Então vamos lá, Design de Experiências pela Perspectiva da Estética do Oprimido. É uma tentativa de refletir e pensar a respeito das ideias do Augusto Boal, que estão nesse livro aqui. O Augusto Boal é muito conhecido pelo trabalho dele no teatro do oprimido. E esse livro, que foi a última publicação dele antes de falecer, em 2009, publicado logo após a sua morte, ele traz uma visão muito parecida com o teatro do oprimido, só que para qualquer tipo de arte. Eu estou fazendo essa conexão com o design, considerando que design não é exatamente arte, mas ele também não é exatamente ciência. Pode? Pode, fica à vontade. O design se encontra num contínuo entre ciência e arte. Então, quando a gente fala em contínuo, não estou dizendo polos ou cantos, eu estou querendo dizer que muitas das coisas que surgem na ciência vão parar na arte, muitas coisas que surgem na arte vão parar na ciência e o design está meio que nesse meio de campo. Por isso que às vezes design é arte e às vezes design é ciência. Então a pergunta não é se design é arte ou é ciência. Na minha visão é muito mais quando design vira ciência ou quando design vira arte. Essa pergunta é bem mais interessante. Então, obviamente que nessa apresentação eu vou estar oscilando entre arte e ciência, gerando com isso alguns insights provocados pelo Augusto Boal. Vamos começar com alguns exemplos para clarificar o que a gente pode conceitualizar de design de experiências. Música, né? Música é uma forma de arte bem conhecida que pode proporcionar experiências de vários tipos. Então aqui você tem uma experiência de ouvir música sozinho, usando um headphone, com uma qualidade de som, você se concentra, fecha os olhos e você entra basicamente naquele universo que a música está construindo para você. Porém, se você for ouvir música junto com outras pessoas num show, você vai ter uma experiência completamente diferente musical. Então você vai sentir a vibração das caixas de sons gigantescas, algumas pessoas gostam de ficar perto, outras pessoas preferem ficar longe. Você vai sentir a vibração dos corpos das pessoas balançando, às vezes encostando, roçando. Você vai sentir um tato, as pessoas se encostando. Vai ter um calor, se não tiver devidamente refrigerado o ambiente. E você vai ter sons ensurdecedores da plateia complementando, acompanhando, ou às vezes questionando e criticando através de vaia, por exemplo, a produção sonora que vem do palco. Então existe uma experiência bem mais rica, muito mais forte, por isso também muito mais valorizada. Tanto é que as pessoas às vezes pagam quantias exorbitantes para participar de um show que dura algumas horas apenas. Também porque essa experiência não acaba quando o show acaba. A experiência muitas vezes continua, na maioria das vezes um show continua depois que o show aconteceu, e às vezes por décadas os shows vão ser lembrados. E você vai poder dizer "eu estava lá em Woodstock", ou "eu estava lá no show do Direta Já", ou "eu estava lá", o que seria o equivalente hoje em dia? - Santi Júlio. - Santi Júlio. - O máximo que era pintado, a sua velha melhorando de fundo. - E além de você ter experiências de você ouvir música, você pode considerar também quando as pessoas estão criando música também estão tendo uma experiência. E é aquele momento de você cantar no chuveiro, quando as suas cordas vocais ficam mais relaxadas e você consegue ouvir graças à acústica do banheiro melhor a sua voz, e você percebe quão bonita ela é e que você não tinha nunca percebido, né? E só num banheiro que fica tão bonita assim, puxa vida, né? E aí você se solta porque afinal de contas você também está num ambiente com isolamento acústico, as pessoas não vão poder ouvir, então você não vai ter vergonha da sua voz. Então tudo isso faz parte de uma experiência, todos esses elementos. E o último exemplo é já uma experiência coletiva, de todo mundo produzir música coletivamente. E aí você vai para uma jam, por exemplo, e cada um entra com o seu instrumento, entra com o seu repertório, vão tentando dialogar, entender o que uma pessoa está tocando, encaixar dentro do ritmo da outra. Isso é um processo de negociação bastante difícil de fazer se você nunca participou de uma jam, mas a partir do momento que você entra, você começa a perceber que ninguém mais consegue controlar o que acontece numa jam. Surgem às vezes coisas muito boas, às vezes coisas muito ruins. E é uma experiência não só de assistir, mas como você tocar numa jam, muito diferente do que todas as outras que a gente viu até agora. Bom, essas são formas que eu diria vernaculares, entre aspas, de projetos de experiências. Agora, vejamos como que a profissão de design de experiências tem trabalhado a ideia de que essas experiências podem ser projetadas deliberadamente. E aí formando talvez uma língua franca da experiência. Fuerza Bruta, alguém já ouviu falar? Se não ouviram falar, já comprou seu ingresso? Não, 140 é pouca. Tá barato, vale a pena, eu paguei 190. Não! É, vale muito a pena, vale muito a pena, não percam. Vai ter em Curitiba, mês que vem, show do Fuerza Bruta. É simplesmente a experiência mais incrível que eu já participei na minha vida. É muito impressionante. São várias situações, não dá pra dizer que nem a cena, porque não tem palco. Você tá no palco. É mais ou menos que só existe um palco. Então você tá ali dentro e as experiências vão acontecendo em todos os lados, não é só um lado só, inclusive em cima. Então esse momento é o momento que a experiência utiliza um palco suspenso, transparente, que na verdade é uma piscina cheia d'água, e dentro tem bailarinas dançando, e você vai ver a dança das bailarinas de baixo pra cima. E as bailarinas vão interagir com você, porque esse palco ele desce e sobe. Tem momentos que você consegue tocar no corpo das bailarinas dançando. Isso é só uma das situações. O show inteiro deve ter umas 20 desse tipo. Cada uma completamente diferente da outra. E eu acho que o nome, na minha interpretação, "Fuesa Bruta", é porque eles tentam te impactar com uma experiência original, te surpreender a cada momento com o máximo de recursos que eles têm disponível. É como se fosse uma metralhadora de experiências mesmo, pra você sair de lá com uma sensação de você botou o dedo na tomada. E eu acho legal, porque hoje a gente vive numa sociedade muito anestesiada, uma sociedade onde a gente praticamente sublimou a fruição estética, e o "Fuesa Bruta" eu acho que dá uma sacudida, assim, "Você não sente nada? Agora você vai sentir. Pode vir." E eu achei muito interessante também que não tem nada de digital nessas experiências, apesar de ser um projeto de experiências muito bacana. Uma das coisas que eu tenho tentado desenvolver aqui no departamento, nessa cadeira Design de Experiências, é justamente essa ideia de que Design de Experiências não é só experiência digital. Pelo contrário, na verdade a experiência digital muitas vezes é uma péssima experiência. Palco dos 5 Sentidos. Quem já foi lá? Oi, gente, vocês não estão consumindo experiências em Curitiba, hein? Falta grana. Mas não é tão caro, não. Só mostrando, cara. O Palco dos 5 Sentidos fica ali na... Não lembro daquela rua, não. É uma que sai da Câmara dos Vereadores, ali. Bom... Você tinha que achar... Não. Visconde do Rio Branco. Visconde do Rio Branco. Essa mesmo. O Palco dos 5 Sentidos foi criado por um arquiteto em homenagem à mulher dele, a Rebeca, que ela é uma violini... É... Violinista? Toca violino? Violinista. Violinista. E ela se apresenta todos... Toda quarta-feira, se não me engano. Nos outros dias ela convida diferentes músicos para tocar. É uma casa de shows que, por acaso, também oferece comidas interativas. Então, todas as comidas lá são preparadas para você estimular os seus vários sentidos. E tem uma especial que eu recomendo, que é a raclete. E aí você constrói a raclete. Você constrói um mini pratinho, assim, coloca lá para derreter o queijo. E aí você pode fazer vários tipos de raclete para os seus colegas que estão na mesa. É uma experiência muito bacana. E assistindo um show, ao mesmo tempo que você come raclete, fica muito interessante. E vale a pena também conversar com os fundadores da casa, porque eles têm muitas experiências para contar. O Barão do Rio Branco. Barão do Rio Branco. Isso. Obrigado. Agora vamos para o digital. Na verdade, entre o digital e o físico aqui, né? Nós temos uma parceria