falar sobre esse tema de estética, que normalmente acaba sendo resumido a uma questão visual. Estética dentro de interação no computador normalmente está ligado ao visual das coisas. E hoje eu vou falar muito mais sobre a relação entre estética e ética, porque a palavra ética está dentro da palavra estética. E também como existe uma estética que se manifesta ao longo do tempo, uma estética que eu chamo de interação. Então vamos lá. A maior parte das pessoas, quando reconhece o fenômeno da estética relacionado à computação, vai olhar isso do ponto de vista visual, da forma das coisas, como que aparecem as interfaces, sejam interfaces gráficas, sejam interfaces tangíveis, físicas, como botões e mesmo os dispositivos diversos que você tem para interagir com o computador. Porém, a forma no botão, na interface, não é determinada apenas por a sua relação com outros elementos da interface, mas por um gênero, cuja história abrange as mudanças no modo de operar e construir máquinas, de habitar e organizar o lar e de conhecer e relacionar-se com amigos. Esse é um trecho da minha dissertação de mestrado de 2008, em que eu discutia que o design de interação estava numa transição da época que se preocupava muito com as interfaces, para uma época que se preocupa muito mais com as interações que as interfaces mediam. E aí eu mostrava que por trás de cada botão tinha uma série de interações diferentes. Um mesmo botão com a mesma aparência poderia permitir mediações diversas. Isso tem sido uma temática dentro do meu trabalho, na minha pesquisa, principalmente nas relações interdisciplinares com interação mano-computador. Hoje já é percebida essa diferença entre uma interface gráfica e uma interação gestual, por exemplo. E existe uma beleza já percebida, por exemplo, no gesto do pinch, que se tornou o bico, aparece em várias interfaces. Então esse movimento e a sincronização desse movimento com a imagem que está aparecendo na tela, o objeto que está sendo manipulado, ele provoca uma certa satisfação. Aquele conceito antigo que a gente tinha de manipulação direta, ele tem um outro significado. Quando usa o gesto pinch, que é o significado da sensação de imersão. Isso traz um certo prazer. Mas essa estética da interação não é novidade da interação mano-computador, do design de interação. Ela já era explorada em várias outras artes, como o teatro, a fotografia. No caso estou mostrando o exemplo de uma crono-fotografia, uma fotografia que foi tirada em várias exposições uma em cima da outra, demonstrando o movimento de uma pessoa andando. Uma arte que explora muito o tempo e que está muito próximo do nosso cotidiano é o cinema, a televisão e a animação e várias outras que exploraram. Então o design de interação, ele tenta se dialogar com essas artes para trazer elementos de linguagem que sirvam para proporcionar qualidades da experiência únicas. Essas qualidades da experiência, elas não são atributos, propriedades dos artefatos. Dizem que são os artefatos digitais ou interativos de outras naturezas. Como esse modelo de Lin, Stout, Manjung e Donaldson mostram, a interação, essa gestalt toda, ele tem dois aspectos. Tem o aspecto da experiência do usuário e tem o aspecto do artefato interativo. Então você pode analisar as propriedades do artefato, o tamanho dele, se ele é transportável, se ele é minimalista. Mas o que interessa para a estética da interação é a qualidade dessa experiência que a interação permite ter. Então se é fácil, se é difícil, se é rápido, se é gostoso, tudo isso são atributos que tem mais a ver com aquilo que o usuário está experimentando e não com aquilo que o design está colocando no artefato. Então o WhatsApp é um aplicativo, um artefato digital que nós utilizamos praticamente diariamente no Brasil, a rede social mais disseminada aqui. Mas a experiência que cada um tem usando o WhatsApp é diferente, porque o que depende mesmo é quantos grupos você vai estar assinando e quais as pessoas com que você está conversando. Se você estiver nos grupos que estão aí na esquerda, grupos associados ao movimento do bolsonarismo, você vai ter uma percepção de mundo completamente diferente de se você tiver grupos como da direita, grupos para você imitar sons, animais e de personagens famosos da nossa cultura popular. Então são maneiras completamente diferentes de se relacionar com o seu mundo, com as outras pessoas. E a disposição dos ícones e botões na interface do WhatsApp, elas são importantes sim para a experiência, mas existem muito mais outras mediações que não são apenas proporcionadas pelo artefato digital. O que acontece é que designers de interação ou designers de experiência do usuário, mais conhecidos como UX designers