Então, design ontológico crítico, já adiantando esse termo, é um pouco diferente dos nossos termos normalmente utilizados no design, mas ele diz respeito à relação entre design e realidade, e a produção da realidade. Vamos tratar de temas como, por exemplo, realidade virtual, realidade aumentada, realidade híbrida, realidade mista, mas por uma perspectiva crítica que vai ajudar a gente a ver as realidades que estão escondidas atrás dessas realidades, que são as realidades oprimidas na nossa sociedade. Então, daí vem essa perspectiva crítica sobre o design ontológico. A gente não vai aqui fazer apologia, digamos, ao uso dessas tecnologias, pelo contrário, nós vamos levantar pontos polêmicos. Bom, vamos começar desmistificando esse termo, design ontológico. O que é ontologia? É o ramo da filosofia que estuda o ser em si e o ser no ente. Quem e o quê existe? Então, toda vez que eu faço uma lista de coisas que existem no mundo e organizo elas, do tipo, existem os seres da terra, os seres do céu, os seres do mar, isso é uma ontologia. Isso aí remonta lá à Grécia antiga, o começo da filosofia começa tentando definir as coisas da natureza. Isso são os seres no ente, o ser reduzido a um ente, quer dizer, uma parte do mundo. O ente é um ser que está dentro de alguma coisa. Agora, a ontologia também discute ser em si, ou seja, o ser como essa coisa difícil de você pegar, que é alguma coisa que passa pelo tempo, que se define como algo que dura no tempo. É muito abstrata, não vou entrar nesse assunto, mas a origem realmente é essa, que é uma discussão que vai ser trazida pelos fenomenólogos como o próprio Hegel, depois o Husserl, o Heidegger, o Sartre e no caso do Brasil nós temos o Álvaro Vera Pinto e o Paulo Freire, eles também vão falar sobre esse assunto. Só que eles vão trazer, os nossos brasileiros vão trazer para algo muito mais do dia a dia, cotidiana, que é entender ou complicar as relações entre mundo e realidade. Qual a diferença entre um e outro e por que que às vezes a gente sente que a gente não tem o contato com o mundo, ao mesmo tempo que a gente sente também que não está em contato total com a realidade. Esse desalinhamento entre realidade e mundo é a temática da ontologia. Pensar a ontologia pela perspectiva do design, então, significa assumir que essa realidade não está dada, ela não é produzida automaticamente, a natureza direto, ela é sempre fruto de um projeto, um projeto que os seres humanos vão fazer intencionalmente para dar sentido a essa realidade. Então o projeto daí na ontologia existencialista ou existencial, ele indica o modo particular como o ser humano se coloca no mundo, com intenção de transformá-lo. Então isso é uma diferença fundamental entre um ser da natureza que não tem, por exemplo, a capacidade de antecipação do que vai acontecer no futuro. Como o ser humano tem essa capacidade biológica, ele usa para transformar o mundo dele e tornar esse mundo mais adequado para as suas condições de vida, tornar ele mais próximo. Isso o Paulo Freire e o Vera Pinto vão chamar de humanização do mundo, esse processo que você trazer mais para perto de si e esse mundo vai se tornando mais humano. Então essa palavra projeto aqui na filosofia existencialista não significa a mesma coisa que significa no design, a palavra projeto, é uma noção certamente muito mais ampla. Agora e se a gente pensar o projeto em design como um projeto existencial, como um projeto de ser que está se adiantando a quem é hoje para quem ele quer ser no futuro? Se a gente pensar o design dessa maneira, basicamente isso é design ontológico colocando linhas bem amplas, o autor que mais fala sobre esse assunto é o Álvaro Vera Pinto e ele tem esse livro, Consciência e Realidade Nacional, que vai ser a base para o pedagogia do primeiro. Só que esse mundo até agora está bonitinho, parece que legal, muito racional, faz todo esse sentido, só que esse mundo em que a gente se projeta ele já está projetado e por várias pessoas e esses projetos eventualmente eles entram em conflito. Então alguns projetos estão na fase de concepção, outros na fase de execução, outros ainda estão sendo disputados para ver quem é que vai conseguir fazer valer a sua realidade. Pois é, então o mundo que a gente vive é um mundo humano, a gente não tem o contato para a natureza imediata, a gente só tem contato mediado através do que os projetos vão produzindo para a gente, vão deixando de