do Spotify com a Tramontina. Eles contrataram uma série de chefes de cozinha para fazer uma análise dos parâmetros de dados que estão atrelados, metadados atrelados às músicas do Spotify. E fazer um paralelo com metadados associados a receitas de culinária. Então, eles criaram um aplicativo que você entra com o seu login do Spotify, seleciona uma música que você gosta e ele vai gerar automaticamente, base nesse pareamento de dados, uma receita culinária que você pode comer enquanto você ouve aquela música. É uma receita que teria um gosto parecido com o sabor daquela música. Obviamente, explorando aí a sinestesia. No caso, vocês podem ver um exemplo, que receita é recomendada para se você for ouvir o álbum juntos do Luan Santana e do Paulo Fernandes. É? Vocês acham que faz sentido essa associação? Para mim, vai ser o que? Mas tem que ter alguma coisa. Tem o ovo no friso? É, tem o ovo. É o ovo estragado? Não, mas é tirando o ovo. A receita é uma delícia. Eu fiquei com muita vontade. Mas eu acho que talvez tenha a ver, por um ponto. Não sei se vai faltar uma diferença na camisa. Talvez a gente enlouqueça com o nome, talvez não dê certo. É, é bem provável. Vai que é bom. Vai que é bom. Vai que é boa a música também, né? Não, não, eu já ouvi. Já ouviu? É boa? Eu já ouvi. Ela é horrível. Nós conseguimos estragar uma música, que é uma música pop, live. E eu adorava a música. Eu tava com muito orgulho, entendeu? Nada de você pra fora. Eu gostava da Lady Gaga e do Edwin Cooper cantando a música. Eles acabaram com tudo. Bom, eu acho que é o ovo, né? O ovo deve ser o equivalente. Mas nem o Luan Santana faz o mesmo caralho. Eu acho que faz sentido. É uma música muito boa, mas eles colocam uma coisa pra estragar. É, é isso aí. É isso aí. Pode ser. Pode ser mesmo. Mas isso é bem capaz de ter acontecido mesmo. Porque provavelmente eles misturaram coisas que não se misturam na produção musical. E aí o algoritmo vai fazer a mesma coisa com a receita. Vai misturar certos tipos de sabores que normalmente não se misturam. Eu acho que isso vai ser muito dinheiroso. Que droga. Mas eu vou desafiar isso vocês daqui a pouco. Podcast. Eu acredito que é mesmo. Podcast de sinestesinha? Sim, com comida e... Ah, que legal. É do Madeira, o senhor. É do Madeira, então? É, o cara é do Madeira. Que massa. É legal o podcast. Massa. Ah, não, mas eu não sei o que é. Bom, o Spotify, ele não é um aplicativo, tá? Muita gente acha que o Spotify é um aplicativo. Mas na verdade ele é uma experiência, um serviço oferecido em diferentes dispositivos. Então, quando as pessoas me perguntam o que é design de experiências, o que você faz, a maneira mais fácil de explicar é essa. Olha, você tem o Spotify, é um serviço, tem várias mídias, tem várias coisas que eles fazem. Como que você faz para que essa experiência seja fluida? E você sinta que você está interagindo com o Spotify de uma maneira similar. Que você não se sinta mais ou menos satisfeito nas diferentes mídias. E que, por outro lado, que isso seja uma espécie de branding também. Uma marca da experiência do Spotify. Então, design de experiências normalmente vem para projetar esse tipo de coisa. E eu acho que o do Spotify é um dos exemplos mais interessantes contemporâneos aí. Então, o que a experiência projetada faz? Ela normalmente tenta se apropriar do pensamento sensível, que é um conceito que tem aqui no livro do Augusto Borg. Alguém chegou a dar uma olhada na introdução? Acho que eu passei, você conseguiu passar para eles? Então, o Augusto Borg vai fazer uma distinção entre pensamento sensível, pensamento simbólico. E vai dizer que o pensamento sensível, ele precede o simbólico. O sensível seria aquele que está ligado diretamente aos sentidos. E ele quer dizer que existe um pensamento antes de você ter palavras. E esse pensamento ele tenta explorar de várias maneiras na sua proposta de estética do oprimido para a gente evitar que a palavra nos domine. Só que o design de experiências, ele já vai no nível, é uma tentativa de estímulo, já no nível mais sensorial. Ou seja, o nível mais sofisticado de dominação. Já perceberam a mudança no discurso, espero. Dessa palavra aí. Até agora eu estava fazendo apologia ao design de experiência, agora eu vou passar para crítica. Então vamos lá, vamos aos poucos. Aqui, por exemplo, um exemplo de como que você tem um gesto que você faz no seu celular, a pinça, para você aumentar, diminuir e aumentar o tamanho do zoom de uma imagem. Esse gesto, a primeira vez que a gente viu alguém fazer, a gente não acreditou que era possível. Depois que a gente fez, a gente falou "Nossa, que legal, que gostoso". Isso são sensações que a gente tem, esse é pensamento sensível sendo articulado, sendo aproveitado para representar e relacionar você com uma coisa totalmente intangível, que é basicamente, no fundo do fundo, uma série de elétrons correndo por um circuito. Então você tem uma sensação de que aquilo ali é material, que aquilo ali é tangível, que aquilo ali é gostoso de pegar, mas aquilo ali não existe de maneira física. É apenas uma metáfora gestual. E aí, a partir dessa percepção de que, beleza, podemos, através do design de experiências, provocar, estimular o sensível, por que não controlar então o pensamento sensível? E é exatamente isso que a maior parte do design de experiências tenta fazer, embora nem necessariamente utilize a palavra controle. E se você falar "Ah não, mas eu não estou tentando controlar o design de experiência vai falar". Por que? Porque ele não consegue garantir o controle, mas tentar ele tenta. Por que ele tenta controlar? Porque normalmente ele projeta uma experiência. Você já sacou no título, projeta uma experiência, uma estética, e você deve seguir essa estética como usuário dessa experiência. E aí tem todo um processo de encurralamento do usuário, usando uma palavra para dizer o que realmente está acontecendo. Você tem aqui um labirinto criado pelo designer que o usuário deve seguir esse caminho. Clicou nesse item do menu, vai para esse outro menu, aqui tem outras opções. É um labirinto, é para você colocar o ratinho dentro do seu ambiente controlado e ele andar do jeito que você quer que ele ande. Isso na cabeça dos designers de experiência, isso também nos artefatos, os documentos que os designers utilizam para projetar as experiências. E um exemplo desses é esse que vocês estão vendo aí. Aí você pode dizer, se você for um designer de experiências, ou se você for simpatético à profissão, você vai falar "Não, mas a tentativa não é controlar o ratinho, estou colocando ele no labirinto só para ele se divertir, para ele fazer o que ele quer". Tá bom, mas é um labirinto ainda, né? Então na verdade você não consegue controlar muito o ratinho. E muito menos as pessoas, porque as pessoas elas têm capacidade de ressignificação, de criatividade, de subversão muito mais elevadas do que um rato tem. Apesar de que o rato também tem essas capacidades. Se você for ver nas estatísticas de navegação dos usuários em qualquer tipo de sistema projetado, qualquer experiência projetada, você vai ver que as pessoas não vão seguir os caminhos principais esperados pelos designers, pelos projetistas das experiências. E aí você vai ter o que eles chamam, tecnicamente, de taxa de abandono. Que é quando a pessoa sai do aplicativo ou sai do website, desiste do que ela estava fazendo e você perde uma compra. Esse aqui é um diagrama clássico utilizado para análise do funil de vendas. Olha só, a palavra funil de vendas não sou eu que estou colocando não, é a palavra que é utilizada na profissão mesmo. Então a ideia é fazer as pessoas passarem para o funil para que elas no final façam a compra. Então isso aqui são funil de vendas. Isso aqui é, digamos assim, a primeira página de um portal de e-commerce, uma loja virtual. Essa aqui é a quantidade de pessoas que fogem dessa página, ou seja, a maioria. Depois passam para a página do carrinho de compras, depois para colocar o endereço de entrega e finalmente finalizam a compra. Quando a pessoa finaliza a compra, a palavra utilizada na profissão é "converteu". Também não sou eu que estou falando, "converteu" a pessoa. Então o objetivo do Design Experiences muitas vezes é converter as pessoas. Por isso que eu gosto de falar que Design Experiences tem a ver com o Exu. Porque tem muito a ver essa questão da mágica, como é que se converte