Design de serviços para ecossistemas sustentáveis, parte da disciplina projetos para pessoas, aqui no laboratório design contra pressões da UTFPR. A proposta aqui não é falar sobre design de serviços aplicado à sustentabilidade, mas o contrário, pensamento ecológico que está no fundo, por trás das aplicações ou dos empreendimentos ditos sustentáveis, como que eles podem repensar o que a gente considera como design de serviços. Primeiro lugar, por que isso é importante? Porque o setor de serviços dentro da economia é o que está cada vez mais ocupando espaço de participação na produção de renda, dentro do produto interno bruto. Então nós temos aqui quase 71% do nosso PIB brasileiro já é serviços. Então quem diz que nós temos que investir mais em agricultura, o agro é pop e por isso ele merece ter uma bancada gigantesca no Congresso, note o tamanho da participação do agro no produto interno bruto do Brasil. Não chega a 6%, mas pense o quanto eles conseguem convencer as pessoas que têm a mentalidade ainda colonizada de achar que o nosso país é um país de matriz principalmente agrária. Qual que é o motivo disso acontecer? É porque as nossas exportações vêm desse 6% aqui. De fato, a gente exporta mais agro, porém a gente produz mais serviços. O que falta para nós é o que? Exportar serviços. E para exportar serviços nós temos que ter serviços de alta qualidade, serviços capazes de atender em diferentes línguas e por aí vai. Que é exatamente o que o tal do design de serviço faz. Então o design de serviços busca construir redes de valor e não cadeias de valor. O agro e a indústria tradicional se organizam por um sistema de produção em que os fornecedores produzem aquilo que eles acham, supõem que vai ser demandado naquele mercado. Às vezes tem pesquisa de mercado, às vezes não tem, mas fundamental é a capacidade produtiva. Se pode produzir, por que não produzir e depois ver como vender? Por isso que o marketing vai atuar normalmente no final dessa cadeia produtiva. Depois que se produziu, como é que se distribui e chega nos consumidores e atrai eles para sua oferta. No design de serviços e no setor de serviços de um modo geral, você tem uma lógica completamente diferente de organização social, de produção distribuída em vários atores e esses atores eventualmente se organizam não necessariamente numa cadeia linear, mas numa cadeia em rede, que é chamada rede de valor. Isso aqui muda completamente a lógica de construção de negócios e organização da produção social de valores, aquilo que realmente serve para alguma coisa. Outra diferença importante, agora olhando para aquele mesmo, mesma realidade com uma outra perspectiva, uma outra lente, nós podemos ver o setor agro e o setor industrial como um processo linear, enquanto que o setor de serviços tem um processo circular, porque um serviço é gerado e oferecido para outro serviço, que é gerado e oferecido para outro serviço, que é gerado e oferecido para outro serviço. Então existe uma reconstrução constante desta realidade a partir daquilo que se pode cocriar. Então não é mais uma relação baseada em oferta e demanda, o que você pode oferecer e quem está querendo comprar, mas aqui é quem está disposto a cocriar, a construir coletivamente alguma coisa, porque no serviço você não entrega nada pronto, sempre que você vai ter uma interação no serviço vai precisar que a pessoa que está sendo servida também participe de alguma maneira, sendo fazendo escolhas, num cardápio de um restaurante. De uma certa maneira o cliente num restaurante também cocria o serviço na medida que ele escolhe aquilo que ele vai comer. Esses processos circulares que estão já sendo gestados dentro do setor de serviços, eles têm um potencial de sustentabilidade gigantesco, porque eles permitem que você coloque as matérias-primas que são extraídas da natureza num processo de reaproveitamento constante, processo de reconstrução, de reaproveitamento, de inclusive de enriquecimento dessas matérias-primas. Então aqui é uma visão de circularidade, economia circular promovida pela Ellen MacArthur Foundation, que é um dos principais financiadores de pesquisas e ações