ou como eu prefiro chamar, designers de shoe, ou shoe designers, eles muitas vezes ingenuamente tentam controlar essas qualidades da experiência, que como eu falei não é algo que é uma propriedade do artefato, é uma propriedade da relação com o artefato. E aí o que eles fazem? Eles criam roteiros, como o famoso Wildflow, que vai mostrando que é essa tela, você vai para essa outra tela e quando chegar nessa outra tela você não pode sair dela, você tem que completar essa, essa, essa etapa. Aí você pode voltar, mas quando você voltar você tem que ir para essa outra, ou seja, tem caminhos com interações prováveis e também com interações impossíveis, bloqueios, que não deixam o usuário fazer certas coisas que ele gostaria de fazer. Nem sempre as pessoas seguem esses roteiros e que pode ser facilmente demonstrado olhando as estatísticas de navegação, ferramentas como o Google Analytics, eles servem para justamente identificar quando que as pessoas deixam aquele fluxo de compra ou fluxo de outro objetivo. Então, esse vermelhinho que aparece demonstra que uma porcentagem muito grande das pessoas não segue o caminho ideal, o caminho que os designers gostariam que os usuários seguissem. Existe toda uma série de estratégias de design persuasivos para convencer as pessoas a seguir e converterem-se em compradores, mas isso nem sempre é efetivo. O que acontece é que essa estética da interação é diversa, muito mais diversa do que a gente pode antecipar. A gente pode até fazer versões AB das interfaces para aumentar a conversão, mas isso não significa que a gente entenda quais são as qualidades da experiência que nós realmente estamos proporcionando. Pode ser que as pessoas comprem, mas elas sintam arrependidas de terem comprado. Aqui tem um outro exemplo interessantíssimo de como as pessoas usam o smartphone no seu dia a dia e criam certos rituais de interação, do tipo ficar andando em círculos quando está atendendo o telefone, eu faço bastante isso, ou então ficar levantando o celular para filmar alguém numa platéia que está assistindo uma palestra. Você pode ter um comportamento obsessivo de cada alguns minutos, acho que isso com a pandemia aumentou muito, saber se você recebeu alguma mensagem de alguém. Então todas essas interações não foram necessariamente previstas pelos criadores dos smartphones, dos aplicativos, mas elas estão ali, de fato fazem parte do nosso dia a dia. São estéticas que você só consegue observar quando um designer vai lá e faz um desenho como esse, só que é um designer que tem um olhar antropológico, que olhou para essas qualidades da experiência sem uma vontade de controlar. Nós temos uma nova mudança de visão do design, se tornando cada vez mais aberto essa diversidade de interações criadas pelos usuários. Google Material EU que acabou de ser lançado é um novo padrão de linguagem de interação que o Google vai implementar no Android, que vai permitir muito mais customização do que atualmente é possível. Então eles estão tentando capitalizar em cima dessa diversidade de interações que os usuários têm e as qualidades da experiência que eles têm também. Só que quando se abre para customização, para que todo mundo faça a interface do jeito que quer, começa a acontecer também um processo de regulação entre os próprios usuários. Os usuários também querem controlar as experiências uns dos outros, em especial certos grupos políticos como bolsonaristas, que querem de uma certa maneira controlar a percepção de mundo que as pessoas têm e utilizam recursos estéticos. Aqui no caso tem uma apropriação de uma estética que surgiu nas comunidades virtuais chamada Vapourwave e foi apropriada pelo bolsonarismo para expressar os valores de patriotismo, de armamento da população, estado religioso e por aí vai. Então quando a gente fala de estética, como eu falei no começo da minha fala, a gente está falando também de ética, mesmo que a gente não fale sobre isso explicitamente. A palavra ética está contida dentro da palavra estética. E o que é ética? É basicamente um modo de viver em sociedade, é a discussão sobre os ideais dessa nossa sociedade. Então quando a gente começa a usar animojis, quando alguém cria um animoji e quando a gente gosta de usar animojis e começa a usar no nosso dia a dia, a gente se engaja com essa estética da interação via animoji, que é uma máscara, a gente interage com outras pessoas sem mostrar o rosto, a gente não está inventando uma estética da interação e uma ética completamente nova, porque isso já existia há séculos. A interação por máscaras já existia desde os carnavais de Veneza, que são talvez milenares, se não há muitos séculos de duração. E então quando a gente usa animoji, a gente