Design participativo no governo. Essa apresentação é uma visão geral de várias iniciativas que eu tive a oportunidade de participar interagindo com órgãos do governo federal, do governo municipal, do governo estadual brasileiro, mas também observando projetos com governos na Holanda, o lugar onde eu fiz o meu doutorado em design. Meu interesse no assunto é porque, basicamente, eu estou interessado em qualquer mudança que reduza a desigualdade social. Eu acredito que a democracia é um meio para isso acontecer. Para aprender sobre mudança, a gente tem um princípio metodológico de fazer parte dela. Eu preciso me transformar também enquanto eu estou estudando a mudança. Por isso que o design participativo, enquanto uma área acadêmica, requer uma pesquisação com projetos participativos. Que projetos participativos são esses que me interessam e que eu me meto? São projetos que têm diferentes tipos de pessoas interessadas. Normalmente vai ter uma polarização política, uma formação de blocos antagônicos que não vou conseguir eventualmente decidir sobre as coisas que precisam ser decididas facilmente. Isso porque historicamente se formou uma relação econômica de poder desigual entre os membros daquela comunidade, daquele participante daquele projeto. Há um desejo sim de mudar a conjuntura e o próprio processo de projetar aquilo que precisa ser projetado é um reflexo desse testemunho, uma evidência objetiva desse desejo. Bom, a participação social pode ser considerada com uma perspectiva mais ampla do que o design participativo. Ela pode ser vista como uma questão política da nossa sociedade contemporânea. Então vamos começar a partir daí. Por que existe a participação social enquanto um movimento de ampliação da democracia no Estado? E também porque existe o design participativo no governo como uma forma de implementar essa participação social. Observando a história do Estado na nossa sociedade, chegamos a um momento que esse Estado democrático de direito, que proveia um bem-estar à população através de serviços públicos, encontra-se numa crise por conta da limitação que a representação política pela eleição, pela definição de representantes oferece para uma população que está cada vez mais diversa, cada vez mais consciente da sua diversidade e diferença. Por outro lado, existe também o maior acesso à informação para o cidadão, principalmente a partir da disponibilização de mídias digitais que permitem consultas em tempo real. Consultas que não são tão rápidas, tão fáceis, mas que, em todo caso, permitem que o cidadão tenha acesso direto à informação do Estado ou das ações que o Estado realiza. O governo aberto, por exemplo, é um padrão que visa ampliar esse tipo de participação social. Mas também existe um processo paralelo que visa ampliar a participação de empresas privadas nas ações públicas, são chamadas parcerias público-privadas. Essas empresas, essas organizações podem não ter fins lucrativos, como as organizações da sociedade civil, mais conhecidas como ONGs. Além disso, tem movimentos sociais que ainda não estão tão institucionalizados e organizados que estão cada vez mais colaborando com o Estado. Ou seja, essa noção de um Estado total que faz tudo, basicamente, para a população e que se encarrega de ser, se torna responsável pelas atividades de interesse público, começa a se dissolver nos últimos, talvez, 40, 60 anos. Isso vai acompanhar uma mudança cultural de uma sociedade massa que precisava desse Estado grandioso, esse Estado monstruoso, um Leviatã. É uma sociedade massa pautada pelo consumo, submissão, aceitação dos padrões que esses grandes atores ofereciam para os pequenos atores. Nós vivemos hoje um momento atual híbrido, em que nós passamos aos trancos e barrancos através de muitos conflitos para uma sociedade civil, que está constantemente se recriando, que se funda na participação e na crítica da realidade. Nesse processo híbrido, nesse momento híbrido que nós vivemos, há muitas armadilhas na passagem de uma sociedade massa para uma sociedade civil. Por exemplo, de líderes políticos se apropriarem desse momento de construção, de desenvolvimento da agência do cidadão para manipulá-los, de modo que essa ação que seria do cidadão acaba tornando uma ação do demagogo, do político líder que manipula essa população. Esse processo de demagogia, muitas vezes, é apoiado na construção de um processo participativo ou pseudo participativo, em que o líder demagogo ouve, ou não tanto, a população através de audiências públicas, através de comícios, através de diálogos na internet. Isso gera uma forma de participação abstrata chamada tokenismo, em que se convidam alguns representantes dos diferentes segmentos, digamos, da população que apoia aquele líder, aquele