meio ambiente. Então existem vários impactos e mudanças que são causadas pelo ser humano no nosso mundo que têm a ver com a nossa maneira de se alimentar. Eu destaco aí o consumo de carne bovina em grande quantidade, que no caso do Brasil, está associada às queimadas no Pantanal, na Amazônia, por conta de uma crença de que o boi pode ajudar a proteger a Amazônia, da teoria do boi bombeiro, que é um absurdo, porque já foi provado que quanto mais bois em uma determinada região, maior o número de queimadas. Isso estatisticamente demonstra. O que está acontecendo? Estão sendo derrubadas as florestas para colocar pastos, para produzir carne, para passar por toda uma cadeia produtiva que vai gerar lucro, para colocar na sua mesa para você comer a carne. Se você recusar você comer carne, naquele momento você vai estar prejudicando essa cadeia produtiva e provocando uma mudança que, se se propagar em larga escala, pode de fato mudar o nosso padrão de ocupação do solo e preservar a natureza. Eu falo isso porque eu tenho essa experiência de ser um vegetariano já há quase 30 anos e ver como aumentou muito o número de vegetarianos nos últimos anos. Isso é só um exemplo que eu estou destacando como uma ação individual pode transformar uma sociedade. E aí aqui temos uma visão de que o desenvolvimento dessa agência transformadora pode só mudar o mundo como ele está, ele pode também criar novos mundos. Existe aí toda uma discussão na antropologia do desenvolvimento, que é uma teoria que não tem muito a ver com a teoria da atividade, mas que eu trago aqui porque ela traz o conceito de "pluriverso", que é um conceito que vem das sociedades indígenas da América Latina e que expresso na frase "por o mundo que caem outros mundos" a frase zapatista dos guerreiros zapatistas que lutaram pela liberação da Nicarágua e que expresse essa ideia de que você pode ter um mundo descolonizado, que você não precisa impor o mundo europeu, o mundo do norte global sobre o sul global, você pode ter vários mundos com diferentes atividades acontecendo. Então acho isso um potencial muito grande que os jogos nos trazem e que depende do desenvolvimento dessa agência transformadora. Isso aqui é só uma breve parêntese dentro de um outro programa de pesquisas que eu não trabalho só com teoria da atividade, eu também trabalho com antropologia do desenvolvimento, Paulo Freire, Frantz Fanon, Bell Hooks e outros autores que estão trabalhando a questão da opressão e a libertação dessa opressão em especial a colonização. Mas fechando parênteses, eu vou mostrar agora alguns exemplos de jogos que estão ajudando a criar novos mundos introduzindo ferramentas abstratas para lidar com contradições concretas. Eu trabalho com várias linhas diferentes de jogos, vou mostrar um exemplo só de cada, esse aqui é um jogo sério, o Hospital Expansivo, é um jogo que reproduz contradições que eu estudei em projetos de construção de hospitais, então quando as pessoas que trabalham com isso jogaram o meu jogo, elas confirmaram, essas contradições são reais, isso existe mesmo, isso acontece como por exemplo a necessidade de você balancear a eficiência de operação do hospital, a eficiência administrativa do hospital e a qualidade da experiência oferecida para o usuário, não são tão fáceis de articular esses dois motivos e o jogo deixa isso bem claro e evidente. Também trabalho com jogos conceituais, são jogos que testam teorias de design, aqui nós temos o jogo silencioso que eu jogo normalmente com meus estudantes da disciplina de design de jogos educacionais, uma disciplina que eu costumo dar em parceria com o professor André Bataïola aqui na UFR, parte do PPG Design, e nesse jogo silencioso cada jogador vai colocando uma pecinha de Lego sem dizer qual a intenção e o outro jogador tem que continuar e ler e entender a intenção a partir do ato de construir, gerando uma espécie de conversa material, esse jogo é muito utilizado em escola de design e arquitetura para aprender a se comunicar através do material, através dessa construção, lembrando que eu mencionei ontem que dentro do design existe uma valorização muito grande da construção de ferramentas como sendo um modo legítimo de construção de conhecimento e compartilhamento de conhecimento e daí por isso no interesse também pela teoria da atividade. Também trabalha com jogos críticos, são jogos que são criados para estimular reflexão, representando atividades históricas como é o caso desse jogo Antos de Chumbo que representa a tortura durante a ditadura militar e o jogador tem o desafio de extrair informações importantes para o regime militar e por isso ele tem que torturar os prisioneiros que são os prisioneiros políticos e aí o jogo coloca na questão dos jogadores até que ponto você está capaz de ser cruel porque você está recebendo ordens de alguém que pediu para você fazer isso, enfim, é um jogo conceitual também, ele não foi implementado e provavelmente ele seria barrado se a gente tentasse comercializar, mas por a gente utilizar o formato jogo para comunicar esse desafio e esse conflito de motivos que é um conflito de motivos real que aconteceu durante a ditadura, a gente consegue que as pessoas se coloquem nessa situação imaginária talvez de um modo mais pragmático do que se a gente contasse uma história ou simplesmente reproduzisse uma página de um livro didático e eu acho que por falta desse tipo de iniciativa a gente está vivenciando hoje uma relativização cultural da tortura por conta da gente não ter querido trabalhar esse tema com a devida, um indevido envolvimento nos anos em que a gente podia fazer