Bom, eu me chamo o Frederic, eu sou professor da Universidade Tecnológica Federal do Paraná e a minha cadeira é em design de serviços. Uma das áreas que a gente atua é serviço de saúde, então daí por isso a interlocução aqui com a saúde e também a gente trabalha bastante com tecnologias digitais e os impactos que elas têm nas diferentes áreas de serviços, daí também nosso interesse pela interlocução com Ciência, Tecnologia e Sociedade, CTS. O caso que eu vou apresentar aqui faz parte de um dos projetos que a gente desenvolve como parte do Laboratório de Design Contra Opressões, um laboratório que a gente fundou esse ano e que permite direcionar essas intervenções na saúde, mas em outras áreas, para grupos sociais historicamente oprimidos, de modo que eles também se beneficiem do design de serviços e por outro lado também que a gente reconheça eles como protagonistas do provimento de serviços que não necessariamente são valorizados. Nesse caso, dessa pesquisa, eu vou falar um pouquinho sobre como diferentes atores vêm atuando no enfrentamento da Covid-19 a partir desse conceito do objeto fugidio, um conceito advindo da Teoria Histórica e Cultural da Atividade, que é uma das áreas que também tem bastante interlocução na saúde, lidando principalmente com pesquisas sobre produção do conhecimento, estudos organizacionais relacionados a times, equipes, laboratórios e principalmente casos de doenças crônicas, eles estudam como que esse paciente se torna um objeto da atividade de saúde, que é multifária, que tem várias especialidades e ao mesmo tempo esse objeto é bem difícil de encurralar, ninguém sabe direito o que aquele paciente crônico tem, daí eles cunharam o termo objeto fugidio para tratar desse tipo de paciente, mas depois expandiram esse conceito para incluir também pandemias e outros objetos que não fogem ao controle de uma só atividade, ele está sempre fugindo, por isso esse nome objeto fugidio. Quando esse objeto fugidio adquire a características do que a Teoria Torredi chama de monstro sociológico, quando ele se torna gigantesco e proporções globais, aí a Teoria Histórica e Cultural da Atividade, que tem uma tradição de estudos empíricos, localizados e bem situados, ela começa a dialogar com a Teoria Torredi, que é uma das teorias importantes de CTS, para entender esses objetos fugidios, então um dos casos aqui mais interessantes de objetos fugidios da atualidade é o Covid-19, é um monstro porque tem muitas diferentes instituições, muitas atores tentando lidar com esse fenômeno sem saber exatamente o que dá para fazer para encurralá-lo. Dentro da Teoria Torredi tem vários métodos, um deles que a dialoga bastante com o design, é o mapeamento de controvérsias, busca estudar esses monstros sociológicos como se eles fossem uma controvérsia sociotécnica, um aglomerado de atores humanos e não humanos competindo para definir a realidade, a realidade que vai valer, cada um deles tem as suas agendas, seus interesses e eles vão colocando esses interesses na esfera pública, então o mapeamento de controvérsias costuma puxar dados, coletar dados daquilo que aparece na esfera pública é muito especial nas mídias, então costuma-se fazer mapeamento de controvérsias a partir do que os jornalistas produzem, meu interesse pessoal por isso também vem porque eu sou de origem originalmente formada em jornalismo, depois acabei brigando para CTS e depois para design. Quando essa controvérsia sociotécnica ela inclui dentro das várias possibilidades um espaço projetual que é um espaço de projetos possíveis como por exemplo como evitar, como distanciar as pessoas e ao mesmo tempo não impedir que elas tenham um momento de lazer e de entretenimento e de respirar e fazer, enfim, exercício num parque público, aqui tem um exemplo de uma intervenção muito simples que é cortar a grama de maneira desigual, de modo que as pessoas não possam sentar do lado das outras, muito próximas, fazer aglomerações muito grandes, é um projeto muito simples, mas é um projeto, então a teoria Torredi ela costuma fazer referência também ao design. A gente desenvolveu aqui na UTFPR um método que mistura elementos da teoria Torredi, da teoria da atividade, chamado o mapeamento de espaços projetuais controversos, no lado direito tem uma imagem do modelo conceitual desse método, então digamos que num espaço projetual tem vários problemas e várias soluções, alguns problemas vão dar origem a outros problemas, são as bolinhas, os quadradinhos brancos, mas às vezes uma solução vai endereçar um problema, que é a bolinha preta resolvendo o problema, mas às vezes também uma solução vai dar ideia de outra solução, o espaço projetual ele costuma ser caracterizado por uma exploração não sistemática de possibilidades, visando transformar e encurralar aquele tal do objeto fugidí, então uma possibilidade responde a outra como uma espécie de uma rede, por isso a similaridade entre mapeamento de controvérsia e essa teoria do espaço projetual, aqui vemos então o resultado de um mapeamento do espaço projetual controverso do Covid-19 no Brasil, feito de fevereiro até maio de 2020, então tem muitos problemas, muitas soluções, muitas contradições e também algumas superações, tentativas de superar essas contradições, vale citar que a teoria da atividade nos traz esse conceito de contradições a partir do materialismo dialético e a gente operacionaliza isso num instrumento de análise, eu vou dar um zoom aqui no próximo slide, um trecho desse mapa, onde mostra os elementos, no centro vocês têm prática de higiene individual versus contágio social que é uma contradição, que gera várias soluções e vários problemas, problemas como desidratação da pele, falta de acesso à água em moradias precárias, dificuldade de mudar o hábito de higiene, por outro lado tem soluções como campanhas de conscientização, despolimização de alcooljão em locais públicos e comércios, pias públicas, isso está ligado ao uso de