Costumo gravar as minhas aulas, probabilizar no meu site, que é o Usabilidouido.com.br, onde eu estou gravando, fazendo a minha gravação aqui também, eu escolho utilizar em formato de podcast. Então vamos lá, design para a abundância de comportamento humano, isso aqui é uma reflexão de várias ideias, conversas que eu tive com o Gonzato e o Firmino nos últimos anos e também na minha experiência de projetos além dessa aula. A grande questão que a gente vai tratar hoje é a questão que o Mr. Burns, ele faria para a gente conhecesse um pouquinho mais sobre teorias e teologia de design. Será que é possível mudar o comportamento humano através do design? O Mr. Burns representa o capitalista, o pensamento capitalista ao olhar para o design e vai gerar o que a gente conhece como o projeto moderno. Porém, existem pessoas que têm um pouco mais de consciência crítica, que percebem que esse comportamento que o capitalismo projeta através do projeto moderno, ele realmente muda o comportamento, mas não necessariamente um comportamento que a gente deveria ter. As pessoas começam a se perguntar, do ponto de vista ético e também ambiental, do impacto que existe desse comportamento de consumismo instimulado pelo projeto, não só do produto, mas também pelo projeto, como vocês podem ver claramente nessa foto, da maneira como o produto é exibido, do ponto de venda, do projeto do serviço que se estende ao pós-venda, dos projetos das roupas e da relação da identidade que as pessoas têm com a marca, o tal do branding e por aí vai. Todos esses elementos do projeto moderno, eles de fato tentam mudar o comportamento humano, mas eles focam na questão da compra. Um design moderno está muito preocupado com a compra. A partir dos anos 2000, começa a surgir perguntas e interesses por mudar outros comportamentos além da compra. Isso inicialmente vem a partir de pessoas que têm uma visão crítica em relação ao capitalismo, em relação principalmente ao impacto do consumismo na sustentabilidade da nossa sociedade, porém essa pergunta começa a se espalhar para questões e comportamentos que não são éticos como os primeiros a pensar sobre esse assunto pensaram. Ou seja, o capitalismo dá a volta nessa discussão nova que o design pós-moderno traz de você libertar para uma diversidade de comportamentos e transforma a Lisa Simpson de novo no Mr. Burns ou talvez busca aquilo que há de Mr. Burns dentro da Lisa Simpson. Enfim, então vamos analisar essas perguntas que eu resumi da nossa apresentação hoje de maneira geral nessa brincadeira que eu fiz com os personagens a partir de perspectivas e características de projetos distintos, alguns mais alinhados com o capitalismo, outros menos alinhados. Alguém levantou a mão aqui? Alguém gostaria de falar? Fica à vontade. Beleza, tranquilo. Então vamos lá, o projeto moderno parte da crença em um bom design. Um bom design que é bom para todo mundo, universal, que ele é baseado num conhecimento científico sobre o que é bom para todo mundo ou um conhecimento ético como a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Então se as pessoas tiverem um bom design, elas provavelmente serão boas pessoas. Um design moderno, um projeto moderno, arquitetura moderna, planejamento urbano moderno, eles têm essa visão ética ampla, universal, porém, não há uma discussão muito clara sobre isso que eu estou falando aqui agora. Essa é uma percepção crítica a respeito de um projeto moderno. Ele simplesmente parte do princípio que o bom design todo mundo sabe o que é, todo mundo entende da mesma maneira e que quem faz o design moderno, os arquitetos, os dinheiros, os designers, eles sabem melhor o que é bom para todo mundo. Não existe uma relação de hierarquia, existem projetos bons e projetos ruins. Bom design, mau design. Sem um conceito explícito do que é bom, na verdade o que eles acabam é reproduzindo padrões normativos da cultura onde estão inseridos. Então o que é bom design é bom para quem está projetando e bom para quem está dentro daquela cultura de projeto, ou seja, para quem está parte daquela cultura que gerou o projeto e não necessariamente para quem recebe esse projeto, para quem usa esse projeto, para quem é impactado por esse projeto ou quem é excluído por esse projeto. Não poder ser um usuário, não tem acesso nem financeiro ou tecnológico ou espacial. Projeto moderno, ele tenta o máximo possível abranger diferentes públicos e pessoas diferentes, diferentes culturas. Existe essa crítica ao projeto moderno, ela foi incorporada ao projeto moderno, ele está sempre se atualizando, buscando antecipar como será o comportamento das pessoas, independente delas terem uma cultura ou serem diferentes. E aí antecipando e sabendo como elas vão reagir, se comportar, você pode colocar e indirecionar esse comportamento para uma função que gere uma sociedade boa naquele sentido que foi colocada ali. Então o Fábio queria fazer o comentário, agora fica à vontade, depois eu ter explicado. E aí? Esse contraste entre o pensamento do projeto moderno e outras formas de pensamento, mas fica muito interessante quando a gente vê os exemplos concretos, além de ser uma questão de discurso. O discurso se materializa através das tecnologias e todo projeto, seja ele urbano, seja ele ambiental, seja ele de objetos, ele se materializa através de uma materialidade que pode ser considerada tecnológica. Embora a gente olhe para essa imagem e fale "ah, isso aqui não tem tecnologia", não, tudo isso aqui é tecnologia, não necessariamente uma tecnologia digital. Então o Villa Savoy do Le Corbusier, ele parte de um princípio de que existe uma boa maneira de viver, o Le Corbusier dizia que o projeto do espaço poderia ser um projeto de uma máquina para uma boa vida. E esse projeto específico do Villa Savoy é bem estudado como um projeto que chegava no nível de detalhes para determinar onde deveriam estar cada móvel nessa casa. Então o Le Corbusier não só projetou o ambiente construído enquanto um espaço abstrato, ele projetou o ambiente construído com uma série de determinações concretas