no mercado e na academia, que é a questão da ética para o design de experiência. Sou, como eu estou chamando aqui, experiência projetada para o outro. Mas eu vou passar também pela estética e vocês vão ver como uma coisa está conectadíssima na outra. Atualmente eu sou professor da Universidade Tecnológica Federal do Paraná e ocupo a primeira cadeira brasileira de design de serviço e design de experiências. Esse é um lugar um pouco diferente do que normalmente estão acostumados numa conferência profissional, num evento, porque como um servidor público, eu não posso me vender, estou à venda, não estou no mercado. Claro que tem alguns servidores públicos que fazem isso, mas eles não poderiam vir dar uma palestra sobre ética. Talvez eles poderiam, mas aí você não confia nele. Se eles estiverem vendendo uma palestra de ética e forem servidores públicos, não acreditem nele, porque o servidor público tem que ser coerente e como servidor público temos que oferecer o melhor para todos e não só para aqueles que podem pagar. Enfim, então eu não quero vender uma fala, não quero vender um produto, uma consultoria de ideologia. Eu quero estimular vocês que projetem experiência a fazer seus próprios questionamentos éticos e chegar a conclusões diferentes das conclusões de Nint. Sou um pesquisador que deixou esse mercado de Wex há dez anos quando o Horace ainda tinha cabelo. Não, estou brincando. Você fala "Quantos anos você tem?" Então, eu já trabalhava há dez anos e migrei para a academia porque eu queria justamente essa posição distanciada que me permitia fazer esse tipo de crítica. Então, eu vou aqui primeiro começar com esse questionamento, que é o mais básico de todos, e também é um questionamento ético. "É possível projetar a experiência do usuário?" Bom, se é possível ou não é, vai ter N discussões, mas quais são as implicações éticas de você responder essa pergunta? Com os meus estudantes, eu faço essa pergunta no primeiro curso que eu dou sobre design experiences, eu falo o seguinte "Olha, fecha os olhos, eu vou te dar alguma coisa para você comer, você não vai saber o que é, você vai ter que descobrir através dos seus sentidos". E eu vou aos poucos dando instruções de como abrir esse sonho de valsa, que os estudantes não sabem que é um sonho de valsa, cheirar, lamber, mas não pode comer, não pode mastigar, não pode engolir. Aos poucos, liberando essa experiência seria maravilhoso se a gente tivesse presencialmente hoje experimentando isso, recomendo, eu chamo de experimento o número 68. Depois de fazer esse experimento com o sonho de valsa, eu pergunto aos estudantes, abro os olhos, me digam "É possível projetar uma experiência?" Eles sempre dizem "Nossa, é possível sim!" Eu pensava que não, mas depois que eu senti tudo isso que você me proporcionou, a partir de um mero chocolate que eu já comi tantas vezes na vida, e que eu posso experiencializar um chocolate ao invés de só engolir, eles acreditam "Agora vamos fazer isso com um produto digital, vamos fazer isso com WhatsApp." Então a gente usa o WhatsApp de propósito porque é um aplicativo que todo mundo usa, todo mundo teve a experiência ali, mas nunca parou pra pensar e viu os detalhes que tem, por exemplo, nas animações, na micro-interação, que são equivalentes aos detalhes do sonho de valsa, por exemplo, no barulhinho que ele faz quando você abre, que agora a embalagem está diferente e não está mais fazendo isso, mas o barulhinho do sonho de valsa parecia chover, se você pedir pra várias pessoas uma sala de aula, abrir ao mesmo tempo o sonho de valsa, parece uma chuva, é impressionante. Então no experimento 69 a gente mostra que os aplicativos também são embalados num projeto de experiências, então sugere-se que sim, certo? Mas e quando esses usuários vão ter essas experiências, não são designers, não são estudantes de design, ainda assim é possível projetar essas experiências, aí eu vou trazer aqui um conceito teórico da antropologia que inspira bastante a minha pesquisas na área de design de experiência. A antropologia diz o seguinte, que