máscaras em ambientes públicos, aí você tem uma notícia, após decretos veja em quais cidades o uso de máscara é obrigatório, que é uma notícia que documenta a existência dessa solução no espaço projetual. Então a gente tem aqui nesse mapa as fontes de dados e as interpretações usando esse formalismo de problemas, soluções, contradições, aqui não está aparecendo, mas ali embaixo tem uma mãozinha dando a mão, que é uma superação, no caso seria o estabelecimento de políticas de uso de máscaras regulares nos espaços abertos e fechados. Aqui você tem um destaque de uma notícia que chamou a atenção da gente, que é a mortalidade por raça, diferença do impacto desigual da pandemia, de que pessoas pretas, né, tem mais porcentagem ou chance de morrer do que pessoas brancas. Isso tem a ver com as condições de vida dessas pessoas e não com uma questão biológica de que seriam mais suscetíveis ao Covid-19. Então usando esse mapa, que orientou várias ações do Laboratório Design Contra Opressões, a gente começou a analisar o tipo de campanha de conscientização da Prefeitura de Curitiba, colocadas muito na realidade de cidadãos do centro da cidade, privilegiados, pessoas que não eram oprimidas. Então eles diziam "fique em casa", mas e se a pessoa não tem uma casa? E se a pessoa não tem espaço para ficar na casa o dia inteiro? Isso é obrigado a sair por causa do trabalho, por exemplo, de manter os serviços básicos da cidade. Por outro lado, do lado esquerdo nós vemos algo pior do que isso, mas detalhado, você tem que não tocar nada quando chega em casa, tem que tirar os sapatos, colocar suas roupas na máquina de lavar, olha o modelo de máquina de lavar que aparece aí, o modelo caro. E quem tem máquina de lavar em casa, a maioria das pessoas nas periferias não tem necessariamente, higieniza o celular e óculos e vários detalhes, saiu com o pet, desenfeta as patinhas dele. Gente, essa campanha de Curitiba é extremamente elitizada, reflete prioridades da saúde pública nessa cidade, o que gerou uma série de problemas e um enfrentamento da pandemia muito fraco antes da vacinação. Então, a gente teve que fazer alguma coisa, nossos estudantes ficaram revoltados, a gente montou um projeto chamado Perifa Consciente, fizemos alguma campanha de conscientização de abril a outubro do ano passado, focado justamente nessa população que não estava contemplada pela campanha da prefeitura, aí trabalhando com outras formas de representar a figura humana, principalmente a partida em matrizes de identificação, de cor de pele, de linguagem, a partir de hábitos que têm mais a ver com essa população da periferia, mostrando uma diversidade também ao invés daquela homogenização que vocês viram no trabalho da prefeitura oficial. Então esse trabalho foi publicado na revista Tecnologia e Sociedade, que trabalha muito com o conceito de comunicação popular e comunitária. Bom, a gente usou esse mapa para várias outras coisas, mas eu queria destacar aqui o trabalho em parceria com a vereadora Maria Letícia, aqui da cidade de Curitiba, ela viu o mapa, ela leu o mapa, ela discutiu o mapa, pensou no mapa, e a gente teve um debate muito bacana para identificar as prioridades do mandato dela no enfrentamento do Covid. Ela estava nesse começo desse processo com uma responsabilidade muito grande, porque ela é médica, ela trabalha na área de saúde e ela representa, por outro lado, também os interesses dos eleitores que estão preocupados com saúde pública. Então ela reconstruiu junto com a equipe dela um outro mapa, similar ao mapa que a gente tinha apresentado, com a parte do objeto fugidio que ela conseguia dar conta. Então veja, encurralou esse objeto fugidio para a atuação do mandato dela. Ainda assim, ela não conseguiu executar todas essas ações, claro, esse é um problema que não é individualmente tratado, mas houveram vários momentos de percepção, realização de como que esse enfrentamento, no caso do mandato dela, tinha que ser integrado. Não dava para pensar uma coisa separada da outra. Então quando se pensava em sugestão de ciclofaixas temporárias, também estava se pensando no apoio para os entregadores que utilizam bicicletas, que foram super importantes para manter a alimentação, os padrões de alimentação, dessa classe que tem condição de fazer isso em Curitiba. Então para se preocupar com esses dois lados e vários outros lados, foi uma característica que está sendo a característica da atuação do mandato da vereadora. Não dá para dizer que esses resultados que vou apresentar aqui são resultado da pesquisa, essa interação que a gente teve com a vereadora, mas eu estou aqui apresentando apenas a título de mostrar a incidência, a possível incidência sobre política pública, deveria ser necessária mais pesquisas para confirmar qual é o real, a utilidade desse mapa para o mandato. De qualquer forma, nós temos aí já registrados pela vereadora 12 pedidos de informação oficiais sobre a pandemia e dois projetos de lei específicos, como o espaço infantil, com uma condição para a reabertura do comércio e o acolhimento de vítimas de violência doméstica em razão da pandemia. A vereadora tem um trabalho que não dá para colocar em números também de crítica e debate público sempre confrontando as ações da prefeitura de Curitiba, ela está doado à oposição na mídia e nos debates públicos realizados em outros espaços. Então conclusões dessa pesquisa preliminar, de que objetos fugidios, eles podem ser encurralados por uma disciplina ou teoria, mas eles sempre darão um jeito de escapar, não está difícil de lidar com eles. E os estudos em design, eles podem ajudar a instrumentalizar os métodos de pesquisa em ciência, tecnologia e sociedade como o mapeamento de controversas para que esses tenham uma incidência sobre políticas públicas. Esse aqui é um exemplo também de pesquisa aplicada na área de CTS e saúde. Gente muito obrigado e estou bem curioso para dialogar a respeito. Obrigado. [barulho de água]