uma pessoa, é um processo misterioso. Na prática, se você for observar de maneira mais viés-antropológica, ou seja, desconfiando daquilo que o design está vendendo, você vai ver que as experiências, as estéticas que as pessoas têm com tecnologias e com espaços projetados é muito mais diversa do que qualquer projeto poderia antecipar. Então se você for olhar nessa imagem, tem alguns resultados de pesquisa antropológica realizados por um grupo chamado Near Future Laboratory. Eles estudaram quais são os gestos que as pessoas fazem com seus aparelhos celulares, seus smartphones, e descobriram várias coisas que a gente nem percebe que a gente faz, como por exemplo, ficar obsessivamente checando o nosso celular para ver se chegou alguma notícia, ou então ficar tentando tirar uma foto de alguém, como se fosse um periscópio, olhando para cima, ou então ficar encostado numa parede, olhando no celular, ou esse aqui que é o mais curioso, você ficar andando em círculos enquanto fala com alguém no telefone celular. Quem nunca? Eu não sei, eu não consigo parar de fazer isso. E por que a gente faz isso? Aí vão discutindo nesse relatório, quem quiser conhecer mais é só bugar Curious Rituals. Mas voltando para a discussão de estética de interação, os usuários também produzem estética de interação, não são só os designers, a despeito de todo o controle que os designers tentam exercer. Um exemplo bem interessante é a estética Vaporwave, que é uma estética, na verdade algumas pessoas chamam de contra-estética, porque eles vão quebrar todas as regras da estética do digital de propósito, misturando elementos, símbolos que não tem nada a ver uma coisa com a outra, e principalmente abusando dos efeitos gráficos que os softwares de edição de imagem oferecem. Então normalmente eles vão ser uma sátira, eles vão se colocar como uma sátira do ambiente digital limpo, clean, organizado, simples, que os sistemas operacionais, então é bem comum aparecer representantes dos sistemas operacionais, vão propor a estética do sistema operacional, ela é subvertida através do Vaporwave. Só que aí acontece um fenômeno curioso, que os usuários, eles também têm intenções e também querem controlar outras pessoas. Então você tem apropriações, ou talvez a palavra melhor seria cooptações, dessas estéticas da interação, por grupos políticos que querem colocar uma agenda política específica, nesse caso aqui é o grupo de extrema direita que apoia o nosso presidente, ou apoiava na época da eleição, não sei se apoia mais, com mensagem do tipo "o Estado é laico, não ateu, graças ao nosso senhor". Curioso. Esse grupo ainda apoia? Não sei até quando. Bom, uma tentativa de apropriação dessa, na verdade cooptação dessa imagem, desse tipo de imagem, ele visa estabelecer uma ponte entre a falta de sentido que a internet tem e a proposta de "já que não tem sentido, então vamos radicalizar", que foi uma das maneiras como, na época, o candidato Bolsonaro se comunicou com o seu público. E que hoje em dia está muito mais avançado, mas isso não vem ao caso. Por trás de toda estética, então, agora aqui falando de política, obviamente que existe uma ética implícita, ou seja, um modo de viver em sociedade. Então a palavra ética está dentro de estética. Muitas vezes isso não é discutido, mas o Boal coloca essa questão claramente. A estética é uma questão política. Isso também o Brecht, também vou falar, sei que vocês estão lendo por aí, o Brecht é uma das influências principais do Boal, também imagino que vocês já devem saber disso. Vamos ver isso, como é que isso se reflete no design de experiências. Então, Animojis, a Apple lança, acho que uns dois anos atrás, uma maneira para você olhar para o seu celular e o celular reconhecer suas expressões faciais em tempo real, e aí você poder mostrar qualquer emoção que você quisesse para uma outra pessoa usando uma máscara digital, que é isso que é o Animoji. Aí você podia falar uma coisa para uma outra pessoa usando um videozinho seu com esse animalzinho. E aí essa pessoa podia ver a sua mensagem sem ver a sua cara, ou seja, escondia efetivamente o seu rosto. Isso na verdade já existe, essa interação já existe, é milenar, é tradição muito conhecida, o carnaval de Veneza, você vestiu uma máscara para você ter comportamentos e interações que você não teria sem a máscara, se você fosse reconhecido. E é isso que o Animoji faz, eles falam "nossa, é, é para se esconder". Agora vamos ver um exemplo mais radical disso, que é o caso dos bate-bolas no Rio de Janeiro. É uma... alguém é do Rio, é carioca? Não? Eu sou, eu tinha muito medo disso quando era criança. Quando os bate-bolas chegavam, a gente fugia porque bate-bola era uma fantasia que dava licença poética para bater nas pessoas durante o carnaval. Bater como? Bater com uma bola, né, essa bola que está presa aqui num... isso aqui é um cabo e aí aqui tem um fiozinho, essa bola, ela tem um efeito ricochete, assim, ela não dói muito, mas dói, dependendo do jeito como bate, onde bate, né, mas segundo as regras do carnaval pode bater, pode mesmo, ninguém vai dizer para o bate-bola não bater, porque faz parte da fantasia. Então, no Rio de Janeiro tem essa tradição dos bate-bolas saírem em gangues, né, como se fosse um bloco, e ameaçarem e fazerem, e às vezes tem grupos de bate-bolas opostos, né, um grupo bate-bola X, um grupo bate-bola Y, que acabam se quebrando nesses encontros, tá? Sabe se esse especifico de Osso em Salvador, de São Paulo? É, não sei se existe em outros lugares, não, talvez tenha outros nomes. O bate-bola, ele já foi proibido, ele foi proibido no Rio de Janeiro por muito tempo, você não podia sair com a fantasia do bate-bola, que a polícia podia chegar em você. Hoje em dia eu acho que é liberado, mas ainda é uma questão bem delicada, e normalmente a polícia revista uma gangue de bate-bolas quando encontra com eles durante o carnaval. Mas quem no Rio tá estudando, pra botar a bolinha por uma faca, uma coisa mais, né, mais ativa, não, mas isso acontece às vezes também, eles levam às vezes outras armas e às vezes as pessoas morrem em encontro de bate-bola. No Rio hoje pode usar a máscara, não pode beijar, né? É, isso é verdade, isso é verdade. Tanto é que tem uma máscara, né, não pode beijar. Mas o bate-bola, ele é a expressão bem clara dessa masculinidade tóxica, assim, ele é um comportamento, né, tem muito a ver, e é também, mas é por outro lado, uma voz da periferia, né, o bate-bola é uma manifestação da periferia, das pessoas que vêm à violência todos os dias no noticiário, vêm o Estado ter um monopólio da violência, e durante o carnaval elas sentem essa oportunidade pra se apropriar da violência, dessa linguagem, e conversar na mesma medida. Voltando pra questão dos emojis, se os emojis não representassem uma violência simbólica, tal como a máscara do bate-bola, não precisaria ter mudado o design do emoji de pistola pra ele parecer uma arminha de brinquedo. Isso aqui é a evolução dos emojis de pistola de 2013 nas diferentes empresas, e agora em 2018, então você vê que a Apple foi uma das primeiras empresas a mudar pro modelo de arminha de brinquedo, e o Twitter foi o último. Curiosamente, se você perguntar qual rede social que rola mais violência simbólica, talvez você considere que é o Twitter, né, pela publicidade, né, a facilidade que tem das mensagens se espalharem publicamente, e as pessoas poderem bater em quem elas quiserem, mas sem saber em quem elas estão batendo. É muito parecido também com a história do bate-bola. Não, então são os dois, né, é o Twitter e o Facebook. O Twitter e o Facebook, bem lembrado. São os dois realmente, os dois disseminadores dessa cultura do ódio. Cultura do ódio, né. Sim. Na verdade não são disseminadores, eles são produtores da cultura de ódio, porque eles lucram. Então quanto mais ódio tiver nessas redes sociais, mais lucro eles vão ter, porque mais vão ter maus em audiência, mais exibição de anúncio, e mais pessoas carentes, desesperadas, por alguma coisa que apareça na timeline delas. Então, quando eu usei o termo violência simbólica, não é por acaso, é pra trazer nosso amigo Pierre Bourdieu pra baila, na discussão, né. O livro "A distinção", ele vai falar um pouquinho sobre a questão da estética e relacionar estética com desigualdade social. E vai mostrar que o gosto estético que a gente tem individual pra alguma coisa, por exemplo, eu gosto de