legado. Isso significa o que? Que todo projeto sempre parte de outros projetos, você nunca começa do zero nada, você sempre continua colocando em termos de design, todo design é um redesign. Só que ele também pode ser um contradesign, a gente vai chegar lá. Esses projetos eles disputam principalmente a hegemonia ou a definição das finalidades sobre as mediações, que são as partes do mundo retiradas do mundo, mas retiradas não completamente porque elas continuam dentro do mundo, mas são partes que a gente separa do mundo para transformar esse mundo. Transforma no material que a gente pode mexer, como massa de modelar ou como metal, ou a gente transforma em linguagem, a linguagem falada é um movimento de ar, de ondas sonoras e tudo mais, ela está no mundo da natureza, mas ela também nos coloca num outro mundo, esse mundo humanizado em que esse movimento específico do som tem um significado específico, e aí ele vai adquirir também eventualmente a possibilidade de ser uma ferramenta para transformar o mundo. Então a linguagem material, ferramentas, constitui mediações. Aqui está um exemplo de uma mediação para discutir e problematizar e talvez questionar a ideia de mundo que a gente tem, as representações que a gente tem no mundo que é um globo físico gigante colocado no centro da escola de economia de uma universidade britânica. E esse globo gerou bastante polêmica não porque ele colocou os países virados, quer dizer, a representação de baixo para cima, quebrando o padrão de representação, porque quem disse que o globo terrestre tem que ser a Europa no topo e o Brasil embaixo? Não pode ser o contrário? Não tem. A gravidade cria uma situação em que não tem cima e embaixo. Então ele já questiona isso, mas a grande polêmica não foi essa, porque muitos europeus já estão conscientes de que esses modos de representação representam um passado colonial. O que foi problemático mesmo foi que o autor decidiu colocar uma cor diferente para Taiwan, uma cor diferente do país China. E aí os chineses que moram lá e que acreditam que Taiwan é uma república rebelde que deveria ser reanexada à China, eles protestaram e questionaram e o mapa foi atualizado. E aí Taiwan está na mesma cor da China. Aí outras pessoas que acham que Taiwan deveria ser independente foram lá e protestaram. Então é interessante como a representação do mundo é uma questão muito importante, porque ela se confunde com o mundo. Essas representações começam aos poucos se tornar o próprio mundo. Esse que é o problema, é uma espécie de contradição que a gente não consegue se livrar. As nossas mediações vão começando a se referir a outras mediações, porque aquele globo se refere a uma mediação que são as fronteiras que a gente define artificialmente sobre a natureza e dizer se é o país China e se é o país Taiwan. Mas isso não está na natureza, é uma mediação. O globo é uma maneira de ver todas essas mediações juntas. E essas mediações vão se acumulando uma em cima da outra a tal ponto que se você não estiver representado na mediação você não existe. E essa imagem aqui tem uma representação da UTF-PR dentro do globo terrestre do Google Maps, mas não tem a representação do lado, nosso laboratório design contra pressões que está aqui. E vocês estão aqui nesse momento. Se a gente quiser que o lado exista, a gente pode querer cadastrar o lado nesse mapa, coisa que a gente não fez ainda. Mas é muito louco que por mais que essas mediações elas nos distanciem do mundo, elas nos aproximam da realidade que está valendo, porque as pessoas decidem onde elas vão ir por causa do Google Maps, muito mais do que porque elas olham pela janela ou porque elas estão andando na rua e vêem alguma coisa. Hoje em dia é uma mediação fundamental. E os negócios que não tem essa presença digital acabam não existindo, perdendo muitos clientes. Eu por exemplo, uma vez ajudei um restaurante que não tinha cadastrado no Google Maps, eu continuo recebendo até hoje e-mails, parabéns, a sua contribuição foi muito importante, mais de 500 mil pessoas já viram essa atualização. 