Ok, gente. Então, introdução à pesquisa de experiências é o tema da aula de hoje. A gente vai falar um pouco sobre esse termo que o mercado de trabalho utiliza, UX Research, mas eu vou preferir a tradução "pesquisa de experiências" porque a gente já tem falado bastante aqui sobre a importância da gente olhar criticamente para conceitos, metodologias, tecnologias, ideias que vêm de países que foram colonizadores do nosso país ou que atualmente são ainda imperialistas em relação ao nosso país. Então, eu acredito muito na importância da gente ter uma perspectiva crítica sobre o que a gente desenvolve. Não significa que a gente não faça nada. Eu acho que no design, quando a gente fala de fazer um design crítico ou um design com uma perspectiva crítica, isso significa que a gente produz e cria, diferente de outras áreas de conhecimento, quando fazem a crítica, apenas destrói. A gente constrói alternativas. E é bem isso que eu quero apresentar nessa aula. Uma alternativa, uma abordagem alternativa para pesquisa de experiências que leva em conta questões, muitas vezes o mercado deixa de lado com uma opressão e o contexto capitalista de redução da qualidade da experiência de vida dos trabalhadores, em especial aqueles precarizados. Vamos começar por uma teoria capitalista pouco crítica, que é a do Pine-Gilmore. É a teoria da progressão do valor. Eu já tive uma aula em que eu mencionei ela, mostrei esse meme, que fala basicamente que o mesmo ingrediente de café pode ser medido como um commodity, uma mercadoria com baixo valor de troca. Já uma experiência pode ser vendida por um alto valor, alto valor de troca, com o mesmo ingrediente. No caso, o café vendido pela Starbucks, que não é só um café, é uma experiência completa. A gente vai criticar um pouco essa perspectiva porque esse progressão do valor também acontece com uma perda de valor. O Pine-Gilmore também levanta essa possibilidade, eles chamam isso de comodificação ou a perda do valor de uso. É uma influência da teoria marxista ainda presente na teoria deles, mas eles acabam deixando de lado, por exemplo, as questões trabalhistas que o mercado de experiências traz. Eu vou levantar essas questões e colocar em jogo para a gente pensar a pesquisa de experiências como uma espécie de um amortecimento dessas tensões. Mas vamos continuar no discurso da marketing da experiência. O que eles vão dizer? Que esse projeto de experiências é uma espécie de um meta projeto amplo que envolve vários outros projetos específicos. Então, a aula de meta design da semana passada que vocês não tiveram, mas está gravada para vocês assistirem, ela trata justamente disso, como é que você pensa o projeto dos projetos. Se você tem um projeto como uma Starbucks, uma loja da Starbucks como essa que a gente tem aqui recentemente aberta no Shopping Paladium, você tem um projeto de produto dos mobiliários que são bem selecionados, que são bem produzidos, proporcionando um conforto acima da média de uma loja de Shopping Center. Você tem o projeto da embalagem reciclável ou não, dos copos, aqui estão dizendo reciclável, mas duvido muito. E aí você tem o projeto gráfico do menu que aparece ali no letreiro digital, que tem integração visual com o projeto de embalagem. Você tem o projeto de interiores que dá essa visão geral do espaço, o projeto de serviços que estabelece as rotinas, os princípios básicos de atendimento ao cliente e o projeto de interação que envolve as interfaces digitais como os aplicativos que podem ser usados, por exemplo, para você fazer um pedido antecipadamente. Então tudo isso tem que estar integrado e fluido para você falar, chamar isso de um design de experiências. Então quem quer trabalhar com design de experiências precisa entender de vários tipos de projetos e por isso um bachelralado em design como o que vocês estão fazendo talvez seja a graduação ideal para atuar nessa área. Talvez, deveria ser, se o bachelralado de design de vocês não tivesse tanto foco em produto, mas tudo bem, a gente está aqui para balancear um pouco essa ênfase dada por outros professores. Eu acredito que vocês têm potencial e eu já formei vários estudantes generalistas em design que acabaram se especializando ou em design de serviços ou design de experiências. Serviços seria essa parte mais específica aqui. Também design de interação, também é uma possibilidade, apesar do mercado de trabalho seja mais chamado de UX design. Seja qual for o tipo de especialidade, se você for trabalhar com essas especialidades em conjunto, você vai ter que se tornar um meta designer, que é aquele designer que faz o projeto. O projeto, como eu estava mencionando, mas ele observa principalmente as tendências sociais, as mudanças, as transformações do comportamento, nos hábitos e também nas emoções, nos sentimentos, que são aspectos que muitas vezes são deixados de lado nas pesquisas de mercado. A gente vai comparar um pouquinho uma pesquisa de mercado de uma pesquisa de experiências. O meta designer faz pesquisa de experiências para que? Para projetar sistemas, processos, ferramentas, estruturas, frameworks, são redes que permitem que vários tipos de projetos sejam desenvolvidos, inclusive com a participação dos chamados usuários, que eu prefiro chamar de new designer. Eu já falei sobre esse assunto em outra aula também. Então, aqui é um perfil de designer mais estratégico, que está sendo cada vez mais demandado e que tem a ver com esse tipo de trabalho de pesquisa de experiências que a gente vai falar hoje. Bom, a Starbucks não nasceu sabendo fazer pesquisa de experiências, nem mesmo design de experiências. Ela nasceu como uma loja que vendia café, uma cafeteria qualquer. Mas, na medida em que ela foi observando como que os clientes faziam os seus pedidos, como eles consumiam, com quem eles estavam, eles começaram a desenvolver esse projeto de experiências cuidadoso. Então, ele não surgiu de uma mente brilhante, do nada, ou de um designer que foi contratado de fora da empresa para fazer o design de experiência. Foi um processo longo que durou algumas décadas para a Starbucks perceber que a principal oferta deles não era o café, ou os tipos de café, mas, sim, a experiência como um todo que envolvia o serviço, que envolvia o ambiente, que envolvia depois, mais tarde, o Wi-Fi. Foi um dos grandes diferenciais, o Wi-Fi gratuito na Starbucks. A partir dos anos 90, 2000, eles começaram a ter essa oferta. Teorizando esse processo de aprendizagem e desenvolvimento da Starbucks e de outras empresas que estão buscando esse tipo de projeto, eu chamo isso de um projeto que visa a cocriação de valor. É um projeto que se retroalimenta da pesquisa. Então, a pesquisa é estratégica para a organização porque ela vai trazer demandas, emoções, sentimentos, informações, a partir dos clientes ou consumidores ou usuários ou designers que o design ainda não tinha considerado. Vai atualizar o design. O design, por outro lado, vai propor novas experiências, novos serviços, novas interações, que vão mudar também a percepção dos consumidores e usuários. Pode até ser que esses usuários participem do projeto numa fase de pesquisa anterior. Por exemplo, uma oficina de co-design, o design participativo, isso tudo são estratégias para co-criar valor nas fronteiras da organização. É numa área meio cinza onde a pessoa está ali trabalhando para a empresa, mas não está trabalhando com vínculo empregatício