Então vamos lá, design de experiências e saúde mental, uma reflexão feita meio que de última hora a respeito de vários trabalhos que a gente desenvolve com os alunos há alguns anos, que tem relação com esse tema que, embora seja algo importante para a nossa realidade cotidiana, só agora ele está sendo levado em consideração de maneira ampla dentro da universidade como um aspecto importante da qualidade de vida dos estudantes. Então, parabenizo essa Comissão de Saúde Mental da Universidade por estar promovendo eventos como esse para discutir esse assunto. O que é design de experiências? Talvez eu seja um dos primeiros professores efetivos com essa cadeira nas universidades federais do Brasil. É uma área muito nova que diz respeito ao chamado objeto complexo. Se antigamente o design industrial estava focado em projetar objetos como cadeiras, mesas, que são simples, hoje o design industrial está encarando o projeto de objetos complexos. São objetos que permitem que várias coisas diferentes aconteçam por ele, através dele, pelo suporte desse objeto. E o foco do projeto não é mais fechar o objeto ou colocar e aplicar conhecimento e tecnologia nele, mas sim em criar vários tipos de objetos que permitem que várias coisas aconteçam. Isso tem a ver também com uma mudança em outras áreas, como as engenharias que começaram a ser focadas mais em performance, ao invés de apenas focalizar na questão da eficiência interna do sistema. Mas performance enquanto resultado para as outras áreas. Então, no caso do design de experiências, o que a gente faz é isso. A gente cria sistemas complexos a partir de objetos simples. Aqui você tem um exemplo paradigmático de uma emergência de uma inteligência coletiva, entre aspas, dos pássaros dessa "revoada", que é um fenômeno que a gente não vê com tanta frequência no Brasil, mas que é muito claro no hemisfério norte. Vocês estão vendo que os pássaros, cada um deles tem uma capacidade cognitiva muito pequena, mas quando eles se coordenam, eles se juntam, eles formam essas maravilhosas formações de voo, como uma espécie de exercício de preparação para aquele voo migratório que eles fazem aqui por hemisfério sul. Então isso aqui é uma analogia com o mundo biológico para trazer para o mundo tecnológico, onde existe esse tipo de fenômeno também de emergência de objetos complexos. Basta você comparar o pássaro com o aparelho celular. Esse aparelho celular é simples, não tem muita inteligência, não tem capacidade cognitiva, mas se você junta vários aparelhos celulares utilizando uma lógica de interação que permita que emerge essa complexidade, você tem, por exemplo, a utilização de celulares de interação com aplicativos específicos para um show de música. E nesse show de música o aplicativo interage com o cantor, e o cantor pode disparar, por exemplo, uma certa cor que vai aparecer em todos os smartphones que estão levantados. Então você tem ali uma espécie de uma coreografia tecnológica apoiando a experiência do show. E isso vai gerar, então, vários tipos de percepções a respeito desse show que vão incrementar a experiência de quem está participando do show. Então design de experiências é isso, é você pensar nesses objetos complexos a partir de objetos simples. Esse é o mote da disciplina. Assim como todos os outros designs, porque existe design de moda, existe design de produto, existe design gráfico, o design de experiências também tem uma preocupação com estética. Isso é uma característica muito importante do desenho industrial e um dos diferenciais em relação, por exemplo, às engenharias. Nas engenharias não existe uma preocupação muito grande com arte, com estética. Nós do design tentamos fazer esse diálogo interdisciplinar e não só conversa, mas também o fazer, o botar a mão na massa, da gente produzir objetos funcionais que sejam também bonitos, que sejam também estéticos, que tragam qualidades para a nossa vida e vários tipos de qualidades. Então vejam aqui um exemplo bem simples de um gesto que você faz numa tela de um smartphone para você aumentar uma imagem. Esse gesto ele tem uma qualidade estética também, você sente que esse gesto ele é gostoso de fazer, tanto é que você faz isso em outros aparelhos que nem tem essa capacidade, porque você sente aquilo é natural, aquilo é gostoso de você ampliar a foto dessa maneira. Então esse tipo de interação a gente projeta, isso aqui não vem do nada, não é uma cabeça de uma pessoa sozinha que cria isso aqui, tem toda uma história, toda uma pesquisa nessa área de design de experiências