500 mil pessoas. Eu falei, como isso? É porque é um restaurante muito denso, mais de 200 pessoas almoçam todos os dias e elas conferem para ver o horário está aberto, não sei o que, graças a essa modificação. Então pensem como o Google, que é o criador dessa ferramenta, tem poder sobre a definição do que existe e do que não existe. Nessa foto aqui eu estou trazendo um outro cara que é mais explícito nessa relação em terminear a realidade, que é o Mark Zuckerberg. O Google ainda por enquanto está numa posição mais de tocaiada, que é mais perigosa ainda. Essa posição pelo menos a gente consegue criticar quando o Mark Zuckerberg fala "eu vou criar a realidade virtual em que vocês vão gastar a maior parte do tempo de vocês no futuro", que é o chamado metaverso. Essa imagem, apesar de não ser da época do metaverso, é mais antiga, ela é paradigmática para mim porque ela mostra a felicidade que ele está tendo ali em ver todo mundo conectado nessa realidade que ele está controlando, quase que completamente os estímulos. E a expressão facial das pessoas que estão ali todas sofrendo, que elas estão vendo um vídeo que eu me lembro, um vídeo que falava sobre o problema da pobreza no mundo, uma coisa assim e ele está feliz e todo mundo está... Então tem uma disputa, não é uma situação... Só uma sede de realidade espiritual para ver a pobreza no mundo, né? Pois é. E é o nosso preciso mediado, né? O que é que precisa ser mediado? O design ontológico ingênuo, que eu estou classificando assim, é uma teoria... Na verdade eles chamam design ontológico, só eu que estou botando ingênuo aí, eu vou fazer uma distinção entre um design ingênuo e um design crítico a partir das contribuições do Alvo Velha Pinto e do Paulo Freire. Essa teoria design ontológico mais conhecida que está influenciando Gleb Meyer no artigo que vocês leram, ela foi desenvolvida inicialmente por Winograd Flores na Universidade de Stanford, mas o Flores é um cara latino-americano, chileno, ele trabalhou junto com o Salvador Allende e criou o primeiro governo eletrônico junto com Guy Bonsip no Chile nos anos 70 e ele teve que sair fugido porque o Pinochet foi lá e matou o Allende com a ajuda dos Estados Unidos, mas ele continuou a pesquisar o assunto de cibernéticos que interessava ele e acabou escrevendo esse livro que é uma... É incrível, é um livro muito, muito bacana, só que é um livro com uma perspectiva pouco crítica, apesar de tudo. Já a Anima Hilli Willis e o Arthur Escobar já tem uma perspectiva um pouco mais crítica também porque passou mais tempo desde essa publicação, agora ainda assim eu prefiro classificá-los como ingenuos. E por que isso? Porque eles equalizam as coisas como se elas fossem pessoas, como se fossem seres humanos. Eles consideram que nós projetamos as coisas do mundo e as coisas nos projetam de volta, como se as coisas existissem tal como existimos. Então eu coloquei lá no começo da apresentação que, segundo a ontologia existencial, o projeto é a característica única do ser humano de estar no mundo, a maneira como ele existe. Se os objetos, as coisas também projetam, elas também existem tal como seres humanos. Eu vou tentar derrubar essa hipótese porque eu acho que ela é ingênua e ela leva a gente a reduzir o conceito de existência. É uma discussão que vem principalmente a partir do Sartre. O Sartre fala a diferença entre o ser em si e o ser para si. Então ele diz que as coisas não têm capacidade de projetar e por isso elas são seres em si. Já seres humanos eles podem direcionar a consciência deles para alguma coisa, por isso eles são seres para si. Eles também podem se tornar seres para o outro, que é servir outra consciência, servir outros projetos, que é justamente um conceito fundamental do Paulo Freire no pedagogia do oprimido. A condição do oprimido é um ser para o outro, um ser que vive para realizar os desejos do outro. Então essa noção ingênua não permite capturar isso, ela acaba equalizando as coisas. Mas vamos ver até onde ela vai porque ela também é interessante, pesada de tudo. Eu vou pegar aqui um exemplo do Batman porque eu acho divertido, eu gosto de assistir Batman, mas eu acho também que revela, se você olhar criticamente para ele, uma série de discursos que estão ali nas entrelinhas, como é um produto cultural massivo, inclusive eu imagino para vocês que vêm da Itália, vocês devem conhecer Batman e os filmes dele, eu acho que fica útil para a gente trabalhar. Mas claro que estamos buscando outros exemplos aí também, quem tiver dicas. Bom, se a gente olhar a história do Batman, você tem uma série de desenvolvimentos da apresentação do personagem e uma série de desenvolvimentos das ferramentas do personagem. Não dá para não dizer que isso aqui é design, é um design também. Só que esse design