de como que as pessoas deveriam viver ali dentro dessa casa. Passados alguns anos, quando a família começa a ocupar e usar e viver nessa casa, acontece casos bem curiosos, e volta e meia o Le Corbusier volta para visitar essa família e toda vez que ele volta para visitar, a família reorganiza os móveis todos no lugar onde que o Le Corbusier tinha determinado. Isso é engraçado porque eles queriam mostrar que o projeto dele estava dando certo, por outro lado eles também tinham medo dele enquanto arquiteto, porque ele tinha determinado que deveriam ser colocados naquelas posições. Então eu acho que o projeto moderno tem uma presença muito grande da autoria do projetista como aquele que encarna o ideal daquilo que é melhor para as outras pessoas. Isso vai ter uma série de consequências, que eu não vou entrar em muitos detalhes porque vocês já devem ter discutido isso em vários outros contextos na crítica ao design moderno. Só vou trazer agora para a nossa área de interesse que são as tecnologias de informação, tecnologia de comunicação e informação, e aqui tem um exemplo do Project CyberSIM que foi desenvolvido no Chile durante o governo curto do Salvador Allende, governo socialista que tentava repensar a sociedade a partir do uso de novas tecnologias. Um projeto extremamente pioneiro e muito avançado para a época de colocar todas as funções de um governo dentro de um sistema de informação. O Ribbon SIP participa desse projeto e traz esse visual que são científica, que vocês estão vendo aqui, só que é a sala de comando desse sistema para comandar o país inteiro. E o Stafford Beyer, que é um ciberneticista, um pesquisador da cibernética, que inclusive é mencionado no texto que vocês devem ter lido antes dessa aula, o texto sobre o tal do conceito "pose-wid", que é "a purpose of assistance is what it does", ou "o propósito de um sistema é o que ele faz". O Stafford Beyer participou desse projeto. Esse projeto chegou a ser implementado porque houve um golpe militar no Chile, o Salvador Allende foi assassinado, o Stafford Beyer e o Ribbon SIP conseguiram fugir, sair do país. Ribbon SIP veio para o Brasil depois e se tornou professor da ESD e produziu muitos textos interessantes sobre esses assuntos que a gente está tratando aqui. Stafford Beyer também escreveu vários livros legais e esse projeto, de uma certa maneira, partia do pressuposto que também, um projeto moderno poderia ser socialista, poderia misturar esses dois, não precisa necessariamente ser capitalista. E esse sistema não funcionou muito bem, nem tampouco o modo de gestão do Salvador Allende, talvez muito distante da realidade daquela população e, portanto, houveram várias fraquezas na gestão pública que geraram abertura para aquele golpe institucional. Então o projeto moderno, independente de se é socialista ou capitalista, busca manipular indiretamente comportamento humano através de ênfase e desencorajamentos. Ele não proíbe necessariamente. A estratégia principal não é proibir o comportamento ou obrigar certos comportamentos, mas enfatizar e desencorajar, o que é algo mais sutil. O projeto moderno tem sido considerado ultrapassado ou talvez em cheque a partir do movimento chamado pós-modernismo, ou pensamento pós-moderno, projeto pós-moderno, tem gente que fala de outras denominações, mas uma data que é considerada como sendo consenso para o início dessa discussão crítica do projeto moderno é a queda ou a demolição do conjunto habitacional a Prudy-Igle, em 1970, começo dos anos 70, 72 se não me engano. Esse projeto tinha sido, vocês devem conhecer esse clássico no planejamento urbano, que era para dar habitação popular para uma parte da sociedade que vivia às vezes em condições habitacionais impróprias, improvisadas, e aí essas pessoas foram realocadas para um gueto com um projeto moderno. Essas pessoas se sentiram bastante distantes daquela rotina social que elas viviam anteriormente, elas não gostavam desse conjunto habitacional, o conjunto começou a ser utilizado para organizar atividades do tráfego, de violência, de questões que acabaram tornando a convivência em alguns dos módulos do conjunto habitacional muito ruim, até o ponto que foi uma parte desse conjunto demolido. E esse projeto se tornou uma referência do fim das utopias modernas, ou talvez não o fim, mas a consciência crítica de que há limites sobre esse projeto moderno. O pós-modernismo na arquitetura e no urbanismo trouxe muitas possibilidades de comportamentos diferentes sem tentar impor comportamento específico ou um conjunto de comportamentos, dizendo que esse é o bom, o pós-modernismo abriu a possibilidade de que esses comportamentos não possam ser previstos, e nem devem ser previstos, mas eles devem ser encorajados para que haja novos movimentos. Isso vai dar origem mais tarde ao pensamento que hoje é bastante dominante dentro do planejamento urbano, que é de inovação social, tem outras palavras que são utilizadas como livelihoods, como vivacidade e por aí vai. Esse exemplo que eu trago aqui é o Parque de la Villette, em Paris, projeto do Thiumy, um arquiteto que vai trazer a importância do tempo como aspecto fundamental do projeto e o tempo como uma maneira de organizar diferentes atividades a partir do que as pessoas trazem para o espaço urbano. Então, o Parque de la Villette é caracterizado por uma série de espaços estruturados para acolher movimentos e atividades inesperadas. São esses espaços vermelhos, são construções e equipamentos que não têm uma função predeterminada, o Thiumy falava muito da disjunção entre a função e a forma, para que a forma possa se desvencilhar desse papel opressor de ter que impor uma função para as atividades das pessoas. E aí você vai ter esse parque como um espaço multifuncional que vai acontecer diversas atividades em pronto, muitas vezes não planejadas, não acordadas, às vezes até mesmo em conflito. É um espaço bem interessante que vai dar origem a vários outros espaços, quer dizer, vai inspirar vários outros espaços ambíguos que se exploram às vezes de formas estranhas, que