que vai culminar nesse tipo de interação estética com tecnologias, com objetos simples visando objetos complexos. Os objetos complexos, as experiências, elas têm qualidades diversas. Eu falei agora dessa experiência de você sentir que você tem a maleabilidade, você tem a possibilidade de você manipular uma foto como se fosse um objeto físico, então maleabilidade, mas existem várias outras, usabilidade, acessibilidade, encontrabilidade, praticidade, eficiência. Essas aqui são qualidades que são valorizadas principalmente pelas engenharias e pelo desenho industrial mais clássico, mais das antigas, que é muito voltado a uma racionalidade instrumental, e desse lado nós vemos outras qualidades que são valorizadas por esse desenho industrial mais recente de 10, 20 anos atrás, que são relativas às artes, relativas ao mundo do prazer e por aí vai. Diversão, imersão, engajamento, fluência, surpresa, todas essas são qualidades que uma experiência pode ter. Espero que esse momento agora que vocês estão aqui vindo conversar com a gente, ouvir, e daqui a pouco a gente vai interagir um pouco, seja também uma experiência e tenha qualidades que sejam não só eficientes, como o lado esquerdo mostra, mas também divertidas a partir dessas qualidades do lado direito, que eu vou também enfatizar. Vejam por exemplo essa foto, eu acho bastante divertida. Essa foto mostra que as qualidades das experiências não podem ser previstas e controladas. Por mais que você projete um aplicativo, um jogo, um sistema para que ele seja usado de uma determinada maneira, você nunca sabe o que os usuários vão fazer no seu dia a dia. Você nunca sabe se eles vão dividir a tela com um pedaço de papelão para... Por que eles estão fazendo isso nesse jogo de tiro? Por que eles estão dividindo a tela com papelão? Quem que sabe? Para não colar a tela? Então o que significa isso? Significa que você vai ver onde o outro está. Então esse jogador embaixo, que está meio aqui escondido, ele não quer que o jogador de cima veja onde ele está, para pegar ele de surpresa. Então por isso eles colocam essa barreira aqui de papelão. Então muito interessante como uma adaptação simples feita pelos usuários aumenta a qualidade de diversão e de surpresa que eles podem ter jogando esse jogo. A saúde mental, agora trazendo para o tema dessa conversa, ela também pode ser considerada uma qualidade da experiência. E aí ela pode ser uma qualidade, essa qualidade pode ser boa, pode ser ruim. Primeiro eu vou falar de como o design de experiência tem explorado essa qualidade ruim. E talvez de uma certa maneira é feito isso sem a maioria das pessoas saberem que isso está sendo feito. Eu vou trazer um exemplo bem contemporâneo que é o Facebook, uma rede social utilizada por quase um quarto da população mundial. É muita gente, são bilhões e bilhões de usuários, é maior do que as maiores nações do mundo, tem mais gente no Facebook do que tem na China que é a maior nação do mundo. E aí o que o Facebook tem feito desde 2010 em diante? Eles contrataram diversos pesquisadores das ciências sociais, das ciências humanas, para rodar pesquisas, experimentos sociais, experimentos psicológicos nessa plataforma. Então eles mudam as regras do algoritmo que organiza essa plataforma e eles veem um impacto emocional que isso causa nas pessoas. Então houve um caso que vazou, porque muitos desses experimentos não são públicos, a maioria não é, mas um caso que vazou essa informação porque os pesquisadores que estavam dentro do Facebook resolveram publicar um paper sobre esse experimento. E aí o experimento era para ver se era possível contagiar as pessoas emocionalmente em larga escala. Por exemplo, se o seu feed, se a sua rolagem do Facebook começa a mostrar muitas coisas alegres, eles perguntavam "será que você vai ficar alegre?" e por acaso se você mostrar um monte de postagens negativas "será que você vai ficar com uma consciência negativa, um humor negativo?" Então eles fizeram isso, publicaram um artigo, tiveram que se retratar publicamente porque foram alvos de muitas críticas, o Facebook não poderia fazer esse tipo de manipulação das emoções dos seus usuários sem pedir o consentimento. E aí um artista muito inteligente foi lá e fez uma extensão para o Chrome que permitia que você fizesse isso no seu próprio feed. Então você podia selecionar qual seria o humor que você queria ter hoje. Se você quisesse ter humor positivo começava a aparecer somente postagens de gatinhos, de bebê e por aí vai. Aí você pensa o quanto você está sendo manipulado ao