de personagem e esse design de ferramentas, ele faz parte de um design maior, que é um design de uma realidade. Que realidade é essa? Esse designer da Wayne Enterprises e na realidade da DC Comics, eles desenvolvem ferramentas para que o Batman faça justiça com as próprias mãos e também com a nossa imaginação. Então a realidade que o Batman e esses designers todos em volta do Batman estão criando é uma realidade que é justo fazer justiça com as próprias mãos no caso de um governo ser corrupto como o governo de Gotham, da cidade Gotham. Não, mas eu acho que o Batman é uma chave de leitura também para o bolsonarismo. Eu vou chegar lá. A gente pensava, então acreditava tudo bem fazer justiça com as próprias mãos até que vem o Coringa. E o Coringa e seus comparsas produzem outras ferramentas que ajudam a mostrar que ninguém pode julgar ninguém. Quem é você Batman para vir me julgar e dizer que eu sou um arrumaceiro e você também não está quebrando regras? E essas pessoas ricas aqui de Gotham não são elas que estão destruindo a nossa convivência. Vamos ser autênticos e botar para fora o nosso caos. E aí lá pelas tantas os dois começam a se acusar, especialmente nessa cena do interrogatório. O Batman e o Coringa um acusa o outro. Não, você me criou, não, você me criou. Eu só virei vigilante porque você matou meus pais, eu só virei um grande criminoso porque você começou a atacar todos os ladrões da cidade e aí eles ficaram acuados e aí eles vieram trabalhar comigo. Então eles ficam se acusando. Mas nenhum dos dois aponta e coloca na disputa as ferramentas que eles estão usando, que seriam violentas, teriam tendências ou intenções violentas. O design ontológico ingênuo vai colocar as ferramentas nessa discussão, vai criticar as ferramentas e vai falar "Olha, essas ferramentas têm vieses, tendências à violência". Então existe nos Estados Unidos um ciclo vicioso de violência gera violência que em partes, em grande parte, em grande medida é aumentada cada vez que uma arma nova com maior potencial de fogo, com maior velocidade de disparo é lançada no mercado e vendida como um produto de consumo de baixo valor, acessível. Então aqui tem um fuzil AR-15 que lamentavelmente foi utilizado para metralhar diversas pessoas que estavam assistindo o filme "Batman, o Cavaleiro das Trevas" em 2012. Uma das sessões, logo depois do lançamento, infelizmente teve um desses tiroteios em massa, um cara foi armado para dentro da sessão e matou mais de 20 pessoas, feriu mais de 70 pessoas, simplesmente em poucos segundos ele conseguiu fazer tudo isso. Então o design ontológico ingênuo vai falar "Por que a gente não reduz o potencial violento dessas ferramentas? Essas ferramentas elas atiram porque elas podem atirar e não é porque a pessoa só aperta, né? Se a gente mudar e tentar impedir o acesso a essas ferramentas de assassinar, de matar ou a gente tornar elas menos agressivas, menos destruidoras, talvez a gente possa sair desse ciclo vicioso ou diminuí-lo. Então aqui tem um exemplo de uma intervenção que eu considero design ontológico ingênuo. Assim, em 2013 os emojis todos representavam armas de uma maneira um pouco menos realista, com exceção aqui da... isso aqui é como as empresas, eu esqueci de botar o nome das empresas, mas cada uma é uma empresa, Microsoft, Google, mas acho que aqui é Google se não me engano. A Google já começou com uma arminha de brinquedo, mas os outros usavam emojis mais realistas. Agora em 2018, a partir de 2018 daí já padroniza-se armas de brinquedo como emoji. Eu particularmente acho que é uma ingenuidade achar que as pessoas vão se tornar menos violentas só porque os emojis agora são de brinquedinho, mas eu acho também que por outro lado é uma chance da gente ter uma conversa a respeito de por que os emojis estão sendo assim e também de incomodar aqueles que acham normal ter arma e usar armas, por exemplo, num diálogo de WhatsApp. Então eu acho o seguinte, o design ontológico ingênuo vai até um certo ponto. Dali a gente continua com o design ontológico crítico, que ele vai falar o seguinte, as coisas não existem separadamente de nós, então não tem essa coisa de projetar o ser humano. Tem sempre um ser humano por trás dessa coisa projetando indiretamente quem nós somos, que é o que a gente chama de meta projeto. Então por trás de toda ferramenta de projeto há um projeto de ferramenta, um meta projeto feito por meta designers. Então aqui