e muitas vezes está sendo até mesmo explorada em troca de um brinde. Aqui o brinde por você ter participado das nossas pesquisas, esse brinde muitas vezes não paga nem a hora de trabalho daquela pessoa que se dedicou para ajudar sua empresa e é muitas vezes um símbolo da dominação capitalista. Uma grande empresa, uma grande marca que pergunta, te convida para participar, ela joga com o seu poder de encantamento e ocultamento da dominação que ela exerce sobre você enquanto indivíduo. Por isso que muitas pessoas aceitam participar dessas pesquisas até mesmo de graça, para enriquecer ainda mais aqueles que estão tendo lucros bilionários sem receber nada em troca. Não, recebe sim. O usuário não é otário, ele sabe que se ele contribuir para aquela pesquisa, talvez no futuro é bem provável que o serviço ou o produto que ele consome daquela marca se torne melhor para ele, gerando o quê? Uma co-criação de valor. Só que depende, não é sempre que o usuário vai ver essa vantagem, tá? A gente precisa perceber que há uma interesse do provedor de serviços em elevar ou aperfeiçoar, enriquecer o chamado valor de uso. É o valor de uso que interessa para o usuário. O que é valor de uso? Bom, vamos dar um exemplo. A Starbucks tem um serviço chamado degustação de café. Já participou, já fez uma degustação em outro lugar? - Soveteria. - Soveteria. - Degustação de café em sorveteria? - Não, mas... Ah, degustação de sorvete, ótimo. A degustação de café tem algo um pouco mais somelhizado em relação à degustação de sorvete. Não é tanto quanto a degustação de vinhos, né? Mas ainda assim, esse serviço visa gerar uma percepção aguçada de certas qualidades daquele café, mas também da experiência de tomar o café dentro da Starbucks, que o consumidor usuário ainda não tinha antes de participar desse processo. Então, a primeira vez que eu fui em uma Starbucks em 2009, eu tive uma sorte grande de eles estar oferecendo degustação gratuita, porque fazia parte da estratégia deles de disseminar a cultura do café no Brasil. Era a primeira Starbucks do Brasil em São Paulo. E eu estava sentado nesse momento com o Tênis Sumpinheiro, que é um dos fundadores do Design Thinking e Design de Serviços brasileiro. E a gente estava se conhecendo pela primeira vez nesse contexto, fazer parte dessa degustação de café com ele foi uma experiência para mim, eu não sei para ele, mas para mim foi marcante. Me ajudou a entender que essa economia da experiência, que a Starbucks é um ícone, ela estava vindo para ficar. Porque naquele momento, por mais que a empresa tivesse tendo aparentemente um prejuízo, ela estava sacrificando a lucratividade daquela operação, gastando o dinheiro do material que ela está oferecendo gratuitamente para nós, gastando o dinheiro do trabalho humano, dos profissionais que estavam explicando para a gente como aproveitar o café da melhor maneira possível, como por exemplo você mover a sua língua na boca de um jeito que você percebe certos sabores do café, que você não percebe se você somente dá aquele goladona. Então tem todo um jeitinho como sugar o café sem queimar a língua, sem queimar a caneta quente, essas dicas todas eu aprendi nesse dia. E várias outras como harmonizar café com os lanchinhos da Starbucks, que é uma coisa assim fenomenal. Só que na medida que a gente ia progredindo na discussão com os atendentes, a gente ia participando também contando as nossas percepções, o que a gente estava sentindo, eles iam incorporando aquilo e criando uma conversa, um diálogo que foi fantástico, como eu disse, gerou uma memória muito positiva daquela experiência e uma percepção de marca, do branding, de que a Starbucks faz algo diferente do que outras empresas fazem. Então isso é o que a gente chama de valor de uso, aquela experiência não pode ser trocada por outra, ela nem foi vendida essa experiência, ela é uma coisa única que aconteceu naquele dia que não aconteceria igual, porque eu não estaria com o tênis de um dinheiro no lugar perfeito pra uma conversa sobre o que a gente estava conversando, sobre a necessidade da gente treinar, ensinar e formar uma geração de designers de experiência, designers de interação, designers de serviços. O Teresão Pinheiro acabou, depois disso, abrindo uma empresa chamada Leavework, que hoje é a pioneira e mais importante do design de serviços junto com o sócio dele, o Luiz Alte, que também era um outro amigo que conhecia anteriormente. Então é um momento que essa disciplina se consolidou no Brasil, só que dentro de um contexto que a prática já estava fazendo. Quando a gente começou a falar de design de serviços, já existia um monte de gente praticando no mercado, o que faltava era a consciência desta prática, na medida que a gente vai teorizando e apresentando métodos e processos mais aperfeiçoados pra fazer isso, a consciência leva a uma prática mais eficiente. Agora, se você não tiver foco no valor de uso, se você focar no que a gente chama de valor de troca, os usuários não vão querer colaborar, porque eles vão perceber que você está produzindo um valor que só interessa ao trem, que não é aquele beneficiário, ou melhor, o usuário não se vê como beneficiário último do seu esforço de produção de valor. Ele sabe que ele também é substituível, o usuário não se sente único, não se sente tratado como uma pessoa especial. Isso acontece num concorrente da Starbucks, que é a Nestle, e o seu sistema produto serviço chamado Nespresso. Alguém já tomou esse café que vem na cápsula e tem uma maquininha especial? Levanta a mão só pra saber. O Nespresso é um café que não é tão bom quanto feito por um barista ali na hora, mas é muito melhor do que um café solúvel, ou um café que você vai passar na máquina, um café em pó e tal, porque ele preserva uma certa umidade dentro dessa cápsula, que não é possível no processo de embalagem de um café em pó, por exemplo. Então tem uma certa vantagem em termos de qualidade do produto, mas o serviço é pensado de maneira a priorizar o valor de troca e não o valor de uso. Então ele não vai ter uma experiência única como a degustação de café que eu tive na Starbucks. Vai ter uma máquina, vai colocar ali a máquina e você não vai pagar pela máquina e acabou. Você vai pagar por um serviço mensal ou anual, acho que no caso deles é anual, esse valor de 599 é anual, você vai ter a máquina e você vai ter as cápsulas todo mês recebendo. Aí você fala "Legal, não vou precisar me preocupar em comprar as cápsulas, já está tudo garantido, só vou ter o café que é o benefício objetivo, por exemplo, da minha empresa, pequena empresa, do meu departamento, que é ter aquele café Nespresso razoável pra todo mundo poder tomar um cafézinho no intervalo do trabalho, um cafézinho razoável, rápido de fazer também, tem esse detalhe né. Só que o que acontece é o seguinte, a Nespresso teve que fazer isso, criar um sistema produto serviço, porque o produto deles anterior que era essa mesma máquina com essa mesma cápsula se tornou um desastre ambiental. Essa cápsula começou a ser jogada fora massivamente e essa cápsula tem um tempo expectativa de decomposição do meio ambiente gigantesco. Ela é feita de alumínio, mas tem algumas ligas com plástico também que tornam extremamente difícil de você reciclar. Então começou a acontecer uma acumulma muito grande, né, e cada cafézinho, imagina, tem gente que toma quatro cafézinhos por dia, quatro por pessoa, imagina a quantidade, as