para a economia circular hoje no mundo. E eles vão falar o seguinte, no futuro a gente pode ter uma lógica em que o usuário ele vai estar sempre buscando manter aquilo que ele tem para não jogar fora, se não precisa daquele determinado serviço ele pode passar para outra pessoa. Então você tem um processo de outra pessoa que vai aproveitar aquele serviço, aquele produto e vai colocar isso dentro de um mercado que é constantemente alimentado por essas ofertas, ou seja, não desaparecem os produtos, eles não são consumidos, eles não desaparecem a matéria-prima, eles ficam, não são descartados. Isso aqui é uma comparação com um modelo similar para o agro. Aqui tem a proposta que a economia circular está fazendo para mudança no setor de agro e industrial, em que esses materiais que estão sendo processados pela natureza, eles possam voltar direto para a própria natureza em círculos mais rápidos do que, por exemplo, 10 mil anos para o vidro ser biodegradado. Então eles estão pensando em materiais leves, materiais biodegradáveis. Olha, a verdade é que é uma confusão essa visão aqui da Marca Art Foundation, porque eles colocam, inclusive eles estão trazendo isso originalmente de um conceito chamado cradle to cradle, muito influente, do berço ao berço, que é a ideia de que os círculos naturais sejam fechados assim como os círculos técnicos. Isso aqui seria o ciclo técnico criado pelo ser humano, círculos naturais criados pela natureza. No ciclo natural só existem substâncias naturais, como por exemplo o gás ou a carne, e nos ciclos artificiais ou nos ciclos técnicos andam os metais e os materiais que o ser humano coloca no mundo. Mas esses materiais não são naturais também? São, só que o tempo de duração deles é maior. Então às vezes há um erro, eu acho, conceitual em separar a natureza do ser humano. Isso está por trás de vários probleminhas conceituais, fundamentais, metodológicos, tanto da sustentabilidade, da inovação sustentável, quanto para o design de serviços sustentáveis. Vou levar esse tipo de pensamento. Bom, se o serviço tem essa lógica de eternidade, de ficar sempre se reaproveitando, será que ele é mais sustentável? Será que esse ciclo fechado do serviço é mais sustentável do que um produto, por exemplo, que é levado de maneira linear para as pessoas? Bom, se você foi iludido por essa ideologia, você vai achar que sim, mas não é verdade necessariamente, porque a sustentabilidade depende de três alimentos, o chamado trip on bottom line ou a articulação do aspecto social, do aspecto ambiental e do aspecto econômico como se eles pudessem ser balanceados harmonicamente. Como se historicamente não houvesse uma ênfase muito grande na nossa sociedade em criar o chamado modelo Mickey Mouse, que é o capitalismo, a parte econômica como sendo mais importante, mais decisória, mais, tendo mais peso não só nas políticas públicas como nas decisões individuais que os consumidores fazem entre um produto que é mais barato e mais poluente e um produto que é mais caro e menos poluente. A gente normalmente vai pender para a economia. Então esse modelo aqui do Mickey Mouse, embora seja engraçadinho, tem mais a ver com a experiência concreta de uma sociedade capitalista em que o capital tem mais peso sobre o trabalho. Agora, a visão crítica dessas duas perspectivas propõe o seguinte, que a gente coloque a economia dentro do social percebendo que ela é uma escolha de diferentes sociabilidades e assim como também coloque o social dentro do ambiental. Considerando que nós seres humanos também somos entidades da natureza, nós também carregamos determinações que vem da natureza e nós podemos estar mais sintonizados com as determinações que a natureza está nos dando, mas que eventualmente a gente está lutando contra e nesse lutar contra, às vezes a gente ganha, às vezes a gente perde. A ideia da sustentabilidade forte é que a gente tem um processo de ganha-ganha, que também é uma, ou ganha-ganha-ganha, que não é só um ganha-ganha humano, mas um ganha-ganha também para os não humanos, os seres mais do que humanos, outros além dos humanos. Bem, isso aqui ainda é uma utopia, mas eu acho