usar o Facebook. Se eles conseguiram provar com esse estudo de que o contágio emocional é efetivo. Então se por acaso você começa a ver, como que eles mensuram? Você começa a ver um monte de imagens de coisas felizes, aí daqui a pouco o Facebook te mostra uma imagem de alguma coisa que é neutra. E aí ele vai ver se essa coisa é neutra você expressa a emoção de gostei ou não gostei. Se você gostar daquilo ali, aí significa que você está feliz. Se você não gostar significa que você está se deprimindo, está ficando mais triste. Então muita gente não sabe que isso acontece, mas é diário. Facebook diz que eles rodam todos os dias mais de mil experimentos nas plataformas deles. Sabe-se lá o que eles fazem, porque muito pouco desses experimentos são publicados, à exceção desse aí. Então a gente já sabe por outros estudos e principalmente de jornalismo investigativo, jornalistas que se embrenham dentro dessas empresas, que essas empresas estão contratando pessoas que trabalharam em laboratórios de análise comportamental, laboratórios que utilizam a psicologia birreivorista, que é uma psicologia que no passado foi muito criticada por não ter princípios éticos e endossar a manipulação do comportamento humano sem uma transparência e, por outro lado, sem, às vezes, ter uma preocupação com a saúde mental dessas pessoas que vão participar desses experimentos. Além de contratar também especialistas em cassinos e máquinas caça-níqueo. E essas pessoas estão dentro dessas redes sociais criando as interfaces, criando as interações para que as pessoas se tornem cada vez mais viciadas nesses aplicativos. Então o fato de você ter aquela sensação de que você gostaria de usar menos não é por acaso. É porque essas empresas estão fazendo de tudo para que você use mais e mais e mais. A gente chama isso também de economia da atenção, porque a sua atenção dedicada a um aplicativo desses é um produto que pode ser vendido por um anunciante. Então o Facebook vende a sua atenção para um anunciante que aparece, que coloca ali um anúncio do seu interesse. Então quanto mais gente tiver viciada, melhor para o Facebook. Além disso, o Facebook utiliza técnicas, e não é só o Facebook, a maioria das empresas que fazem comércio eletrônico e vendem alguma coisa na internet utiliza o que a gente chama de "dark patterns". São estratégias de design que são obscuras, porque elas fazem com que as pessoas façam coisas, induzem elas, persuadem elas a fazer coisas que elas não querem fazer. E que, às vezes, podem até prejudicar a saúde mental dessas pessoas. No caso, a privacidade foi alvo de legislação recente, GDPR, um padrão na Europa que influenciou todas as redes sociais, porque exigiu que essas redes sociais perguntassem se a pessoa queria compartilhar dados e se tornasse mais consciente que a pessoa visse o que ela está fazendo com a privacidade dela. E aí o Facebook instalou um monte de opções para você selecionar quanto privacidade você queria sobre seus posts. Mas se você quisesse mais privacidade, você tinha que clicar mais vezes. Então, imagine que isso aqui é um fluxograma com a quantidade de opções que você tem que passar para você poder dizer que você não quer compartilhar nada, ou que você quer fechar a sua privacidade para só os seus amigos verem as suas coisas no Facebook. É muito mais difícil do que você simplesmente dizer "eu não me preocupo com a minha privacidade e vou liberar tudo", que é o que eles tentam fazer. É mais fácil você não ter privacidade do que você ter privacidade. É claro que isso não é uma obrigação. E existem estratégias de design que você poderia utilizar para a pessoa estar consciente da sua privacidade no Facebook e saber o impacto que essa falta de privacidade vai ter sobre a sua vida afetiva, sua vida de relacionamentos, sua vida política, que é uma questão que é muito tensa também, e que essas redes sociais estão cada vez mais embrenhadas. Eu fiz vários experimentos com meus estudantes chamado "jogo do Facebook", que é você tentar entender o algoritmo do Facebook com o seu corpo inteiro. Porque quando ele está na tela e você está vendo uma única interface para você mesmo, você olha para aquilo e não imagina o impacto que aquela tela tem na sua rede social real, no que seja nas outras pessoas que estão do outro lado e no coletivo que você forma ao interagir com essas pessoas usando esse aplicativo. Então quando a gente faz isso fisicamente, quando os estudantes criam um perfil deles botando no ombro um pregador de roupas, puxando um fiozinho e conectando com