pilhas e pilhas desse tipo de lixo que estava sendo acumulado, e isso gerando uma mídia extremamente negativa para a Nespresso. Ela foi criticada, o designer que criou esse projeto de produto, que foi premiado, depois se arrependeu publicamente, mudou completamente a orientação da carreira dele para trabalhar em projetos visando a sustentabilidade. Ele falou "olha, eu não tive consciência ambiental quando eu fiz esse projeto, eu só pensei no quê? Na comodidade para o usuário. Priorizei a usabilidade e despriorizei a sustentabilidade". Aí a Nespresso fez o quê? Beleza, vamos reverter essa situação criando um sistema produto-serviço que a gente garante que entrega as cápsulas, mas garante que a gente coleta as cápsulas para reciclar. Só que infelizmente, como os usuários não veem que eles estão co-criando valor de uso, eles pensam "não vou guardar essas cápsulas, vou jogar no lixo mesmo". Então acontece que nem sempre as cápsulas são recicladas, por mais que o técnico que vai fazer a manutenção da máquina fale "vocês têm as cápsulas guardadas para levar embora para reciclar?" Não, não tem, porque as pessoas jogaram no lixo normal, porque elas não se veem participantes de uma co-criação de valor. A maneira como a Nestlé vê os seus usuários é a maneira como os usuários vê a Nestlé, uma mercadoria. Nestlé acha que o usuário é como se fosse uma mercadoria, uma coisa, e a mesma coisa o usuário vai pensar que a empresa está tratando ela assim, beleza, a empresa também é uma coisa, dane-se, quem está ali do outro lado. E o ambiente, o meio ambiente sofre quando isso acontece. Então o valor, ele depende da percepção social de valor. O valor não é a mesma coisa que preço, gente. Aprendam essa lição. O valor é uma percepção que vai dar origem ao preço, vai justificar o preço, mas tem muitos valores que não podem ser precificados. Inclusive precificar certos valores é crime. Por exemplo, você fazer um anúncio vendendo o seu irmãozinho, irmãzinha, é crime. Não pode, porque a gente não pode dar um valor, um preço, por exemplo, para uma pessoa. A gente pode fazer isso, por exemplo, para um animal de estimação. Estranho isso, né? Mas eles aceitam socialmente. Então é percepção social de valor. Agora, então esse valor não é necessariamente mensurado através de quantidades, ele também pode ser mensurado através de qualidades. E aí entra nós, o design. Designs trabalham para a geração de valores que são originalmente qualitativos. Aqui do lado esquerdo vocês veem os valores quantitativos nas medidas de valor de troca, como o preço, a eficiência, a disponibilidade, a escalabilidade, a garantia que o produto oferece. E aqui do lado direito as medidas de valor de uso, utilidade, usabilidade, acessibilidade, beleza, clareza. Isso aqui é o nosso ambiente. Aqui, eventualmente, a gente pode interferir, a gente faz, tem impacto para a área. Se você faz um produto com um custo de produção menor, porque você descobriu um processo, uma técnica, um material mais barato, você impacta no preço. Mas não é aí que você faz a diferença, porque outros profissionais de outras áreas conseguem fazer isso, às vezes, até melhor que nós. O que eles não conseguem, muitas vezes, fazer é gerar valor de uso. É aí que a gente faz a diferença dentro de uma organização, dentro de um setor produtivo. E especificamente a pesquisa de experiências, que é essa parte do design que estuda essa produção de valor de uso através do conceito de qualidades da experiência. Então a gente observa as qualidades da experiência. A gente não vai prestar atenção, por exemplo, nos materiais que foram utilizados para construir aquela experiência. A gente vai observar o que é que tem valor naquela experiência. Essas qualidades da experiência, aí sim, são difíceis de entender, de capturar, de percebê-las, porque elas não são tangíveis. Elas não são, por exemplo, como você olhar para uma mesa e falar "olha, essa mesa tem uma forma quadrada, retangular, ela tem uma cor beige que não incomoda muito, uma cor de fundo". Isso são qualidades mais tangíveis, fáceis de você observar e percebê-las. A qualidade da experiência é algo mais intangível. Como é que você fala da usabilidade de uma mesa se você não sentar ou usar ela de alguma maneira? Então a usabilidade não está na forma da mesa, está na relação de uso. Então esse valor de uso é mais difícil de você perceber. Como é que funciona o processo? Agora eu vou apresentar uma teoria que eu estou desenvolvendo sobre a percepção da qualidade da experiência. Então vai haver um julgamento estético, que é você perceber a qualidade a respeito de sensações que tenham significados sociais, mas também sentidos pessoais. Ou seja, tem a influência da sociedade, mas tem as escolhas e as trajetórias histórias de cada indivíduo. Esse é um diagrama que eu estou utilizando para pensar esse assunto. Eu chamo de modelo estético econômico das qualidades da experiência. Então aqui tem a articulação principalmente do conceito de valor, que eu já estava falando para vocês. E agora eu estou introduzindo o conceito de qualidades a partir dessas três matrizes principais, que é a sensação corporal que você sente imediata. Calor, frio, um conforto físico, você está sentado numa cadeira que é boa para sentar. Aí você tem o sentido pessoal que você atribui para aquele momento que você está ali sentado esperando alguém, que saco esperar. Ou que legal esperar, que emocionante, que excitante esperar, meu amorzinho está chegando, não sei o quê. Varia muito o sentido pessoal que você dá para aquele ato de sentar. Agora, existem significados sociais dos quais você não pode ignorar e que vão interferir no seu sentido pessoal. Você não dá sentido a tudo de maneira livre, de maneira aleatória, de maneira auto-centrada, porque a sociedade te proveia os meios para você dar sentido. Por exemplo, qualquer palavra que você usa para dar sentido a alguma coisa já veio da sociedade, você não inventa as palavras com raras exceções. Então essas palavras carregam conceitos que são socialmente construídos e reproduzidos através da prática da conversa, do diálogo, da convivência, da cultura. E esses significados sociais vão ditar como é que você deve se portar, por exemplo, numa sala de espera do consultório médico. Pode gritar na sala de espera do consultório médico? Pode pular, pode fazer barulho? Não. Agora, na sala de espera, por exemplo, ou melhor, do banco de espera do time reserva para a equipe de futebol de vôlei que está ali, você pode gritar sim. Você deve gritar para apoiar os colegas que estão lá jogando. Às vezes as pessoas nem ficam sentadas no banco de espera ali, porque o significado social de estar no banco é completamente diferente. Então é uma articulação entre essas três coisas. Eventualmente você vai haver confrontos entre uma coisa e outra. Elas vão ser contraditórios, o que vem da sensação corporal, do sentido pessoal ou do significado social. Por isso tem essas setinhas aqui indo de um lado para o outro. Agora, o que interessa para nós aqui é que a partir dessa matriz você tem a produção de qualidades de experiência, em primeiro lugar. É uma percepção de que isso aqui é gostoso, isso aqui é bacana, isso aqui é divertido, ou isso aqui é horrível, isso aqui é feio, isso aqui é estranho. Isso tudo são qualidades da experiência. E ao longo do prazo, conforme a gente vai construindo essa relação, várias e várias vezes