às vezes a gente não olha e não compreende, mas por trás desse pós-modernismo, dessas misturas de estilos bizarras, a gente tinha um discurso também de abertura e diversidade de comportamentos. A partir dos anos 2000, mais ou menos, começa a voltar o conceito do projeto moderno, até ao ponto que hoje em dia ele está super em voga, como a gente já teve nesse debate no começo dessa aula. Só que as justificativas hoje são muito mais detalhadas, muito mais explícito e mais racional do que era o projeto moderno no começo do século XX, quando se baseava numa ética universal. Hoje, existe um interesse talvez muito mais instrumental de unir o projeto moderno à gestão dos comportamentos urbanos, e não só do ponto de vista da gestão pública, mas também da gestão privada. Existem muitos experimentos a partir dessa época de projetos que tentam controlar o comportamento humano, ou mudar o comportamento humano no âmbito privado. E a justificativa é que as pessoas têm hábitos pouco sustentáveis, cuidam bem da saúde, não tomam cuidado, as pessoas não cometem crimes se for fácil fazer, e as pessoas não compartilham o que tem sobrando. Então, os projetistas, a partir dessa virada do século ou do milênio, começam a pensar "se nós podemos mudar o comportamento, nós temos o dever moral de fazer isso". Então, se você não faz, se você não muda o comportamento, sendo que você tem ali um recurso, você tem tecnologias cada vez mais detalhadas e sofisticadas para mudar o comportamento, então você está sendo antiético. Então existe aí um surgimento de uma outra ética de projetos que vai contrastar com o projeto pós-moderno, e vai inclusive ocludir o projeto pós-moderno, porque ela se sustenta numa racionalidade instrumental que se conecta não com aquele princípio anterior, discutiu de você, um princípio econômico que o capitalismo tinha em um determinado momento, mas agora num princípio de umas novas sustentabilidades, novos comportamentos melhores, ou seja, existe um discurso mais sofisticado que sustenta essa volta do projeto moderno. Eu vou mostrar alguns exemplos de como que isso se configura em algumas abordagens específicas tanto da arquitetura quanto do design. Aqui temos o exemplo da arquitetura hostil, que são uma série de aparatos e equipamentos urbanos que vão desestimular certos comportamentos considerados indesejáveis em espaços públicos. O exemplo que tem aqui na imagem é um banco colocado numa calçada que tem 17 funções, ou melhor, contra funções, porque ele impede certas usos. Por exemplo, ele impede que as pessoas deitem, ele impede que as pessoas sentem e fiquem sentadas muito tempo, ele impede que as pessoas andem de skate, ele impede que a urina fique acumulada, pede que joguem lixo embaixo. Então tem uma série de preocupações sobre esses comportamentos indesejáveis. Numa série de equipamentos como esse, que não são instalados de madeira isolada, eles fazem parte de uma política pública e higienista, que tenta evitar que certas pessoas que fazem uso, fariam uso desse tipo de equipamento, seja para descansar ou para se agrupar, que elas não façam esse uso ou que se elas forem fazer, elas façam uso rápido, que não incomode os outros. Então para evitar a aglomeração de públicos como pessoas em situação de rua, adolescentes, artistas de rua, a arquitetura hostil tenta evitar que o espaço público seja usado por todos, seja usado apenas por alguns que são aqueles escolhidos privilegiados pela política. O design e arquitetura contra o crime acontece mais no âmbito do privado. É uma tentativa de proteger o usuário de uma ação delitiva, um crime que vai eventualmente roubar um objeto ou assaltar uma pessoa pessoalmente, ou furto ou um assalto. E mesmo que haja o assalto, no caso dessa imagem, a usuária escondeu o dinheiro dela ou algum documento que ela não quer perder dentro de um bolso escondido no pulso, que não é um espaço onde normalmente tem bolso. É claro que uma vez que os assaltantes descubram que existem esses bolsos nos pulsos, se torne comum, será necessário criar outros bolsos em outras partes do corpo. Então o design e arquitetura contra o crime está sempre se atualizando para evitar os objetos criados pelos delinquentes. Outro caso clássico de arquitetura contra o crime é o muro alto. Porém, o muro alto é considerado um design, uma arquitetura contra o crime ineficaz, porque a pessoa fica, o delinquente fica olhando para o muro na dúvida do que tem do outro lado, se alguém está escondendo, é porque deve ter alguma coisa valiosa. Então a sugestão da arquitetura contra o crime eficiente é colocar muros transparentes. E a gente vê hoje em Curitiba cada vez mais espalhando esses muros de vidro, que têm essa proposta de ser transparentes, mas intransponíveis, da mesma maneira que um muro, ou talvez até pior, porque você não pode subir em cima do vidro. Existem vários outros projetos de arquitetura contra o crime que eu não vou citar aqui, como Arame Farpado, por aí vai. Fun Theory já muda completamente o discurso e ela parece toda boazinha, em contraste com o arquiteto crime, mas no fundo ela parte da mesma maneira de você tratar a outra pessoa, você trata ela como alguém que está fazendo algo errado. Nesse caso as pessoas são preguiçosas e elas vivem descendo e indo pela escada rolante quando elas poderiam andar pela escada manual, o pedal, pedonal. E aí, parte do princípio é que as pessoas são preguiçosas porque é mais gostoso ir pela escada rolante. Mas se você tornar mais gostoso ir pela escada pedonal, as pessoas vão ter a tendência a fazer isso. Esse é o princípio básico dessa teoria da diversão, da Fun Theory. Então teve um clássico de uma campanha de marketing da Volkswagen que transformou a escada pedonal num piano e as pessoas subiam a escada, cada tecla era uma nota musical. Isso circulou nas redes sociais para ajudar a construir a imagem da Volkswagen como sendo uma empresa que se preocupa com o meio ambiente. A gente sabe depois do escândalo que a Volkswagen foi envolvida, que veio a público, que ela fazia modificação nos sistemas