Coisas, design de coisas públicas. Isso aqui é uma tradução do inglês, design things, só que quando traduz em português perde toda a origem etimológica, que eu vou falar um pouquinho daqui a pouco sobre o que é design things em inglês. Mas traduzindo português, o mais próximo que eu encontrei é design de coisas públicas, tá? É uma vertente do design participativo, uma agenda de pesquisa que vem aí do meu histórico desde os anos 70, surgiu na Escola Escandinava design participativo, com uma abordagem política de design, que tentava se aproximar de sindicatos, movimentos sociais que precisavam de novas tecnologias, precisavam dominar essas tecnologias e, por outro lado, reivindicar melhores tecnologias para as condições de trabalho. Então, esses sindicatos escandinavos conseguiram aprovar leis que obrigavam as empresas a consultar os sindicatos quando fossem fazer, por exemplo, uma mudança num sistema operacional, uma mudança do software de trabalho, ou mesmo do hardware, do maquinário, teria que consultar um sindicato para o sindicato avaliar aquela tecnologia e dizer se aquilo ali seria possivelmente perigoso para os funcionários, ou se seria uma tecnologia que iria ruim para trabalhar, que não ia ser eficiente para o trabalho, piorar o trabalho. O professor Pelen é um dos pesquisadores pioneiros do design participativo e que escreveu bastante sobre o assunto e que também está à frente dessa virada, digamos assim, do design participativo rumo ao design de coisas públicas. Ele não é o único, tem muitos outros pesquisadores que trabalharam com esse tema, mas eu vou focar nele porque, primeiro, ele tem esse foco atual em pesquisa sobre design de coisas públicas e, segundo, porque eu tive mais contato com ele, ele foi professor convidado da Universidade de Twente, na Holanda, deu um curso lá durante três meses e eu pude auxiliar ele nesse processo, obviamente, que eu conheci mais profundamente essa abordagem dele. Além de tudo, ele também foi um dos membros da minha banca de doutorado. Então, ele conta a história que o design participativo no começo era sobre sistemas de informação, então, nessa época, em 1980, os sindicatos começaram a ser consultados sobre a informatização dos postos de trabalho, que antigamente não tinha computadores nos escritórios, e começaram a ter. E aí, os sindicatos falavam, "Poxa, será que vocês, pesquisadores do design participativo, podem nos ajudar?" Fizeram vários projetos nessa linha, um deles, o mais famoso é o projeto Utopia, que eles criaram todo um sistema de interfaces gráficas para projeto editorial, uma espécie de um vovô do Photoshop ou do InDesign, e foi bem avançadas as ideias de interfaces gráficas que eles criaram lá nos começo dos anos 80, eles criaram ideias como arrastar e soltar máscaras, levar uma coisa para uma outra camada, todos os conceitos que não existiam antes nessa época nos projetos no desktop publishing, como ficou conhecido esse tipo de aplicação. Então foi bem inovador e todas as técnicas de prototipação de baixa fidelidade, ou prototipação de papel, mock-ups, que hoje é utilizado na computação, no design de experiência, no design de interação, surgiu aqui, eles foram os pioneiros na utilização dessas técnicas. Antes disso, essa disciplina de design na computação, ela era muito focada em projetar coisas abstratas, diagramas, descrições escritas de requisitos, e isso eles viram que não era muito eficiente para envolver os usuários, porque eles não conseguiam entender como que aquilo se encaixava no ambiente de trabalho, era uma linguagem muito abstrata, então eles criaram linguagens que eram mais concretas, como por exemplo, vamos falar de uma impressora laser que ninguém nunca viu na vida, porque é uma tecnologia nova que vai entrar nos escritórios cinco anos depois, mas eles já queriam pensar no futuro, como seria uma impressora laser dentro de uma gráfica, e aí eles fizeram um protótipo com papelão e escreveram, né, "desktop laser printer", e virou, aquele pedaço de papelão virou uma impressora laser, e eles imaginaram como é que era o fluxo de trabalho usando uma impressora laser dentro de uma gráfica, algo que nunca tinha sido feito antes e que acabou gerando uma espécie de legado. A partir dos anos 90, muitos dos pesquisadores que estavam envolvidos na computação acabaram migrando para o design, porque sentiram que dentro do design havia maior liberdade criativa, havia uma possibilidade de conectar o projeto com outras áreas além da computação, coisa que na computação às vezes era difícil de fazer. Em 1998 ou 1999 foi fundada a Digital Bauhaus, que é uma espécie de ideia de retornar ao conceito original da Bauhaus, que é você conseguir conectar arte, ciência e tecnologia, e trazer para o outro lado os desafios atuais da material digital. Essa universidade, Malmo, fundou então essa Digital Bauhaus com o nome de Faculdade de Comunicação e Artes, o nome Digital Bauhaus é só um nome, digamos assim, fantasia que ela tinha, e vários projetos incríveis foram desenvolvidos durante esse tempo lá, foi bastante influente principalmente na consolidação da ideia de design de interação. Um dos professores, que não é o Pelén, que é o Jonas Lüfgren e o Eric Stoltemann, outra professora que saiu de lá e foi para os Estados Unidos, escreveram um livro chamado Thoughtful Interaction Design, que foi muito influente e mostrou um design de interação diferente da computação, interação no computador. Então essa escola foi muito importante para mostrar que você podia ter um diálogo forte entre design e arte, mais do que design e ciência como nas faculdades de computação. Só que daí criou um problema para o desenvolvimento da disciplina, que é o seguinte, os estudantes acostumados com um ateliê de projetos, que é um lugar onde todas as suas