eu estou usando um recurso dialético, de inversão dialética, para a gente perceber uma realidade que está por trás de outra realidade, que é o que a gente chama de uma realidade velada, uma realidade escondida, uma realidade ocludida, obstruída, mas que ela está ali. Então o que está escondido por trás da discussão das armas nos Estados Unidos é obviamente o interesse comercial. Toda vez que a mídia lança uma notícia sobre um tiroteio em massa, as pessoas assistem essa notícia, elas leem essa notícia, elas dão audiência e daí tem mais notícia e mais notícia e mais notícia, mas isso não é o único ciclo de retroalimentação que acontece. Tem um ciclo mais sinistro que as pessoas ao verem notícias e mais notícias sobre aumento de violência, elas vão comprar mais armas para se proteger da possível violência no futuro e ao fazer isso elas disponibilizam mais armas para pessoas que eventualmente podem ter um ataque nervoso ou ter alguma ideia ruim que fazer a respeito da sua vida dos outros e essa pessoa tem acesso a essa arma muito mais fácil do que se não tivesse tanta arma disponível para se defender. Então aqui tem um estudo da Nature de 2019 que prova isso com dados, que tem os picos de notícias, aqui tem os picos de tiroteios em massa e aqui tem os picos de checagem de antecedentes criminais feitos quando você compra uma nova arma. Então vejam aqui como o pico de notícia corresponde diretamente ao pico de compra de armas e os outros mais ou menos vão corresponder. Então essa correlação sugere que as notícias, a mídia não deveria dar tanta ênfase e se for dar ênfase tem que ser crítica porque senão as pessoas simplesmente ficam alarmadas e compram as armas. Isso aqui é um meta projeto, é um meta projeto de uma maneira de as pessoas reagirem à violência que a mídia está implicada. Agora voltando para a história do Batman, o Batman também tem um meta projetista que é o Lucius Fox, um personagem secundário que é o CEO da Wayne Enterprises mas nas horas vagas atua como designer de armas experimentais do Batman. E aí ele vai utilizar um monte de recursos exclusos da empresa, faz desvio de verbas, esconde as coisas e se por acaso algum funcionário da Wayne Enterprises questiona como aconteceu no filme, ele é diretamente ameaçado na sua segurança pessoal pelo próprio Batman. O Bruce Wayne vai lá e pessoalmente fala "você gostaria de ir contra o Batman, um justiceiro que mata os ladrões e tudo mais? Você vai querer isso mesmo?" e aí é claro que o sujeito preso pela sua vida não faz denúncia alguma. Então vejam como o Lucius Fox estimula o Batman a ser cada mês mais violento. No caso do Coringa também tem um meta projeto, só que o meta projeto dele é mais amplo, como que ele se transforma no quem ele é, esse grande bandidão. O filme de 2019 deixa bem claro o Coringa, filme muito bom, mostra como que ele vai se tornando aos poucos uma pessoa rejeitada pela sociedade que não consegue encontrar o seu lugar na sociedade, ele busca ajuda do Estado, ele recebe um apoio para comprar os remédios psiquiátricos que ele precisa, recebe apoio psiquiátrico, mas tudo isso é removido por causa de um enxugamento, um corte de verbas estatais que é o meta projeto neoliberal, de que o Estado não deve intervir sobre as injustiças sociais. E o que acontece é que ele se revolta contra o Estado e a sociedade inteira. O bilionário Batman, que é um privilegiado que nunca precisou de nada disso, nunca entenderia o Coringa. A reação do Coringa a esse meta projeto foi o seguinte, estimular os cidadãos de Gotham a colocar para fora a sua verdadeira essência egoísta, violenta e caótica. É um contra projeto, sim, mas esse contra projeto não altera a realidade, porque parte do princípio que a essência do ser humano é ser ruim e vamos deixar todo mundo ser ruim do jeito que está mesmo. Gotham já estava em caos, muito caos com a proposta do Coringa, só um caos que se aceita como caos, se há alguma vantagem nisso. O Coringa, infelizmente, se tivesse lido Sartre, ele entenderia que o ser humano não tem essência e a essência do ser humano, na verdade, se pode colocar dessa maneira, é se projetar, ou seja, se transformar. Então, o Paulo Freire vai escrever inspirado no Sartre e observando a realidade dos oprimidos que se revoltam contra os opressores dessa maneira para substituí-los, ele vai dizer o seguinte, que o seu conhecimento de si mesmo, como oprimido, se encontra com tudo