catalisadores dos seus carros para enganar a fiscalização da emissão de poluentes. Então a gente sabe através desse exemplo, que inclusive gerou depois disso uma perda de capital da empresa, a demissão de vários cargos de alta gerencia, mas a gente sabe que naquela época coincidia essas duas visões do design para comportamento humano, quer dizer, o design para comportamento humano era um recurso de marketing, como muitos casos dessa Fun Theory, que era na verdade o oposto daquilo que a empresa praticava enquanto política mesmo de produção. Outra estratégia relacionada ao Fun Theory, muitas vezes utilizada pela Fun Theory, é o empurrão ou NUD, que é você criar uma arquitetura de escolhas entre opções. Uma mais vantajosa, outra menos vantajosa. E aí você não obriga a pessoa a tomar aquela opção mais vantajosa, mas você seduz. Então aqui tem um exemplo de um mictório masculino, que é um problema sério para quem limpa banheiros masculinos, em geral mulheres que trabalham nessa função, ou pessoas negras em alguns países, Brasil inclusive. Essas pessoas são obrigadas a ficarem limpando a urina dos homens que não têm pontaria, porque parece que é muito difícil para alguns homens acertar a mira. E aí o que essa NUD faz? Ela botou um adesivinho ou um desenho de que a mosquinha está ali, não é uma mosca de verdade, e aí o homem que vai urinar vai tentar apontar na mosca. O som está com problema? Eu vou tentar falar um pouco mais devagar, tá ok? Eu posso também entrar no 4G, gente. Eu vou sair e entrar no 4G, que eu acho que vai melhorar a... Bom, então esse exemplo que algumas pessoas perderam por causa do problema de conexão, vou repetir. Então a arquitetura de escolha entre opções, ela vai te dizer "Olha, existe essa opção boa, vantajosa e essa desvantajosa, então eu estou te dando um empurrãozinho para que você tome a opção vantajosa". Nesse caso do mictório, que os homens fazem xixi para fora e tudo mais, porque muitas vezes não prestam atenção na hora de urinar, existe a opção dele mirar num lugar específico que é a mosquinha e ter uma certa diversão com o desafio de tentar tirar a mosquinha dali, que nunca vai sair porque é só um adesivo pintado. Então são pequenas intervenções na arquitetura de escolhas que podem tornar uma opção mais atrativa sem, no entanto, proibir o homem de mijar em qualquer outra parte do mictório. O exemplo talvez mais evidente hoje em dia de design para o comportamento humano, design para mudar o comportamento, é a tecnologia persuasiva, que foi muito bem descrita, ou talvez não tão bem descrita em muitos detalhes, mas ficou em evidência no documentário The Social Dilemma que tem no Netflix e fala que vários dos criadores de redes sociais fizeram essa aula com o professor B.G. Fogg da Stanford, que é um pioneiro desse conceito de tecnologia persuasiva. Basicamente é uma tecnologia que é projetada com base no comportamento dos usuários, mas ele não é só adaptado para o comportamento dos usuários, porque na medida que ela vai capturando dados do comportamento do usuário, gerando modelos abstratos cada vez mais precisos e capazes de customizar e dar ofertas específicas de interação de experiência para aquele usuário, ela vai também modificando pouco a pouco o comportamento daquele usuário. Então o documentário Social Dilemma vai mostrar como que o Facebook e outras redes sociais eles mudam o comportamento das pessoas aos poucos, um processo de adaptação contínua em que a pessoa não percebe que essa mudança está acontecendo porque ela é muito gradual, tal como você observar uma planta você não vai ver ela crescer porque ela cresce muito devagar, assim está mudando o seu comportamento nas redes sociais. E você acha muitas vezes que você está no controle porque você escolhe quais são os que você gosta e aí a rede social o modelo abstrato te dá aquilo que você pode vir a gostar, só que nem sempre esse pode vir a gostar é algo que você exatamente já gostou. Então existe uma possibilidade de você fazer um caminho intermediário entre uma coisa que você não gosta e uma coisa que você gosta e esse caminho gradual vai te levando para certos comportamentos de interesse dos anunciantes ou talvez mesmo dos próprios criadores da rede social, sabe-se lá quais são as intenções desses projetistas. E as tecnologias persuasivas têm sido cada vez mais utilizadas dentro do planejamento urbano, na gestão urbana, através do conceito de cidades inteligentes ou smart cities. Essas tecnologias são instaladas no aparato urbano para mudar o comportamento dos cidadãos em larga escala e aí se justifica com base daqueles argumentos que eu falei anteriormente, né? São, têm comportamentos insustentáveis ou inseguros em relação a um enfrentamento de uma pandemia. Então aqui nessa imagem tem um aplicativo que se espalhou bastante em várias cidades, foi instalado em várias cidades que vai fazer o tratamento da captura de imagem em câmeras que já estavam instaladas no espaço público dando um tratamento de um agorítimo de reconhecimento facial que identifica quem está usando máscara e quem não está utilizando máscara. Se uma pessoa não está utilizando máscara, ela pode ser marcada para ser abordada por um policial e, seguindo alguma legislação local, aplicada uma multa de punição para aquele comportamento que pode ser considerado inapropriado ou insalubre. Mas nesse caso, vejam, a imagem é bem interessante porque ela mostra que a pessoa que não está usando uma máscara é um artista de rua, um saxofonista que está fazendo uma performance para aliviar um pouco a da tensão que é viver numa sociedade que está enfrentando uma pandemia. E aí você pode punir esse cidadão, seguindo uma regra, mas isso não necessariamente vai ser uma ação inteligente, ou de vista considerar vários aspectos do que é essa vivacidade num ambiente público. Agora, o principal problema da tecnologia persuasiva nem é tanto qual é o valor moral que está sendo imposto, mas principalmente que você não vai saber que está sendo imposto, porque ela se utiliza de interfaces transparentes ou