outro pegador de roupas, que é outra pessoa, adicionando uma amizade, escrevendo posts em post-it, e passando esses post-it para frente, recebendo likes, que são esses adesivinhos. O like é o azul e o don't like, o não gostei, é o vermelhinho. Você tem a representação desse algoritmo. O que acontece quando essas pessoas começam a escrever dentro de uma rede? Você começa a escrever coisas para receber likes ou para circular mensagens dentro da rede. Então várias vezes que a gente executou esse experimento com os nossos alunos, a gente viu um padrão emergir de que as opiniões mais radicais, aquelas que são, que dividem as opiniões, aquelas que geram polarização política, essas opiniões são as que mais recebem likes e também dislikes. Só que na execução do algoritmo, um like ou um dislike conta a mesma coisa, porque quanto mais interações desse tipo tem uma postagem, mais ela é mostrada para outras pessoas. E uma coisa que acontece também é o anonimato pela viralidade. Porque como você não conhece o autor, aquilo ali viralizou tanto, passou de mão em mão, ficou tão distante da rede de amigos que você tem próxima, que é praticamente um anonimato, porque ninguém conhece aquele fulano que escreveu aquela opinião radical e ela vai circulando. Então não é um tipo de algoritmo ou um espaço público que permita opiniões sensatas serem emitidas e você chegar a consenso. Essas plataformas vão gerar discenso, gerar conflito, gerar desordem, porque isso vai levar a ter maior audiência, maior atenção, assim como antigamente a mídia de massa fazia uma série, mostrava e ainda mostra muitos programas com conflitos, com guerra, com violência, para gerar audiência, hoje você vê as pessoas sendo apropriadas, a subjetividade das pessoas colocadas em jogo, quer dizer, não é mais um ator representando a violência, é você representando a violência e você trazendo essa violência para o seu dia a dia, e isso gerando lucro para essas redes sociais. Essas opiniões radicais também têm uma propriedade interessante, funesta na verdade, que elas furam as bolhas, a gente fala muito de que o Facebook cria uma bolha porque você só recebe as informações, os posts, das coisas que você gosta. Só que o que acontece, você acaba se isolando e para o Facebook isso não é bom, porque quando um anunciante quer espalhar uma notícia, quer espalhar um conceito, é bom que tenha uma audiência muito grande, aí então é importante que existam furos nessas bolhas, que são opiniões tão radicais que elas excedem uma bolha só, não ficam ali dentro de um único grupo, porque elas dividem até mesmo esses próprios grupos, e daí divide um grupo, passa para outro grupo, divide outro grupo e assim você vai gerando uma economia da atenção. Bom, eu falei dos aspectos negativos do design de experiências e como as nossas emoções estão sendo manipuladas, isso pode estar prejudicando a saúde mental de muitas pessoas, mas agora eu vou falar um pouquinho dos aspectos positivos, do como que o design de experiências pode fazer para promover a saúde mental. Vou mostrar alguns trabalhos dos nossos alunos, que a partir dessa perspectiva crítica que eu já estou passando para vocês aqui agora resumidamente, estão desenvolvendo projetos com tecnologias e visando experiências complexas que tragam maior saúde mental. O Eduardo Gimieves, que foi um estudante da UFPR de design, ele fez o Cronus, que é um relógio para você apreciar qualitativamente o seu tempo. Apesar de você ficar preocupado em quanto tempo você está gastando, você vai ficar preocupado em qual tipo de tempo você está gastando, ou melhor, você não está gastando tempo, você está aproveitando o tempo. Então ele te mostra uma reflexão sobre as suas atividades diárias, o que você faz e como você se sente a respeito dessas atividades. Então ele busca também que você emita as suas emoções, só que para você mesmo, para o seu próprio controle, para você colocar isso no Facebook da vida, numa rede social. Esse outro projeto é o Voxion, ele é um assistente digital para refletir sobre a procrastinação. É uma história bem curiosa da estudante Juliana Saito, ela estava na PUCPR, terminando o design digital, e aí ela não conseguia fazer o TCC dela porque ela estava só procrastinando. E lá pelas tantas eu dei a sugestão para ela, o que você não cria um TCC sobre procrastinação e transforma a sua dificuldade numa vantagem para o projeto. E ela adorou, fez um projeto magnífico e eu vou mostrar para vocês. Esse é um que está sendo implantado aqui no TFF. A gente chama isso de TCC terapia, e