está se vinculando também a uma moral do momento da... Enfim, eu vou pegar o exemplo de Veneza, do carnaval de Veneza. Por que as pessoas gostavam de usar máscara no carnaval de Veneza? Porque era uma sociedade pequena, é uma cidade fechada praticamente pela água, então todo mundo se conhece. Então, se você for no carnaval soltar a franga, todo mundo vai saber o que você fez, porque as pessoas vão reconhecer você pelo rosto. Daí surgiu a prática de usar máscaras durante o carnaval para você poder soltar a franga, fazer várias coisas que você não faria fora do carnaval, o que é socialmente, moralmente permitido, só que a diferença com a máscara você não é mais identificada. Então você se torna anônimo e, portanto, você se torna mais à vontade para falar coisas que você não diria. Da mesma forma, o animojo, ele te permite dizer e expressar emoções que você talvez se sinta ou tímido, tímida de expressar, ou talvez você sinta vergonha, ou você sinta constrangida de falar na cara da pessoa, mas através de um animojo, através de uma máscara você fala. Isso nos lembra que essas escolhas estéticas, elas estão ligadas a uma ética da sociedade, mas ela também tem uma instância, uma divisão por classe, porque a ética é universal, existe uma noção ideal do que é uma sociedade, mas a sociedade é cindida, ela tem pedaços diferentes, ela tem classes. Pierre Bourdieu, um sociólogo muito conhecido, fez um estudo demonstrando que dentro da sociedade francesa todos os gostos que as pessoas tinham diariamente, do que elas gostavam de comer, o que elas gostavam de assistir na televisão, o que elas gostavam de fazer quando tinha tempo livre, eram diferentes de acordo com a classe social. Então, a classe que tinha mais abastada, que tinha mais dinheiro, gostava de golfe, a classe mais popular gostava de jogar futebol. Então esse gosto, que a gente normalmente no discurso cotidiano e até na mídia, a gente aprende que não se discute, é um gosto individual, uma escolha individual, na verdade é uma escolha de classe. Então você tem a tendência a gostar daquilo que as outras pessoas da mesma classe que você gostam. Bom, depois de Bourdieu, esse é um estudo antigo, vários sociólogos e pesquisadores fizeram pesquisas demonstrando que não era só a classe que influenciava o seu gosto. Também o gênero, também a raça, também a origem étnica fazia diferença. Aqui nesse caso, tem um estudo em HC recente, que demonstra que as escolhas por determinados emojis dentro das ferramentas de comunicação instantânea, estão ligadas à cor de pele. No topo você vê as colunas, vai mostrar que pessoas brancas tem a tendência a usar emojis relacionando bastante corações. Já pessoas com a pele mais escura tem tendência a usar emojis relacionados à luta, a problemas com privacidade, com segurança, com uma casa caindo aos pedaços, faltando bateria, provavelmente os aparelhos não são tão robustos quanto quem não precisa enfrentar esse problema por ter privilégios. E também faz a diferença grande o gênero mulher e homem. Então essa estética da interação acaba parecendo que é uma escolha individual, eu gosto ou não gosto dessa estética. Porém, quando a gente percebe um ponto de vista coletivo, essa moral que está escondida através do nosso gosto, ela faz essa ética parecer uma coisa individual. Então a ética que era universal se torna uma questão de escolha pessoal. Isso não é a ética, isso é moral. Moral é a escolha que nós fazemos de acordo com o nosso contexto social. Então a gente vai fazer algo que, enfim, quando a gente reclama que os políticos são imorais, mas se todos os políticos são imorais, na verdade é moral ser imoral, dentro da política brasileira. Isso é engraçado a gente falar da política brasileira, mas é muito triste quando a gente vai falar, por exemplo, da reprodução sexual ou dos relacionamentos amorosos, quando entra a fator de classe, fator de raça, fator de origem étnica ou preferência sexual, e como isso afeta a capacidade de pessoas que são de grupos oprimidos de se encontrarem e se realizarem no amor ou no sexo, como acontece no Tinder, que é uma plataforma que não evita que esses gostos influenciem as pessoas de maneira a oprimir os outros. Quer dizer, ela reproduz o gosto e a moral da sociedade sem questionar se essa moral está de acordo com uma ética universal, então não está de acordo com a ética universal porque não é a favor dos direitos humanos você discriminar pessoas pela cor de pele, por exemplo, mas isso acontece no Tinder por causa do que o algoritmo é "neutro". Vou conversar sobre isso depois. Então essa estética da interação pode esconder, reafirmar e manter opressões entre grupos sociais. Então existe um aspecto sinistro quando