invisíveis, como, por exemplo, câmeras escondidas ou mesmo o próprio algoritmo de reconhecimento facial, não sendo compreendido ou entendido pela população, pode ser considerado uma interface transparente. A pessoa está sendo filmada e ela pode imaginar "não, mas ninguém olha essas câmeras" ou "ninguém... é muitas horas para ficar olhando essas câmeras". Porém, não é necessidade de olhar as câmeras muitas horas, basta você rodar um algoritmo de análise desse vídeo para identificar o momento exato de interesse daquela mudança de comportamento. Isso também é discutido num conceito mais amplo de computação ubígua ou pervasiva. Por fim, a última abordagem de design que eu queria tratar aqui é o design com intento, inclusive a gente vai trabalhar no nosso exercício. É uma tese de doutorado muito bacana de um designer que estudou bastante sobre arquitetura e design de produto, o Dan Lockton. Ele compilou uma série de cartas com estratégias comuns que o design pode utilizar para mudar o comportamento das pessoas. Essas cartas têm a estratégia no topo, tem uma pergunta provocativa e tem uma dica, um exemplo na imagem. Essa carta foi criada com base em vários projetos que ele conseguiu documentar e analisar e esse baralho foi traduzido para o português, está disponível para a gente utilizar, por exemplo, nessa aula. Daqui a pouco a gente vai ter um exercício no baralho. O que a tese do Dan Lockton traz e o texto que o Dan Lockton escreveu, que inclusive é o texto que a gente recomendou de apoio para essa aula, são os dilemas éticos, que se o comportamento vai estar sempre sendo transformado, uma vez que o propósito de um sistema é o que ele faz, quem é capaz de definir qual o melhor comportamento? As pessoas devem ou não devem saber que estão sendo manipuladas. Deve dar mais valor a efeitos de curto prazo ou de longo prazo? Que às vezes um comportamento mais sustentável às vezes implica, a curto prazo, outro comportamento que necessariamente é muito agradável. Como por exemplo, se a gente não tiver um enfrentamento crítico ao projeto moderno, dificilmente a gente vai ter sustentabilidade que a gente busca. Então precisa, por exemplo, ter protestos contra projetos modernos que considera-se mais a longo prazo. O protesto sustentível pode ajudar a construir políticas públicas mais eficientes que restringam o projeto moderno. E por fim, quem pode ser responsabilizado por consequências desagradáveis de projetos? O documentário do Social Dilema é bem interessante porque está todo mundo lavando as mãos e falando "Olha, a gente não tinha intenção de fazer todo o mal que a gente fez com essas redes sociais que a gente criou". E qual a sugestão para eles? O que tem que ser feito para melhorar e resolver esse problema? "Ah não, isso é culpa do Estado, o Estado tem que regular". Lavar a mão e botar a responsabilidade do Estado criticando os políticos por serem velhos e que não entendem o que são essas novas tecnologias digitais e por culpa deles que está assim. Isso é um problema seríssimo, ético, que é bem típico do pensamento californiano, da ideologia neoliberal californiana. Mas a gente pode ter aqui no Brasil, em especial no PPGT, um pensamento mais crítico em relação a essas perguntas. É o que a gente está querendo estimular com essa aula, com o exercício daqui para frente. Então, resumindo, todo o design modifica o comportamento humano, porém não necessariamente da maneira como foi projetado para ser. E essa questão do "não necessariamente", isso pode implicar também que existem outros projetos além do projeto moderno. Então é possível outros tipos de projetos. Como estava discutindo no começo, existem outras referências para projetar. E uma delas que a gente vai explorar aqui bastante é o conceito de contaprojeto criado pelo Henri Lefevre no contexto do situacionismo nos anos 60, 70. Ele vai escrever numa obra bem mais tarde, conceituar esse conceito, numa obra chamada "O Produção do Espaço". O marco da planejamento urbano que talvez você tenha ouvido falar. Nesse caso do exemplo da moto, engraçado que o pessoal está usando um sofá para andar de moto. Ninguém que projetou a moto poderia imaginar que isso poderia acontecer. Então os contaprojetos, eles não necessariamente são previsíveis. Projeto, ele funciona com uma lógica de estratégia. Contaprojeto, uma lógica de tática. Projeto visa mudanças de comportamento. Contaprojeto visa subversão. Projeto necessidade. Contaprojeto orienta-se pelo desejo. Como o projeto tenta impor regras, o contaprojeto tenta deixar livre o prazer. O projeto visa construção. Contaprojeto visa descontro. Então o contaprojeto, como vocês podem estar identificando, é um conceito, uma abordagem que foi bastante explorado pelo projeto pós-moderno. Eu já comentei um pouquinho, agora há pouco, mas ele tem outras maneiras também de ser explorado. Vou mostrar, aqui tem um exemplo de projeto pós-moderno, no contexto do situacionismo. Neil Babylon, do Constantijn Eriheu, que foi um arquiteto urbanista holandês associado ao grupo dos Cintacionistas por um tempo. Ele criou várias visões de futuro para a Amsterdã como sendo uma cidade do prazer, uma cidade da cultura, uma cidade da brincadeira. Esse projeto foi, na época, considerado muito utópico, muito distante da realidade, mas acabou tendo a longo prazo um efeito muito forte sobre a cidade e sobre os rumos das políticas culturais e urbanas dessa cidade. Então, o projeto pós-moderno que, de certa maneira, foi até mesmo incorporado pelo projeto moderno. O contaprojeto também pode se orientar para outros caminhos diferentes do pós-moderno. Então, aqui vocês estão vendo alguns exercícios que eu, o professor Gonzáto, a gente fazia quando dava aula junto aí na PUC, que é o exercício de imaginar o projeto de comportamento humano para um determinado equipamento ou um determinado dispositivo. Nesse caso é uma análise do controle, ou melhor, desse controle de entrada e saída de carros do estacionamento da PUC. E aí a gente pedia para os estudantes para tentar subverter esse comportamento. Então, a primeira