político, para que eles apareçam abstratamente no plano de governo, na formação das equipes, para que tenha lá, pelo menos, uma pessoa preta, uma mulher, uma pessoa com deficiência e uma pessoa LGBT, para citar alguns dos grupos que, historicamente, são excluídos dessas discussões. Se essas pessoas não têm poder de decisão, se elas não podem decidir, elas só estão ali para falar alguma coisa, dar a sua opinião, mas não são levadas a sério, esse tipo de participação se chama tokenismo. Então, as questões cruciais para participação social é quem participa, são stakeholders ou participantes interessados? São as pessoas afetadas pelo projeto? São os usuários? São os cidadãos? Quem tem voz nesse processo? Líderes? Representantes? Participantes? E, afinal de contas, o que está em jogo? São os recursos? São lugares e edifícios? São leis? São objetos? São sistemas? Essas são as três perguntas cruciais da participação social, mas também do design participativo. Além disso, nós temos mais outras três questões que são mais específicas do design participativo, que dizem respeito ao nível de participação. Feito uma consulta, uma deliberação, uma delegação, uma construção coletiva, essa participação é baseada no microfone aberto, na votação, numa deliberação, num coprojeto, uma cocriação, e o que acontece depois dessa participação? Há um acompanhamento, a fiscalização, a mutirão do povo? Bom, para entender as respostas dessa pergunta, existe um modelo muito interessante, criado pela Sheri Einstein, que é a escada de participação cidadã. Ela mostra aí o momento em que você tem manipulação, você tem uma terapia, que não é exatamente uma participação. E o momento do tokenismo, que ela tinha comentado, que há uma informação para o povo, uma consulta, uma fase de igualmento de tensões, de rixas. Agora, a fase de poder do cidadão, de empoderamento da população excluída, é quando há parceria entre o Estado e a população, a comunidade, quando se delega o poder à comunidade, ou quando os próprios cidadãos controlam a atuação do Estado. Na participação social, existem princípios comuns, que tentam visar esse nível mais alto de delegação e de tomada de consciência da população, de que ela pode fazer as suas próprias ações. Como a inclusão, de que todos poderiam participar, a perspectiva, de que cada um tem uma perspectiva diferente sobre a mesma coisa que se está fazendo, e logo podem expressar isso. A necessidade de uma representação, de que qualquer pessoa pode exercer, mas que ao exercer a representação, há um acordo tácito de que o representante pode falar em nome daquele grupo representado. A transparência de que todos sabem como é que é o processo, e um item que raramente é discutido, mas que no design participativo se torna fundamental, que é a meta participação, ou meta colaboração, que é o processo de questionar o próprio processo de participação e mudar as ferramentas, mudar os métodos de inclusão. No momento atual, praticar design participativo enfrenta alguns desafios. Idealmente, o processo democrático, no design participativo, começaria com uma deliberação para decidir o que é importante, uma cocriação para planejar o que foi decidido, e um mutirão para implementar e fazer acontecer, executar aquela obra. Infelizmente, devido a processos de dissenso, de conflito, de articulações políticas destrutivas, a deliberação vai para um lado, a decisão vai para outro, a cocriação vai para outro, o mutirão vai para outro lado, e às vezes o que era para ser uma coisa consistente acaba sendo bastante caótico, e as fases posteriores, como o mutirão e a cocriação, acabam nem acontecendo. Muitas vezes o argumento para suprimir, para antecipar e pular as etapas de participação é "temos que fazer assim, não há dinheiro, não há tempo, não há outra maneira". Isso é um processo antidemocrático, não é o processo democrático ideal. O fato de você ter previsto que ia fazer um processo de deliberação, decisão, cocriação, mutirão, e depois cancelou, porque não teve tempo, interesse, disposição política, isso significa uma diminuição, não a criação da democracia. Nós vemos hoje, desde 2013 no Brasil, um crescimento muito forte de um descontentamento da população brasileira com os processos democráticos baseados na representatividade política da eleição. Muitas vezes as pessoas se manifestam como "não me representa o representante", ou "o povo unido não precisa de partido", ou "a escola poderia não ter partido", e várias outras atitudes antipolíticas que acabam gerando um cenário de participação tumultuoso, contubado, pouco esperançoso, destrutivo mais do que construtivo. A cientista política Chantal Mulfi tem uma teoria, uma explicação de porque isso aconteceu nos últimos anos, não só no Brasil, em outros lugares