a gente fala de estética da interação, não é só sobre coisas bonitas, coisas firulas ou coisas supérfilas, quando a gente fala da estética da interação a gente pode ver por uma perspectiva também de direitos humanos. E aí eu vou me referir ao trabalho do Paulo Freire, Augusto Boal, Álvaro Virapinto, são estudiosos brasileiros que fizeram pesquisas muito interessantes sobre como essa relação de opressão interfere na maneira como a gente se desenvolve enquanto sujeitos sociais. Então resumindo, os oprimidos são um grupo que foi historicamente desprivilegiado, teve menos acessos a recursos simplesmente porque receberam um marcador de identidade negativo. De quem? Dos opressores. Os opressores são os grupos privilegiados que ditam as normas, as regras, que escrevem a história, que ocupam os lugares de poder na sociedade, mas um depende do outro. O opressor depende do oprimido porque normalmente o oprimido faz o trabalho que o opressor deveria fazer. Normalmente esse conceito vem lá da análise que o Hegel faz da dialética do escravo do senhor, depois o Paulo Freire, o Boal e o Álvaro Virapinto vão contextualizar isso num contexto onde não tem mais a escravidão, mas ainda permanece, por exemplo, o racismo, mas permanece outras opressões além dessas. Então esses opressores vão interagir e essas interações, o opressor vai interagir com o oprimido para atingir seus objetivos e os oprimidos para poder também sobreviver. E essas interações podem ser consideradas estéticas. Veja aqui um exemplo de IHC. Quando o oprimido interage com o opressor, ele é levado a sentir que interage de maneira feia. Então, quando a gente se sente burro na frente do computador, isso não é porque a gente é burro, é porque o computador foi projetado para a gente se sentir burro. Ele tem uma estética da interação que faz a gente se sentir feio, errado. Olha só essa tela de alertas, de erros que o sistema operacional cometeu, sempre botando a culpa no usuário, como se você fosse culpado por ter havido uma quebra no sistema. Então os opressores, que são usuários, eles se sentem culpados pela interação feia. Isso nem é tão ruim quanto uma situação em que o opressor faz o oprimido agir de uma maneira que ele não gostaria de agir. Então o usuário, o oprimido, ele interage de uma maneira feia, mas ele nem sabe que aquilo ali é feio. Por exemplo, o que é feio realmente é você fazer algo que você não quer. E aí você vai lá e compra, reserva um assento no site da Go, porque você foi obrigado a escolher reservar o assento. Mas existia a opção de você não reservar o assento. Você não precisava pagar para reservar o assento, afinal de contas, quando você vai entrar fazer o check-in no avião, há uma movimentação para você escolher o assento quando você chega no aeroporto. Só que essa interface não te diz isso. Se você quiser seguir por esse caminho e não pagar a mais para reservar o assento, você tem que clicar em fechar. Veja, essa não é uma representação correta do impacto que essa ação tem. O correto seria fechar e deixar para reservar o assento no check-in, na entrada do avião. Então isso faz uma diferença enorme, mas a escolha explícita, e eu acho antiética na minha opinião, da Go e de várias outras empresas aéreas, que são campeãs dos dark patterns, que são esses padrões de interação, essas estéticas opressivas que estão em vários aplicativos. Não são só as companhias aéreas também, mas cada vez mais forte e mais difícil de perceber também. Normalmente, dentro da literatura, a interação humano-computador, costuma se caracterizar que é o computador que está oprimindo os usuários. Fala-se até do sistema opressor. Isso não é só um discurso que aparece na interação humano-computador, também aparece dentro dos movimentos sociais, dentro da sociologia, da antropologia, a ideia de que o opressor é um sistema e não uma pessoa, não um grupo social. E aí, olha o que acontece. Você bota a culpa no computador. São sistemas tão complexos que nem os seus próprios desenvolvedores entendem e podem controlar. Então, eventualmente, quando houver uma opressão, ela é sem querer. Os usuários não entendem como funciona, mas precisam usar mesmo assim. E a interface seria um meio para essas interações estéticas. Eu quero desconstruir esse modelo e proponver uma outra maneira de enquadrar essa mesma questão pelo conceito de opressão mediada pelo computador, que eu tenho desenvolvido já há alguns anos com meu colega Rodrigo Gonzato, da PUC do Paraná. A gente publicou alguns artigos, inclusive, no IHC sobre esse assunto. A gente fala o seguinte, que o computador é um meio para a opressão. Então o grupo social, historicamente privilegiado, usa o computador para oprimir. Às vezes