foto é a foto do comportamento esperado, barrar o carro para poder verificar a identidade dele. Então, B, C e D, você vê os estudantes imaginando outros comportamentos possíveis através do que aquilo que aquela equipamento oferecia de possibilidades de interação. Então, eles estendem roupa para secar, eles se esticam, eles brincam de uma dança de passar embaixo e tal. Então, a gente tinha esse exercício de pegar um projeto e criar pelo menos dez contaprojetos. Seria transformar a gambiarra no projeto oficial, basicamente. O Firmino colocou aqui no bate-papo. Então, a pergunta que existe para quem é planejador urbano, gestor ou projetista, arquiteto, será que é possível trazer essa visão bacana e aberta e ampla, libertária do contaprojeto para dentro do projeto moderno? Sim, existe já dentro do próprio planejamento urbano uma série histórica de projetos participativos que tentam antecipar o contaprojeto e incluir ele no formato de descenso, de discordância, de crítica dentro do projeto. Então, os usuários que vão ser afetados participam, às vezes até mais do que o cliente. O usuário determina o seu próprio comportamento futuro e dessa maneira ele se compromete com ele. Então, existe um projeto de comportamento no projeto participativo, só que ele é autodeterminado. E muitas pessoas falam "ah, isso reduz a resistência dos usuários para novos projetos, para implementação, porque ele não vai se opor uma vez que ele construiu aquilo". Mas pronto, isso é uma perspectiva de quem está gerindo o processo distanciadamente, porque quem está dentro, a perspectiva do usuário é "eu estou construindo o meu próprio jeito que eu quero viver". Então, tem a tradição de design participativo, também chamada de community design na arquitetura e urbanismo, alguns autores como Henry Sanna, Fistelan King, Paulo Davidoff, Sérgio Ferro, que no Brasil foram defensores dessa proposta. A gente segue muito mais as recomendações do design participativo na computação, até porque tem uma literatura mais vasta, mais ampla e detalhada metodologicamente, que hoje já se expandiu para além da computação, começou na computação, hoje envolve outros âmbitos de projeto, inclusive busca esse diálogo constante com o design participativo no planejamento urbano, ou seja, existe uma confluência, digamos assim, dessas duas escolas, autores como Pelén, Susanne Bud, Michael Miller, Thomas Binder, Cecília Baranáskas aqui no Brasil. E aqui alguns projetinhos que eu tive a oportunidade de participar, que tiveram essa premissa participativa. Aqui tem o projeto de um DIC multifuncional na cidade de Hebridek, na Holanda, Matos Castanho, a minha colega de doutorado, ela organizou um workshop para que as diferentes perspectivas acerca de funcional fossem explicitadas, assim como as dificuldades de lidar com os dilemas do projeto. Ao materializar essas perspectivas, os participantes, ou também chamados interessados, os stakeholders, eles podem articular melhor as decisões para que os diferentes interessados sejam contemplados nas perspectivas e consigam se chegar a propostas mais consensuais. Aqui um outro projeto realizado em parceria com a arquitetura San Frontieres, uma organização de cis lucrativos do Reino Unido que tentou mensurar o impacto social de um trem-bala na região de Easton, em Londres, e a gente tinha uma dificuldade de envolver os habitantes nesse conjunto habitacional que seria imparcialmente demolido porque eles estavam com medo. A gente usou uma técnica participativa de jogo para as pessoas sentirem mais a vontade e relatarem o que seria perdido em termos de livelihoods, em termos de relações sociais e riqueza cultural com a demolição desse prédio. Então o design participativo pode ser usado também como uma ferramenta de geração de políticas públicas. Nesse caso o resultado não foi um projeto de edifício adaptado ou do conjunto habitacional adaptado após a demolição, mas uma política pública para lidar com a transição e o impacto. O projeto participativo já está integrado ao projeto moderno, agora a gente vai falar sobre outras abordagens de projetos que estão se distanciando do moderno. O projeto livre estimula o projeto que vire um contraprojeto, ou seja, que ele seja desafiador, que haja propostas que vão contra as premissas iniciais do projeto. Isso acontece num contexto de uma infraestrutura compartilhada que permite múltiplas configurações assegurando a liberdade de projeto, ou seja, podem ser projetadas várias coisas. E esse projeto não é necessariamente algo grandioso que chama a atenção ou que é feito por grupos muito grandes ou por instituições muito poderosas. Normalmente o projeto livre, esses contraprojetos são feitos no cotidiano por pequenos passos que as pessoas executam, que muitas vezes sem se ter consciência de que estão projetando o futuro, porque ao dar um passo também está prevendo qual vai ser seu próximo passo. Por isso que é considerado praticamente invisível o projeto livre. E a gente tem buscado nas nossas pesquisas dar visibilidade ao projeto livre. Então aqui o exemplo clássico de projeto livre é a autoconstrução, as comunidades autoconstruídas, as chamadas favelas aqui no Brasil, casas, edifícios e vilas construídas sem um planejamento de cima para baixo, sem um planejamento prévio, sem um master plan. São ambientes que têm projetos livres que muitas vezes não são considerados projetos, são desqualificados, são criticados, são às vezes alvos de ações ingenistas que visam demolir esses projetos porque não são projetos, são projetos ruins ou que colocam em risco a vida de certas pessoas ou que acabam com o direito de propriedade de um determinado agente ou ator público, desculpa, ator privado também, várias situações, ocupação de um espaço público ou privado. Ou por fim, talvez o preconceito mais comum é que destrói a paisagem urbana, é feio, mas aquilo ali é uma solução de habitação muito eficiente porque permite que muitas pessoas, bilhares de pessoas, vivam num espaço muito reduzido de... que inclusive a ocupação urbana não ocupava antes porque