do mundo. É que, basicamente, esse centralismo de consensualismo de centro, melhor dizendo, gerou um déficit de identificação, porque ao se unir, por exemplo, no caso do Brasil, PT com PMDB, por muitos anos, criou essa impressão de que o PT não era mais um partido radical de esquerda e que não tinha uma proposta evidente para que os seus eleitores e também os seus apoiadores se identificassem. Então, isso diluiu o embate em troca de acordos por governabilidade, que são necessários, mas que geram esse déficit de identificação, criando espaço para a abertura de movimentos mais radicais. Esse antagonismo que hoje está se tornando cada vez mais explícito e até violento. Então, a gente vê, por exemplo, pessoas no momento atual, pós-eleições de 2022, querendo se matar mesmo, literalmente, porque não votou no candidato, especialmente os bolsonaristas. Vamos votar claramente. Os bolsonaristas estão, muitas vezes, agredindo pessoas que não votaram em ser o candidato ou que votaram em candidato oposto ao Lula. E isso não é uma manifestação democrática, é anti-democrática. Ela é uma destroy, a própria noção de que a política é um espaço para a discordância. Por isso, a Chantal Mulfi vai propor um conceito chamado agonismo, que ela vai recuperar lá da Grécia antiga para a gente pensar como uma alternativa ao anti-agonismo. Esse agonismo seria uma disputa política entre adversários e não entre inimigos. O consenso não vai eliminar a divergência. Então, no agonismo, os políticos, os líderes, as entidades da sociedade civil vão se posicionar contra os argumentos dos seus adversários políticos, mas não contra a existência dos seus adversários políticos. Eles vão acreditar que é melhor você ter respeito pelo outro do que você tentar eliminá-lo do debate. É claro que isso significa uma formação em faz muito grande em regras para debate, em estruturas e plataformas, em meios para debate justos. Bom, o agonismo, então, se torna uma abordagem prática para lidar com uma contradição que é inevitável em qualquer processo de transformação, chamada tradição e transcendência. Essa contradição foi estudada pelo um dos fundadores do design participativo, o professor Pelé. E na tese de doutorado dele, ele vai falar desse processo de crise de identidade de uma comunidade que precisa, por um lado, mudar, mas por outro lado, que é conservar as suas posições, seus avanços. E toda mudança representa também um perigo. O design participativo desenvolveu, então, uma tradição de gerar um consenso mínimo através da construção de um objeto compartilhado, visando com isso objetificar as opiniões, as ideias, as perspectivas, as propostas em objetos físicos mesmo ou representações abstratas, no entanto, materializadas e objetivamente compartilhadas entre os participantes. De modo que o participante receba que a ideia dele não é mais ele próprio. Quando você fala alguma coisa, você se confunde com a sua fala, a sua identidade está colocada embutida na sua fala. À medida que você vai colocando um objeto mais fácil as outras pessoas construírem em cima desse objeto a sua perspectiva compartilhada, aquilo que elas concordam construir juntas. Então, essa objetificação das opiniões, ideias e propostas vai, com o tempo, gerando uma possibilidade de um consenso materializado que permite que aquele grupo, aquele coletivo que está construindo junto avance, sem deixar para trás as suas diferenças. Então, por que o design participativo seria bom, aplicável para o governo? Eu acredito que ele pode tornar a participação social mais concreta, ele pode transformar a resistência, a mudança numa força de mudança, desde que sejam preservadas essas diferenças. Ele capitaliza essa diversidade profissional e cultural que uma organização, que uma comunidade possui, descentralizando a informação e o conhecimento de modo que várias pessoas possam saber o que fazer na hora que precisar. Vou mencionar alguns projetos de participação social via design participativo na Holanda, o país onde eu fiz o meu doutorado, e primeiramente contextualizar que a Holanda é um país geograficamente muito peculiar, porque praticamente 40% do seu território está abaixo do nível do mar, e se não houvesse um processo histórico bastante longo, de muitos séculos, contendo o avanço e a subida do mar sobre seu território, esse país estaria literalmente debaixo da água. E esse país, como ele sobrevive apesar de estar abaixo do nível do mar? Bom, existe lá um sistema de gestão das águas chamado "Polder Model". "Polder" é o nome dessa estrutura de ocupação do solo que vocês estão vendo na imagem, que é basicamente campos cultiváveis, cercados por alagados. Esses alagados foram criados pelos seres humanos, essas cavas, para que a água fluísse e pudesse ser controlada