você transformar a sua dificuldade em um tema de pesquisa. Então ela fez um trabalho muito bacana, isso aqui é um projeto que a gente chama de especulativo, é uma tecnologia que já existe, mas que ainda não está disponível nem barato o suficiente para você produzir em massa. No entanto, você produz uma espécie de vídeo, um filme, uma história, como se fosse uma ficção científica, só que na verdade é uma ficção projetual, porque se alguém quiser desenvolver essa tecnologia, isso é possível. - Oi, meu nome é Voxel. - Oi, meu que contaram um pouco do meu estereotipo. - É assim, é muito subrenético chamar o Zeron? - Eu mesmo. Então o projeto Voxel da Juliana, ele é um exemplo muito interessante, o que a gente estava falando, do design de experiências. Não é um projeto de uma tecnologia só, mas é uma tecnologia visando, é uma tecnologia simples visando uma experiência complexa. E uma reflexão sobre a história da computação também. Esse outro projeto aqui é sobre cyberbullying, são dois estudantes que sofreram cyberbullying na adolescência, e quiseram fazer algo para ajudar outros adolescentes a se informar e saber reagir bem ao cyberbullying. Então eles fizeram uma série de vídeos que contavam uma história de uma adolescente que era vítima de cyberbullying, e você podia escolher o que fazer, se você denunciava, se não denunciava, se você contava para a mãe, não contava para a mãe, se você buscava a vingança, então você tinha as opções, quando termina o vídeo no YouTube tem um recurso de você clicar no próximo vídeo. Esse próximo vídeo era no caso a continuação da história, criando uma espécie de narrativa interativa, muito antes do Bender's Net, lá do Black Mirror, que foi lançado no começo desse ano, eles fizeram esse 2016, uma narrativa interativa muito bacana. E por fim, agora algumas experiências que eu estou realizando já com os nossos estudantes aqui da UTF-PR, eu entrei no Dadin há aproximadamente seis meses, então tem pouca coisa ainda para mostrar nessa área de saúde mental, mas tem um caso bem interessante de uma experiência gastronômica que nossos estudantes criaram para quebrar o preconceito de que você só deve comer ou beber coisas que você gosta. E porque esse preconceito, na verdade, é o que dá origem ao Facebook, o Facebook se apropria dessa prática de só consumir aquilo que se gosta, para criar uma nação, uma geração, na verdade, de pessoas mimadas. Então, é uma experiência em que a pessoa é exposta a vários tipos de líquidos que vêm de alimentos diferentes, com sabores e cheiros diferentes, ela não sabe o que é, o que são esses líquidos, ela tem que misturar esses líquidos e produzir um shot customizado para a pessoa beber de uma vez só, e pode ser que ela goste, pode ser que ela não goste, ela vai fazer essa experiência de uma maneira aberta, para você abrir a cabeça para novos gostos. A pessoa não tem que gostar, né? Não, a ideia é não gostar. Bom, por fim, última questão que eu queria colocar, que saúde mental não é só uma questão de uma qualidade da experiência, uma coisa bonita ou feia, enfim, para alguns, mas é principalmente uma luta social, e existem muitas pessoas que estão sendo oprimidas por conta de existir o conceito de saúde mental, e, por outro lado, para não terem acesso, às vezes, aos serviços de saúde mental. Então, existe toda uma luta anti-manicomial em vários países, começou na Itália, mas no Brasil também é bem forte, que defende, ao invés de você internar as pessoas que estão necessitando de serviços de saúde mental e isolá-las da sociedade, e você permitir que essas pessoas possam ser ativas na sociedade, interagir e ter uma vida social saudável, porque isso vai contribuir para a saúde mental também. Então, em vez de saúde não se vende, loucura não se prende, por políticas públicas anti-manicomiais é uma das, aí, dos lemas dessa luta. É muito importante essa luta, porque no Brasil a gente tem um histórico terrível de abuso das pessoas que têm essa necessidade, nós tínhamos o hospital Colônia de Barbacena, que foi as instituições manicomiais mais... assim, acho que foi um dos piores casos de maus tratos de usuários de saúde mental da história da humanidade, porque mais de 60 mil pessoas morreram lá. As pessoas chegavam em vagões de trens, elas eram "descartadas", entre aspas, da sociedade, chegavam em trens, tal como acontecia nos campos de concentração na Europa durante a Segunda Guerra Mundial, e elas eram despejadas lá para sobreviver de maneira muito precária, obviamente que a maioria dessas pessoas acabavam