tinha as dificuldades dos aclívios e tudo mais. Então, por mais que tenha alguma precariedade no convívio da favela, existe também um uso bastante racional dos recursos e das condições do terreno. Uma tática de ocupação, como colocou aqui o Rodrigo. É um, com certeza, um exemplo bem interessante de contraprojeto. Um exemplo também de projeto livre, que é a categoria que a gente está discutindo aqui. Isso também pode ser feito num contexto mais institucional, mais próximo da realidade da prática profissional da arquitetura. O conceito de "bureau land shaft", que vai da origem depois à planta... desculpa, à planta aberta, espaço aberto, open plan, dentro dos projetos de escritórios. Mas na época tinha uma coisa diferente que hoje não tem mais, que é a quebra da visibilidade. Então, ao invés do projeto ser simplesmente um monte de... "Planta livre, obrigado, Márcio". Ao invés de ser um monte de cadeiras enfileiradas, mesas enfileiradas sem nenhuma divisória, o "bureau land shaft" previa várias quebras de visibilidade através de divisórias, através da disposição aleatória, absolutamente aleatória, dos espaços de trabalho, visando que esses espaços refletissem e dinamicamente fossem transformando de acordo com as equipes e grupos de trabalho, ao invés de eles estarem facilitando a vigilância de um determinado gestor que passaria pelo "planta livre" e conseguiria vigiar tudo que todo mundo está fazendo, que é o que acontece hoje, infelizmente, pela falta de conhecimento da história da "planta livre". Quem criou foi o "kick-borne team", eles também criaram uma série de mobiliários adequados para esse espaço. Aqui tem um outro exemplo digital, uma infraestrutura digital chamada "Plataforma Corais" que eu e o professor Gonzato e mais uma série de pessoas desenvolvemos há quase dez anos atrás, foi recentemente objeto de estudo para detalhar como que houve essa criação de infraestruturas a partir de infraestruturas existentes, ou seja, um projeto livre de diferentes coletivos, autogestionários, produtores culturais ao redor do Brasil que se apropriaram da plataforma para organizar projetos sem necessariamente ter dinheiro para fazer a ação de preservação da cultura popular brasileira, eventos e por aí vai sem ter o apoio do Ministério da Cultura, que nos últimos anos foi alvo de vários processos de desestruturação até culminando com a sua extinção do governo Bolsonaro. Aqui do lado esquerdo vocês veem como que essa plataforma virtual se relaciona com vários espaços públicos e privados gerando uma série de interações, eu não vou detalhar muito esse caso, porque tem muita coisa que poderia ser dita, mas é um exemplo de um projeto livre que dá origem a vários outros projetos. Então dentro da plataforma Corais tem mais de 700 projetos livres que podem ter informações, dados abertos para divulgação para quem quiser entender o que esses projetos fazem e copiar as suas estratégias usando a licença Creative Commons que estimula esse tipo de apropriação. Por fim, a última abordagem de projeto que é muito clara na nossa investigação é o projeto anti-moderno, esse que se opõe diametralmente ao projeto moderno e que gera conflitos e conversas um pouco mais acaloradas como a gente teve agora no começo dessa discussão. Vocês vejam que no projeto participativo existe uma tentativa de conciliar o projeto com o contraprojeto, o anti-moderno é só contraprojeto, ele não tem a tentativa de criar um projeto único para todo mundo. Então ele tenta tornar possível realizar projetos localizados com demandas específicas de comunidades específicas desenvolvidas pela própria comunidade, sem dinheiro, sem discriminação, sem preconceito, buscando diálogos interculturais entre conhecimentos científicos e saberes populares, tentando superar uma hierarquia histórica que coloca o científico como superior ao saber popular, valorizando e colocando em pé de igualdade para que haja esse diálogo, porque sem desbancar essa hierarquia não é possível um diálogo, uma vez que o conhecimento científico vai entrar numa interação buscando impor seus argumentos de validade. Por fim, o projeto anti-moderno se relaciona com o design de comportamento, a mudança do comportamento, como uma tentativa de acolher uma diversidade de comportamentos autodeterminados, não são projetados porque está de fora da comunidade, mas porque está dentro da comunidade para a própria comunidade. A gente tem explorado esse tipo de projeto moderno, inspirado com conceitos como a pluriversalidade zapatista e outros conceitos ameríndios, que têm trazido desafios às tais epistemologias do norte, o conceito "um mundo onde caibam todos os mundos" ou "um mundo onde caibam vários mundos" seria esse princípio básico da pluriversalidade, de que a gente pode ter várias referências culturais e essas culturas não precisam se relacionar por uma relação de hierarquia implicada na colonização, como aconteceu por vários séculos, sociedade orientada pelo projeto moderno. Então, aqui estão os exemplos práticos de alguns experimentos de projeto anti-moderno que a gente tem estudado. Nesse caso, são as editoras cartoneiras que a minha orientada de TCC buscou, são projetos muito interessantes em que envolvem os catadores de materiais recicláveis, ao invés deles serem apenas coletores desse material, eles podem também ser produtores de cultura, através da utilização desse material que eles já estão coletando no espaço público, para se transformar numa maneira alternativa rápida, barata e fácil de produzir a sua própria visão de mundo. Então, essas editoras cartoneiras que estão espalhadas pela América Latina, elas têm uma maneira muito fácil, rápida e customizada de produzir livros a partir de perspectivas que o mercado editorial, baseado no consumo em massa, não consegue alcançar. Essas pessoas que estavam invisibilizadas e negativadas na sociedade, passam a se tornar autoras não só da própria palavra, mas também autoras da sua própria existência na sociedade, se vendo como produtores culturais valorizados por quem tiver interesse nessa