que é uma utopia bem mais fundamentada do que essa utopia do triple bottom line, que é a chamada sustentabilidade fraca. Então, essa sustentabilidade forte, que eu vou tentar enfatizar aqui, ela considera a sociedade humana como parte da natureza e aí o que acontece? Você começa a aproveitar dinâmicas e processos da natureza dentro das dinâmicas e processos da sociedade humana, de modo que a nossa economia seja uma economia sustentável no sentido natural da palavra. Então, aqui nós temos o exemplo do Zipcar, que é a transformação de um produto, um carro, em um sistema produto-serviço. Esse carro passa a ser compartilhado com outros usuários. Então, você tem uma jornada padronizada para todos os usuários deste carro, que não são mais consumidores ou donos do carro, proprietários, eles alugam, mas não é um aluguel por carro, é um aluguel pelo serviço de se locomover de um lugar a outro da cidade através dos carros da Zipcar. Você tem um sistema automatizado para isso, que você não precisa ir em um lugar específico, os carros podem ser encontrados e estacionados em vários pontos da cidade. Normalmente vagas comuns de estacionamento, como está, você pode deixar o Zipcar. Isso diminui a infraestrutura necessária para implementar esse tipo de serviço em uma nova cidade. Além disso, tem o processo automatizado de abrir o carro através de uma seleção de opções em um aplicativo de celular, evitando toda aquela burocracia que normalmente envolve o aluguel de um carro presencial em uma loja tradicional, em que todos os carros estão em um estacionamento físico. Então, para isso acontecer, existe uma infraestrutura digital de segurança que vai monitorar onde estão os carros, então tem um processo de rastreamento, tem um processo de troca, de handshake de informações no momento que o usuário, o cliente, ele vai usar aquele serviço e por aí vai. O importante é que essa jornada, ela se torna cada vez mais alinhada, customizada, na medida que ela coleta dados dos seus usuários. Esses dados são usados para aperfeiçoar o sistema produto-serviço. Então aqui tem um diagrama que mostra já uma espécie de transição de uma economia linear, que provê produtos, para uma economia circular, que coloca esses produtos numa dinâmica de compartilhamento. Eles são, não são propriedade de uma pessoa só, são propriedade da empresa, mas essa propriedade ela é cedida para os usuários temporariamente. Notem que eu vou mostrar um modelo um pouco mais complexo que esse, daqui a pouco. Mas primeiro, sistema produto-serviço. Eu acho que em teoria do design 4 esse assunto eventualmente é tratado, mas eu estou relembrando aqui porque nem todo mundo teve essa disciplina, eu acho. Ou não viu esse tema? Ou vocês viram? Levanta a mão quem já sabia o que era sistema produto-serviço. Sistema produto-serviço? Tá. Bom, basicamente é você colocar um produto para um aluguel de uso constante, mas tem outras variantes. Não vou entrar em detalhes, mas você tem até a possibilidade de fazer um outsourcing, você permitir que um grupo de clientes faça a produção daquele produto. É uma outra lógica que faz parte do sistema produto-serviço também. Em 2009, eu tive uma ideia para um produto-serviço para carros, para a mobilidade, melhor dizendo, que era o seguinte, indo além do Zipcar, eu pensei em uma ideia de que você poderia colocar o seu carro usado para alugar dentro do sistema produto-serviço que eu estava imaginando. Isso significava que ele poderia crescer enormemente sem fazer um investimento de capital. Isso fazia parte de pensamentos e ideias que a gente estava experimentando no famoso Instituto Faber-Ludens, que a Claudia e outras pessoas participaram também. E a gente pensava muito nessa separação entre a esfera material, física da vida e a esfera digital da vida, de modo que o digital permitisse um uso mais eficiente, mais apropriado, digamos, do físico. De modo que um capital que não está sendo utilizado como um carro, que está estacionado numa garagem, possa ser usado pela sociedade e, dessa maneira, dar mais acesso à mobilidade. Essa era uma das coisas que a gente mais pensava naquela época. Eu anotei essa