prejudicado por ele estar imersos em que se acham na realidade opressora. Então, o Paulo Freire vai usar essa metáfora da realidade como algo que nos molha ao redor, uma espécie de metáfora fracosa da realidade que eu até fiz. E daí, como é que isso se reflete no caso do Coringa, quando você está imerso na realidade, como parte dela, sem conseguir perceber que nem um peixe, que não sabe que está dentro da água, só se tirar de fora, os oprimidos não se vêem como sujeitos de seus próprios desejos, eles só se vêem como objetos ou recursos para a realização dos desejos dos outros, dos opressores, no caso. Então, no caso, o Arthur Fleck, o personagem que acaba virando Coringa, ele está em crise porque ele gostaria de rir, de ter alguma coisa para rir na vida dele, mas infelizmente ele é obrigado a rir para poder conseguir pagar o salário dele, o mínimo, ter algum mínimo de dinheiro. O trabalho dele é ser palhaço, só que é um palhaço explorado, palhaço maltratado para a sociedade, um palhaço que ninguém ri dele, mas ao mesmo tempo as pessoas querem ter ele por perto e querem explorar ele. E por isso tem essa cena que é de cortar o coração e que ele força essa risada. Eu fiz um diagrama aqui pensando nessa metáfora do Paulo Freire e eu acho que ajuda a gente a ver como que esse processo pode ser quebrado, que é uma coisa, um círculo, como que é aquele círculo vicioso que o design ontológico ingênuo percebe, como é que ele se quebra no design ontológico crítico. Então, primeiro, perceber que os oprimidos estão imersos na realidade e não se diferenciam dela, não conseguem perceber que eles estão na água, eles acham que eles são a água, ou seja, não percebem que eles percebem, no caso do Coringa, que eles estão numa sociedade corrompida, eles acham que eles são corrompidos, por natureza. A hora que eles começam a se sair dessa realidade, começam a subir, emergir da realidade, eles começam a perceber a sua essência, que é nada, que é você poder se reprojetar e poder redefinir. Então, se por acaso você sente que você está fazendo mal aos outros, você pode mudar e fazer o bem, só para colocar de maneira bem simplista. A hora que esses oprimidos começam a encontrar outros oprimidos, eles vão se inserir criticamente na realidade para transformá-lo. E aí, no caso, eu acrescentei um novo elemento na metáfora, que não tem originalmente, que é o barquinho. Esse barquinho aqui é onde estão os opressores, estão lá em cima da realidade, boiando, acriticamente, porque estão com tudo, os recursos todos, todo esse oceano existe para que eles estejam... - Desde quando eles deram o mergulhinho, morando oprimidos, fora do lugar... - Sim, nem entender o que eles estão passando, é só para se divertir mesmo, que nem quando você faz um mergulho. Só que esses opressores não sabem que o barco deles só funciona porque tem uns oprimidos ali girando esse motor. Então, esse motor do barco é a força dos oprimidos trabalhando. A hora que os oprimidos param esse motor, aí que o opressor vai ter uma noção da realidade, um pouco. E aí vai poder travar-se uma luta e nessa luta os oprimidos podem convencer os opressores a deixarem de ser opressores ou substituídos por um outro sistema que não tenha esse mesmo tipo de opressão, que é a perspectiva de revolução que Paulo Freire e o Vera Pinto têm, que transformaria, por exemplo, esse barco num barco diferente, um outro formato. Enfim, acho que essa metáfora talvez já deu o que tinha que dar. O importante é que o Paulo Freire fala que existe esse processo de alienação, de criação de um obstáculo para a imersão do oprimido, visando evitar que ele emerge como uma consciência crítica, que se insira criticamente na realidade. E aí perceba ela como totalidade, não como coisas separadas, como tudo conectado produzindo aquilo que a gente vê. E aí, sim, essa inserção crítica é difícil a unidade dos oprimidos como classe ou como um outro grupo social. Então, basicamente o que o Freire está dizendo é que os opressores vão fazer de tudo para que os oprimidos não se conectem, não se organizem e não percebam que estão sendo oprimidos, última análise. Então, o que seria o design ontológico crítico? Seria essa inserção crítica dos oprimidos revelando uma dimensão de projeto outra, que é o chamado infraprojeto. Seriam os projetos dos oprimidos. Esse termo, infraprojeto, é um termo que a gente está desenvolvendo aqui na UTF-PR, aqui no Dadinho, aqui