quando a gente interage com outros seres humanos, a gente às vezes separa esses seres humanos de acordo com o grupo social, e a gente trata diferente, porque a gente não conhece, porque eles vêm de uma cultura, porque eles vêm de uma classe social, porque eles vêm de uma raça, porque eles vêm de uma história diferente. Então a antropologia define o outro como sendo essa pessoa que a gente não conhece, que é de um grupo social diferente. No caso do design de experiência chamamos o outro comumente de usuários, ou usuário, ou usuária, e a gente considera que existe uma experiência desse usuário. A gente também tem uma experiência, essa experiência que a gente projeta poderia ser uma experiência dos designers, ou da designer, elas não são necessariamente as mesmas, isso eu concordo. Então eu concordo que não é possível você projetar a experiência do usuário tal como ela é, mas a experiência do usuário se baseia na interação com a experiência dos designers, aquilo que eles querem. Então projetar a experiência do outro é possível, mas seria isso antiético, tentar projetar essa experiência? Bom, os experimentos realizados pela CIA no projeto MK Ultra sugerem que sim, e quem quiser conhecer esse projeto sinistro que a CIA desenvolveu durante a Guerra Fia pra tentar controlar mentes e criar uma tecnologia de lavagem cerebral explicitamente pra combater o que eles achavam que era uma invasão comunista dentro do seu próprio país, e ao mesmo tempo transformar pessoas em armas que seriam espiões à prova de tortura, assistam esse documentário Warnwood que tem na Netflix e vocês vão ver o nível de falta de ética que pode chegar no design de experiência se a gente não tivesse tipo de discussão que estamos tendo aqui agora. Porém, projetar é o mesmo que controlar a experiência? O MK Ultra tentou controlar a experiência dos cidadãos, mas projetar uma experiência não é necessariamente controlar a experiência. Se você for no bar do Arante, em Florianópolis, pra quem teve essa oportunidade maravilhosa, vai ver que lá você tem uma série de bilhetinhos que estão pendurados em várias partes desse bar e isso é que é a grande atratucivo desse lugar. Você também pendurar o seu bilhetinho com alguma mensagem que você quer deixar pras pessoas que vão vir ali depois. Então cada um escreve uma coisa diferente porque cada um tem uma experiência diferente ao ir no bar do Arante. Então a experiência foi projetada pra ser desse jeito diversa e múltipla, mas isso não significa que tenha controlado a experiência. Aí você fala "beleza, se eu não controlo então eu lavo as minhas mãos, não tenho responsabilidade sobre ela". Mas será mesmo que a gente não tem responsabilidade só porque a gente não tem controle? Bem, além do Vander, eu também sou pai. E eu tenho filho já, que tem 18 anos, mas quando ele tinha 13 anos, ele deu uma palestra no TEDx. Foi o meu orgulho, né, sobre a experiência de uma... a educação do ponto de vista de um estudante. Foi muito bacana essa fala dele. Eu nunca dei uma palestra no TEDx e ele foi genial nesse momento. E ele foi genial porque ele quis ser genial, não porque eu tava controlando ele. Ele deu a palestra dele, do que ele queria falar. Então eu tinha responsabilidade por ele pelo que ele falou também. Mas eu não controlei o que ele disse. E assim como eu não controlo a vida dele, ele faz o que ele quer. Mas eu ainda assim fui responsável por ter 18 anos. Agora que ele já tá com mais de 18 anos, ele já consegue ser responsável. Agora, nossas experiências que a gente projeta, a gente vai continuar sendo responsável por elas porque elas não vão adquirir essa autonomia. Então como que a gente vai assumir a responsabilidade pela experiência projetada para esse outro, para essa pessoa diferente que a gente não conhece? Bom, a nossa comunidade de profissionais tem feito várias ações importantes que demonstram uma consolidação desse tema e uma preocupação. Mas ainda assim esses esforços estão isolados e separados. E cada um desses esforços isolados não são suficientes. Então temos aí o Manifesto