ideia, coloquei lá no meu caderno de rascunhos, mas não fiz nada porque na época eu não tinha esse espírito empreendedor, também acho que eu nem tenho ainda, esse espírito de "estartupeiro", mas outras pessoas tiveram esse espírito e eu acredito que em 2013 a Flit abriu com essa mesma proposta aqui em Curitiba, eles certamente não viram o meu caderno de rascunhos porque era uma ideia possivelmente muito óbvia para uma realidade brasileira em que tem muito carro usado e que as pessoas valorizam o carro usado. Não é como em alguns outros lugares onde elas estão sempre trocando e não gostam do carro usado. Aqui as pessoas aceitam, elas curtem a ideia de alugar um carro usado, que era exatamente o que o Flit oferecia, só que para quem você pagava o aluguel era diretamente para o dono daquele carro. Então a pessoa tinha um carro parado, ela alugava o carro dela através desse aplicativo. Infelizmente essa "startup" não foi para frente e acabou quebrando, mas ela começou a tocar em pontos que eram diferentes do sistema produto e serviço, que eu tinha mostrado anteriormente, que é o que a gente chama hoje de capitalismo de plataforma, em que há uma integração maior entre os atores, eles estão mais próximos a tal ponto que eles são explorados sem saber que são. No caso, os usuários de serviços, eles vão trocar valores com o provedor de serviços, eles vão produzir valores, eles não vão apenas usar o valor, eles vão trabalhar para o provedor de serviços. Aqui acontece muito também do provedor de serviços trabalhar para o capitalista de plataforma. Então esses dois aqui não são os donos do negócio, eles são apenas usuários. Se colocar de maneira bem estrita, o provedor de serviço, o motorista de um aplicativo de transportes como o Uber, ele é um usuário do Uber, mas por outro lado ele também é um trabalhador enrustido que não tem os direitos trabalhistas e por aí vai. Enfim, o que acontece é que essa integração próxima desses dois atores que são os responsáveis por co-produzir o serviço, ela gera lucro na intermediação, uma margem de lucro muito baixa, só que com uma escala muito grande, acaba que a potencial de reprodução do capital dessa plataforma é muito alta, pela amplitude. Mas o mais importante mesmo é o novo capital, chamado novo petróleo, que é os dados. Quanto mais dados essas megacorporações do Vale do Silício que mediam, que desenvolvem essas plataformas, eles acumulam, mais inteligência competitiva eles têm para saber em quais lugares das cidades as pessoas vão, por que elas vão, onde vão, com quem vão. São todos dados que uma Uber, por exemplo, tem e que elas podem vender para terceiros que têm interesse nesses dados ou aproveitar diretamente. Bom, a gente já sabe que esse capitalismo de plataforma não é sustentável a longo prazo. Acredito que ninguém mais hoje tenha a visão ingênua que se tinha do Uber até uns 5 anos atrás, quando as pessoas iam fazer protesto na Câmara Municipal para não proibir o Uber na nossa cidade. Hoje em dia é difícil alguém defender com unhas e dentes como defendia naquela época, inclusive os próprios motoristas são críticos e há também uma concorrência do Uber no momento por conta dessa percepção realista do que realmente está acontecendo, que é uma exploração do trabalho de outra maneira, mas não deixa de ser uma exploração. No começo o Uber usava o discurso de colaboração, de compartilhar o carro, mas isso ficou claro que não era verdade. Ah, mas não porque o Uber explicou, isso porque o público criticou, porque os jornalistas criticaram, porque os professores falaram, promoveram debates e tudo mais. Então aqui nós temos um impacto do capitalismo de plataforma na nossa cidade, por exemplo, tem acontecido, isso aqui não são dados de Curitiba, de alguma outra cidade, não me lembro qual, ou talvez do mundo inteiro, mas o fato é, há um declínio do táxi oficial da cidade, há um aumento muito grande dos aplicativos de mobilidade como Uber e uma diminuição do transporte público e também do trem, as pessoas que pegam transporte público via trem ou ônibus não estão mais pegando em favor de aplicativos de transporte. É claro que há variações e