sorvete de chocolate. Isso, na verdade, não é o meu gosto pessoal somente. Isso possivelmente, estatisticamente falando, há uma grande probabilidade de todas as pessoas da minha classe social gostarem de sorvete de chocolate. Então ele mostra através de estudos quantitativos, ele fala, eu tô sacaneando mesmo, porque eu não acredito que o quantitativo seja uma maneira muito clara de entender a realidade social, mas é a maneira como eu posso legitimar esse tipo de argumento e impactar mais pessoas a respeito de uma questão muito complicada na nossa sociedade, que é a exclusão social por meio do gosto. Então, assim como eu posso dizer que eu gosto de chocolate, eu posso dizer, não, você faz parte de outro grupo social, você não gosta de chocolate e você nem deveria comer chocolate, porque você não tem a capacidade de apreciar o chocolate. Porque você não tem... você não tem uma formação, você não estudou pra saber que o chocolate é o melhor sabor de sorvete. Então isso é basicamente desigualdade social manifestada na estética. Avança algumas décadas de pesquisas inspiradas no Bourdier e você vê coisas como evidências, mais uma vez, de que as escolhas pelos emojis que a gente tem, que a gente utiliza pra se comunicar nas redes sociais, no Twitter, no caso, são normalmente vinculadas às nossas grupos sociais, seja por raça ou por gênero. Então as identidades raciais, identidades de gênero, são correlacionadas com as nossas escolhas de emojis. Então se você prestar atenção, aqui por exemplo, no espectro de raça, que poderia se considerar negro, você tem alguns tipos de emoji que estão tratando de problemas, dificuldades que as pessoas estão tendo, de luta, tá acabando a bateria, então provavelmente são aparelhos, dispositivos que não tem uma durabilidade tão grande de bateria. E aí se você comparar nesse outro espectro aqui desse lado, pessoas que podem ser consideradas com identidade racial branca, só love, só love, tudo bem, tá tudo certo, estamos felizes e... ó, estão ganhando dinheiro, sei lá o quê, estão mandando, não sei o quê, muito louco, né? E aqui também, na identidade de gênero, você também vê uma diferença muito clara. E aí você fala, pô, mas eu não faço isso, eu não, eu não sigo, eu uso emoji diferente. Tá, você pode eventualmente fazer uma escolha fora do padrão de gosto da sua classe. Mas quando isso acontece, pode ser que as outras pessoas percebam isso. Como o emoji é um símbolo socialmente exibido, ou seja, outras pessoas vêm e reagem a esse emoji, pode ser que elas reajam de uma maneira que você vai mudando a maneira como você se comunica por emojis e tendendo a se identificar mais com a sua classe. Ou então pode ser que você também não queira se identificar com a sua classe, queira que esteja em trânsito, ou você esteja confuso, confusa, não sabe qual é a... ou confuste, né? Qual é a classe que você, ou qual o gênero que você está se identificando. Então tudo isso vai aparecendo nos seus emojis. Então, a gente pode concluir que a moral, ela se esconde atrás do gosto. Existe uma... uma tentativa, na verdade, de esconder essa moral atrás do gosto. Toda vez que eu escolho isso, o que eu gosto, o que eu não gosto, na verdade eu estou fazendo uma escolha moral que faz parte da moral do meu grupo, do meu grupo social. Então é moral para mim eu utilizar o emoji da pistolinha. Todo mundo no meu grupo social utiliza o emoji da pistola, então isso é uma escolha moral. Só que as escolhas morais, elas são circunstanciais, é a aplicação, digamos assim, da ética. A ética é aquela consideração mais ampla sobre o que seria o ideal de vida em sociedade. Só que quando a gente reduz a ética à moral e a moral ao gosto, a gente faz parecer que é tudo uma questão individual, de escolha, de likes. Eu dei like, você não deu like, não interessa, a gente não tem nada a ver, cada um escolhe as suas coisas, gosto não se discute. Então tudo isso aqui faz a gente desarticular a discussão política, faz a gente parar de pensar em moral, parar de pensar em ética, quando reduz toda a estética, todas as nossas escolhas a uma questão de gosto. E é exatamente isso que vai ser objeto de exploração de redes sociais como Facebook, eu já falei do like, mas de maneira mais cruel ainda no Tinder e outras redes de relacionamentos amorosos ou relacionamentos carnais, não diria amorosos. O Tinder, para quem nunca experimentou, vai aparecer foto de uma pessoa, não vai ter o nome e você vai ter duas opções, swipe left, swipe right, ou seja, gostei, não gostei. E aí terminou de fazer isso, já aparece outra foto, outra pessoa, swipe left, swipe right, e aí você vai fazendo isso aqui, gostei, não gostei, gostei, não gostei, como se você estivesse empurrando o corpo, sai, quero isso, não quero, vem pra cá, vem pra cá. E depois que você fizer uma filhinha, uma carreirinha, pode ser que aconteça de uma outra pessoa fazer o vem pra cá pra você e aí você tem um match, e aí o Tinder vai te propor a conversar com essa pessoa, pode ser que role alguma coisa, pode ser que não role. Você fala, legal, massa, muito bacana, só vou encontrar com pessoas que eu gosto. Até aí tudo bem, mas o problema é que como o Tinder é uma rede massiva, tem muitas pessoas diferentes ali dentro e essas pessoas estão repetindo esses comportamentos massivamente, você vai ter efeitos massivos, do tipo, grupos sociais que ninguém gosta, grupos sociais que vão levar muito mais swipe negativo, vai levar negativas do que positivadas. Então os grupos como negros, asiáticos, bissexuais e outros que normalmente são negativados nas nossas relações sociais, que historicamente sofreram opressão, no Tinder são vítimas novamente. Não é uma tentativa da rede social Tinder em proteger essas pessoas, embora a rede social esteja diretamente oferecendo a opção da pessoa escolher, quer dizer, essas redes sociais, elas lucram em cima dessa opressão, elas vão lucrar em cima dessa exclusão. É engraçado também, porque o Tinder, eles te sugerem algumas coisas para você fazer lá, normalmente, tipo, eu como que é granca, eles sempre mostram um banco heterofadrão, tipo um quartinho que está com a foto ou na torre entro ou na praia, é tipo sempre, parece que são as mesmas caras, daí eu vou ter uma questão, por que vocês sempre sugerem para eu dar super like? Então eu sou assim, pessoal me acompanha, eu venho com as caras das pessoas que dão like ao meu Twitter, e das minhas mesmas também. Eles citaram o Bordier também? Não citaram, né? Mas assim, eu me pergunto se as pessoas que te dão um "nossa, ele é muito fadrão" totalmente, tipo, isso serve para você dar um super like, esperar que a pessoa vai ver que você dá like nela. E daí, eu fiquei, tipo, até surpreendida, eu nunca mais vou usar, porque eu acho que é muito difícil. E não tem nenhuma feliz de trans também, que eu conheço, mas eu tenho meus amigos homens, eu converso com eles, a experiência deles, e eles não querem, tipo, até eles não sofrem, eu tenho dado tipo dias sérios, quase nunca eu fui fake, ou então, tipo, casar um grupo de mulher de 20 a 25, é cada dia 50, 50, mas tipo, se tiver 18, 20, sei lá, a minha idade é, se tá errada eu sou mais velha mesmo. E tipo, isso que meus amigos são, que da minha idade, se eu converso com eles, falam "não, nunca vi, tipo, ninguém nunca me, nunca nem um casal, tipo, apareceu pra mim e é bem normal, tipo, para as mulheres isso acontecer, então, tipo, eu não existi, não quero que isso aconteça". Então o Tinder e as outras redes sociais baseadas em algoritmos de customização pelo gosto, eles dão a impressão de que você vai, por exemplo, o Tinder vai decidir qual vai ser a próxima imagem que vai mostrar para você, ele também decide a sugestão do super like, como que ele decide? Ele vai te dizer que é baseado naquelas pessoas que você já gostou, mas não é só isso, ele também é baseado nas outras pessoas que foram gostadas, que estão próximas de você, e isso gera esse fenômeno de uma classe gostar das mesmas coisas. Então é Bourdier na veia, esses algoritmos eles transformam esse hábito de distinção que o Bourdier notou lá nos anos 60 e 70 na sociedade europeia, coloca isso para o mundo inteiro, para que todo mundo tenha o mesmo tipo de organização social que tinha na Europa naquela época. Isso não necessariamente é um padrão de comportamento habitual da nossa cultura, no Brasil por exemplo. Então às vezes acontece que essas