também através de diques e outros mecanismos de barragem. Então, pela Holanda existem milhares de diques espalhados, isso já há muitos séculos, que vão controlando a entrada e saída de água, e para que essa água seja gerenciada de maneira inteligente, é preciso que haja colaboração entre os cidadãos. Como existem milhares de diques, é preciso que um é responsável por um dique, como um nick, como um responsável pelo outro dique. Do contrário, a gestão da água se torna caótica, isso pode causar inundações, como a de fato causou na história da Holanda, e muitas pessoas morreram. Então, na Holanda se formou essa tradição chamada "Polder Model". Para qualquer assunto que se deseja decidir, há que haver uma discussão longa que gere um consenso mínimo para que a população haja de maneira coordenada. Por isso é um país bastante organizado. Então, busca se tomar decisões apenas quando se chega ao consenso, mesmo que se custe muitas reuniões. É curioso que os holandeses organizavam muitas reuniões, mas sempre com um horário bem definido de começar e um horário bem definido de terminar, não passando de uma hora de duração. Então, era muito comum você ter reuniões que se espalhavam ao longo de meses, sempre com uma hora de duração por semana. Essa habilidade de se organizar e de falar democraticamente, de deliberar, ela não é uma habilidade que os holandeses nascem com ela. É uma habilidade construída culturalmente, principalmente através da educação. As escolas já têm no seu currículo, principalmente no ensino secundário, no ensino médio, o próprio tema, como participar de um debate político. Então, existe uma disciplina, uma aula sobre debate político obrigatória para todos os estudantes de ensino médio que participa, que conduz, que desemboca num concurso nacional de debate público, que acontece todo ano, cujos vencedores ou finalistas vão participar de um programa de televisão, que está vinculado a esse processo pedagógico nas escolas. Então, os melhores estudantes, o melhor grupo de debatedores das escolas vão se enfrentar para debater questões públicas reais e concretas da Holanda naquele momento, num programa de televisão de audiência nacional. Esse programa acaba tendo um impacto, muitas vezes equivalente ou similar ao próprio impacto dos debates com os políticos eleitos na Câmara dos Deputados e no Senado. Então, é muito interessante como a Holanda tem um processo democrático a profundidade enraizado já no seu processo educativo. Isso significa que as ações que o Estado faz podem contar com a participação da população desde o seu início. Então, no caso onde eu morava na cidade de Ensrej, o subprefeito do local, do bairro, não é da cidade, do bairro, o subprefeito do bairro onde eu morava convidou os moradores do bairro Rombaic a fazer uma caminhada ao redor do bairro para ver o que precisava melhorar naquele próximo ano de gestão. Então, ele fazia todo ano essa caminhada, divulgava em cartazes espalhadas pelo bairro, ele colocava embaixo da porta um folhetinho para cada casa, cada residência, convidando as pessoas a participar dessa caminhada e conversar sobre o que precisava melhorar naquele bairro. Então, a partir dessa ação de bairro, que não é incomum no meu bairro, era comum em todos os bairros da Holanda, vai se construindo uma democracia participativa já enraizada na comunidade local. Então, quando se chega no nível nacional, já tem essa construção de base política desde o bairro. Então, crises como a crise que aconteceu a partir de 2008, que foi se desenvolvendo, uma crise cada vez maior na Europa, que resultou em vários cortes em serviços públicos, em especial cuidados com idosos, pode ser resolvida com participação social da população. Então, eles fizeram um programa construído participativamente também com o interesse da comunidade, em que pessoas idosas aposentadas, com mais ou menos a idade entre 60 e 70 anos, cuidariam das pessoas idosas com 80, 90 anos ou até menos 100 anos, que tem muitos idosos com essa idade lá na Holanda. Então, esse é um programa que visa reduzir custos de atendimento e cuidado no serviço público de saúde, mas que também pode oferecer melhorias na qualidade de vida daqueles idosos aposentados com mais de 60 anos que não têm, de repente, o contato com a família e estão solitários. Além disso, tem vários outros tipos de iniciativas cidadãs, como esse caso das lixeiras na cidade de... Eu não me lembro do nome da cidade, mas uma cidade da Holanda que resolveu... que não poderia manter mais tantas lixeiras na cidade por conta dos cortes orçamentários. E em vez de recolher as lixeiras, o conselho da cidade, a Espécie de Câmara de Beiradores, resolveu reunir os cidadãos para debater se seria possível que os cidadãos adotassem uma lixeira, se