literatura. Então, existem vários eventos associados às editoras cartoneiras, elas não só produzem livros, mas organizam esses eventos para dar visibilidade à literatura negra, literatura das mulheres, literatura das pessoas que estão invisibilizadas. A gente tem conceitualizado esse tipo de projeto como sendo um projeto que combate uma opressão específica nova, que não tinha sido percebida e estudada ainda nesse campo da interseccionalidade, que é o campo que estuda como que as opressões elas se interseccionam e geram uma situação de vida mais complicada para pessoas que além de serem vítimas do preconceito racial, também se chamam de preconceito de orientação sexual ou de classe, por exemplo, mulher, negra, lésbica, pobre, e que também a gente está acrescentando um novo elemento que ela é usuária ou ela só pode ser usuária. Então o conceito de manualidade que a gente está acrescentando na discussão da interseccionalidade, ela mostra que existem certas maneiras de se relacionar com a tecnologia, colocando de maneira bem simples o que seria esse conceito, como uma possibilidade de ser negativada. Então a manualidade seria uma construção histórica daquilo que a pessoa ou um grupo social pode manipular e usar nas suas atividades diárias. Então nesse momento nós estamos usando vários instrumentos, várias ferramentas, então nós temos um grau de manualidade tecnológica alto porque nós estamos manipulando essas várias ferramentas. Então a manualidade não é só o acesso à tecnologia, a disponibilidade tecnológica, mas principalmente a capacidade de usar essa tecnologia para os seus próprios propósitos, para os seus projetos existenciais ou existenciários. Então isso pode acontecer que essa capacidade seja, isso é um pensamento que ajuda a explicar porque existe tanta exclusão digital, não é só porque o equipamento é caro demais e a gente não consegue vender ele barato. É porque existe também um preconceito de que se o equipamento estiver disponível as pessoas não vão usar ou vão usar mal. Quer dizer, a manualidade dessas pessoas está sendo negativada. Isso é o que a gente tem chamado de usuarismo, subestimar, reduzir ou negar a manualidade de um grupo social que já está historicamente desprivilegiado. Então essa discussão não está isolada da discussão do racismo, do classismo, da LGBTfobia. A gente vê a manualidade tecnológica como mais um elemento da interseccionalidade e o usuarismo como uma opressão que é vivida no conjunto de outras opressões que essas mesmas pessoas vivem. Ou seja, estamos discutindo como que uma mulher lésbica negra pobre também é usuária e como isso tem uma série de consequências negativas para as suas potencialidades de desenvolvimento na sociedade, uma vez que a existência está cada vez mais dependente dessa manualidade, desse domínio dessas tecnologias. Então o usuarismo, reduzindo a poucas palavras, é uma opressão que reduz pessoas a meros usuários sem história, sem corpo, sem voz, sem direitos, mas com muitas necessidades que podem ser supridas pela tecnologia. E aqui vocês vêem um quadro de como que o usuarismo se manifesta nos cursos e a gente vai reproduzindo ele de maneira crítica se a gente não tivesse que a opressão existe, por isso a importância de enquadrar a questão por essa pertiva. Então você tem o cidadão transformado em usuário de um serviço público. O usuário de serviço público não tem perspectiva crítica, não tem ideologia, ele não vota, ele só usa. Ele é eleitor, é usuário de redes sociais, ele não vota, ele gosta de candidatos, ele acaba sendo colocado dentro de grupos, ele recebe campanhas customizadas para os seus gostos, para aquele pulado. Enfim, tem uma série de outras operações linguísticas acontecendo aqui, que eu não vou detalhar todas, isso aqui dá pano para a manga em discussão que talvez a gente queira se engajar logo mais. Então esses conceitos até agora estão cada vez mais, estão ficando mais claros a partir da minha leitura e dos diálogos que eu tenho com o professor Gonzato, fazendo aí referência à tese dele, em que ele propõe essa ideia dos usuários como um grupo oprimido que se encontra alienado dos seus meios técnicos, com condições e saberes necessários para a produção para si, de suas próprias existências. O Gonzato daqui a pouco pode esclarecer mais esse conceito de amanualidade, como é que ele usa ele para construir o usuarismo e essa visão do usuário como oprimido. Isso é uma discussão um pouco mais filosófica, que eu particularmente não tenho ainda tanto conhecimento. Só queria fechar então que para nós aqui o que é interessante na Cidades e Tecnologia é que a gente tem uma consciência crítica sobre essa questão do usuarismo, porque se a gente tiver, a gente pode evitar esse projeto moderno que visa determinar o comportamento dos outros e pensar projetos alternativos que visam a autodeterminação coletiva do comportamento. É uma determinação que não vem de fora, mas vem de dentro para fora. A gente tem discutido bastante esse assunto do usuarismo e o pensamento ameríndio e outras abordagens pluriversais de design num grupo ou rede chamada Design Oppressão, que quem quiser participar está convidado. A gente tem reuniões todas as terças-feiras das 18 às 20 horas, é um grupo aberto que tem mais de 100 pessoas participando ao redor do Brasil. Muito interessante para gerar solidariedades entre essas lutas de opressão. A gente também acolhe pessoas que trabalham com outras áreas do design, considerando design como essa área de projetos mais ampla. Então a gente discute também projeto urbano nesse grupo. Então a proposta de exercício que a gente pode fazer na sequência da pausa, o intervalo que a gente pode fazer agora uma discussão também, um debate, mas só para adiantar o que a gente vai fazer hoje de exercício, a gente vai construir uma caosografia que vai contrastar projetos e contraprojetos de tecnologias urbanas, pontuados por fotos, anotações e também a cópia desses cards, dos cartões que o Dan Lockton disponibilizou junto com a tese de doutorado dele. Então é isso, gente. Desculpa se...