que a gente repete a experiência, vão se acumulando os tais valores. É daí que vem o valor. O valor de uso vai vir principalmente relacionado com a satisfação das nossas vontades, desejos e necessidades mais corporais possíveis. O valor de uso é bem único porque ele atende o nosso corpo. É bem provável que um produto, um serviço que tem valor de uso para mim não tenha valor de uso para vocês. Ele é relacional, situado e contextual e é por isso que é difícil mensurar de maneira quantitativa. Na verdade, nem deve fazer isso. A hora que você transformou num valor quantitativo virou o que a gente chama de um valor de troca, que está muito mais associado a um significado social, a um símbolo, a uma relação de equivalência. O valor de troca é uma coisa é equivalente a outra. Pode ser que uma coisa seja equivalente a um, sei lá, feijão, uma saca de feijão seja equivalente a uma saca de arroz. Ou então uma saca de feijão é equivalente a sete reais. Isso é a lógica do valor de troca. A lógica do valor de uso é uma lógica de fruição, é uma lógica de singularidade, é uma lógica de altervalência, que é ao contrário da palavra equivalência. Altervalência é o seguinte, cada coisa é diferente na sua própria singularidade. O valor de uso é algo muito particular, concreto e, por isso, qualitativo, essencialmente. Há possibilidade de interação entre valor de uso e valor de troca, mas eu não vou entrar nesse detalhe porque aí a teoria começa a ficar um pouco mais complexa. Eu vou agora passar exemplos bem mais concretos que vão talvez ajudar vocês a capturar esse modelo em mais detalhes. Então, começando pelo conceito de sensação corporal, que é o fundamento de toda experiência, o fundamento material. Não existe experiência sem um corpo para experienciar. Então, a experiência não é o que acontece no computador ou no produto, ela acontece no corpo. Começa a partir das sensações mais básicas que a gente tem no contato com o nosso mundo. Essas sensações se organizam em significados reconhecidos socialmente. Você segue determinados gestos, mesmo que você às vezes não perceba que você está copiando alguém, você está reproduzindo gestos, porque é uma maneira de tentar entender o que significa aquilo. A criança desenvolve a habilidade de falar inicialmente através da reprodução de gestos que ela repete dos adultos. Ela, por exemplo, faz um movimento com a mão de apontar e o adulto reconhece que aquilo ali é um movimento de apontar. Mas a primeira vez que a criança faz, ela está só fazendo um movimento aleatório. Ela viu alguém apontar, apontou, ela não sabe que o pai ou mãe vai trazer um objeto que está na frente daquele dedo. A hora que traz o objeto na frente do dedo, a criança junta le concret, faz a ponte, percebe que toda vez que aponta, faz esse gesto, eu mostro para onde está orientado o meu desejo. Da mesma maneira, a gente vai aprendendo a interagir com uma infinidade de coisas, uma infinidade de situações. São os significados sociais que vêm através da interação com a linguagem. Só que isso não impede e não acaba com a possibilidade de a gente ter sempre uma produção de sentido pessoal. Por mais que venham significados sociais os mais diversos e eles eventualmente tentam se impor ao seu sentido pessoal, por exemplo, "Brasil ame ou deixe". Essa é uma imposição de um significado social. Ou você gosta do Brasil do jeito que é, ou vai embora. Um significado até totalitário, praticamente. Agora, isso não impede que você tenha uma perspectiva crítica em relação a essa imposição? Graças a essa perspectiva crítica, esse bordão é bastante criticado na nossa sociedade atual e a gente não aceita, por exemplo, que uma emissora de televisão faça propagandas com esse bordão conforme a SBT fez alguns anos atrás, mesmo depois da ditadura e tudo mais. Então, aqui o sentido pessoal é onde a gente mantém, digamos, a nossa capacidade de nos reinventar e transformar a sociedade. Todo novo significado social surge do sentido pessoal. E a arte e o design são fundamentais, porque elas vão pegar esse sentido pessoal que você teve da experiência e compartilhar com outras pessoas. A hora que compartilhou já não é mais sentido pessoal, já se torna um significado social. Então, notem que vocês como designers estão principalmente contribuindo para a construção de significados sociais. Mas não percam de vista de onde eles vêm e para onde eles vão. Porque o pensamento do meta design é isso, é você perceber as coisas em relação e não elas isoladamente. Se você perceber de maneira isolada e você pensar como pensam os administradores, os engenheiros, que estão mais nessa toada, nessa abordagem capitalista de separar as coisas e otimizá-las para gerar mais lucro, você vai fazer isso aqui. Você vai reduzir toda essa complexidade, toda essa discussão que eu estou fazendo aqui com vocês para uma questão de gosto. Falar a experiência não se discute, porque é uma questão de gosto. Que nem política, não se discute. Ou você gosta ou você não gosta do Bolsonaro ou do Lula. Não interessa as propostas. Não interessa se a Starbucks é assim ou assado, se tem exploração do trabalho. Não interessa. Gostou ou não gostou da Starbucks. E gostou ou não gostou de todas as outras ofertas do capitalismo. Então a sociedade começa a ser estruturada a partir de uma lógica de gosto, que é a distopia que nós estamos vivendo atualmente. Onde que está estruturada essa lógica do gosto ou não gosto, gente? Nas redes sociais. Facebook foi um dos primeiros a estabelecer o tal do botãozinho like, curtir, gostei, né? Mas várias outras utilizam essa lógica atualmente e é difícil você escapar dela. Então no caso do exemplo do carnaval, que eu estava dando até na imagem aqui, né? Você dizer "eu não gosto do carnaval" é uma maneira de você se livrar da discussão e se reduzir toda essa possibilidade de sentido pessoal, de articulação, com a emoção, ou melhor, com a sensação corporal. E aí você acaba a discussão. Isso é muito bom para quem está priorizando o tal do valor de troca, porque daí você estabelece uma equivalência entre um serviço e outro. Serviço se diz intangível, né? Como é que você dá um valor para um serviço? Como é que você fala quanto vale ele se você não tem uma referência mais ou menos parecida de material? Porque cada pessoa que entrega o serviço, cada atendente é diferente, então vai trazer uma maneira diferente de atender. Como é que você compara um atendimento com o outro? Você faz isso através da lógica do gosto. Você simplifica e fala "ah, gostou ou não gostou, gostou ou não gostou", na média a maioria das pessoas gostaram. É exatamente esse filão que o Google Maps está explorando nesse momento com o sistema de avaliações de negócios. Então quando você entra no Google Maps, você além de ver o endereço dos estabelecimentos comerciais, você também vê as avaliações dos usuários que já foram nesse lugar, consumiram, usaram os serviços, e eles dizem se é uma estrela ou cinco estrelas e por quê. Esta informação funciona como uma espécie de um índice de satisfação e um valor de troca que permite comparar um serviço com outro para o usuário decidir se vai ir naquela ou naquele estabelecimento. Então começa a interferir a competitividade. Isso é um problema que não pode ser negado por qualquer empresa capitalista. Se você tem uma competição melhor que a sua, é bem provável que você em algum momento vá à falência, você não consiga mais