ultimamente por causa da inflação, do aumento do valor do petróleo diminuiu um pouco a disponibilidade porque aumentou o custo dessas viagens, mas isso causa um problema sério para o planejamento urbano das cidades, que começam a ser focadas, ser pressionadas para abrir mais estradas, para ter mais engarrafamento de carros individuais, muitas vezes rodando sem um passageiro real, o motorista lá que está buscando e esperando um passageiro. Isso não é muito eficiente para a cidade, o interessante mesmo é o transporte público que envolve um investimento muito maior do ponto de vista do Estado, porém a longo prazo dá maior retorno. Quando as pessoas resolvem o problema a curto prazo usando esses aplicativos, elas param de acreditar na eficiência, ou melhor, na importância do Estado enquanto um grande ator de investimentos em infraestrutura de longo prazo. E aí você vê esse tipo de coisa acontecendo. A cidade, a morfologia da cidade, a maneira como a gente ocupa a cidade, ela não muda essencialmente ou ela se torna cada vez mais intensa quando entra um aplicativo como o Uber. Isso aqui são dados do próprio Uber Brasil. Taxa de desemprego da cidade de São Paulo, então aqui você vê os bairros mais escuros, onde tem pessoas com maior desemprego e taxas, ou melhor, endereços de parceiros da Uber, onde estão parceiros, não é trabalhadores da Uber, não é nem colaborador da Uber, não é usuário da Uber, é parceiro. Tentando obviamente através da linguagem velar a realidade. Mas aqui infelizmente através das imagens eles revelam muito claramente o que está acontecendo, que o Uber está explorando os desempregados. Você pode olhar que bate a taxa de desemprego com os lugares onde tem mais motoristas de Uber. Então, basicamente, aquela exército de trabalhadores desempregados, que o Marcos falava que era fundamental para que o valor do salário médio ficasse mais baixo, agora ele está sendo aproveitado por essa demanda flexível de trabalhadores que ficam um tempo trabalhando como motoristas para depois pegarem de repente um emprego mais fixo ou ficarem presos dentro desse sistema. Então o capital arranjou um jeito de extrair mais valia daquele tipo de pessoa que ele precisava ter na reserva, um exército de reserva para que os salários ficassem baixos. Então, do ponto de vista macroeconômico, essas empresas ocupam um espaço que era um problema, um calcá de Aquiles para o capitalismo. Para o capitalismo se desenvolver, qualquer economia se desenvolver, você tem que ter o máximo aproveitamento da força produtiva. Só que como o capitalismo explora demais os trabalhadores, chega um momento que ele não pode explorar porque o trabalhador está morrendo, está doente ou está desempregado, porque não tem emprego para ele. Então vejam como, colocando uma perspectiva ampla, o capitalismo de plataforma não parece tão bacaninha assim quanto ele se apresenta. Agora vejamos a alternativa criada pelos trabalhadores, pelos sindicatos, pelas associações de profissionais e as cooperativas, que é o chamado cooperativismo de plataforma. Imagino que essa modalidade é algo que ainda não está muito bem estabelecido no Brasil, mas já existem outros países que fizeram experimentos muito interessantes de conversão ou então de criação de alternativas de capitalismo de plataforma para cooperativismo de plataforma. Espero que vocês lembrem que semana passada a Camila de Godói mencionou que eles estavam participando de debates sobre cooperativismo de plataforma no Brasil e eles não sabiam se a EITA era uma cooperativa de plataforma. Eu diria que não é, mas ela sim produz plataformas para outros, para movimentos sociais, para diversos tipos de atores, mas eles não usam a plataforma como um mecanismo ou um fundamento para fazer negócios, que é o que faz o capitalismo de plataforma, criar um contexto onde os atores vão cocriar valor quando se encontrarem dentro da plataforma. Isso a EITA ainda não faz, mas pode vir a fazer. Então basicamente você tem esses cocriadores compartilhando espaços, contextos, histórias de vida e tudo mais, e através das suas interações há uma cocriação de valor que é apropriada por essa