de maneira explícita, mas às vezes de maneira não explícita, mas sempre intencional. Já o grupo oprimido usa o computador para se libertar. Ele não está querendo ser oprimido, ele quer se libertar, mas às vezes ele não consegue. E aí existem, obviamente, conflitos nessas interações estéticas. Existem contradições. Alguns documentários que começaram a surgir e se tornar bastante populares nos últimos anos têm colocado isso em evidência. Por exemplo, o Dilema das Redes, que está no Netflix. Só que daí ele mostra que existe uma estética da maneira como você interage com os aplicativos que faz você ficar, enfim, "hookered", grudado na frente do aplicativo o dia inteiro buscando a microafetos. Inclusive, mostra que isso vem do design persuasivo. A tecnologia persuasiva foi usada como recurso para fazer as pessoas ficarem "viciadas" nesses aplicativos. Só que o que esse documentário não mostra é que existem pessoas escolhendo isso explicitamente que elas têm que ser responsabilizadas. Eles mostram um pouco, mas esse documentário tenta fazer parecer que ninguém tem controle sobre esses aplicativos, sobre esses algoritmos tão complexos, e que o único jeito de resolver isso é o Estado resolver isso. É o Estado que tem que interferir, fazer uma política pública, enfim, bota a culpa no Estado e na tecnologia. Como se o Estado tivesse que fosse o único capaz de segurar a onda dessa tecnologia. Eu concordo em partes com isso, mas eu acho que o Estado tem que responsabilizar as pessoas que criam essas tecnologias também. Um outro documentário que saiu mais recente na Netflix, que aborda um outro problema relacionado, é o "Coded Bias", que vai falar sobre os vieses ou envezamento que os algoritmos têm, por exemplo, para excluir pessoas negras dos sistemas de rastreamento de facial. Então no caso a pessoa que criou esse documentário, que conta a sua história nesse documentário, ela vai mostrar como mulher negra que ela não era reconhecida pelos algoritmos de reconhecimento facial, então ela não podia usar filtros de imagem em aplicativos que usava esse recurso. E aí ela trabalhou com as empresas, grandes empresas de reconhecimento, de criam esses algoritmos para que os algoritmos pudessem também reconhecer faces negras. E esse algoritmo realmente melhorou em vários porcentos, fica mais preciso nesse reconhecimento. Ao fazer isso, ela permitiu que esses algoritmos pudessem ser usados também para rastrear, vigiar e também eventualmente punir pessoas negras, que antes não estavam sendo rastreadas. Porque esses algoritmos de reconhecimento facial não são usados apenas para entretenimento como num Snapchat, como numa ferramenta de rede social, eles também são utilizados para vigiar, para punir. Tem algumas câmeras de vigilância que já utilizam isso para disparar ações de repressão, por exemplo, para pessoas que entram dentro de lojas. Então, por exemplo, entrou uma pessoa negra, o sistema pode dizer que vai lá olhar essa pessoa negra. Quer dizer, é um algoritmo que ele é racista, mas ele não deixa de ser racista pelo fato de ele agora poder rastrear pessoas negras. Pelo contrário, ele pode ser mais racista ainda, porque o que vai depender se ele é racista ou não é das intenções que as pessoas estão colocando nesses algoritmos, nessas tecnologias. Então, esse viés, ele tem sempre uma origem. Não é que o computador é naturalmente enviesado, ele foi enviesado por quem criou o computador. E a gente precisa fazer esse debate público porque a gente tem situações em que a gente está discutindo mediação computacional que envolve vida ou morte de certas pessoas. E nessas situações, essas categorias, esses vieses que os opressores trazem de raça, de classe, de etnia, de condição social, enfim, elas vão determinar a vida ou morte de alguém. Por exemplo, quando um carro autônomo decide se ele vai matar alguém, vai priorizar alguém ou vai despriorizar outra pessoa. Por exemplo, tem pessoas que estão dentro do carro que vão morrer se o carro bater naquele obstáculo que está ali do lado, que desvia das pessoas que estão na frente, perto da colisão e bate. Mas aí as pessoas que estão dentro do carro vão morrer. E aí como que o algoritmo toma essa decisão? Não é o algoritmo que toma essa decisão. Quem toma essa decisão é quem programa o algoritmo. Então não é uma decisão técnica, é uma decisão moral. Isso é muito bem explorado no experimento Social Machine do MIT, que você faz, responde o que você acha, quais seriam as suas prioridades para esse algoritmo e ele vai te dizer basicamente o nível de preconceito que você tem em relação às pessoas que estão sendo mortas pela sua decisão. Agora, a questão que interessa mesmo não é uma estética do opressor, uma