comprometessem a recolher o lixo da lixeira do seu bairro, da sua rua, e levar numa lixeira maior numa central localizada, numa região próxima. E não é que os cidadãos aceitaram, então essas lixeiras têm um rótulo dizendo, "olha, você gostaria de me adotar e me esvaziar de vez em quando?" E essa iniciativa funcionou, parece que às vezes os cidadãos não estão nem aí para a sua cidade, mas é porque também não há uma oportunidade deles tomarem responsabilidade e participarem das decisões. Tem que haver uma via dupla de que a participação é também a responsabilização do cidadão. Outro exemplo interessante é essa ponte construída e financiada coletivamente por cidadãos da cidade de Rotterdam. Foi uma primeira obra pública feita com crowdfunding, ou seja, financiamento coletivo, e todos os cidadãos que contribuíram para essa construção dessa ponte puderam escrever o seu nome através de um sistema de impressão laser, que permite que isso aconteça em larga escala, customização em massa e larga escala do material. Então, todas as pessoas que contribuíram têm seus nomes escritos na própria ponte. Então, você atravessa e vai lendo o nome de quem contribuiu. Claro, quem quis deixar o nome publicamente. Então, é um exemplo muito interessante de ação participativa, de colaboração entre Estado e iniciativas privadas. Nesse caso, você tem uma empresa que vai coordenar o crowdfunding, mas, de fato, quem participa massivamente é a própria população que vive nessa região e precisa dessa ponte para aumentar a sua segurança de trânsito. Além disso, nós temos os Fab Labs, que é uma tradição já na ULAN há muito tempo, que são esses espaços, inclusive, que prototiparam aquela ponte, que se responsabilizaram também por oferecer a tecnologia de crowdfunding e de organização da população. Então, os Fab Labs na Holanda têm esse papel de ajudar as pessoas a entender que elas podem fabricar o que elas quiserem, desde que elas troquem informação, conheçam outras pessoas, troquem ideias. São espaços de compartilhamento de máquina e equipamentos para a construção de fazer o que você quiser. Por fim, queria mostrar mais alguns projetos na área de arquitetura que implementam a participação de diferentes maneiras. Aqui temos o Central de Hair, que é um escritório numa empresa de seguros que foi construído, projetado para que os próprios trabalhadores façam o design de interiores dos seus espaços. Então, é um espaço modular de escritório que pode ser configurado de diferentes maneiras. Isso aqui é conhecido como o movimento de estruturalismo holandês dos anos 70 e 80, mas que influencia a arquitetura holandesa até hoje. Essa liberdade projetual que confere aos moradores, confere aos trabalhadores que ocupam o espaço de trabalho. Mais recentemente, tem um modelo mais aprofundado ainda na arquitetura de participação, que é o chamado Lean Healthcare Design, inspirado no movimento que vem dos Estados Unidos, de você otimizar a ocupação do espaço de um prédio que tem uma função específica, como um hospital, a partir do conhecimento profundado do processo de trabalho nesse ambiente. Então, para que se conheça esse processo de trabalho e as demandas e os requisitos materiais daquele espaço, se constrói dentro de um hangar ou de um grande galpão uma maquete um para um, ou seja, num tamanho real feita de papelão daquele hospital. Então, ele vai ter todas as salas prototipadas com papelão, dá bastante trabalho para produzir isso, mas a vantagem é muito grande, porque enfermeiros, enfermeiras, médicos e outros especialistas da saúde têm dificuldade de entender um plano impresso num papel ou mesmo produzido como uma maquete em escala menor. A percepção de espaço dessas pessoas não é a mesma de um profissional de engenharia ou de arquitetura. Então, elas precisam emergir num espaço em que elas consigam entender a sua dimensão e as suas implicações. E nada melhor do que você poder executar uma simulação de uma atividade real dentro de um espaço físico um para um, ou seja, com a mesma escala real. No meu doutorado, eu pude participar de projetos que não estão progressistas em termos de participação, mas que utilizaram umas ferramentas e brinquedos, especialmente, ou jogos interativos que simulavam essa atividade dos profissionais de saúde dentro de espaços de saúde, centros de diagnóstico médio e até hospitais. Então, esse doutorado foi justamente voltado para documentar formas de representar as contradições que esses participantes encontravam entre o projeto espacial e o projeto de serviços, o design de serviços. Eu também estudei projetos que não eram da área da saúde, como esse Centro de Laser Ecológico na cidade de Almelor, e a gente fez uma visualização das atividades que iam acontecer nesse centro ecológico, considerando