plataforma, ou seja, se cristaliza nela através de dados, informações, de comodidade, algum tipo de conveniência que fica nessa estrutura disponível para quem quer aproveitar esse valor. Agora a gestão dessa cooperativa de plataforma é que é a diferença, como todos os cooperados, todos os usuários, digamos, dessa plataforma, eles são também donos da plataforma, então há uma distribuição mais equitativa pelo território desses cooperados. Então eles vão aproveitar, digamos assim, o que eles têm sobrando para compartilhar e ao fazer isso eles vão receber algo em troca também. Quanto mais gente entra na cooperativa, melhor fica para todo mundo, aproveitando o chamado famoso efeito rede, que é quanto mais membros tem numa rede, mais valor ela produz para todos os membros que já estão ali dentro. Então já existem cooperativas de plataforma, não com esse nome desde o seu início, mas hoje reconhecidas desta maneira, há pelo menos 20 anos no Canadá. Uma delas é a cooperativa MODO. E a MODO ela funciona através de uma estrutura administrativa parecida com a cooperativa EITA, a diferença é que eles têm um processo de entrada de novos cooperados muito facilitado. Vocês viram que ela mencionou na semana passada que há um processo de descoberta para você saber se você faz parte da cooperativa, se você vai se sentir bem fazendo parte de uma cooperativa como a EITA, se você está disposto a trabalhar daquela maneira, porque tem uma expectativa de um salário, de uma dedicação. No caso dessa cooperativa de plataforma, você pode fazer do mesmo jeito que você faz com o Uber ou com outra, o nível de engajamento, de comprometimento que você precisa dar inicial é menor. Então é um modelo de cooperativa mais inclusivo, digamos assim, ou mais permeável, você consegue entrar nessa cooperativa sem você precisar ter um aporte de capital, que é algo que você precisa, por exemplo, para entrar numa cooperativa de agronegócio. Isso existe no Brasil, é bastante difundido, mas para você entrar numa cooperativa de agronegócio você tem que ser um dono de terras ou um dono de reses, de cabeças de gado, para você colocar dentro daquele bolo compartilhado. Aqui não, você consegue crescer através do seu trabalho e da acumulação coletiva de capital. Então o cooperativismo de plataforma não quebra com o capitalismo, ele digamos que cria uma espécie de um espaço protegido, uma comunidade protegida da fuga de capitais, mas uma comunidade que também acumula capital. Agora esse capital é gerido democraticamente através de um processo de eleição da diretoria, dos membros com as diferentes cargos e tudo mais, cada membro tem um poder de voto. Agora eu não sei exatamente se há possibilidade de membros terem uma cota, por exemplo, de votos maiores do que outros, eu acho que não nessa cooperativa, mas vai ter cooperativa que vai ter. Você poder ter membros que tem mais poder de voto do que outros. Bom, mesmo a cooperativa de plataforma, ainda assim, o sistema produto serviço, ainda assim não consegue ser mais eficiente do que um produto como a bicicleta que você tem em casa. Eu já fiz uma comparação de quanta energia se gasta por transitar 1km de bicicleta, ou andando, ou de tram, ou de ônibus, ou de carro, ou de caminhão, então vocês veem que andar de bicicleta é extremamente eficiente, até mais do que andar a pé, então é impressionante. Então pensar no sistema produto serviço ou qualquer outras coisas que eu mostrei até agora como uma solução necessariamente sustentável é um erro, porque a sustentabilidade depende de uma série de relações ecossistêmicas. Se você não presta atenção nelas, acontece isso daqui, que é o desastre causado pelo compartilhamento de bicicletas em cidades chinesas. Esses serviços se espalharam dos anos 2015 até 2018, até chegar a esse ponto que eles tiveram que destruir centenas de milhares de bicicletas porque esse serviço não estava sendo utilizado. Como é que ele funciona? Mesma lógica do Zipcar, só que é com bicicleta, e bicicleta cabe em qualquer lugar, não precisa ter estrutura de estacionamento. O que acontecia? As pessoas deixavam as bicicletas jogadas para todo quanto é lado da