estética que oprime. Para nós que estamos tentando buscar estar do lado do oprimido, o interessante é uma estética da interação que liberte. Eu não acredito que o computador vai ser sempre dominado pelos opressores, portanto eu tenho investido nisso com os meus estudantes, com um projeto, um programa de pesquisa chamado Projetando para a Libertação. Eu não vou falar sobre todos os detalhes desse programa, eu vou focar nesse centro que é práticas de design que reproduzem a opressão e ignoram a libertação, e práticas de design que lutam contra a opressão e buscam essa libertação. E a gente se inspira em referências em interação no computador que eventualmente não são muito, que são esquecidas. No caso do trabalho muito bacana da Brenda Lora, uma pesquisadora mulher pioneira dessa área, escreveu um livro muito legal que é o "Computador como teatro", em que ela fala que as interfaces precisam representar ações humanas, tal como num espaço teatral. O teatro é isso, é um palco onde se representam ações, consequências e emoções. E ela mostra que essa analogia pode permitir que a interação no computador liberte o usuário de ser oprimido, e ela cria o conceito de experiência do usuário justamente para mostrar que a gente não pode ficar no paradigma da opressão, a gente tem que mudar para o paradigma da libertação. Então ela escreve lá no livro, num capítulo de livro, aquele livro famoso que a gente tanto cita do design centrado no usuário, a origem do design centrado no usuário, citamos Norman Draper, mas não citamos Brenda Lora, que tem um capítulo lá dentro, interface como Mimesi, e lá ela vai dizer o seguinte, quando a gente procura princípios de design para boas interfaces, nós temos que se preocupar não com o melhor caso, e perguntar, não que os usuários estão dispostos a passar a dureza que eles vão ter que passar, a dificuldade que eles estão dispostos a passar, mas o que seria o ideal na experiência ideal? Esse ideal da experiência do usuário como ideal é um conceito ligado à libertação, e aí a interface vai permitir que isso aconteça. Então um erro muito comum a atribuir o conceito de experiência do usuário é o dono Norman, que só vai usar esse termo em 1995. O dono Norman usa esse termo nesse próprio livro de 1986, só que não do jeito que ele utiliza depois, e ele vai usar apenas quando se refere ao trabalho da Brenda Lora. Então Norman vai usar o conceito de experiência do usuário, não vai dar referência a Brenda Lora, e a gente vai continuar reproduzindo esse machismo, essa exclusão dessa mulher que fez um trabalho muito bom dentro de interação no computador, porque, enfim, é um homem cis, branco, enfim, que tem uma posição de poder, que conseguiu, porque tem muito mais privilégio que a Brenda Lora, acender na sociedade. Então a gente se quer combater a opressão, precisamos também combater essa opressão dentro da literatura. Então o que eu tenho pensado, inspirado no trabalho da Brenda Lora, é a libertação mediada pelo computador. Esses artigos que eu já mencionei, escritos com o professor Rodrigo Gonzata, também tratam dessa possibilidade. E um autor que é fundamental para a gente, que também faz uma complementação ao trabalho da Brenda Lora, é o Augusto Boal. É um dramaturgo brasileiro que escreveu sobre a importância do teatro servir as camadas populares, não ser só uma ferramenta estética, uma linguagem estética de domínio das elites. Em um momento crucial da cultura brasileira, nos anos 60, que é uma abertura da produção cultural para expressar valores da nossa cultura popular. Ele tem um tremendo sucesso ao redor do mundo e eu acho que ele pode nos inspirar, sim, a pensar o computador como um teatro do oprimido. Ele tem um outro livro que eu acho mais profundo e mais importante para a gente, da área de interação ao computador, que é "Estética do Oprimido". Ele vai explicar que existem relações muito fortes entre a maneira como a gente fala, a gente pensa e sente o mundo já está pautada pela opressão. Então o oprimido às vezes não consegue nem sentir o próprio corpo, porque está mecanizado a sua postura, está acostumado a baixar a cabeça, olhar para baixo, isso vai encarquilhando o corpo. A Estética do Oprimido, por sua vez, é uma tentativa de liberar, libertar esse corpo oprimido. Tem uma série de recursos linguísticos que vai além do teatro, então esse livro não fala só de teatro, ele fala de qualquer tipo de arte visual, musical, cinemática, qualquer coisa que a gente possa se apropriar de linguagem estética para soltar o nosso corpo. E ele diz que esse corpo humano é a fonte de várias linguagens estéticas, que são meios de pensar simultâneamente ao pensamento simbólico das palavras e dos gestos