isso de maneira democrática e aberta, hoje talvez não seja tão fácil lidar com esse assunto. Aqui temos outro tipo de jogo, jogo algoritmo que é um jogo que reproduz um algoritmo que está na sociedade também para promover reflexão, mas é um jogo funcional, ele simplifica o algoritmo, as pessoas podem jogar nesse caso do esconder e mostrar o algoritmo do Facebook que é uma rede social que é projetada para estimular as pessoas a terem opiniões radicais que gerem polarização e esse jogo mostra como aqueles que polarizam são aqueles que ganham o jogo, que recebem o maior número de likes, maior número de dislikes, desse modo gerando uma sociedade cada vez mais fragmentada e dividida, por outro lado uma sociedade que gera muito lucro para os criadores dessa plataforma. Esses jogos algoritmicos foram inspirados nos jogos dramáticos que fazem parte do capital do arsenal, melhor dizendo do Teatro do Primido, que é um trabalho do Augusto Boal, ele fundou o Centro do Teatro do Primido no Rio de Janeiro que é um lugar fantástico onde eu costumo visitar para fazer cursos e esse jogo que está sendo mostrado nessa foto, eu tive a oportunidade de participar, se chama Círculo de Nós, é um jogo muito interessante para perceber a importância da comunicação através do corpo sem usar a comunicação verbal, o potencial que ela tem para a resolução de problemas e também o processo de sincronização de atividades que acontece quando as pessoas estão concentradas em entender o sistema de signos daquela situação imaginária. Eu também trabalho com jogos surrealistas que permitem um escape da realidade, mas para aprofundar-se numa realidade com uma perspectiva ainda não explorada, o jogo clássico Cadáver Esquisito muito utilizado por educadores tem um conflito de motivos, de você desenhar uma parte de um desenho que será continuada por outra pessoa que não sabe, não saberá o que você desenhou, então ela pode desenhar uma coisa completamente diferente, mas existe uma conexão entre os desenhos porque tem uma ferramenta, um estímulo ambíguo que são algumas linhas que aparecem no topo que não aparecem por completo porque o papel está parcialmente dobrado e aí o resultado quando é revelado são bizarros e exploram o inconsciente, essa imaginação do que está por trás daqueles risquinhos ambíguos que ficaram na ponta do papel. Eu trabalho também com Game Storming, que são jogos para criatividade, são jogos muito simples, muitas vezes focados na facilitação da solução de problemas complexos como a manutenção democrática do governo Dilma em 2015, eu tive a oportunidade de jogar esse jogo como parte de um processo de criação de uma ferramenta de participação social que iria, e foi, conseguiu apoiar e recuperar uma parte da base que apoiava a Dilma, mas não o suficiente a ponto de impedir o impeachment, um jogo muito interessante chamado PSP que a gente desenvolveu no Instituto Faber Luden junto com um aluno, e por fim tem os jogos de projetar que são, na minha opinião, jogos mais poderosos para desenvolvimento da agência transformadora porque o jogo de projetar coloca algo que está em projeto em jogo. Então por exemplo, você vai realizar um projeto que é focado na experiência do usuário, você tem um time, um grupo de pessoas que quer priorizar a experiência do usuário, a questão é como fazer isso? Como dividir as tarefas desse projeto? Quem faz o que e quando faz para que o resultado seja atingido? No Instituto Faber Ludens nós criamos um jogo chamado UX Cards, que tem cartas que correspondem a técnicas que são utilizadas no mercado de trabalho para realizar essas diferentes tarefas necessárias para priorizar a experiência do usuário, mas a gente criou um sistema de jogos em que tem papéis, cada pessoa pode escolher uma carta diferente, existem algumas cartas especiais de recursos, tudo visando estimular a pensar o projeto como uma situação conflituosa, que vão envolver conflitos de motivos entre priorizar o tempo, a velocidade do projeto ou priorizar a qualidade desse projeto. Esse jogo pode ser baixado nesse link aí porque é um jogo aberto. Gente, para concluir, para desenvolver agência transformativa, jogos precisam representar contradições muito tensas, não adianta ela ser só um conflito de motivos abstrato, que o designer acha que é um conflito de motivos real ou que é uma contradição. Para o jogo realmente ter esse impacto e ajudar as pessoas a desenvolverem a sua agência, eles se apropriarem da contradição, dominarem ela e reconfigurarem essa contradição, precisa ter uma pesquisa prévia para entender as atividades que estão sendo trazidas para a situação imaginária e também trazidas para o espaço de possibilidades do jogo. Isso que a pesquisa através das ciências humanas ajudam muito a entender o fenômeno que está sendo estudado e representá-lo no jogo. Então, as contribuições da psicologia, da histórica cultural, da antropologia, da sociologia, da comunicação, são muito importantes para o design de jogos. Aqui estão algumas referências, depois eu vou compartilhar com vocês os slides, caso alguém queira se aprofundar. E fica aqui o convite para quem quiser ouvir outras aulas e interagir comigo nas redes sociais. Tem várias aulas sobre esse assunto, jogos e perspectiva histórico cultural no meu podcast. Inclusive essas aulas estão abertas para quem quiser ouvir, mas também para quem quiser contribuir com a sua transcrição, que eu utilizarei futuramente para transformar em posts de blog que são mais acessíveis e mais fáceis de serem encontrados através de buscadores, gerando uma publicação mais ampla. Gente, muito obrigado.