UX que movimentou as redes sociais há alguns meses atrás, assinados aí pro Anacoli, Clécio Bacchini, Rílpides Magalhães, Érico Fileno, Luciana Terceiro, Mary Francisco, Rafael Boniti, Rogério Fratinho, Tomás Gonçalves. Então esses profissionais muito experientes da área escreveram que, olha, tá tendo uma banalização dessa profissão, ofertas de tanto serviços como de cursos, que são promessas inatingíveis, dado o seu escopo, o seu limite do que é possível controlar ou o que é possível projetar com a experiência. Então eles disseram que é importante analisar qual é a diferença entre um profissional que está entrando na área, que ainda é iniciante, e um profissional que é experiente. Eles defenderam a autoridade deles e também daqueles que, assim como eles, estão há bastante tempo lutando para que essa área seja uma área séria, que se baseie em evidências e não só em números abstratos inventados e que vendem fórmulas prontas. Eu acho isso importante, mas não é suficiente. Eu acho mais importante também que diversificar as equipes de projetos e incluir, por exemplo, pessoas como mulheres negras, que estão ausentes na maior parte das equipes de UX. Esse projeto UX, para mim, nas pretas tem feito um trabalho fantástico de inclusão através de oferecimento de treinamentos a custos ou baixo custo para essas pessoas, através de mentoria, através de um processo de assistência nas contratações, que não é a mesma coisa que se você quiser trazer essas mulheres negras, você não vai poder ter um processo de seletivo em que elas vão competir com um homem branco, porque homem branco, como eu, vai ter privilégio. Você não pode esperar que elas vençam um homem branco, você tem que trabalhar diferente. Então auxilie esse projeto. Mas ainda assim, gente, tem pessoas diversas, e eu estou falando de mulheres negras, mas eu poderia falar também de pessoas com deficiência, poderia falar de mulheres no modo geral, e pessoas de outros países, enfim, mas isso ainda assim não é suficiente. Escrever códigos de éticas baseados em debates com associações profissionais também é importante, mas não é suficiente. A gente ainda não tem isso. A gente tem alguns designers que escreveram uns códigos de éticas como o Mike Monteiro, que inclusive teve esse código de ética traduzido para o português pela Luciana III, um trabalho muito bacana, que o texto é interessante. Mas veja, o Mike Monteiro escreveu isso da perspectiva dele, e ele escreveu isso da perspectiva de uma empresa que vende workshops de ética no design. Então quando eu vi isso, eu já fiquei um pouco mais com o pé atrás. Eu acho um pouco complicado, pode haver conflito de interesse você fazer um manifesto que fala de ética, sendo que você vende um produto ou vende um serviço que está associado à exploração dessa ética. Então veja, isso é diferente de um código de ética que foi construído, por exemplo, para uma XDA, que foi construído para uma UXPA, que são associações que têm gestão democrática e que não vendem produtos e serviços. Então eu acho que isso é bem importante. Outra coisa são a formação de organizações sem fins lucrativos para promover a ética no design. É bom, mas não é suficiente. E também existe possibilidade de ter conflito de interesse. Aquele documentário "O Dilema das Redes", que tem na Netflix, na verdade ele termina com uma espécie de uma propaganda velada dessa organização sem fins lucrativos, a Center for Human Technology, fundada pelo Tristan Harris e Arthur Askin. E se você entra no site deles, você já vê que eles estão pedindo doação. Então embora eles não estejam vendendo, eles estão comercializando. E o mercado terceiro setor nos Estados Unidos movimenta milhões de dólares. Então vejam, você confiar apenas nisso para resolver o problema da ética é problemático. Eu acho também mais interessante ainda sindicatos, formar sindicatos profissionais para defender trabalhadores. Trabalhadores de tecnologia de informação como profissionais de vex também precisam de sindicatos. Os sindicatos nas outras áreas não nos cobram, não nos contemplam. E