morrendo, então existem vários estudos sobre esse caso para que isso não aconteça de novo, e também é um caso muito lembrado na história da luta anti-manicomial, de como isso pode ser funesto, como esse tipo de internação e isolamento da sociedade pode gerar também uma liberdade para aqueles que estão "cuidando" dessas pessoas, dessas pessoas abusarem das outras pessoas que são internos, que foram muitos crimes contra a humanidade e direitos humanos que aconteceram nesse local. E a gente tem hoje uma política pública que realmente, hoje, enfatiza a não internação, porém, existe uma tentativa de retroceder essas políticas públicas. O Ministério da Saúde, logo que mudou a nossa Presidência República, emitiu uma nota pública dizendo que era muito interessante que agora o Ministério da Saúde iria poder comprar e utilizar a eletroconvulsoterapia, que é a terapia de choque, e poderia fazer isso porque tinham tecnologias de última geração para fazer isso. E essa nota pública foi intensamente criticada pelas pessoas que estão conscientes da luta anti-manicomial, e o Ministério acabou tirando do ar. Mas essas ideias continuam lá dentro. Agora existe um certo retrocesso, o que exige a importância de manter essa luta anti-manicomial para que esse tipo de terapia não volte a ser uma maneira de abusar das pessoas. Então, existem casos em que a eletroconvulsoterapia pode contribuir para a saúde mental, mas os casos históricos, por exemplo, no Hospital da Colônia e Barmacena, como essa ferramenta pode estimular que a pessoa que está aplicando choque comece a sentir prazer em fazer o outro sentir dor. Tal como você sente no Facebook prazer em dizer que não gostou de alguma coisa que alguém colocou, você pode sentir prazer em aplicar choque em alguém e ver essa pessoa ter convulsões. E aí você gera um problema de saúde mental que não é só das pessoas que são internas, também das próprias pessoas que estão cuidando dos internos. Então, a luta pela saúde mental passa também pela apropriação crítica da tecnologia. Daí, essa é uma questão particular que eu estou me interessando agora aqui na Universidade Tecnológica, de você desenvolver perspectivas críticas e também criativas a respeito da tecnologia. Eu tenho feito isso numa atividade de extensão, que talvez um dia evolua para um projeto de extensão, chamado Teatro do Oprimido Tecnológico. Então, Augusto Boal, que é um dramaturgo brasileiro, criou isso lá nos anos 60 e 70, uma abordagem de teatro político que aproveita o corpo pra você compreender como as suas opressões se manifestam no seu cotidiano e como o seu corpo começa a se curvar fisicamente, por ter que se curvar psicologicamente aos opressores, e aí ele utiliza vários jogos dinâmicos de teatro pra você desmecanizar o corpo, pra você se conscientizar de como essas opressões estão te afetando e pra você perceber que você pode reagir a essa opressão coletivamente com outras pessoas. O foco dessa atividade de extensão é as pessoas que estão se sentindo oprimidas pela tecnologia, pessoas que já perceberam essas coisas que eu tinha falado anteriormente sobre a manipulação, por exemplo, das emoções nas redes sociais. Eu tenho um colega que terminou o doutorado no PPGT, aqui na UTFPR, o Rodrigo Gonzato, que escreveu uma tese que fundamenta a opressão do, eu tô chamando de, usuarismo. Assim como a gente tem o racismo, a gente tem o machismo, a gente tem o usuarismo, que é você tratar as pessoas e reduzir elas a meros usuários de tecnologias, como se elas não fossem capazes de produzir tecnologia, de se apropriar e de transformar essa tecnologia. Então, você falar que uma pessoa é usuário pode ser, de uma certa maneira, uma diminuição da capacidade de viver, de capacidade de ser daquela pessoa. Então, a gente tem trabalhado o teatro do oprimido como uma ferramenta, uma arsenal de técnicas pra superar essa opressão do usuarismo. E agora a gente vai ver algumas cenas dessa atividade de extensão, estão sendo executadas lá no LAPOC, que é o nosso laboratório de poéticas do corpo, lá no centro. E os participantes vêm de várias origens, tem metade deles são estudantes da UTFPR de qualquer curso, a outra metade são pessoas curiosas que viram um anúncio dessa atividade de extensão da comunidade expandida, digamos assim, da nossa universidade. Então, aqui você tem uma cena de uma pessoa que decidiu levar o celular para as férias, antigamente as pessoas não levavam o celular, ficavam com ele desligado durante as férias todas, hoje isso é praticamente inaceitável socialmente. E aí o que