convencionados. Então aqui ele está fazendo referência a uma maneira de entender a nossa relação com o mundo que vai além da percepção, ou melhor, da psicologia cognitiva, que vai dizer que o pensamento racional, explícito, através de palavras é o superior. Para o Augusto Boal existe um pensamento tão importante quanto ele que é o pensamento sensível, que é pautado pelo nosso corpo, pelos sentidos, e não necessariamente ele depende das palavras. Inclusive ele precisa, através desse pensamento sensível a gente pode perceber as palavras enquanto objetos, enquanto coisas que podem ser modificadas e transformadas de uma perspectiva estética. Então vou mostrar agora vários experimentos que eu tenho feito com estudantes, com colegas variados para tentar buscar uma estética do oprimido dentro da interação no computador. Um dos primeiros experimentos que a gente fez junto com o professor Gonzato também na PUL, que é o jogo do Facebook, que é uma maneira de simular o algoritmo do Facebook usando recursos muito tangíveis e concretos, como papeizinhos post-its com adesivos e conexões via novelo de lã. E aí a partir desses experimentos os estudantes podiam perceber o viés desse algoritmo provocando aí se beneficiando da polarização política, da disseminação de mensagens que provocam tanto likes quanto dislikes. A gente descreve esse jogo e várias outras atividades nesse artigo sobre o ateliê antropofágico, que está mencionado nas referências. Em outro artigo que a gente está preparando para publicação, a gente fala sobre a intervenção que tecnologias estrangeiras tiveram no Brasil, na política brasileira. E os nossos estudantes, como eles leram esses fatos históricos e como eles reinterpretaram isso a partir da perspectiva de futuro que a tecnologia nos traz. É o que se chama de design especulativo, uma área bastante forte em interação no computador, que existe a perspectiva de trazer o design como uma maneira de imaginar cenários futuros para pensar impactos sociotécnicos da tecnologia, ou seja, impactos mais amplos. No caso, os estudantes imaginam um cenário em que uma inteligência artificial começa a tomar o trabalho da presidenta Dilma durante o seu mandato, que acaba sendo interrompido porque essa inteligência artificial comete uma ação que gera atuais das pedaladas fiscais. Então, eles atribuem essa inteligência artificial ao recurso que deu origem ao impeachment. Mas é interessante como coloca que essa inteligência artificial seduziu a Dilma ao utilizar esse aplicativo para facilitar e gerenciar melhor o governo brasileiro. Ele mostra também que por trás disso existia uma interferência externa no imperialismo estadunidense que criou essa inteligência artificial. Então, é uma maneira de criticar uma situação política colocando a interação no computador dentro desse cenário, não separada, mas como também implicada politicamente. Um outro estudante, Roger Silva, fez um estudo muito bacana aqui na UTFPR sobre a estética da interação afrofuturista, buscando mostrar que o afrofuturismo permite imaginar interações que são libertárias, que não são opressivas, porque ele se baseia numa referência, numa matriz cultural que já vem buscando a libertação há muito tempo. Videoclipes como o da Nave, de Xenia França, o 2 de 5, do Criolo, eles mostram várias tecnologias que a gente tem hoje como sendo de ponta dentro da interação no computador sendo usadas a favor dos oprimidos, a favor da sua libertação. A gente trabalha com esse tipo de cenários também e com outras perspectivas estéticas de uma maneira bem concreta e prática numa ação de tensão chamada Teatro do Oprimido Tecnológico. Essa imagem mostra um momento que o teatro está discutindo como a opressão se propaga rapidamente dentro das redes sociais e como uma pessoa pode ser vítima do chamado cyberbullying. A gente já fez até um mini curso no IHC, essa conferência nacional que a gente tem sobre o assunto, trazendo o Teatro do Oprimido na educação e design de interação e a gente discutiu nessa peça de teatro durante o mini curso. Na época tinha sido lançada essa ferramenta de escolher se você quer que o motorista fique em silêncio durante a sua viagem ou se você quer conversar com ele no Uber Comfort. E aí a gente discutia no teatro se era ético ou moral que o passageiro escolhesse se o motorista vai falar ou não vai falar, ou ir poder, por exemplo, dar um cala-boca, isso aparecia. Então, eu fiquei muito satisfeito de ter feito esse diálogo muito em comum, porque na computação esse diálogo com as artes é um pouco mais distante do que no design, mas eu fiquei feliz de ver pessoas, pesquisadoras muito importantes, que inclusive já tiveram aqui no BRK, a Lucia Figueiras que está