manter aquele teu negócio ativo, porque você não tem clientes suficientes para estarem comprando a tua oferta. Então esses índices de satisfação estão se tornando cada vez mais importantes. E é isso que faz a tal da pesquisa de mercado que eu mencionei anteriormente, ou também chamada de pesquisa de marketing. Ela visa obter esses índices de satisfação, existem vários outros além do gostei, não gostei, cinco estrelas. Você pode detalhar, tipo, não gostou do quê? Deu um valor de um a dez para o nosso atendimento, deu um valor um a dez para a nossa decoração, isso tudo é característica de uma pesquisa de marketing, pesquisa de mercado. Não são as características da pesquisa de experiência. Não são. Se você fala pensar que pesquisa de experiência é distribuir questionário, já errou. Já vai ter uma nota ruim nesse trabalho, porque não é isso. Quem pensa que pesquisa de experiência é uma pesquisa de questionário que está sendo influenciada por uma abordagem capitalista ligada ao marketing de redução da experiência é uma questão de gosto. Não é isso que a gente faz no design, não é aí que a gente faz a diferença também. Mas continuando, se você insistir nisso, e eventualmente você vai ter que entrar nessa jogada, porque no mercado de trabalho ainda se faz muito pesquisa de marketing, pesquisa de mercado. Na verdade, a pesquisa de experiências entra muitas vezes como um complemento à pesquisa quantitativa. Os gestores, os engenheiros, eles não confiam tanto na pesquisa de experiências, então eles não deixam de fazer a pesquisa de mercado. Mas os experientes, os administradores de engenheiros mais experientes, o que eles vão fazer? Eles vão falar que queremos triangular uma pesquisa quantitativa com uma qualitativa. Opa, daí você levanta a mão, eu posso fazer. Designs, pelo menos aqueles que eu estou formando aqui, estão capacitados a fazer esse tipo de pesquisa qualitativa. Mas você precisa entender também a quantitativa para poder saber a diferença e também o que você acrescenta. A quantitativa vai fazer o seguinte, ela vai tentar abstrair essa experiência em termos de gostos, mas também em termos de segmentos de gostadores, ou pessoas que gostam de determinadas coisas em comum. Então esses segmentos vão ser usados para gerenciar, manipular às vezes, isso de um ponto de vista eleitoral, por exemplo, aquele grupo de pessoas. Isso aqui também pode ser chamado de bolha nas redes sociais, ou pode ser chamado também de grupos ou setores daquela determinada população. Então o que acontece na pesquisa de mercado, pesquisa de marketing, é uma abstração sem fins, que vai distanciando cada vez mais o valor de uso e indo mais na direção do valor de troca, menos da qualidade, mais na quantidade. Isso vai gerar situações limite em que você vai ter uma série de dados estatísticos os quais você não entende. Então, por exemplo, isso aqui é uma tela do Google Analytics chamada análise de fluxo do carrinho de compras. Então cada uma etapa aqui nesse fluxo é uma etapa de um carrinho de compras numa loja virtual e 30% das pessoas que foram digital em endereço desistiram, não passaram para frente. Por que isso aconteceu? Por que 30% das pessoas desistem e você perde, digamos, 30% dos seus clientes naquela etapa? O que tem naquela interface gráfica? Que opções tem ali? Será que tem uma consulta de frete atrasada, demorada, chata, ou com valor inaceitável? Frete muito alta? Será que agora é no momento da digitação de endereço da cálculo do frete que o usuário percebe que ele está sendo enganado e que o valor do produto mais baixo está sendo compensado com um valor de frete gigantesco? Isso é infringir as regras do direito ao consumidor. Se por acaso você perceber isso, que a empresa está cobrando um frete absurdo fora da mercado, você pode processar ou entrar com uma ação judicial rápida pela justiça. Porque realmente é uma coisa que é uma sacanagem. Você olha um produto lá, está custando R$50,00, você vai ver o frete é R$150,00? É uma enganação. A empresa tinha que falar o valor do produto real, que é, sei lá, R$100,00, frete R$50,00. É uma das maneiras de te ludibriar. Mas pode ser também, o caso de uma empresa honesta que não está querendo enganar, você que ela tenha feito um erro no design daquela interface e as pessoas têm que digitar o CEP com o tracinho lá. E as pessoas esquecem de botar o tracinho na hora de digitar o CEP e aí fica dizendo CEP não encontrado. Aí você fala "ah, que saco, não tem meu CEP". E se desiste do site, já vai para outro que é mais fácil. Ou então tem um sistema de pedir senha, login antes de calcular o frete também, que é uma coisa bizarríssima. Só que você só vai descobrir isso que eu estou falando depois que você fizer o tal teste de usabilidade, que é um dos métodos da pesquisa de experiências. Lá você vai saber por que acontece essa desistência. Então o método qualitativo, ele tenta aprofundar nos fenômenos e explicar de onde eles vêm. Quais são as sensações corporais? Quais são os sentidos pessoais? Quais são os significados sociais que estão em jogo? No caso da pesquisa de mercado, quantitativa, ela vai só pegar "gostei, não gostei" ou "comprei, não comprei" ou "cliquei, não cliquei". É muito zero ou um, você não vê as gravações que é onde estão a realidade, que as pessoas não são zero ou um, as pessoas não são boas ou ruins, mas, né, ou boas ou sei lá, as pessoas têm variedades diversas, né, de jeito de ser. Então o objetivo dessa pesquisa de experiências, ela é medir a qualidade da experiência, visando com isso aumentar o valor de uso. Por isso os seus métodos são qualitativos e não quantitativos. Então lembre-se disso quando forem fazer o projeto de pesquisa de vocês. É muito comum estudantes que tiveram experiência de trabalhar com marketing ou administração, ou fizeram uma faculdade ou um curso técnico, quererem aplicar pesquisa de mercado nessa disciplina e perdem notas, se insistirem, porque eu estou explicando aqui desde o começo que não é isso que a gente vai fazer. Mesmo eu falando, às vezes, o pessoal faz. É porque é predominante, claro, é uma área que está muito mais estabelecida que a pesquisa de experiência, mas estamos aqui para estabelecer um novo paradinho. Então vamos falar sobre a pesquisa de experiência, como é que se dá na prática. Um dos principais desafios da pesquisa de experiência é, em primeiro lugar, profundidade. Como é que você aprofunda cada experiência em particular, entra na sua singularidade. Você observar, por exemplo, aquela pessoa fazendo aquilo naquele lugar, aquela história e peculiaridades. Só que isso não é o suficiente para uma organização. Por exemplo, num projeto de pesquisa sobre viagens de longa distância, o que interessa não é você saber só como é a experiência de dar carona para pessoas conhecidas ou trocar o pneu. O interessante é quando você começa a perceber particularidades daquela experiência que são incomuns. Você começa a generalizar. Então a generalização, no caso da experiência de viagem de longa distância no carro, é que é onde você vai gerar valor. Só que se essa generalização for abstrata e reduzir a experiência em termos do gosto ou não gosto, por exemplo, se apresentar um relatório dizendo que "Olha, 60% das pessoas gostam de viajar de carro de longa distância". Isso é um dado importante, por exemplo, para um administrador que pode decidir "Ok, eu vou fazer uma mudança, vou fazer um serviço, vou