acontece, além dessa pessoa estar disponível para receber notícias, mensagens de pessoas que se importam com ela e que ela se importa com, ela também abre a porta para receber propaganda customizada, para receber anúncios e também para ser vítima de roubo de dados. Então você tem aqui no teatro essa improvisação, o teatro do oprimida se baseia muito em improvisação de cenas, que você lembra de coisas que você já viu no seu cotidiano. Então no caso os participantes lembraram que eles já viram os anunciantes oferecendo anúncios customizados relativos ao que você estava fazendo nas férias, por exemplo, você foi para o litoral, você está no litoral, vai vir um anúncio de algum produto ou serviço que tenha a ver com o lazer, porque ele sabe que você está lá nas suas férias. E o ladrão de dados que é aquele que tenta te convencer que você vai ganhar alguma coisa e no final das contas você vai dar os seus dados para eles. Aqui embaixo nós temos uma reflexão dos participantes, depois dessa cena, de que toda vez que usamos um produto gratuito nós se tornamos o produto, porque nós somos vendidos aos anunciantes. Então não existe, there is no free lunch, eles falam em inglês, não é de graça o Facebook, o Facebook ele custa a sua atenção, ele custa os seus dados que você fornece para ele, você paga isso. Então através do teatro esses participantes puderam perceber isso sem que eu precisasse falar do jeito que eu estou falando agora para vocês numa exposição. Nesse outro caso você tem um músico pedindo esmola na rua e aí você tem uma pessoa que ao invés de dar esmola, de apreciar o músico, ela grava um vídeo e faz uma story no Instagram, porque ela é uma digital influencer, e aí ela mostra o vídeo, olha que bonitinho esse cara tocando música, termina o vídeo, vai embora e não deixa esmola nenhuma, ela se apropria da imagem desse sujeito, não dá nenhum crédito, não dá nenhum tipo de vantagem para ele, e ele fica sem esmola e ela ganha os likes, porque ela que vai ganhar o capital social e não o músico de rua. Então aqui você tem uma tecnologia estimulando que o lobo seja o homem, que uma pessoa explora a outra. E além disso também uma tecnologia que cria essa divisão, essa distinção social, ela não é acessível, não é todo mundo que consegue comprar essa tecnologia, ter o celular de última geração, rodar um Instagram e ter tempo para ficar fazendo isso e atualizando. E aí você tem um papel social da tecnologia de gerar essa distinção assim como outros objetos. Antigamente, por exemplo, o automóvel foi muito importante, o desenho industrial tem uma meia culpa importante, porque a forma do automóvel é feita para gerar essa distinção social, mostrar que certas pessoas têm mais poder, têm mais acesso a recursos do que outras. Hoje isso acontece também com as tecnologias, mas a diferença é que não está mais na forma, por exemplo, um iPhone que é um smartphone mais caro, que gera essa distinção social, ele não tem uma forma que mostra isso de maneira muito clara, mas a funcionalidade, a habilidade, a velocidade que você tem para estar online é uma vantagem em relação aos outros. Então se você está mais online, você tem status, você tem tempo para fazer isso. E por fim, um exercício clássico do teatro do oprimido, que é os quatro em marcha, são quatro soldados marchando, e eles não podem deixar acontecer nenhuma outra atividade a não ser a marcha cívica. Porém, tem duas outras pessoas aqui nessa cena que estão querendo dançar no mesmo lugar que os soldados querem marchar. E aí essas pessoas têm que descobrir uma maneira de dançar sem que elas sejam eliminadas, porque os soldados atiram se você passar na frente deles. Então as participantes acabam descobrindo que se elas dançarem nos cantos, elas não vão atrapalhar a marcha. Porém, por outro lado, isso significa que elas não tiveram, não conseguiram superar essa opressão. Outras tentativas, que eu não vou mostrar aqui porque são meio tensas, envolvem tentativas de confrontar os soldados e até mesmo roubar as armas deles e atirar e matar os soldados. Então durante a peça de teatro isso acontece e a gente utiliza bastante o humor, porque eu sei lá, na cultura brasileira a gente tem essa capacidade incrível de rir da desgraça. Mas depois, num momento de reflexão de conversa, uma participante falou uma coisa maravilhosa. Ela falou "olha, eu percebi nessa atividade que eu sou o meu corpo, se eu morrer, acabou". E a gente tem uma cultura cultivada em partes também pelas imagens que vem da mídia, de massa e também da mídia digital, por