por outro lado, a gente precisa sim, apesar dos salários serem altos, lutar contra, por exemplo, patrões que vão cercear nossa liberdade de exercer a decisão ética. Que é exatamente o que aconteceu dentro da Alphabet, que é a grande empresa que inclui a Google, que gerou, por exemplo, protestos como demissões em massa dentro da Google, que gerou brigas internas, que gerou demissões explícitas, que a Google demitiu esses funcionários e protestou, outros pediram demissão. Isso saiu na mídia, isso prejudicou bastante a imagem do Google, que eu acho que ainda não conseguiu lidar bem com essa questão da ética, porque o peso da balança está priorizando a venda, por exemplo, de tecnologia de inteligência artificial para armas, para o Pentágono, para a China, para países ou organizações que são perigosas, que são questionáveis, que podem usar essas tecnologias para matar e destruir a vida de outras pessoas. Então é importantíssimo ter sindicato para ter força política ao negociar com grandes agentes como esse. Por fim, pagar impostos para financiar pesquisas acadêmicas sobre ética no design é bom, mas também não é suficiente. Aqui eu não vou mostrar o exemplo das minhas pesquisas, porque eu não estou aqui, como eu disse, para me vender. Eu vou fazer propaganda aqui de um pesquisador que eu conheço, que teve na minha banca de doutorado, que eu respeito muito e que essa apresentação é muito em base no que eu li dos livros dele e também no que eu tive a oportunidade de conversar pessoalmente, que é o Peter Pohlfer-Bake, professor da Universidade U20, e que escreveu dois livros fantásticos para quem quiser se aprofundar sobre esse assunto. Um é What Things Do e o outro é Moralizing Technology. O primeiro fala sobre ética e o outro fala sobre moral, e diferenciar essas duas coisas é muito importante. Eu não vou aqui encher a cabeça de vocês com essa diferenciação teórica, porque eu acho que o mais importante mesmo é a prática moral. Então suficiente é continuar fazendo esse tipo de questionamento ético enquanto nós moralizamos as nossas práticas. Então não parem, só fazer uma dessas coisas sozinha não é suficiente. Existem outras coisas que precisam ser feitas que ainda não estão sendo feitas e eu quero provocar vocês a fazerem. Vamos passar para a prática, que eu acho que é uma área que ainda não tem muita cobertura. Na prática existe a questão dos princípios morais que estão muitas vezes escritos na definição dos métodos que a gente utiliza. Então o método, a princípio, ele é moral, só que quando ele começa a ser usado, ele pode ser usado para outras finalidades, para outros propósitos. Então rapidamente ele se torna imorais. Veja aqui o exemplo do duplo diamante, o famoso double diamond que a gente usa tanto na área de experiência do usuário. O double diamond, assim como os diamantes reais ou físicos, aqueles diamantes que brilham, eles causam um impacto na nossa sociedade. No caso dos diamantes, vejam a comparação dessa foto que o Dillomash fez em uma mina de diamantes na África do Sul. Vejam o quanto de terra e de ecossistema precisa ser destruído para extrair aquela partezinha pequenininha que está no topo desse mastro. Ali tem um globo feito de diamante que foi extraído de toda essa cratera. Então pense no impacto ambiental gigantesco para obter uma coisa tão pequenininha que talvez a gente nem precisasse. O duplo diamante, ele faz isso só que num nível abstrato. Ele extrai as informações dos outros, dessas pessoas desconhecidas, sem que esses outros sejam de fato ouvidos de verdade. A Katia mencionou isso um pouquinho mais cedo, que a gente não está tendo a habilidade de escutar de verdade, de se transformar pelo que a gente escuta. Então não é à toa que uma das técnicas mais utilizadas, agora no double diamond, no duplo diamante, está sendo atualizada para incluir o UX Analytics, seja um negócio chamado mineração de dados. Então não é à toa. A gente está num momento que a gente precisa refletir eticamente sobre extração de dados, principalmente sem autorização. Existem questões legais, por