fazer um produto para ajudar pessoas a aproveitar melhor a viagem de longa distância". Ok, mas como vai ser esse serviço? Como vai ser esse produto? Quais são as qualidades? Isso é quem responde "Somos nós, designers". Só que para a gente não cair nessa simplificação, a gente tem que fazer a pesquisa de um outro jeito. O principal ponto é saber o que não fazer. Primeiro problema, a primeira coisa que você deve saber que você não pode fazer é generalizar a partir da sua experiência pessoal. Só porque você acha ruim, só porque você percebeu uma qualidade, não quer dizer que as outras pessoas vão achar ruim e vão perceber aquela mesma qualidade. É bem provável que haja variação. Então, se você tiver uma cabeça muito fechada e achar que você sabe melhor que os outros como que deve ser a vida deles, você não está com a mentalidade apropriada para fazer pesquisa de experiências. Você precisa parar de olhar para o próprio umbigo ou para o próprio rosto no espelho. Você precisa perceber a diferença. Então, esse conceito de experiência do usuário que fundamenta essa pesquisa de experiência, que é mais antigo até do que o conceito de pesquisa de experiência, que dá origem, por exemplo, ao outro chamado UX, User Experience, eu prefiro abreviar como "Eshu", até para a gente pensar na importância da língua portuguesa, para a nossa cultura e tudo mais. Só que o conceito de experiência do usuário, ainda que seja um conceito que vem de fora, seja às vezes até mesmo colonizador e apoia o capitalismo de várias maneiras, ele traz uma coisa nova que é a diferença entre a experiência do usuário e a experiência de quem? Do designer. Então, esse é o fundamento básico do conceito de experiência do usuário, que ele é diferente do designer. O designer faz parte de um grupo social que tem acesso aos meios de produção. De alguma maneira, ele vai definir como funciona o produto, o serviço, vai ter algum poder maior do que o usuário. Então, vai fazer parte do grupo. Esse grupo tem características e acesso a privilégios compartilhados, como renda, como infraestrutura, como cultura, que os usuários eventualmente não vão ter. Então, a experiência dessas pessoas vai ser parecida. Por isso pode-se dizer que os designers fazem parte do grupo o mesmo. Já os usuários são aqueles que são diferentes, são aquelas pessoas que não têm os mesmos privilégios, não têm os mesmos conhecimentos sobre o produto e serviço, que precisam ser explicados, precisam ser apresentados, precisam ser consultados, compreendidos. A hora que você percebe que o usuário é um outro, que é uma pessoa diferente, que não é o mesmo, aí você tem o conceito de experiência do usuário. Mas não deve ser esquecido que também tem uma experiência de designer e que eventualmente elas entram em confronto, que há conflito. Se por acaso a experiência de designer for pensada como igual à experiência do usuário, que é um erro muito comum, tipo todo usuário vai ser igual a mim. Logo, se a experiência do designer for boa, a experiência do usuário vai ser boa também. Erro, quando a pessoa é diferente, ela pode olhar para uma porta que foi projetada para você empurrar e pensar que ela foi projetada para puxar, que é o que aconteceu com essa usuária. Essa porta quebrou um padrão que a usuária estava acostumada, que é portas para empurrar têm barras horizontais, portas para puxar têm barras verticais. Então notem que os usuários, ou melhor, os designers acharam que a experiência deles era igual a dos usuários e não era, é completamente oposta. A palavra experiência não se refere só a algo que acontece no presente, mas também, e mais recorrentemente no vocabulário comum, como uma coisa do passado. A experiência é algo que a gente já passou. Então é isso que a gente está falando. Entender a experiência do usuário, entender a história da vida das pessoas, como elas são diferentes. Ao você entender isso, você vai fazer o quê? Você vai expandir a consciência dessa diferença. Então a pesquisa de experiências é uma ponte entre a experiência de designer e a experiência do usuário, para se conscientizar das diferenças. Ela amplia, digamos, o âmbito de consciência. Então por mais que o mesmo não se torne o outro e vice-versa, ainda assim o mesmo entende melhor o outro, e o outro entende melhor o mesmo. Porque eles começam a fazer o quê? Co-criar valor nas fronteiras, que é o que está acontecendo ali no meio dessa interação. Isso implica em que perceber que as experiências dos usuários não são apenas diferentes em relação a dos designers, mas elas também são diferentes entre si. A diferença de experiência de uma pessoa usuária e de outra pessoa usuária. E essas diferenças são, às vezes, gigantescas. Eu estou desenvolvendo também uma teoria para explicar como é que se dá esse processo de articulação das diferenças entre várias pessoas. Não vou entrar em muitos detalhes aqui, é só basicamente mencionando que isso vem do que a gente chama de lógica dialética. Então a gente procura um processo de abstração dessa experiência concreta que cada um tem, para chegar no que a gente chama de experiência concretamente abstraída. O centro dessa teoria é que no momento em que você abstraiu a experiência de diferentes pessoas e gerou uma que é incomum, você vai ter que necessariamente confrontar essa experiência abstraída com a experiência concreta. Você vai ter que voltar para ela. Na hora que você volta, você testa para ver se aquilo que você pensou que era uma experiência abstrata realmente é uma experiência real. E não é uma invenção da tua cabeça. E não é uma extrapolação da tua experiência pessoal. Aí você vai ter, se você conseguir testar e o teste for positivo, ter o que a gente chama de uma experiência concretamente abstraída que reproduz a lógica dialética da realidade que é compartilhada, porque as experiências são fundadas também no significado social. Ou seja, elas não são únicas para cada pessoa completamente. São a parte única, que é o tal do sentido pessoal. Então esse confronto, que é o ponto central dessa teoria, entre experiência abstrata e concreta, ela está no cerne da pesquisa de experiências. Existem vários métodos para confrontar concreto e abstrato. A observação da experiência, você olhar, você tirar foto, filmar, você participar diretamente, você está ali fazendo junto com o usuário, tem uma diferença enorme, observar e participar. Quando você participa, você vai ter uma percepção de dentro para fora, insider views. Você vai ser um membro daquela atividade, daquela experiência. Quando você olha de fora, você pode incorrer no preconceito. Por outro lado, quando você olha de fora, você também tem uma perspectiva mais crítica. Você pode se distanciar e perceber coisas que ninguém percebe quando está dentro, só quando você está fora. Então é muito bacana fazer as duas coisas, na verdade, que é o que a gente chama de triangulação. A gente vai ter uma aula só sobre isso, mais para frente. Agora, você pode usar alguns outros métodos menos conhecidos também, como a simulação da experiência, através de jogos, através de simulações digitais no computador. Eu uso bastante jogo de tabuleiro, uso bastante Lego, uso bastante máscara de modelar para fazer simulações de experiências. Então, imagina um hospital que quer reestruturar todo o seu atendimento, fazendo um jogo de tabuleiro. Como vai funcionar esse hospital, com os bonequinhos representando, os piãezinhos