também que ele era um ponto de partida, de retorno para excursões, para atividades que aconteciam ao redor da cidade. Essa daqui é uma outra visualização que a gente construiu nesse projeto, para visualizar os requisitos arquitetônicos desse centro ecológico. Então, essas pecinhas de jogo de tabuleiro, elas representam, por exemplo, a necessidade de acesso à água, a necessidade de você estar perto de um lugar que você pode guardar equipamentos, a necessidade de você ter um aquecimento ou de você ter um banheiro próximo. Então, cada postito desse é uma anotação importante de um requisito que os arquitetos precisavam considerar nesse projeto. Então, foram levantadas várias limitações desse projeto arquitetônico que os arquitetos não tinham antecipado por não terem simulado os processos de trabalho, de uso, de ocupação daquele espaço. Não só a ocupação quantitativa, que é algo que muitos até se preocupam, mas a ocupação qualitativa. O que é que as pessoas vão estar fazendo? Nós participamos também de um projeto de uma revitalização de um DIC, que é as estruturas que regulam as águas na Holanda, que visava verificar a possibilidade de ampliar as funções do DIC, não só de segurança, mas também de um aspecto comercial, de habitação, e por aí vai, em Rebedec. Para representar essa multifuncionalidade e os conflitos de dilenas que surgiam dessas decisões, nós construímos um cubo dos dilenas, que é essa visualização multidimensional de como que uma ação impacta numa outra ação. Então, esses cruzamentos de fios que acontecem no meio desse cubo são justamente essas interferências entre as diferentes funções desse projeto. Ao visualizar essas interferências, os diferentes stakeholders ou partes interessadas do projeto começam a ver o projeto de outra maneira, começam a enxergar o impacto das suas ações nas ações dos outros, porque normalmente, num projeto participativo, cada um defende a sua perspectiva do seu departamento, da sua organização, do seu grupo social. Mas o desafio é como é que a gente constrói algo em conjunto a partir de um consenso mínimo. Também participei de um projeto de advocacy, de defesa dos interesses de uma comunidade, de um conjunto residencial num bairro de Londres, que estava se organizando contra essa obra HS2, uma expansão de uma linha ferroviária que liga Londres a Birmingham, de modo que tivesse um trem-bala, funcionando em alta velocidade, e as partes, os bairros pelos quais esse trem-bala ia passar em Londres, iam ter um impacto ambiental e social bastante grande. Então, esse conjunto residencial recebeu várias visitas de representantes públicos no passado, e a população não estava querendo conversar com eles, porque estavam com medo de serem relocadas, de serem forçadas a mudar para uma outra região da cidade e perder os seus vínculos de amizades, sua rede social, vincular daquele local. Então, para que a gente pudesse ter uma forma de conversar com os habitantes daquele conjunto e demonstrar, coletar dados sobre impacto social dessa obra, nós fizemos uma abordagem ativista, de montar um espaço no jardim público daquele conjunto, montar esse espaço temporário, que parecia ser uma espécie de uma intervenção artística, convidando as pessoas para tomar um pouquinho de chá e conversar a respeito da vida naquele local. Quando as pessoas entravam no nosso espaço Tien Chien, elas podiam se sentar e olhar os planos, os desenhos que a gente tinha no mapa daquele conjunto, e anotar quais eram as dificuldades que tinham de viver naquele local que poderiam servir como moeda de barganha com a prefeitura e a empresa que estava responsável por esse projeto de construir a rede ferroviária de alta velocidade. Então, se eles soubessem o que eles poderiam demandar, por exemplo, "ah, você vai demolir essa parte, mas você vai construir essa outra parte para nós". Então, a gente montou esse mapinha com pontos de interesse, com ícones, esses ícones eram morridos pelos participantes para os lugares onde tinham problemas, onde tinham soluções e questões de interesse que eles queriam debater. E a gente fez isso com vários participantes. Isso quebrou, digamos, o preconceito que eles tinham de conversar com um agente público, que era muito baseado em um questionário. Aqui a gente usou uma dinâmica que parecia ser um jogo, então era mais lúdica e mais divertida para participar. No final, a gente compilou todos os dados que a gente coletou de todos os participantes em vários tipos de diagramas, de gráficos, que tentavam capturar essa totalidade, essa diversidade de visões acerca do que tinha que ser feito. E a gente apresentou esse resultado de pesquisa num debate promovido pela prefeitura, ou melhor, promovido pelo Architecture San Frontiers, que era a entidade