exemplo, relativas à lei GLPD, mas além da questão do direito, que é uma coisa diferente da moral, a gente tem que pensar sobre a ética, que seria esse questionamento mais amplo. Mesmo que seja legal, às vezes não é ético fazer aquilo. A escravidão, lembre-se, já foi legal, já foi permitida, mas nunca foi ética. Então trazendo para a prática, perguntas práticas e respostas práticas, como ouvir e fazer ser ouvida a voz do outro ao projetar a experiência? Bom, uma das técnicas que dá mais autonomia para o outro se expressar da maneira como ele quer é a entrevista em profundidade. Aqui eu mostro um exemplo de uma entrevista que eu fiz numa pesquisa dentro de um conjunto habitacional que estava para ser parcialmente demolido em Londres. Nós fomos lá junto com uma entidade de simples alterativos chamada "Architectures and Frontiers", e a gente entrevistou os habitantes para mostrar para a população, de modo geral, o que estava sendo perdido na vida dessas pessoas, se elas fossem removidas para outras partes da cidade. As perdas irreparáveis nas relações humanas que isso causaria. Então esses habitantes, esses moradores, eles estavam com medo, então eles não iam se abrir se você fizesse uma bem-enquete ou um questionário. Você precisava visitar a casa deles, se acaso eles quisessem isso. Tinha que desenvolver uma relação e ir conversando. Eu fiquei muito feliz que esse senhor se abriu, contou a história da vida dele, e eu fiquei muito triste de saber que realmente tem pessoas muito pobres em Londres. A gente pensa "ah, é um país desenvolvido, todo mundo lá é rico", não, tem pessoas que sofreram muito nessa vida e esse senhor trouxe isso. A gente conseguiu, com esse projeto, incluir muitas pessoas parecidas e diferentes desse senhor, mas porque elas sabiam que elas podiam controlar a maneira como a voz delas seria utilizada. Nós utilizamos, além da entrevista em profundidade, a criação de mapas colaborativos e um processo de design participativo que gera um compromisso. Nós estamos representando a voz desses usuários porque esses usuários estão representando a voz deles junto com a gente. A gente construiu alguns mapas a partir do que a gente ouviu e tomamos muito cuidado, consultamos esses outros depois para ver se não tinha nenhuma voz que estava sendo silenciada ou diminuída ou até mesmo apagada por essa representação. As representações foram expostas publicamente para escrutínio daqueles que participaram da pesquisa, daqueles que deveriam fazer algo a respeito dessa pesquisa, como os representantes da prefeitura, como os representantes da associação de moradores, como representantes da associação religiosa comunitária e isso gerou um debate público que foi muito enriquecedor para convencer a poder público de que essas pessoas não podiam ser removidas daquele local, afinal de contas isso seria uma perda humana irreparável. Tornamos visível a algo que era invisível e com isso influenciamos essa política pública. Mas e se por acaso o outro disser algo que é anti-ético? E se o outro disser para você nesse caso "ah, tem que demolir mesmo porque aqui só moram pessoas ignorantes, só moram pessoas pobres que não tem nada a acrescentar nesse mundo, não vale a pena elas estarem aqui". Poderia ter o caso de alguém falar isso, mas isso seria considerado anti-ético, como lidar com isso? Certo? Tem um caso mais próximo ainda da nossa realidade de usar diferenças digitais ou usar serviços digitais que é o Uber Comfort, que é uma opção que, dentre várias opções, premium, que você paga um extra para dentre outras poder escolher se você vai querer que o motorista fique calado durante a sua viagem. Quantos motoristas, quantos passageiros que eu conversei acharam ótimo e não acharam anti-ético isso? Acharam conveniente. O motorista diz "ah, eu não preciso nem pensar, nem preciso tentar conversar com o chapapo, eu simplesmente cala a boca e sigo em frente". Já o passageiro fala "ah, eu não preciso aguentar aquela conversa chata, as cantadas, os comentários políticos que me irritam, a conversa fiada, a