redes sociais não pegarem certos países por conta dessa socialidade implícita não fazer sentido para aquela sociedade. Então o que acontece quando você tem grupos sociais não gostando ou gostando diferente, se distinguindo de outros grupos sociais, você tem opressão, porque você vai ter um grupo social dizendo que o gosto é superior ao gosto do outro grupo social, e essa estética da interação pode esconder isso. Então quando o grupo social diz não, a música, agora vou provocando vocês, a música do Luan Santana e da Paula Fernandes é horrível. Eu acho que é uma opinião que eu já ouvi bastante de pessoas que fazem parte de uma pretensa classe intelectual aqui no Brasil. Você gosta desse monte? A pergunta não é essa, a pergunta é se é a minha classe. Sério, você gosta desse monte? Na verdade eu nunca ouvi, para ser bem sincero. Mas a gente tem que tomar cuidado com os nossos gostos, essa é a preocupação que estou colocando aqui, muitas vezes o nosso gosto não é realmente o nosso gosto, é o gosto da nossa classe. E o caso mais interessante, porque esse caso nem é tão negativado assim, Luan Santana e Paula Fernandes, vamos colocar o caso do funk carioca. Funk carioca extremamente negativado, extremamente restrito a um grupo, não, quem gosta de funk é funkeiro, funkeiro é uma pessoa que não tem gosto musical, aquilo não é música, então existe uma desqualificação no nível muito mais intenso. Por quê? Porque o funk é um estilo musical que representa um grupo social que historicamente tem sido negativado na nossa sociedade. Então quando alguém coloca para tocar funk aqui na universidade, tem gente fazendo isso uma certa frequência ultimamente, eu tenho visto lá embaixo no pátio, essas pessoas estão questionando isso. Por que a gente não pode ouvir funk também aqui, entre os intelectuais? Eu fico bem alegre quando ouço funk, embora eu particularmente individualmente não seja um apreciador de funk, eu não ouço funk quando eu quero escutar sozinho, mas eu acho que é uma questão coletiva interessante, eu gosto de saber o que está rolando no funk até para não ficar restrito a minha bolha. Mas isso é uma escolha pessoal. Eu tive uma experiência bem legal, fiz parte de um grupo que ia definir cultura aqui na universidade, depois até assumiu, começou a fazer parte, e eu até saí depois dessa reunião, porque em uma das discussões estava assim, a universidade vai pautar a questão de música, a música vai ser isso, isso, isso. Eu falei, gente, eu trabalho com periferia, a periferia tem música, então se eu quiser trazer para cá e não pode ser música, quando eu falei de música de periferia, as pessoas que estavam lá, duas pessoas deram uns pareceres um pouco estranhos, mas o que a gente vai fazer se chegar mulher de mim e sai aqui? E daí é outra pessoa complementando, até sem isso. Eu falei, essa discussão funcionou tão ridículo que eu acho que é melhor parar. Se música de periferia é vista como mulher de mim e sai, sendo que eu não consigo ver o programa de mulher de mim e sai, ou sem, a gente está nesse nível aqui, então até onde consegue chegar? Eu acho que isso que você está colocando é muito, porque a restrição é muita, ela é pesada, ela é forte, e ela é, como o Dje mesmo coloca, ela é sólida, consistente, material, não é aquela coisa do mundo dos sonhos, não, ela se solidifica todos os dias. E não é uma mera escolha, você é forçado a escolher daquele jeito, você é forçado a não gostar do funk, porque se você gostar do funk e as outras pessoas descobrirem isso... Quando eu pergunto assim, me indiquem um filme, qual o filme que eu mais assisti na minha vida foi o Duro de Matar. Porque eu adoro o Duro de Matar, eu adoro, eu chego em casa, estou cansada, quando tem Duro de Matar, eu assisto o Duro de Matar, é muito assustador, é muito assustador eu gostar do Duro de Matar. É o meu lado violento, entendeu? [inaudível] Eu evitaria a ideia de tribal, porque normalmente está associada a natural e que não tem outro jeito. Eu vou mostrar como eu estou tentando com os nossos alunos quebrar isso um pouco. Estou tentando com vocês também, estou estimulando vocês a ouvirem funk. Vamos lá, vamos voltar para o design aí. É o Paulo Fernandes também, né? Então, o que acontece quando você tem uma estética escondendo a opressão? Você vai ter pessoas sendo negativadas também no design. Usuários sendo considerados burros, porque interagem de maneira feia. Então, se você já se sentiu nessa situação alguma vez, isso não é por acaso. Isso aí é uma relação construída socialmente que vai fazer você individualmente achar que você é o errado. Você que não sabe interagir direito. Tem um caso curioso que, numa aula que eu dei há uns 10 anos atrás, eu pedi para os meus alunos filmarem um momento em que eles estavam avaliando alguns eletrodomésticos. Dentre eles, uma balança eletrônica, numa época que ainda estava começando a vir para cá, então a gente não sabia muito bem como usar. E a gente queria experimentar justamente como que um usuário que nunca viu aquela balança poderia aprender a usar ela, sem ler o manual, porque normalmente as pessoas não leem o manual quando compram um produto novo. E aí a gente mostra nesse vídeo tudo o que pode acontecer de errado. E a gente tenta mostrar que aquele projeto dessa balança, ele é um projeto que não é claro, que você não entende como usar. Você tem que ler o manual para entender. E isso a gente achou ruim, uma característica ruim da balança. Então o vídeo critica a balança. Porém, no YouTube, ao ser publicado esse vídeo, que gerou muitas visualizações, mais de 30 mil, as pessoas comentam que a gente é burro, otário, idiota, imbecil, porque a gente não está seguindo o projeto da experiência dessa balança, porque a gente não leu o manual. Como assim não ler o manual antes de usar essa balança? Olha aqui, a empresa gasta dinheiro horas e horas entre projetos e testes. Só dedica para fazer um produto que atenda às expectativas dos consumidores. Aí vem imbecil qualquer com uma ridícula autoridade autoproclamada que não seguiu nenhum trabalho de ler o manual. E usa a balança. Que absurdo utilizar a balança sem ler o manual e sem tirar a meia. Pô, tem que tirar a meia, todo mundo sabe. Pô, quem não sabe o que é BW, todo mundo sabe. BT, Body, sei lá o que, nem eu me lembro. BF, BF aí. Ninguém sabe o que é BF, todo mundo tem que saber o que é BF. Vocês são burros. Isso aqui é uma evidência clara, inesperada, mas uma evidência óbvia do que eu estou falando. De que existe um preconceito sobre a maneira como a gente interage, existe um jeito certo e errado, existe um jeito bonito e feio de interagir com as coisas. Então existe uma opressão. Então essa estética da interação pode se considerar dentro do conceito do Boal entre dois tipos, a estética do opressor e a estética do oprimido. Então agora eu vou tentar fazer uma aproximação bem direta em relação a esse livro e a minha área do Design de Experiências. Aqui nós vemos uma imagem do Mark Zuckerberg testando uma ferramenta nova que eu não sei se ainda está disponível, já está disponível no Facebook, que é o Facebook Virtual Reality. Acho que eles cancelaram o caso desse exemplo. Ah, eles chegaram a cancelar então? Eles cancelaram, mas eles vão se implementar no contexto certo. Então, o que aconteceu? É um sistema de videoconferência em que você tem a possibilidade de colocar um avatar seu com movimentos tipo o Animoji lá, que vocês viram anterior, num ambiente à distância. Então nesse caso, levar uma câmera, um smartphone para Porto Rico, que era um local que tinha acabado de sofrer um desastre terrível por conta de um furacão, não foi isso? Não sei se era um furacão ou um tremóil. Um furacão, acho que era um furacão que destroçou a ilha. Porto Rico faz parte dos Estados Unidos. Então o Mark Zuckerberg ficou muito triste, muito preocupado com a situação, resolveu pedir para alguém mostrar como estava a situação lá. E aí, em tempo real, está comentando junto com a amiga dele, amiga não, na verdade, uma colega de trabalho, como que a situação está terrível em Porto Rico. E aí eles, "Nossa, que absurdo!" E aí, "Eu vou doar um milhão de dólares para resolver a situação. E podemos resolver isso? Podemos resolver aquilo? Isso aqui dá para melhorar?" E aproveitou o desastre que aconteceu em Porto Rico para fazer uma propaganda barata de um serviço novo que ele estava para lançar no mercado, capitalizando