científica criativa, a ONG, que estava organizando essa intervenção, junto com a ONG Synthesis UK, que também é uma ONG de Advocacy, de comunidades que costumam não ser envolvidas no planejamento participativo, planejamento urbano. E a prefeitura de Canden foi convidada para conversar sobre esses resultados. E a gente teve um debate muito interessante que resultou num compromisso da prefeitura de Canden de defender o interesse dessa comunidade frente à empresa de desenvolvimento da espaço rodoviário. Então, a gente conseguiu incluir mais de 180 moradores em apenas 7 dias. Essa intervenção ajudou a criar uma carta de demandas para HS2, que é esse projeto de ferroviário, e a própria empresa acolheu empolgado. Não sabemos se elas realmente vão implementar essas demandas, mas foi uma forma de apaziguar um pouco a rixa, o conflito que estava acontecendo entre essa empresa e as comunidades locais. Ao retornar do meu doutorado em 2015, eu recebi um convite muito interessante de participar de uma nascenta secretaria de participação social dentro da secretaria da Presidência da República. Então, a presidente Dilma Rousseff queria ampliar a democracia em diversas maneiras para que a população pudesse participar diretamente. Ela estava respondendo também às demandas levantadas pelas jornadas de junho de 2013. Então, em 2015, ela começou esse processo. Eu pude participar, então, de uma formação de um laboratório de participação social que visaria testar novas tecnologias de participação social para ampliar o alcance, porque no Brasil um dos grandes desafios da democracia são as distâncias físicas entre os locais, fazer participação social em um país como a Holanda, que é do tamanho do estado do Paraná. O Brasil tem 24 outros estados e a maioria deles são maiores do que o Paraná. Você precisa de tecnologias digitais de participação social, e é justamente esse o objetivo desse laboratório, desenvolver essas ferramentas. Nós ficamos enfurnados durante dez dias desenvolvendo a ferramenta Dialoga Brasil, que tinha como objetivo permitir que a população desse a sua opinião e construísse junto com o governo federal os programas de governos principais, como Mais Médicos, como Minha Casa Minha Vida e por aí vai. Um dos pontos importantes que a gente debateu e decidiu dentro do nosso projeto é que o Dialoga Brasil teria que ser um espaço para dialogar também com o que se chamava na época de coxinhas, que seriam os opositores ao governo liderado pelo PT. Então é importante que esse espaço fosse da população como um todo. Nós recebemos muitas, milhares de propostas de pessoas que eram contra os programas de governo do jeito que eles estavam sendo executados, mas que estavam dispostas a fazer mudanças, por exemplo, fiscalizar empreendimentos da administração e hospitais públicos de forma esclarecedora, como colocado nessa proposta aí nos slides. Isso é uma proposta que coloca, constrói em cima daquele movimento hospitais padrão FIFA, que criticava o investimento do governo federal na estrutura para receber a Copa do Mundo. Então isso era uma opinião de direita, ou talvez uma opinião de coxinha mesmo, que recebeu votos porque esse agente político mobilizou a sua comunidade para votar, como o número de votos foi maior do que outras propostas, eventualmente mais à esquerda. Essa proposta teve que ser respondida por um ministro da república, um ministro da saúde no caso. Então é muito interessante como o Dialog da Brasil criou um espaço de democracia nunca antes visto no Brasil, mas infelizmente foi interrompido pelo impeachment em 2016. Existem vários outros projetos participativos muito interessantes no Brasil. Eu vou fazendo uma lista rápida aqui, a Praça de Bolso do Ciclista em Curitiba, o plano diretor de São Paulo na época do governo o melhor do prefeito Haddad, o jogo Ases desenvolvido pelo Instituto Elos, começou em Santos, mas se espalhou por várias cidades do Brasil, o Cidade Democrática, que começou em Jundiaí, mas que também deu outros desdobramentos posteriores, Morar de Outras Maneiras, um grupo de pesquisas que estuda concessos participativos no planejamento urbano na Federal de Mundo Geral, o grupo de pesquisadores e professores de trabalho com design parceria e design social na PUC do Rio de Janeiro, e o E-Cidadania, que é um projeto de estrutura digital para participação social desenvolvido na computação da Unicamp. Bom, os princípios básicos do design participativo, para finalizar minha apresentação, são incluir todos que forem afetados pelo projeto, o participante é o especialista, existem opções construídas em vez de só escolhidas, então não é só voto, é a construção da escolha, através de protótipos, modelos simples, falar e fazer para evitar o monopólio da fala, fazer junto, fazer