representando as enfermeiras, os médicos, o tabuleiro representando a planta baixa do hospital. Esse foi um dos projetos de pesquisa em design de serviços que a gente fez lá na Holanda, como parte do meu doutorado. A gente também pode prototipar a experiência, que é um pouquinho diferente da simulação, porque também envolve uma participação ali. Na simulação você tem um distanciamento, você manipula os objetos ali, você não é a pessoa dentro da atividade, dentro de uma experiência simulada. Na prototipação existe simulação também, só que você entra dentro da simulação. É o que a gente chama tecnicamente de protótipo diejético. É um protótipo que cria um mundo em que você habita, mesmo que seja temporário e simulado. Mas, no entanto, você tem uma percepção corporal, você sente as qualidades da experiência diretamente, e não apenas de uma percepção abstrata que vem da visão. Então, tem muito o que se dizer sobre diferentes tipos de métodos. Eu estou dando uma ideia geral aqui, fazendo até uma comparação entre os métodos mais participativos e menos participativos. Vocês vão ver isso em várias aulas posteriores, a gente vai se aprofundar nesses métodos. Para agora, o que importa é pensar nas pessoas que não participam do confronto. O problema é que para essas pessoas que não participaram, o que é abstrato, quem participou, desculpa, o que é abstrato, na verdade, você percebe como concreto. Então, as diferenças entre as experiências acabam sendo as similaridades entre elas. Agora, quem não participa desse processo acaba vendo tudo como abstrato. O abstrato é abstrato mesmo. Agora, eu queria fazer um experimento rápido com vocês, só para vocês entenderem a diferença entre abstrato e concreto. O que vocês estão vendo nessa imagem? Isso aqui não é nem parede e nem concreto. Isso aqui são raios de luz que estão saindo do projetor, batendo na tela e voltando para os olhos de vocês. Isso é uma maneira de falar extremamente concreto, não é verdade? Poderia até falar de átomos e tudo mais, para ser mais concreto. Agora, a gente percebe isso como sendo uma imagem que representa o concreto graças a uma abstração, que é a imagem. A imagem não é o objeto, ela é uma representação do objeto. Vocês têm uma disciplina de semiótica, só para explorar isso. Sem abstração, não existe linguagem. Porém, a abstração pode não ter significado nenhum para uma pessoa que não tenha experiência sensível com aquele objeto. Se você nunca viu concreto antes, pode ser que você olhe essa imagem e não saiba o que ela significa. Você vai ver um monte de riscos ou um desenho. Eu estou usando a palavra concreto aqui antes nos slides anteriores também para vocês já saberem o que tem nesse slide. De uma certa maneira, é meio óbvio. Só que para quem não tem o conhecimento daquele concreto, o concreto vira abstrato. Então, concreto é uma coisa muito relativa, situada, por isso que é difícil você generalizar. Para isso que existe o confronto entre concreto e abstrato. Então, como é que faz esse confronto? Como é que a gente torna o concreto concreto para quem não conhece, quem não participou? Bom, você pode fazer o que a gente chama do confronto posterior. Você pode ter um debate de ideias depois, apresentando, digamos assim, o seu processo de confrontamento com a realidade. E isso vai gerar questionamentos, isso vai gerar um debate, ou não, dependendo do grau de atenção que a pessoa vai dedicar à sua apresentação. Existem várias maneiras de apresentar uma pesquisa de experiências. A principal delas e a mais detalhada em que você consegue explicar como é que você confrontou a realidade é o relatório escrito. Com diagramas, com imagens, com fotos que você coletou. O problema é que a maioria das pessoas não vai ter tempo para ler um relatório enorme com dezenas de páginas. Embora ele seja muitas vezes necessário caso alguém queira verificar algum detalhe. Portanto, é bem provável que se você for trabalhar no mercado de trabalho com pesquisa de experiências, você seja requisitado a fazer slide decks, ou relatórios em formato de slides, resumidos, com menos texto, mais imagens, com uma sequência linear mais estruturada, que é apresentação bar point, ou keynote. Agora, existem outras maneiras também de apresentar resultados de pesquisa, como por exemplo, o teatro. Um teatro, fazer uma dramatização da experiência que você abstraiu concretamente na tua pesquisa, é uma das maneiras de tornar o concreto concreto para quem não conhece. Porque ver a imagem, ver um texto é muito menos rico, muito menos concreto do que você ver a coisa acontecendo ali teatralmente. Por isso também, volto a ressaltar a importância de assistir em OCO, mais do que ouvir um professor falar, é você estar na peça vendo lá. Então, aqui é um exemplo de um experimento que a gente fez com estudantes de Design da PUC do Paraná, a gente estava lá, conversando sobre o contexto que os estudantes sofriam de pressão da sociedade para obter o diploma, e depois que obteve o diploma não garantiu emprego. Então, é uma situação complicada que vocês vivem. Como é que você expressa essa tensão e a inter-relação entre isso, por exemplo, o impacto na vida afetiva, amorosa, na perspectiva econômica, na saúde mental, tudo isso aparecendo numa peça de teatro que durou apenas três minutos, e gerou um debate muito rico. Então, a gente usa o teatro como uma maneira de apresentar as questões de maneira criativa para que haja maior engajamento das pessoas que estão se confrontando com aquela realidade. Se você não faz isso, pode acontecer, e acontece muito, da pesquisa ser engavetada, porque os designers que iriam aplicar a pesquisa consideraram ela abstrata demais. Então, vejam como, por mais que esse esforço para construir algo concreto, se você não continuar construindo a concretude, ela vai acabar sendo destruída. O concreto e o abstrato são processos relativos, por isso que é um processo de abstração concreto, depende do significado social, assim como o valor de uso e o valor de troca que eu mencionei anteriormente. Então, uma das maneiras de evitar esse engavetamento é convidar as pessoas interessadas na pesquisa para participar do seu planejamento. Aí é o que eu chamo do confronto antes do confronto. Se tem um confronto depois que você fez a pesquisa, você pode fazer confronto antes. Então, você pode trazer essas partes interessadas para uma mesa de debates, uma mesa de cocriação, mesa de planejamento participativo, e você coloca as cartas na mesa. Quais são os métodos de pesquisa de experiência que você está interessado? Os outros podem colocar os métodos que eles estão interessados, e, arranjando na mesa, você pode construir uma metodologia. E é exatamente isso que a gente vai fazer nessa disciplina nos próximos exercícios, próximas aulas. A gente vai usar esse baralho UX Cards, que foi projetado lá no Instituto Faber Ludes, mais de dez anos atrás, para isso, para a gente planejar esse projeto de pesquisa colaborativamente. Lá no site do UX Cards tem essa história em quadrinhos, que vocês podem ler depois com mais detalhes, que mostra a importância desse diálogo, dessa construção colaborativa do planejamento, como que isso vai antecipando o confronto do confronto e colocando o conhecimento, tornando o conhecimento sobre a pesquisa, sobre o usuário, da experiência do usuário, mais concreto para aqueles que não vão fazer a pesquisa diretamente. Isso dá para fazer