uma mídia que custaria muito menos do que um milhão se ele tivesse que pagar a publicidade. Um milhão de dólares é ficha, é troco, perto da visibilidade que essa mensagem teve, só que uma visibilidade, muitas vezes, negativa, graças a uma leitura crítica dessa situação. Muitas pessoas criticaram, chamaram isso de "disaster tourism", uma espécie de turismo de desastre, tipo aquelas fotos das pessoas que tiram selfie com o fundo destroçado, assim. E aí a gente pode dizer que isso aqui é uma espécie de estética do opressor, que é uma pessoa completamente insensível, que tem um poder descomunal, se aproveitando de alguém que já está completamente ferrado, que seria o caso das pessoas vítimas desse furacão. E a estética também traz uma mensagem clara, dessa imagem infantilizadora das pessoas, como se fosse só uma brincadeira e no fundo você vê lá uma destruição terrível. Então a desconexão da realidade que essa imagem traz é a proposta da própria tecnologia. Por isso talvez não foi para frente, mas talvez volte logo mais. [O que aconteceu foi muito grande, foi muito grande, foi um tiro no pé, eu diria em termos de relações públicas total. Mas é porque o opressor não é consciente que ele está oprimido. O opressor faz as coisas normalmente, aquilo ali é o modo desoperante dele, ele acha que está certo, ele não tem noção do que ele oprime. Ele precisa vir um oprimido para chamar a atenção do opressor.] Luciano Rumi teve alguma coisa assim, em que ele foi, eu não lembro, acho que no Haiti mesmo, foi para o Haiti, fez alguma coisa horrível, que não veio no seu programa. Só que sim, ele fez essa coisa horrível no programa, teve resposta pelas redes circulares, as respostas de quão ofensivo foi o que ele fez, mas é que não repercute da mesma maneira. Porque os meios de informação... Talvez a leitura crítica... Não chega onde chegou a opressão. Você falou que a resistência, a gente está sempre reagindo, mas não chega a encobrir porque a audiência dele foi imensa, e nas redes todo mundo compartilhou, mas não chegou onde deveria chegar. Sim. E essa estética do opressor, ela não se manifesta só nesses exemplos gigantescos e pomposos, como eu mostrei aqui agora. Ela é bem cotidiana, então ela está presente no nosso dia a dia, existe até um termo técnico para isso, que é o dark patterns. Dark patterns dentro do design de experiência são as estratégias específicas utilizadas para persuadir, seduzir, convencer alguém a fazer algo que ela não quer fazer. No caso, se você for comprar uma passagem aérea pela Gol, você depois de concluir o processo de seleção do voo, ele vai te perguntar se você quer reservar um lugar no avião, antigamente era de graça. Hoje em dia ele te diz que tem duas opções para você, Gol conforto, apenas 52 reais a mais, ou 15 reais para você escolher ser um assento normal. Aí você fala, que bom que a Gol está me oferecendo essa opção, mas eu estou sem grana, vou escolher 15 reais que eu estou... Vocês sabiam que ainda é possível não pagar pela escolha do assento? Não sei, tem gente que não sabe mais, por causa desse tipo de dark pattern. Mas se você clicar em fechar, fica de graça. A diferença é que você não consegue marcar o assento antes do check-in, você vai ter que marcar durante o check-in. O que não é um grande desconforto, não, porque se você fizer isso com... Acho que é 48 horas de antecedência, né? 48 horas de antecedência, você chega lá e está vazio. É, mas não é, você consegue fazer, se você fizer o check-in com 48, você não consegue, só 24 horas antes. Ah, só 24 horas para marcar o assento. Só para curar o estrela do carisma, né? Isso. Eu nunca pagaria os 15. É uma questão de honra. De honra, eu liguei lá e falei assim, "vocês são ladrões". Pensa um pouquinho, quanto custa para uma empresa oferecer o serviço de escolha de um local no avião? O serviço de escolha é o que a gente está pagando de passagem. Tudo bem, eu acho que é justo cobrar para um assento mais confortável. Mas para escolher o assento, na minha opinião, isso é inconstitucional. Alguém deveria mover uma ação para acabar com isso, porque não faz sentido. As empresas que trabalham com esse tipo de voo barato e tudo mais, e não têm escolha de assento, elas não oferecem essa opção na Europa. Não pode, ou você chegou primeiro e sentou, ou você compra um assento separado na classe superior. Mas esse esquema de enganar a pessoa de que ela pode pagar para escolher um assento, porque não fala, não te dá a opção, não explica que você tem essa opção. Você deveria ter um terceiro item aqui, "Não escolher o assento agora e deixar para o check-in". Isso deveria estar sendo claro. Isso se chama "dark pattern", que é o seguinte, você esconder uma escolha que está disponível para o usuário. E a Gol, talvez nem seja a empresa que mais usa dark pattern. Eu acho que a Azul, por que eu saiba, que eu me lembro, é a que tem mais dark pattern, que faz você convencer a comprar um monte de outras coisas que você não quer para a sua viagem. E, além dos dark patterns, existem também as mensagens de erro que vão bater no usuário simbolicamente, com alertas, caixas de diálogos, bugs. Sempre culpa tua. Faz aquele barulhinho, que é um barulhinho agressivo. Você é idiota, você é burro. E, claro, em outros barulhinhos, outras pessoas vão ouvir e saber que você está fazendo alguma coisa errada com o computador. E elas vão vir tirar sarro de você, porque você está interagindo de maneira feia. Então, tudo gira em torno da sua culpa, de construir uma culpa no usuário. O usuário é incapaz de usar o computador se, por acaso, acontece um erro. Essas mensagens eram tão abusivas no passado que houve processos judiciais contra essas empresas. Por exemplo, a Microsoft recebeu um processo na justiça, vários na verdade, uma informação coletiva de mulheres que se sentiam ofendidas com a palavra "abortar", que era utilizada antigamente nessas mensagens. O aplicativo executou uma operação ilegal e será fechado. Aí o botão para fechar era "abortar". Mulheres poderiam lembrar de situações, experiências de vida muito doloridas com uma situação dessas. Eu acho que a coisa mais ofensiva é quando você erra o nome lá no Facebook e daí volta "você não é Maldini?" Eu fico assim por cinco segundos e lembro que não vai atirar em ninguém. E eu, quando fiz o meu Facebook, ou e-mail, ou qualquer coisa, aí eu coloquei meu sobrenome. Escrevo lá F-U-C-K-L-E-R, palavra em próprio sentindo. Olha aí. Aí eu mudo para alemão, coloco, volto para o meu nome. Nossa. É, funcionando esse corretor, talvez se eu se mostro assim, eu coloco o meu nome no fundo. Então, a estética do opressor faz o usuário acreditar que ele não está produzindo nada, que ele é um inútil, que ele só está consumindo. A própria palavra usuário já coloca a pessoa numa condição que é de uso. Mas, na verdade, isso engana o trabalho que o usuário está fazendo para o opressor. Nós temos um grupo de estudos que está começando ali no PPGTE sobre trabalho de plataforma, que a gente está discutindo isso. O quanto que o usuário trabalha para o Facebook, para as outras redes sociais, selecionando conteúdos para outros usuários. Então, se já olhou no relatório de uso, de quanto tempo você passa em redes sociais no seu dia a dia, você já viu que provavelmente a tua média vai estar entre 30 minutos e 2 horas por dia. Então, são quase 2 horas por dia de trabalho que você faz de graça. Pelo Facebook. Porque quem que lucra com o que você está fazendo ali? Se não é o Facebook. Você não lucra em ficar selecionando notícias e dando like. Você não ganha dinheiro por isso. Você não é pago por isso. Como é? Que é você transformar o usuário em produtor? Eu ia clarificar que eu não conheço também. Interessante. É bem nessa linha mesmo. Não conheci esse termo, mas é bem isso que a gente tem discutido com essa... São condições discutidas dentro da educação. É, isso daí tem... Bom, eu vou falar um pouquinho mais sobre isso daqui a pouco. Mas o caso desse grupo de estudos, a gente tem discutido que isso aqui é uma exploração do trabalho não remunerado e, pelo contrário, também existe uma transformação do usuário em um produto que é vendido para o anunciante. Essas empresas criam um aparato jurídico enorme quando você assina, você clica em aceitar as designações deles antes de acessar o produto. Porque daí é todos os dados que você oferece a eles, eles podem