exemplo, o videogame. Nos fala que a gente tem diversas vidas, a gente pode morrer quantas vezes a gente quiser que a gente volta. Mas a verdade é que a gente tem um corpo só e se esse corpo morrer acabou. Você não tem mais essa existência social neste mundo pelo menos. Então o teatro do oprimido traz muito claro esse vínculo concreto que a gente tem com a nossa existência social e que através da tecnologia a gente acaba perdendo e se esquecendo de nosso corpo e muitas vezes a gente sentindo dores, por exemplo, físicas, por estar há muito tempo em uma postura inadequada utilizando seja um smartphone, seja um videogame ou seja um laptop ou um computador. Refletindo sobre essas atividades, sobre a participação nessas sessões de teatro do oprimido, um dos estudantes que está fazendo um curso de desenvolvimento de aplicativos para a iOS, ele desenvolveu um aplicativo sobre a opressão que ele sente, que os colegas dele sentem de que eles têm que ser alguém na vida. Ou abrindo uma empresa e empreendendo, que hoje é um discurso muito forte, você tem que empreender, você tem que ganhar dinheiro, você tem que ser alguém na vida e para o outro lado a opção de você ser um funcionário de uma outra pessoa. Ele mostra como as decisões que você vai tomando vão tendo impacto na sua saúde mental. Então você clicou lá, entrei numa empresa, não empreendi, decidi ser funcionário e aí o chefe vem e pede para você fazer um trabalho extra, só que ele não quer pagar as horas extras, você faz ou não faz? Como você se relaciona com isso no começo de carreira? E aí se você aceita a determinação do chefe, daqui a pouco o chefe te pede mais e mais até que você tenha um problema, enfim, um burnout, por exemplo, um excesso de estresse e por aí vai. E eu achei muito interessante como houve um ciclo, a gente tem durante o teatro a apropriação crítica da tecnologia e depois você tem um ciclo posterior de produção de tecnologias que a gente está chamando de liberadoras ou libertárias, tecnologias que visam conceitizar as pessoas das opressões e libertar elas dessas opressões. Tem vários desobramentos dessa oficina que aconteceu no semestre passado, por enquanto já foram organizadas outras oficinas em outros contextos pelos participantes, porque essa atividade de tensão é multiplicadora, ela visa formar os participantes nas técnicas do teatro do oprimido para que eles levem para frente usando a característica da própria método. O método é multiplicador, ele visa que todo mundo se torne o que a gente chama de coringa. Então um dos coringas formados fez uma oficina de teatro do oprimido no seminário de uso da tecnologia da informação e comunicação por crianças e adolescentes, jovens e adultos, com crianças, com adolescentes, então usou esses jogos para conscientizar elas do impacto que a tecnologia tem no cotidiano delas. Na verdade isso é uma questão bem mais séria do que para adultos, porque as crianças ainda estão desenvolvendo habilidades, mesmo os perceptuais, e essas tecnologias já começam a interferir, dificultar, por exemplo, o desenvolvimento da habilidade de focar, ter profundidade de foco na visão, porque elas ficam o tempo todo só olhando para a mesma profundidade focal. E sem falar em várias outras questões relativas à postura, à movimentação do corpo e por aí vai, a existência social das crianças hoje que utilizam intensamente tecnologia, elas não se encontram para brincar mais nem mesmo no playground do prédio, que antigamente ainda existia na minha geração, do playground do prédio, a geração passada ela é da rua, hoje é uma geração do discord, as crianças brincam na audioconferência, elas nem saem mais do quarto, então imagina o impacto que isso vai ter no longo prazo do desenvolvimento dessas crianças. Outro caso interessante de aplicação foi no grupo de mulheres na computação, na UFPR, utilizar o teatro oprimido para essas mulheres reagirem ao machismo, que é muito forte nessa área da computação, existem outras áreas também que são redutos machistas, como as engenharias, e o teatro oprimido ajuda muito a fortalecer essas pessoas para elas não desanimarem quando vier o preconceito, e por outro lado darem respostas fortes e incisivas para que esse machismo seja combativo. Outro grupo também, um centro cultural para jovens na periferia que está utilizando algumas dessas técnicas para articular os jovens. Por enquanto é isso, conclusão dessa fala, o design de experiências precisa ser crítico e criativo para fortalecer e não explorar a saúde mental. Muito obrigado. [aplausos]