no lado, é uma novidade que faz uma contraposição ao conceito de metaprojeto, uma leitura crítica dele. Então, a gente encontra o oposto, digamos assim, ao metaprojeto, que normalmente é um projeto invisibilizado, infra, a palavra infra é invisível, está abaixo do nosso espectro de visão. Então, em uma realidade oprimida, a maior parte dos projetos são feitos pelos próprios oprimidos porque os opressores estão lá boiando e eles perdem eventualmente o contato com a realidade e se esquecem de que os trabalhadores das empresas deles ou mesmo da casa deles, da residência deles, precisam ter uma casa para morar também. E aí não se preocupem em projetar essas casas. Quem tem que projetar? Os próprios oprimidos. E aí vão aproveitar o que tem à mão e fazer a autoconstrução. Então, uma favela, uma comunidade autoconstruída, ela é um projeto também. E esses infraprojetos são caracterizados por improvisação feitos com material que está à mão, visando suprir uma necessidade negligenciada pelos metaprojetos opressores. Então, elas também são eventualmente contraprojetos. Aqui nós temos o exemplo do motorista do Uber, obrigado a trabalhar durante a pandemia, sem nenhuma ajuda, apoio da empresa para ter segurança sanitária. Ele vai e improvisa uma barreira de Covid, é uma barreira de elementos contaminantes no ar e vai usar o material de plástico que ele tinha em casa. Então, muitas pessoas olham para isso e elogiam, nossa, que gambiarra bem feita, que bacana, como é criativo, mas por outro lado se esquecem que a empresa deveria ter se responsabilizado por isso, porque ela que vai lucrar mais. Inclusive, foram justamente as empresas que mais exploraram os trabalhadores de plataforma que mais lucraram durante a pandemia. Por que não poderiam compartilhar um pouquinho desse lucro? Porque esses infraprojetos são constantemente negados, roubados, cooptados, invisibilizados, domesticados pelos opressores. Dentro da pesquisa em design, nós costumamos enquadrar os infraprojetos como design vernacular e aí a gente transforma em produtos ou em marcas ou em abordagens visuais para projetos que não ajudam em nada à vida dos oprimidos, que são vendidos a um preço absurdo e que tem uma aparência enganosa de que vem da periferia ou que tem um diálogo com a periferia, roubando, digamos, essa criação, essa intenção essa expressão da vivência da opressão do outro lado, do oprimido. [Português] [Português] [Português] Ele vendeu a foto no... Como é que é...NFT? NFT. Que ele vendeu a foto para... muito dinheiro... que era uma foto justamente assim, de algo bem... cara, surreal, assim, da realidade de alguém... o que ele fez foi na África e tal. E, tipo assim, ele com certeza não compartilhou esse dinheiro que ele ganhou. Com essa pessoa que ele fotografou ali, né? Ele foi criticado e essa questão desses fotógrafos que vão... as pessoas que vão para a África, principalmente, eles fazem a pelos selfies, a pelas fotos, para postar em rede social e ganhar like. E elas estavam sendo bem criticadas, assim. É, essas relações entre opressores e oprimidos, elas cheias de idas e vindas, né? O oprimido vai lá, reage, faz um contaprojeto, se autonomiza, o opressor vai lá e co-opta. Isso que você comentou, a gente pode chamar de co-optação. Olha que bonitinho o projeto revolucionário do oprimido. Fica legal aqui nessa galeria de arte. Mas as demandas políticas são esquecidas, por exemplo. Mas os infraprojetos resistem, independente das tentativas de co-optação. Porque, no fundo, no fundo, eles visam afimar e viabilizar a existência desses oprimidos. Uma realidade opressora que nega, que dificulta essa existência. É possível também chamá-los, né, Marcos? A gente viu na tese, na defesa de tese da Samia Batista, recentemente defendeu na ESD, uma tese maravilhosa sobre vários desses pontos que a gente está trabalhando aqui, que são projetos de re-existência. Até um pouco diferente do que o próprio Sartre coloca, né, o vira-pinto, que é o projeto de existência do ser que está querendo ser mais. No caso da resistência, é o ser que foi ser menos buscando voltar a ser mais. Então é um projeto complexo, um projeto que envolve luta. O design ontológico crítico, então a gente não desenvolveu ainda completamente. Foi bom que a Jade chegou, já daqui a pouco ela vai trazer algumas ideias aí. A gente está conversando sobre esse assunto há pouco tempo. Espero que vocês ajudem a gente a construir