dirigindo, ela foi maravilhosa como atriz, tem um talento para ser explorado e também trazendo a problemática política que está envolvida. Agora, como é que a gente faz esse tipo de interação quando a gente está à distância, como estamos agora conversando nessa ferramenta de videoconferência? Então a gente tem pensado em buscar referências culturais que nos provoquem, nos desestabilizem, porque a tendência dessas infraestruturas de informação é se tornarem consolidar o nosso comportamento, formalizar ele. Então o pensamento ameríndio, o perspectivismo ameríndio tem sido uma fonte de inspiração muito interessante. Nós escrevemos um artigo lançado esse ano sobre o impacto que a Covid-19 teve sobre as infraestruturas de informação e como aumentou a opressão, fortaleceu a opressão e a gente tenta desconstruir essa possibilidade de que não tem jeito, é assim mesmo, a partir do perspectivismo ameríndio. E essa imagem que vocês estão vendo é uma imagem gerada pelo Processing, um experimento estético que mostra que as infraestruturas estão sempre umas entrelaçadas nas outras. Então, como a infraestrutura opressora se estabeleça, por baixo dela pode ter uma infraestrutura libertária que pode ser solta a partir das conexões. Então, se você conecta as infraestruturas libertárias, você pode combater a opressão. Então a gente fez um outro exemplo interessante, que eu tenho usado bastante, é integrar artisticamente várias infraestruturas, como o JITSE, que é uma ferramenta de conferência software livre, o Snap Camera, que permite que a gente use filtros de imagem daqueles baseados em algoritmo de reconhecimento facial. A gente tem o palco no Streamyard, que a gente está usando aqui no BRK nesse momento, e você tem o YouTube, que vocês estão assistindo aí na plateia. Isso permite construir um teatro, um autêntico teatro do oprimido. Já fizemos algumas peças sobre a precarização do trabalho de design e a inteligência artificiais substituindo o trabalho de designers. Então aqui tem o caso muito interessante do designer, que trabalha para uma plataforma digital, mas que não tem o trabalho reconhecido, porque ele faz o trabalho da inteligência artificial. A inteligência artificial não consegue fazer, vem para ele o trabalho, mas a inteligência artificial é que leva o crédito. Então é uma mistura de elementos socioculturais que estão em jogo na interação no computador e que com o teatro do oprimido a gente consegue deixar muito claro. Um outro exemplo completamente diferente da minha prática pedagógica, bem recente, uma disciplina totalmente, ou 90% assíncrona, eu me perguntava como é que eu vou trabalhar com pedagogia crítica sem interações síncronas, porque não é inclusivo, não é todo aluno que consegue estar numa videoconferência toda semana no mesmo horário. Não só por questões tecnológicas, econômicas, mas também emocionais e físicas mesmo. Então fiz vários experimentos e um deles foi uma disciplina completamente, quase tudo assíncrona, com textos, com vídeos, com músicas. Eu tenho uma playlist de músicas de protesto para entender o que é a estética do oprimido e os estudantes me surpreenderam criando livros maravilhosos, todos sobre opressões diversas que eles sentiram ou que uma outra pessoa sentiu, no caso dos três exemplos aqui, Confessionários Relatos de Casa, sobre violência doméstica, Beleza não mora no padrão, é sobre uma opressão relacionada a gênero, mas também a maneira como as mulheres veem o seu próprio corpo e querem muitas vezes estar no padrão, mas aquele padrão ele é opressivo. E embaixo nós temos um livro de artista da Vivian Tanaka que criou uma espécie de dobradura, Origami, em que ela conta a história de como ela se sente, tem vários raicais mostrando como ela se sente sendo asiática e sofrendo preconceito racial, que é algo que a gente não discute muito na sociedade brasileira, mas que também acontece. Então eu fiquei muito satisfeito de que a interação assíncrona não é uma barreira para pedagogia crítica, mas a interação assíncrona também é uma ferramenta quando há oportunidade das pessoas, elas podem ser incluídas dessa maneira, de fazer interações muito densas e muito aprofundadas com ferramentas diversas como modelagem 3D. Dentro da rede designopressão a gente faz experimentos como esse todas terças-feiras, quem quiser participar e interagir comigo e continuar esse debate está mais do que convidado designopressão.org e participar do nosso grupo de estudos. Bom gente, muito obrigado por estarem aqui até agora, espero que vocês tenham dúvidas e interesses em continuar esse diálogo, quem não tiver, quem quiser compensar e depois mandar um e-mail ou interagir por redes sociais também estou à disposição.