música chata". Então vejam, aqui nós temos uma situação em que o mesmo não quer interagir com o outro, isso não é uma coisa que acontece isoladamente quando você está no carro, no motorista. Isso é uma coisa que acontece historicamente entre uma classe social e outra. Se você tem condição de viajar de Uber na maior parte das suas viagens, você é privilegiado. Provavelmente o motorista não pode fazer isso e é por isso mesmo que ele está trabalhando ali no Uber, se não ele não precisaria trabalhar. Então existe uma relação de desigualdade e ao você escolher que prefere viajar em silêncio, você está enfatizando que não haja troca cultural, que não haja possibilidade de transformação entre pessoas ali naquele momento. Você mata um encontro entre classes, entre raças, entre culturas ao fazer isso e você perpetua esse preconceito que é anti-ético. Me desculpa se a sociedade acha isso moral, porque moral e ética não é a mesma coisa. Então como questionar eticamente aquilo que é considerado moral para uma determinada sociedade? Existem algumas maneiras que a gente tem pesquisado. A melhor que encontrei até agora é o chamado Teatro do Oprimido Tecnológico, que é uma adaptação de um trabalho fabuloso de um dramaturgo brasileiro chamado Augusto Walke. A gente adaptou para essa área da tecnologia. Então a gente fez várias oficinas ao redor do Brasil e aqui nós temos duas pessoas da comunidade de Uex muito famosas, que é o Edson Ruffini e também o Marcel Salles, grandes gigantes da acessibilidade e de outras áreas. Mas nós temos também a Lúcia Civeira, que é uma das fundadoras na academia de Uex no Brasil. Temos a Tatiana também. Então são pessoas importantíssimas aqui no Congresso de Interação e no computador, brincando para reconstruir através do teatro essa situação social que parece ser invisível, que parece ser uma questão de uma tela. Mas toda tela a gente sabe, tem uma experiência por trás e essa experiência pode não estar sendo observada, enxergada e visibilizada o suficiente para perceber, por exemplo, como se sente motorista quando a pessoa escolhe que não quer conversar. Então é muito bacana através do Teatro do Oprimido, mas existem outras maneiras que a gente precisa desenvolver e pensar a respeito. Só que mesmo assim a gente sabe que na condição profissional você não tem liberdade para fazer uma sessão de Teatro do Oprimido, você não tem muito menos a liberdade de questionar uma funcionalidade que vem de cima para baixo ou que o seu Product Owner, seu Product Designer, seu Product Manager disse que é estratégica, que vai gerar o growth que a gente precisa. Como é que você vai questionar isso se você percebe que é antiético? Então uma das maneiras é você manter a funcionalidade, mas você estimular o outro a se questionar se ele estaria fazendo alguma coisa antiética. Isso não é tão responsável, delegar um questionamento ético ao outro não é tão responsável, é parecido com você lavar as mãos, mas ainda assim não é tão ruim quanto lavar as mãos, porque você delegou, fala "pensa aí a respeito". Então no caso o exemplo seria o Twitter, que ao invés de bloquear e impedir a disseminação de notícias falsas, ele mostra um pop-upzinho, talvez você queira ler a notícia para verificar se ela é falsa antes de você retweetar automaticamente. Essa funcionalidade eu praticamente não estou vendo mais com o Twitter, acho que eles tiraram isso porque obviamente isso aqui é paliativo. Entre nós, se eles querem fazer uma ação realmente contra notícias falsas, eles precisam remover notícias falsas e remover usuários que historicamente têm disseminado notícias falsas. Enfim, é um debate que finalmente agora está começando a surgir, por exemplo, alguns ex-presidentes, pessoas muito importantes da esfera pública, mas que disseminavam notícias falsas e causavam mortes com essas notícias falsas, seja por envenenamento, seja por falta de cuidado com essas contagiosas. Mas uma outra maneira mais simples e mais, às vezes, que pode passar desapercebida do seu diretor, do seu chefe, do seu product manager, que é você