o quê? Especialmente fazer o futuro através dos objetos, objetos com uma espécie de microcosmo, como um protótipo que pode ser feito possivelmente no futuro. Então, como é que dá para aplicar o design participativo no governo? Bom, você pode fazer o design participativo de obras públicas, meio óbvio, você pode elaborar programas de governo de processo participativo, como já existe no governo federal, existia na época do governo PT, através dos conselhos, através dos interconselhos, você pode ter cocriação de serviços públicos, esse projeto, como que ele vai ser entregue, como é que vai ser organizado, pode ser participativo, pode simular o impacto de políticas públicas dentro de comunidades fazendo um processo piloto de avaliação, pode ser usado também em audiências públicas que podem funcionar como oficinas de cocriação, não só um espaço para debate através do microfone que é bastante restrito em termos de compressão mútua. Existem alguns formatos promissores que a gente tem experimentado em vários projetos que eu acho que podem se tornar cada vez mais relevantes para o design participativo no governo, a ficção projetual, o design especulativo, construir visões de futuro através de mídias que são especuladas, como o jornal, como uma propaganda, sobre como seria um futuro ou um passado alternativo para aquela comunidade, o jogo de projetar o design games, para você colocar o projeto de algo em jogo, você jogar as determinações daquele projeto, as sondas culturais que são objetos estimulantes para as pessoas receberem e no seu tempo sozinhas responderem e expressarem suas emoções, seus valores culturais e responderem de volta para os pesquisadores, devolvendo essa sonda, como se fosse um questionário que se envia ao usuário, aos participantes, ao cidadão, mas é um formato de questionário estimulante, como nesse caso, que foi uma pergunta que tinha que ser respondida num post-it colocado dentro de uma cabeça de boneca cortada, tinha todo um contexto, o estudo da alfabetização digital e os conflitos que as crianças sentiam nessa época, isso permite uma autodocumentação criativa e mais envolvente. E o Laboratório Vivo, que é a organização de um experimento social, um experimento democrático dentro de um evento, a gente fez num fórum de software livre, alguns experimentos usando as ferramentas de participação social digital, que o Laboratório de Participação Social, que eu mostrei anteriormente da Secretaria da Presidência da República, estava testando. A gente promoveu o debate sobre qual que era as formas melhores, dentre essas diferentes formas de participação, ferramentas que a gente tem disponíveis, quais que permitem uma qualidade democrática melhor, ou quais qualidades estão em jogo. Outro formato muito interessante também é o League of Serious Play, você conversar através de modelos físicos que colocam questões difíceis de falar em palavras, você coloca num formato físico, aqui nós temos uma representação de uma interação machista no ambiente doméstico, uma mulher talvez tivesse dificuldade de falar se fosse apenas na fala, mas que através do League of Serious Play ela comentou que essa interação machista era o marido segurando ela, segurando o cavalo que ela queria andar para frente que era o negócio dela, uma metáfora para falar dessa interação machista, talvez não aparecesse numa conversa mais abrangente, sem a ferramenta de mediação. O teatro oprimido por fim é a ferramenta talvez mais abrangente de todas que eu tenho experimentado, que permite até mesmo a construção de projetos de lei, teatro legislativo, é uma variação do teatro do oprimido que o próprio Augusto Ball, o criador desse método, utilizou no seu mandato de vereador do Rio de Janeiro nos anos 90. O teatro do oprimido tem essa característica da opressão, ela ser encenada com a participação de várias pessoas democraticamente através do improviso, do debate e da expressão artística. Essas ferramentas todas podem ser combinadas num planejamento estratégico, usando as ferramentas que vão ser mais adequadas dentro de uma oficina que pode durar um dia, dois ou até três dias, para pensar com as mãos e aproveitar bem o tempo de fala para que não uma pessoa só domine a fala, a gente trabalhe bastante com essa materialização das ideias. Bom, essa era uma visão geral de possibilidades para o design participativo do governo, e eu espero agora que com a eleição do presidente Buhl, em 2022, a gente retome as pesquisas e os experimentos de ampliação da democracia no Brasil através do design participativo nos âmbitos federal, estadual e municipal, que foi um processo, infelizmente, interrompido pela sanção de governos antidemocráticos ou governos impopulares, que não usavam essa articulação com o povo. [Sino]