explorar. Isso, para ter certeza de que... Mas isso não é constitucional. Sim, eles vão ter muitos problemas agora também com essa nova lei de proteção de dados. Mas isso é um outro debate, eu não queria entrar agora. Podemos depois, no final. Só para completar, então. O professor Rodrigo Gonzato, da PUC, ele terminou o doutorado dele aqui no PPGTE, ano passado. E na tese dele ele sugere que existe uma certa... Que a condição do usuário é uma condição de opressão. Então ele está sugerindo que existe um... Ele não chama esse nome usuarismo, eu que gosto de botar nomes assim fáceis de entender. Mas assim como nós temos machismo e racismo, temos usuarismo. É uma opressão que nega a capacidade de projetar, de produzir a sua própria existência de certos grupos sociais. Então tem certos grupos sociais que são usuários de tecnologia. Certos grupos sociais são produtores de tecnologia. Vale do Silício produz, Brasil consome e usa. E ao usar você não pode projetar, você não pode criar a sua própria rede social no Brasil, por exemplo. Então, tentando combater essa opressão do usuarismo, eu e o professor Gonzato e outros professores que se interessam por isso, muito desvinculados ao PPGTE, a gente tem discutido bastante a ideia de estética do oprimido como uma alternativa à estética do opressor no design de experiências. Então eu vou mostrar alguns conceitos e alguns projetos que a gente tem desenvolvido nessa linha. Só para pontuar, quem não leu a introdução aqui do livro do Boal, ele vai fazer uma contraposição entre estética do opressor, que no caso do teatro se manifesta num set de filmagem que faz referência ao cinema, com figurinos muito caros, com uma atuação toda ritmada, toda marcada, tudo certinho, planejado mil e uma vezes, nada sai do compasso, com um custo bem alto para você assistir. Então, somente aquele grupo social que são opressores na sociedade que vão assistir e vão ver os seus valores sendo reiterados na peça. A peça não vai questionar os valores da classe opressora. É bem contra esse tipo de teatro que o teatro do oprimido foi fundado. O Boal percebe esse problema dentro do teatro, lá nos anos 50 e 60, e começa todo um programa de teatro voltado para uma estética, que depois ele vai chamar de estética do oprimido, nesse livro aqui. E aqui tem um exemplo do Grupo Maré 12, que é um grupo de teatro oprimido, que se apresenta e se organiza lá no Rio de Janeiro, numa comunidade que eu não me lembro do nome agora exatamente, mas que vocês podem ver já pelo visual, características da estética do oprimido, que é a utilização de materiais que estão disponíveis dentro dessa comunidade, representação de cenas que tem a ver com os valores e dificuldades que essa comunidade enfrenta. No caso, essa peça fala sobre a maternidade... Como é que fala quando é muito cedo? Precoce. Precoce, obrigado. Maternidade precoce. Então, é uma peça de teatro sobre uma situação que acontece naquela comunidade, visando gerar a reflexão e o debate sobre isso. Não é uma favela como a Maré? Acho que sim. É um complexo. Na verdade, tem várias favelas lá. Essa daqui, se não me engano, é perto daquele Piscinão de Ramos. Não me lembro se é isso o nome. Então, a proposta do Augusto Ball é que todo mundo seja teatro, ou, na verdade, de maneira mais ampla, que todo mundo seja artista. Então, na verdade, ele diz, o ser humano é teatro já no seu dia a dia. Eu aqui estou fazendo papel, tem um professor dando uma palestra, vocês aí estão fazendo papel de estudantes, ouvindo uma palestra. Nós estamos aqui fazendo papel de brasileiros, nós estamos aqui fazendo papel de palhaço, a universidade está sendo destruída. Então, tudo isso é porque a gente tem papéis, modelos, que a gente segue no nosso dia a dia e isso já é teatro. Extrapolando, além do teatro, ele vai escrevendo estética do oprimido, que isso vale para qualquer arte. Então, nós estamos o tempo todo produzindo arte. A escolha das palavras, as escolhas de gestos, as escolhas de roupa, tudo isso é arte. Tudo isso pode ser reconhecido e valorizado, ao invés de anestesiado pela estética do opressor. Então, a proposta da estética do oprimido é tornar todas as pessoas produtores culturais, ativos, conscientes, que estão fazendo isso, e combater, por outro lado, essa estética do opressor que vem goela abaixo, através das mídias dominadas pelo capital. Aqui uma definição nas palavras do próprio Boll, que está no livro, só para vocês verem que ele não está opondo estética do opressor, estética do oprimido diametralmente. Ele propõe um diálogo entre essas estéticas e uma interpenetração, uma antropofagia, também ele fala. A estética do oprimido, ao propor uma nova forma de se fazer e de se entender a arte, não pretende anular as anteriores, que ainda possam ter valor. Não pretende a multiplicação de cópias, nem reprodução da obra, e muito menos a vulgarização do produto artístico. Não queremos oferecer ao povo acesso à cultura, como a maior parte dos programas que trabalham com oprimidos na área de cultura. Não é só acesso. Como se costuma dizer, como se o povo não tivesse sua própria cultura. Porque se falar que vou dar acesso à cultura para o povo, mas o povo já produz cultura. Ou não fosse nem capaz de construir e ter cultura. Em diálogo com todas as culturas, nós queremos estimular a cultura própria dos segmentos oprimidos de cada povo. Então, no caso do funk carioca, é uma cultura oprimida, então vamos valorizar o funk. Então agora eu vou mostrar para vocês algumas reflexões práticas de uma coisa que a gente talvez esteja pensando, algo como design oprimido. Não sei se vai ter esse nome futuramente, não sei se faz sentido desenterrar e manter essa proposta ainda com essa mesma nomenclatura, até considerando toda a discussão posterior que existe sobre a opressão pela via pós-estruturalista e tudo mais. Mas já nesse contexto dessa fala, faz sentido falar em design oprimido para tentativas de desenvolver uma estética do oprimido dentro do design. Isso aqui foi feito segunda-feira. É um manifesto parangolé. Nossos estudantes de uma disciplina chamada Laboratório de Design para Inovação Social, eles quiseram escrever um manifesto para convencer a sociedade, para eles mesmos se convencerem também, de que o design poderia lutar contra opressões. E aí a gente, cada um escreveu uma frase, uma fala, num pedaço de pano, depois a gente juntou esses pedaços, fizemos uma espécie de uma coxa de retalhos que se tornou vestível, um parangolé. Saímos vestindo, dando piruetas aqui pelo campus, e quando terminou a brincadeira, resolvemos doar esse parangolé para o nosso excelentíssimo Leonardo da Vinci. Ou será? A gente ficou na dúvida se era o da Vinci ou se era o Copérnico, porque em época de discussão se a Terra é plana ou redonda, eu acho que ele é muito mais Copérnico aqui mostrando, olha, a Terra é redonda, gente. Vocês aqui na universidade não podem acreditar que a Terra é plana, porque, olha, a gente trabalhou muito para fazer a gente acreditar que tem ciência, e a ideia de Terra redonda é basilar para isso. Se você detona a Terra redonda, você detona a ciência inteira, então para que precisa de universidade, né? Mas algumas pessoas acreditam na volta do plano, né? Bom, deixa isso para lá. A gente quis fazer uma interferência, chamar a atenção para esse sujeito que está fazendo um bom trabalho, lembrando que a Terra é redonda, e aí alguém foi lá no dia seguinte e tirou. Não sei que fim levou essa intervenção que a gente fez, é um pouco triste que tenha durado nem 24 horas, né? Eu cheguei de manhã, eu cheguei de manhã e não tinha mais. Gente, o pessoal é ágil, né? A noite ainda, acho que passou, a noite chegou muito cedo e tirou. É, a gente ficou pensando quem tirou, por que tirou, mas por outro lado, a gente sabe que a gente vive num ambiente aqui nessa universidade, né? Que não é muito propício para arte. Isso aqui é uma interferência artística, se você for pensar bem, nada agressivo, porque não destrói a outra obra, pelo contrário, é um palimpsesto, né? Acrescenta a obra, gera um novo diálogo, a gente chama a atenção para algo que você nem presta atenção mais, porque está tão comum, né? Vamos olhar para essa obra aqui, vamos dialogar com ela. Então, não foi uma destruição, a gente não pichou a obra, né? Embora a gente tenha, estamos pensando aí futuramente o que fazer para ter mais perenidade, né? Já que não dura um dia, desse