escrever o UX writing com ações humanas e não com conceitos ou metáforas computacionais. Então você falar que vai entrar nesse link e vai comprar e vender é muito mais claro e evidente o impacto social disso do que você deixar escrito marketplace. Marketplace é uma maneira de você esconder o que realmente está acontecendo ali e iludir a pessoa entrar naquele lugar. Então vejam como uma pequena mudança na interface do Facebook já começa a desmontar a própria, os segredos dessa experiência que é predatória. A gente vê pelo dilema das redes, eles contextualizaram, contaram a história, mas eu já venho criticando o design do Facebook, inclusive do Orkut já criticava há muito tempo, as redes sociais elas precisam deixar claras consequências sociais nas ações que as pessoas têm, porque ali pode uma vida ser destruída nessa interface. Mas o que nós podemos fazer é quando não podemos nem mudar o texto da interface, não temos nem essa liberdade. Enfim, aí eu vou pular para a ética, vou mudar para a estética melhor dizer, porque na estética também se expressa a moralidade. Vejam nesse exemplo de um TCC que eu estou orientando, do Humberto Sommaso, estudante genial que a gente tem que ir ao TFT, ele fez um bot que pega os dados oficiais de mortes a cada dia durante a pandemia e gera uma visualização poética desses dados, para a gente lembrar no nosso feed que muitas pessoas morreram, que essas pessoas eram valiosas, que não era só um número, mas é uma estrela que foi para o céu, poeticamente ele está falando dessas perdas irreparáveis. Só que vejam nessas dois designs, a esquerda, uma mudança muito mínima. Quando ele coloca 2.375 vítimas no lado esquerdo, no canto inferior esquerdo da tela, ele está fazendo alusão a um padrão estético muito utilizado por videogames, que é a vida no canto, seja inferior ou superior ou esquerdo, mas em qualquer canto da tela. E essas vidas, como não é diferente do videogame, elas são perdidas e não são reparáveis, elas não vão voltar. Então ele fez a seguinte mudança mínima, mas que fez toda a diferença. Ele colocou em formato texto 2.375 vítimas em 24/03/2021 e já quebrou essa conotação da vida do videogame. Vejam, como um detalhe desse faz toda a diferença, pode não ser percebido pela maioria de vocês, mas com certeza uma pessoa que perdeu alguém, como eu perdi durante a pandemia. A gente presta atenção. Mas o que é que então ética tem a ver com estética? Vamos elaborar um pouquinho mais disso, porque não é muito comum essa associação. Embora a palavra ética esteja dentro de estética, a gente não presta muita atenção que uma coisa tem a ver com a outra. Então vejam, o Peter Pohlfer-Bake, naquele livro "What Things Do", ele fala isso claramente. Por trás de toda estética há uma ética implícita, ou seja, um modo de viver em sociedade. Por exemplo, os animojes permitem expressar emoções para outras pessoas sem mostrar o seu rosto, tal como máscaras de carnaval. Aí a pergunta, isso é moral ou imoral? Isso é ético ou isso é anti-ético? Expressar emoções sem mostrar o seu rosto. O que a pessoa quer fazer? Ela quer ter um distanciamento. Ela quer tornar a emoção muito mais algo que ela controla e usa para afetar o outro, do que algo que ela está se expondo. Então quer ter mais controle sobre a sua expressão. A máscara, historicamente, foi utilizada em diversos momentos, em diversas culturas para esconder a nossa identidade do ator. E assim permite que nós interagimos com um mundo ou com outras pessoas como se fôssemos um personagem. Um exemplo aqui bem interessante é o batibola no Rio de Janeiro, os blocos do batibola que durante o carnaval do Rio tocam um terror na periferia, mas às vezes até em outros bairros. Isso é moral ou imoral? Dizer que é imoral o batibola é problemático, porque é uma manifestação da periferia reivindicando o espaço público. E essa periferia não tem muito espaço. No Rio de Janeiro, muitas vezes até, ela é excluída de certos espaços públicos através, por exemplo, do projeto do transporte público que é desintegrado justamente para que as pessoas