cidade. Essas bicicletas começaram a se incomodar, os cidadãos que estão passando e andando, os transeuntes ou os donos de estabelecimentos onde as bicicletas são estacionadas. O que o pessoal começou a fazer? Depredar as bicicletas, destruir. E até mesmo os clientes passaram a destruir as bicicletas porque viam como algo descartável. Ah, tem um monte já estragado aí, vou estragar esse aqui também. Então no final das contas criou-se um looping, um ciclo vicioso de comportamento negativo em relação àquele serviço que não só destruiu o meio de produção desse serviço, que era a bicicleta, como também destruía a expectativa ou a percepção de valor oferecido por aquele serviço. Logo o usuário não estava disposto a pagar mais, ele estava disposto a destruir mais. E aí é claro que é uma espiral suicida para aquele serviço porque ela tem mais gastos com manutenção, mas não tem uma possibilidade de aumentar a sua rentabilidade com ofertas mais elaboradas. Então os serviços eles não são necessariamente mais sustentáveis que produtos. A sustentabilidade de um produto ou serviço depende das relações ecológicas, com o ecossistema como um todo. Relações ecológicas podem ser unidirecionais ou multidirecionais. E aqui tem a diferença. Na unidirecional pode haver a destruição de uma das entidades que estão se relacionando, como na predação, que é um predador come uma presa. No parasitismo, em que o parasita vai comendo aos poucos a presa, ou não sei como é que se chama, o hospedeiro do parasita. A extração, que você vai pegar o material ali, não vai devolver, não vai trazer nada de volta, e o descarte, que é o oposto, você devolver aquele material, só que num contexto em que ele não vai se degradar tão rapidamente. Compare isso com as relações multidirecionais, são aquelas que há uma vantagem para os dois lados na relação, ou os vários lados, não só dois, por isso multidirecionais e não bidirecionais. Então você tem a simbiose, você tem o comensalismo, que é comer junto, você tem a troca e a cocriação. O design de serviços vai ser mais sustentável se ele fortalecer essas relações multidirecionais. Então como é que o design pode contribuir para relações multidirecionais no projeto de serviços? O que dá para fazer na prática? E aqui já fica uma sugestão também para temas que a gente pode trabalhar nas próximas aulas. O design participativo, o co-design, que a gente já vem falando a respeito, ele pode estabelecer relações de cocriação já no início de projeto. Se você quer um serviço sustentável que promova a cocriação, quiçá através de uma plataforma, você pode criar esse serviço e essa plataforma de maneira cocriada. Você já pode ter a cocriação já no processo de trabalho, de ideação. Aqui tem o conceito do design clássico, em que você faz uma pesquisa sobre os usuários, ou você faz uma pesquisa com a teoria, mas aqui no co-design você chama as pessoas para participar diretamente dessa pesquisa. Então a pesquisa é feita enquanto se cria o produto ou serviço. Aqui tem alguns exemplos também de que é possível incluir os chamados não humanos ou espécies além de humanos, ou multiespécie. Tem vários nomes que têm sido utilizados para falar de animais, plantas e outras entidades. Que podem participar do projeto do co-design. Aqui nós vemos um cachorro participando de um projeto de design de um serviço para pessoas com deficiência visual. Então era importante que esses cães guias também pudessem ter acesso, por exemplo, a interfaces de alarme, que eles queriam criar um sistema digital para o cão ajudar a reportar um acidente que a pessoa com deficiência visual tenha, o seu mestre, seu guia. Os não humanos também podem participar de maneira indireta. Essa é uma sacada interessante, olhar para a biônica ou para a chamada biomimética com uma participação também. A gente fala muito de "ah, vou me inspirar nas formas da natureza", mas a natureza quando você se inspira, ela participa também mais ativamente, porque na verdade você recupera, digamos, o seu contato com a natureza que é a sua origem enquanto ser humano. Então a gente já fez isso muitas vezes, deu muito certo, por exemplo, na invenção