jeito, vamos pensar outro jeito, que grude melhor as coisas que a gente quiser discutir, né? Vamos pensar. Aqui nós temos um experimento de gastronomia transformadora. Então, os nossos estudantes queriam questionar essa questão do gosto coletivo, do gosto social e promover a oportunidade de outros colegas e amigos experimentarem os gostos que nunca experimentaram, ou seja, comer algo que não sabem o que é. Então, eles ofereceram um monte de beckers e recipientes de química com comida líquida ou algum tipo de sabor ou um suco, e a pessoa não sabia o que era, misturava e tomava o shot de uma vez só. Depois descrevia como era o sabor, mas de olho fechado, para se concentrar mesmo na questão do sabor. Então, uma experiência bem simples que eles fizeram para a gente lembrar dessa questão que o gosto pode não ser necessariamente a única maneira de a gente escolher algo que a gente vai comer. E, por outro lado, também pode não ser a única maneira de a gente escolher alguém que a gente quer se relacionar. Talvez a gente tenha que fazer coisas que a gente não gosta na nossa sociedade para ter uma sociedade mais plural. Vocês têm resultados? É um experimento rápido, não foi uma coisa que a gente fez com uma grande quantidade de pessoas. Foi um experimento de design. A gente costuma dizer que no design a gente faz um ou dois experimentos de design e depois a gente passa para o próximo, a gente está sempre querendo criar alguma coisa nova. A gente não visa, por exemplo, ter um resultado estatístico, científico. A gente quer criar. Aqui nós temos um outro caso do teatro do oprimido tecnológico, que é uma atividade de extensão que eu desenvolvi no semestre passado lá no Lapoque em parceria com o TUT, que é o nosso teatro universitário. Foi uma série de oficinas de teatro do oprimido e estética do oprimido. Existem vários exercícios que o UBOL treinou os seus coringas, que são essas pessoas capacitadas a facilitar sessões de teatro, para que as pessoas reconstruíssem o seu pensamento sensível. Entre elas, existe, por exemplo, o momento que as pessoas conversam só com gestos, momentos que as pessoas só se conversam e se entendem através de cheiros, por aí vai. A gente fez uma... são oito oficinas no total, foram 16 horas. Participaram estudantes, participaram membros da comunidade ampliada externa da universidade e lá pelas tantas nós temos cenas de teatro imagem, onde são ensinadas situações de opressão, em que a tecnologia é usada para oprimir. E aí você tem aqui os participantes representando alguém que infelizmente levou o seu celular para as férias e foi interrompido constantemente com anúncios tentando vender produtos e também foi vítima de "pishing", que é aquela roubo dos dados para algum tipo de operação ilegal. Outro momento, os participantes refletiram aquilo que a gente discutiu anteriormente, toda vez que a gente usa um produto gratuito, nós é que estornamos o produto, porque a empresa vai se sustentar vendendo os nossos dados para um anunciante. Eu tenho um estudante que está fazendo um TCC de Design sobre a identidade das caifeicultoras do norte do Paraná, está trabalhando com uma comunidade em Quinhalão, em uma outra cidade que eu não me lembro agora o nome. Essa comunidade são mulheres que não são reconhecidas pelo seu trabalho como produtoras de café há muitos tempos, já que elas fazem isso, mas a sociedade não as vê assim. E ela está tentando utilizar o design como uma ferramenta para que essas mulheres possam ser mais... o trabalho dessas mulheres seja mais valorizado e visível. Algumas pessoas tentaram fazer isso com o design no passado, tem várias linhas de produtos com mini lotes de produzidos por mulheres, e aí você tem uma estética do opressor aqui, que é um homem provavelmente que fez esse projeto gráfico que vai igualar a mulher à natureza, como se a mulher fosse para ser consumida junto com o café, como se ela fosse uma flor delicada, como se ela fosse rosa, como se ela fosse isso aqui. Isso aqui é o preconceito encarnado no design de que a mulher é frágil, que a mulher é parte da natureza, que a mulher é doce, que a mulher é... enfim. Não, mulher é a cafeicultura forte, que produz, faz um trabalho manual, que nem os homens têm capacidade, empenho, força e determinação para fazer, que é a realidade, isso não aparece nesse design gráfico, nesse projeto. Então a Rafaela está tentando fazer um projeto que vai além da embalagem, que envolve criar uma experiência mesmo de alteridade para as pessoas entenderem qual é a realidade dessas mulheres dentro das cafeterias de mulheres aqui na cidade de Curitiba. Então futuramente vai ter uma exposição de fotos, de cenas e outras coisas para mostrar essa realidade da produção no campo. Aqui temos o trabalho do Roger Silva, que está fazendo o TCC também sobre estética do oprimido. Ele está especificamente estudando a estética afrofuturista em videoclipes brasileiros. Afrofuturismo, para quem não conhece, é uma linhagem de estética de ficção científica que ao invés de se pautar pelos valores estadunidenses, que a gente traducionalmente vê na ficção científica, se pauta pelos valores desse grupo social, que é basicamente o grupo da diáspora africana, está espalhado pelo mundo, e que não se vê normalmente representado no cinema, mas que através da estética afrofuturista encontra um espaço e um meio para se representar. E aí ele está analisando dois clipes, na verdade três, eu só trouxe dois aqui para mostrar para vocês. O "Nave" da Chénier França e o "2 de 5 + Coexiência" do Criolo. São dois videoclipes que trazem uma perspectiva muito crítica a respeito da nossa sociedade futura, ou para onde a gente está indo se a gente continuar fazendo as coisas que a gente faz agora. Muito bacana. E ele está analisando os elementos estéticos desses videoclipes para identificar e fortalecer para quem quiser produzir videoclipes afrofuturistas no futuro. Além disso, em sala de aula eu tenho utilizado o teatro oprimido em alguns momentos para discutir a opressão, a melhor coisa é você fazer o teatro fórum, você ensaiar a opressão, mostrar ela acontecendo, pedir para os estudantes experimentarem na cave, encarnar os personagens opressores, os oprimidos. Aqui no caso temos um casal de gays que estão sofrendo violência na rua, porque estão andando de mãos dadas. E aqui você tem um personagem brasileiro, bem tradicional, apoiando essa violência contra a união homoafetiva. E aí eles tentam, utilizando o teatro, também estratégias para reagir à opressão em algum determinado momento, utilizando novas tecnologias. Isso vai gerar ideias para produtos, novos produtos que são anti-opressivos. Aqui nós temos um exemplo desses produtos encarnados numa técnica nova que eu estou desenvolvendo, chama Teatro Projetual, que não existe no teatro oprimido, eu estou tentando desenvolver com uma contribuição, o teatro oprimido, que é basicamente pessoas representando objetos, pessoas representando tecnologias. Aqui nós temos o sutiã, essa moça está representando o sutiã, essa outra está representando como se fosse um entrevistador de um programa de TV, em que tem como convidado o sutiã e o escrotiã. O escrotiã é o produto que vai igualar a relação de gênero para que os homens sejam vítimas do mesmo processo de desconforto que as mulheres sofrem por ter que usar o sutiã, por uma necessidade social de não deixar as mamas às vistas, que as mamas não podem cair, porque isso, porque aquilo, uma questão de saúde. Então a mesma coisa para os homens com relação ao tratamento do escroto. Aqui temos dois projetos derivados desses experimentos. O primeiro da situação da perseguição homofóbica, foi criado uma solução que é um serviço digital chamado Pombocop, você chama o pombo e os pombos soltam raio laser nos homofóbicos. E aqui nós temos a propaganda do escrotiã. A ideia das estudantes era mostrar que o escrotiã, na verdade, ele já é uma coisa normal, já existe, já está aí na nossa sociedade, tanto quanto o sutiã, uma coisa naturalizada. E todos os homens têm que se preocupar com a sua saúde, o seu bem-estar. Existem vários modelos, inclusive o DryFit, para você utilizar durante a execução de esportes, muito indicado para você não sofrer com assaduras, é um problema bem comum, os homens que praticam esportes nessa situação com o escrotiã, problema resolvido. Bom, era isso que eu queria apresentar para vocês, obrigado.