aqui no lado, né. Basicamente ele visa conscientizar os oprimidos de que eles, além de infraprojetar, ou seja, projetar esse projeto invisível, que às vezes nem eles estão tão completamente conscientes de que estão fazendo, mas também metaprojetar, assim como os opressores fazem. E assim criar contraprojetos que são mais robustos, que têm essa perspectiva de resolver o problema circunstancial ali que a gambiarra faz, mas tem essa perspectiva também de resolver contradições, de dar com contradições macros que estão na nossa sociedade incomodando há muito tempo. Aí eu vou trazer um exemplo da plataforma Corais, eu vou falar muito rapidamente porque eu acho que a Jade talvez vá abordar um pouquinho na apresentação dela. Enfim, então a plataforma Corais é um exemplo de um metaprojeto, que eu posso colocar assim, que visa apoiar os infraprojetos dos oprimidos, no caso principalmente grupos de produção cultural. Esses coletivos de produção cultural, eles começaram a ser apropriados a Corais lá para os idos de 2012, muitos deles estavam interessados em economia solidária por terem tido contato com o MST, Movimento Sem Terra, já usava economia solidária há muito tempo para viabilizar suas ações, mesmo numa economia capitalista que não cria facilidades para se organizar no campo quando você não tem muito capital, e aí você cria o seu próprio capital, você imprime o seu próprio dinheiro a partir das condições de trabalho da organização. Eles já faziam isso, eles começaram a pedir para a gente incorporar ferramentas específicas para isso dentro da Corais. A Corais tem um projeto chamado Meta Design, em que as pessoas vão lá e começam a colaborar com ideias de novas funcionalidades, por acaso esta dava para ser implementada usando software livre, que foi crucial para o desenvolvimento da Corais. A gente misturou vários softwares livres e criou essa ferramenta chamada moeda social, que permite que tenha uma espécie de banco para cada projeto colaborativo, cada membro daquele banco, cada pessoa que atua naquele projeto tem uma conta, e essa conta reflete o quanto essa pessoa está reciprocando as trocas que ela recebe, de serviço, de produto. Quando a pessoa está no verdinho, quer dizer que ela está fazendo bastante coisa e está recebendo pouco. Se ela estiver no vermelho quer dizer o contrário, que ela está pegando, tomando da comunidade e não está devolvendo. Então isso é uma maneira de ver a saúde daquela comunidade. A gente usa um software livre chamado Drupal, que tem dezenas, não milhares, milhares de módulos, que são pedacinhos que você mistura, conecta e vai criando outros módulos, e foi assim que a gente criou de moeda social, principalmente o módulo Community Accounting. Alguém fez um projeto que envolvia moeda social em algum lugar do mundo com o Drupal, resolveu compartilhar com os oprimidos, que não têm condição de comprar um software proprietário, não têm condição de contratar alguém para desenvolver, e aí a gente se apropriou e transformou no que vocês viram ali. Essa convivência na plataforma Corais permitiu que os oprimidos meta projetarem uma outra realidade para a economia criativa, ampliando e generalizando o que eles tinham tido ali na Corais para outros contextos. Escrevemos um livro coletivamente, mais de 17 pessoas participaram, o livro se chama Coralizando, e está gratuito para baixar quem quiser conhecer, a plataforma Corais ainda está no ar também, mais de dez anos aí, muitos projetos. Quem quiser conhecer mais essa história sobre infra design, essa teoria do infra projeto, pode dar uma olhada no TCC do Matheus Pellanda, que defendeu em 2019, você estava na banca, não é, Cláudia? É um trabalho bem diferente, difícil de ler também, porque ele explorou uma teoria muito nova, pouco conhecida, ele está terminando mestrado aqui no PPGT também, estudando esse assunto, e eu espero que, se vocês quiserem se aprofundar, a gente pode chamar ele de novo para dar uma aula, como ele fez no último semestre para os alunos dessa mesma turma. Resumindo então, design ontológico crítico é aquele que visa não só denunciar a realidade opressora, que é uma coisa que o Engeno faz, mas também anunciar uma realidade libertadora, e combater, transformar essa realidade de maneira efetiva. É um design que se insere criticamente dentro de uma realidade projetada por outras pessoas, mas que pode ser projetada por nós, visando servir as nossas finalidades.