da periferia não cheguem às praias da zona sul. Mas isso aqui seria antiético? Aí sim, eu concordo que isso aqui é antiético, porque em todo caso, em toda situação que você vá usar uma máscara para evitar que você seja reconhecido, você pode usar isso para fazer um mal e de modo geral isso é antiético. Essa estética, ela pode ou não acompanhar o debate sobre ética. Então vou voltar aqui para o nosso mitier do design de interfaces, especificamente dos hígodes emojis que a gente utiliza. Notem como em 2018, finalmente, todas as grandes empresas que fazem redes sociais adotaram o padrão de emojis de brincadeira para armas. E vejam como algumas empresas são mais remitentes a entrar no debate sobre ética. Ou, às vezes, as equipes do design também não estão achando importante isso, mas pela pressão pública acabaram tendo que fazer essa mudança. Essa estética da interação, essas escolhas estéticas, normalmente elas atendem a gostos típicos de classe, raste, gênero. Aqui tem um estudo científico que mostra que a cor de pele interfere nas escolhas de emojis mais comuns, também gênero. E isso, o que pode acontecer? Quando você prioriza o gosto estético de um grupo privilegiado, você costuma prejudicar grupos desprivilegiados. Por exemplo, pessoas pretas, pessoas LGBT ou pessoas asiáticas, elas têm normalmente menos vantagens para encontrar parceiros em aplicativos como o Tinder, porque o Tinder é um algoritmo que não leva em consideração esses vieses na nossa sociedade. Então, o que fazer quando o gosto preconceitoso do mesmo distingue, exclui, diminui e desumaniza o outro? Não tem uma resposta fácil para isso. Eu convido vocês a participar do grupo "Estudos da Rede Design e Pressão", que é um espaço aberto para discutir esse assunto. Temos reuniões todas as terças-feiras à noite no Discord. E lá a gente estuda autores como Augusto Bocca, já mencionei. Ele tem uma live que a gente gravou para apresentar o trabalho dele, especialmente a "Estética do Oprimido", que é um livro maravilhoso sobre como desenvolver uma estética orientada para uma ética que evite a opressão na nossa sociedade, que seja a favor dos oprimidos. Mas se nada disso for possível. E se o grau de liberdade para tomar decisões éticas for zero? E se o mesmo, quer dizer, o grupo que está inserido no design, existir só para oprimir o outro? O que é que dá para fazer? Enfim, quando não há decisões éticas a fazer, eu alerto vocês. O trabalho que vocês estão prestes a ser automatizado. É melhor pedir admissão logo do que esperar por ela. A gente tem um teatro-forum organizado pela Rede Design e Pressão, que a gente discute o que vai acontecer quando o trabalho do design for automatizado por uma inteligência artificial. Se vocês quiserem ver, está lá na nossa página. E por fim, se as máquinas acabarem de vez com todos os nossos empregos. Olha, eu acho que isso não vai acontecer, tá? Porque é possível delegar decisões éticas e estéticas para as máquinas. Mas não é possível delegar as responsabilidades por essas decisões. E essas responsabilidades tem um preço no capitalismo. Então as pessoas que vão ser responsáveis vão ser pagas por isso. Mas aí é um outro tipo de perfil profissional. Aquele que projeta, por exemplo, um sistema que faz a detecção, que faz a condução de um carro autônomo, não é o projeto de experiência que a gente está acostumado quando a gente projeta uma interface interativa usando um sistema determinista. Esse processo aqui é muito mais complexo. Então eu acredito que no futuro, design de diferença, eles vão precisar se tornar meta-designers ou infra-designers para ter a liberdade de tomar decisões éticas, num cenário em que as experiências vão ser cada vez mais automatizadas. Eu não vou entrar em detalhes do que significa meta-design ou infra-design, porque aí a gente já vai entrar numa questão filosóficas e acadêmicas que talvez não valha muito a pena por hoje. Eu acho que já plantei pulguinhas demais no dia de vocês. Gente, muito, muito obrigado até aqui. E agora vamos ao debate se tiver alguém vivo ainda acordado.