das asas dos aviões, inspiradas na forma das asas dos pássaros. E também uma série de elementos da aerodinâmica dos aviões é inspirada na forma do corpo dos peixes e outros animais marinhos, como o tubarão. Parece meio doido essa ideia, mas se você misturar essas duas ideias, biomimética com a participação de não humanos, se você for além da ideia de não humano como animal, também pensar como entidades complexas, como um rio ou como uma montanha, nesse caso a gente está trabalhando com o dique de proteção de uma região da Holanda. E esse não humano, que era fundamental para aquele projeto, foi representado através de um pedaço do dique. A gente pegou um pedaço lá de concreto do dique e colocamos no meio da mesa e a gente estava discutindo como é que vai ser a renovação da área urbana em volta desse dique. Toda vez que a gente pensava no dique, a gente amarrava uma cordinha no dique e as ideias que surgiam estavam relacionadas. Então a gente podia ter uma visualização no final dessa conversa, dessa oficina de design participativo, e a gente podia saber quais eram os fatores que poderiam ser um risco para aquele dique, que poderia causar uma inundação, algo muito problemático na Holanda, que é um país cuja superfície está 30% abaixo do nível do mar. Não humanos também podem participar através de uma espécie de um ventriloquismo teatral em que o ser humano fala pelo não humano. Então nesse caso a gente tem uma entrevista com uma cadeira que tinha sido projetada por um designer famoso e aí ela reproduzia a personalidade do designer e todos os seus preconceitos sociais. Isso foi um exercício que a gente fez de teatro, estou oprimido com estudantes aqui da disciplina, acho que foi teoria design 4, se não me engano, foi em 2019. Também é uma maneira de você pensar pela perspectiva daquele objeto. Então o objetivo mais amplo é a gente superar o antropocentrismo, que é centrar no usuário ou no ser humano como sendo um fator moral e ético ou econômico para justificar nossas decisões de design. Isso aqui por mais que pareça correto ou ideal, isso aqui é o motivo pelo qual a gente tem uma desestruturação de ecossistemas que não são feitos para centralização. A centralização não é encontrada na natureza como uma lógica de organização de ecossistemas. Isso quem faz é o ser humano, porque ele busca para si, digamos, uma acumulação de capitais, de energias, de materiais, por aí vai. Esse antropocentrismo está sendo apontado como um dos grandes causadores das mudanças climáticas globais que nos afetam de diversas maneiras. Em paralelo ou alternativa ao antropocentrismo existe essa ideia de descentralização, descentramento do humano em que todos os outros seres vivos teriam também a sua vez, seriam considerados também num projeto de design. Isso ainda é uma visão tanto utópica, mas que anima o projeto com a plataforma Corais. Isso aqui é um dos primeiros desenhos que a gente fez do ecossistema da Corais antes de desenvolver ela lá nos anos 2010. Então a gente imaginava a Corais unindo ateliês como esse, ateliês remotos, o Instituto Faber-Ludens, mas também outras escritórios de design. Então a gente imaginava uma rede de vários participantes co-criando valor. Muitos anos se passaram, a gente foi desenvolvendo melhor essas abordagens, hoje a gente utiliza esse mapeamento de ecossistemas quando a gente quer trabalhar com um projeto de design em rede. Essa abordagem aqui não é mais aquele diagrama digital feito por um designer, mas é um diagrama físico usando Lego e alguns outros materiais feito por todos os stakeholders ou partes interessadas naquele serviço. Pessoas que podem se comprometer de fato a implementar aquela lógica, aquela dinâmica, aquelas relações multilaterais que eu mencionei. Isso aqui é um tipo de exercício também e técnica bem interessante para a gente desenvolver e adquirir nessa disciplina, caso vocês queiram. Aqui tem as instruções para quem quiser executar um mapeamento de ecossistema. A gente ainda não tem uma proposta para fazer isso aqui agora, então vou deixar depois para uma possibilidade para a gente explorar nas aulas futuras ou talvez até mesmo hoje