também de maneira remota, usando o Miro, que é um whiteboard, um quadro branco digital. A gente tem lá a versão do UX Cards para você incorporar no Miro, e aí tem algumas vantagens, e poder colocar setinhas, ícones, palãezinhos, post-its e tudo mais, que dá um pouco mais de trabalho fazendo físico. A gente vai trabalhar mais com físico aqui, porque ele tem várias vantagens em relação ao digital, e também porque a gente nem tem equipamento bom para fazer o negócio no digital aqui com tanta gente. Uma das mecânicas mais importantes do UX Cards que a gente vai trabalhar lá é a integração entre saídas e entradas das cartas, dos métodos. Cada carta é um método, então essa carta é etnografia virtual, que é um método clássico de pesquisa de experiências. O resultado dele é padrões de consumo, interesses, valores culturais. Isso é compatível com a entrada de um moodboard, também chamado de parial semântico. Ele aceita dados como informações dispersas sobre emoções, principalmente. Então, como a etnografia virtual é capaz de levantar dados sobre emoções variadas que as pessoas têm, há uma compatibilidade sequencial entre esses dois métodos. E assim, o UX Cards vai dando a dica de como é que você monta uma metodologia sem você nunca ter montado uma metodologia antes nessa área. Ao mesmo tempo, também vai permitir que várias pessoas interfiram sobre esse processo e criem o que a gente chama de uma cognição distribuída, que várias cabeças pensam juntas, pensam melhor quando pensam juntas. Então, esse é um dos fundamentos básicos do UX Cards. Então, eles vão antecipar esse processo de conscientização mútua das diferenças entre designers e usuários, porque você começa a perceber também a diferença entre os designers. Esse aqui é um modelo que eu tinha mostrado anteriormente, da expansão da consciência. Agora eu vou complexificar um pouco mais esse modelo. A pesquisa cria oportunidades para trocar e compartilhar experiências que costuma ampliar, ao invés de reduzir as diferenças. Então, essa ideia de que a pesquisa de experiência reduz a diferença ou aproxima designers e usuários, eu acho que é só um lado da moeda. Pelo contrário, eu acho que diferencia e distancia também, mas é uma distância reconhecida, que é bom. E, por exemplo, você perceber que os usuários são diferentes de você e muito mais diferentes dentre eles mesmos, é você tornar o outro um ser diverso. Você reconhecer que o outro não é um único outro. São vários outros e outras também para usar a flexão de gênero. Então, através da pesquisa de experiências acontece um processo muito interessante de uma abertura, de uma brecha dada dentro de uma estrutura de organização que visa o lucro, mas que dá brecha para a gente atualizar a organização com outros valores que não são apenas os financeiros, valores de uso. Então, a pesquisa de experiência vai abrir a diversidade do outro para ela ocupar espaço homogêneo do mesmo e tornar este aberto democrático inclusivo. Então, a diversidade do outro, com o tempo, vai provocar uma demanda de diversidade no mesmo. Na prática, significa o quê? A hora que você percebe que o usuário não é só um usuário ou que não existe um único usuário ou único cliente, você começa a perceber que existem usuários e usuários, existem usuários desprivilejados. Por exemplo, você tem uma grande quantidade de pessoas com deficiência, ou você tem uma grande quantidade ou uma pequena quantidade de pessoas pretas entre o seu grupo de usuários. Só que essas pessoas pretas estão sendo vítimas de racismo. Você começa a perceber isso, você fala "não quero mais ser racista, como é que eu faço para não ser racista?" Uma das maneiras é você contratar pessoas negras para trabalhar na sua equipe, fazer esse trânsito aqui, puxar pessoas que antes eram só usuárias de tecnologia para serem produtoras de tecnologias, desenvolvedoras, empregados dentro de uma empresa. Claro, no sentido da opressão, o oprimido vira opressor aqui. Mas o oprimido que entra no grupo dos opressores pode sim provocar uma mudança, uma transformação aqui dentro, para que o mesmo também se conscientize das suas próprias diferenças. E assim, com o tempo, a gente tem uma sociedade que vai dissolvendo as diferenças negativas e ampliando as diferenças positivas. Essa é uma utopia, digamos, de uma democracia racial, uma democracia de gênero. E a pesquisa de experiências pode contribuir para isso. Mas para fazer isso dentro do capitalismo, tem que ter foco nisso aqui. Resistir a lógica capitalista de transformar tudo em mercadoria com alto valor de troca e baixo valor de uso. Vocês têm que saber que no capitalismo a gente está trabalhando como designers no meio do caminho. A gente não está nem do lado completamente do capitalista nem do lado completamente do trabalhador. Se a gente estiver só do lado do capitalista, a gente deixa de ser designer. A gente se torna engenheiro. Engenheiro, de modo geral, não tem perspectiva crítica em relação ao capitalismo, com raras exceções. Agora, se a gente for totalmente do lado do trabalhador, se juntar a um sindicato, fazer parte de um processo de autogestão, numa cooperativa, é bem provável que o conceito de designer, o papel de designer já não faça mais tanto sentido, uma vez que dentro desses processos de organização dos trabalhadores, não visa-se combater a especialização, porque é uma das maneiras de provocar alienação. Então, você falar que é designer só vale a pena se você considerar que todos na sua organização também são designers. Então, se todo mundo é designer, ninguém é designer. Então, a gente está nesse meio do caminho. A gente trabalha na contradição entre valor de uso e valor de troca. Uma animação que mostra isso de maneira muito interessante, dentre as várias animações que o Steve Cutts produziu, é essa "Happiness". Alguém já assistiu alguma das animações do Cutts? Tá, poucos então. Eu vou tocar ela daqui a pouco, só vou rapidamente aqui pontuar porque ela é interessante. Ela é uma história sobre a nossa comodificação ou diminuição da experiência. É uma questão de gostar ou não gostar, visando esse ideal inatingível da felicidade que você nunca encontra, que está sempre fora e que faz você correr atrás de várias ofertas de experiências que são vazias, que são enganações, que só tem valor de troca, não tem valor de uso real. A felicidade nunca é entregue nesses serviços. E aqui eu trago essa parte da animação que eles justamente trouxeram a crítica a Starbucks. Então, se no começo da minha apresentação eu fiz a apologia a Starbucks, até porque para mim foi o momento de acordar e perceber o aspecto criativo da área design de experiências, agora eu finalizo com o aspecto crítico das experiências e destaco um ponto bem importante. Essa lógica de transformar tudo em mercadoria com alto valor de troca é, em última análise, autodestrutiva. Porque se você abstrai uma coisa tanto, chega uma hora que acontece. Essa coisa vira algo completamente impossível de você entender o que é, para que serve e por que existe. Que são aquelas coisas que a gente olha na nossa sociedade e fala "por que isso ainda existe?" Como é que pode ainda existir isso? Porque houve um processo de abstração. E esse processo de abstração tem um peso concreto que é escondido através da alienação, que é o que justamente essa animação vai tentar mostrar para a gente. Bom, muito obrigado então até aqui gente, eu vou tocar a animação.