ideias são válidas, e você pode fazer basicamente o que você quiser, que é o que uma proposta da arte oferece, o espaço da arte, eles acabavam se distanciando muito do cotidiano das pessoas que iam usar o que eles estavam criando, criando uma espécie de um elitismo dentro do design. Então a partir dessa própria autocrítica, alguns professores dessa escola começaram a se reunir e construir uma outra abordagem de design mais focada nos problemas de fora da universidade, problemas que as pessoas enfrentavam no seu dia a dia, atuais. Ao invés de ficar pensando nesse futuro distante que a arte provocava eles a pensar, eles voltaram e começaram a pensar nos dia a dia, e aí começaram a explorar muito mais abordagens calcadas na antropologia, na sociologia, na psicologia, que ajudavam a entender esses problemas. E aí construíram "living labs", que são laboratórios vivos, laboratórios de experimentação que envolvem vários atores sociais em parceria, gerando experimentos de maneiras diferentes para você superar esses problemas. Então, a partir dos anos 2010, a Malmo deu essa virada de abrir vários "living labs" em diferentes contextos da cidade. Por exemplo, esse "living lab" está aparecendo aqui, ele focaliza em experimentos sobre a produção de comida dentro de uma comunidade vulnerável que sofria preconceito, que serão as mulheres imigrantes da cidade de Malmo, mulheres imigrantes de países árabes, que não falam muitas vezes a língua sueca, ficam em casa o dia todo praticamente sem ter uma possibilidade de trabalhar, então elas foram lá, essa equipe do "laboratório vivo", e experimentaram a proposta de elas criarem um serviço novo, design de serviços colaborativo, que elas propuseram e eles organizaram, acharam clientes e tudo mais, e se criou ali a possibilidade de ter uma geração de renda e uma conscientização e integração maior dessa população com o resto da sociedade. Importantíssima porque muitas vezes essas mulheres que não se integram na sociedade geram um sentimento negativo em relação à sociedade que é transmitido culturamente para os seus filhos, e depois os seus filhos se alistam no ISIS, no Estado Islâmico, se alistam no Estado Islâmico e vão fazer de rádio lá na Síria, voltam, fazem ataques terroristas dentro do país onde eles nasceram, mas que não se identificam com a cultura, gerando um distanciamento social muito grande. Então esse projeto, por mais que você fale, "meu, isso aqui é muito óbvio ou simples demais você facilitar a criação de um serviço de catering", como é que é isso? Entregas de roupas? Não, não é entrega, é você contratar aquele grupo de pessoas para oferecer um jantar para você. Fornecimento de serviços alimentares que seja. Parece muito simples, mas era importantíssimo para a integração dessas pessoas na sociedade. Então, um contexto maior, dá para você perceber que as grandes narrativas que motivavam, lá na década de 60, 70, motivavam a integração com os sindicatos, por exemplo, a narrativa do socialismo, a narrativa do marxismo, de que era possível que se os trabalhadores se organizassem, eles fazerem frente contra a dominação e a opressão, ela cai por terra, porque as pessoas começam a perceber que o próprio socialismo virou um estado opressor também, no caso da União Soviética e tudo mais, então cai por terra isso. Por outro lado, você tem uma acumulação de capital financeiro muito grande, um aumento da desigualdade social, no livro "Capital", no século XXI, o Piquet mostra isso estatisticamente, como que acontece em países como a França, e aí ele mostra que a democracia se torna cada vez mais em risco, porque quando você tem uma distância social muito grande, as pessoas não têm acesso à educação, não conseguem fazer boas escolhas quando vai votar, e acabam eleger os governos populistas ou governos instáveis, que é um caso que a gente está vivenciando, possivelmente, talvez, quem sabe, no Brasil hoje, não sei, e o neoliberalismo, por outro lado, que é a tendência de tornar o estado cada vez menor em termos de soluções de problemas sociais e empurrar, digamos, esses problemas que o estado se responsabilizava para a iniciativa privada, com isso também desarticulando os sindicatos e toda a pressão que a sociedade fazia sobre o estado, você desarticula porque não é necessário que o estado resolva esse problema, o neoliberalismo tem que resolver a iniciativa privada, então ao invés de você ir para a rua protestar, abre uma empresa e resolve você o problema. E aí o último ponto que fecha esse contexto é o crescimento do antagonismo, que tem relação com todos esses outros três elementos aqui, que é, basicamente, a polarização política, quem vai falar sobre isso é a Chantal Muff, que é uma cientista política da Europa, e ela vai usar a própria Europa como um exemplo para pensar polarização, eu vou focar basicamente no pensamento dela, porque vai ajudar a gente a entender a proposta de design de coisas públicas. Então a Chantal Muff fala o seguinte, o antagonismo está crescendo no vácuo deixado pela falta de identificação com os representantes políticos, então as pessoas olham para os políticos e falam "não me representa 2013, não me representa", lembra? Então não precisa de partido, escola sem partido, tudo isso aí faz parte de uma ideia de que a política é uma coisa vil, a política é uma coisa errada, a política não deveria ser profissão e todos os políticos são corruptos, e por que isso? Porque você olha para o político e você fala "eu não me identifico, eles não conseguem me representar", então isso também é chamado de crise da representação política. E aí o que acontece? De repente aparece um candidato completamente extremista no oposto que algumas pessoas vão se identificar muito com aquele candidato, porque finalmente ele está falando aquilo que ninguém teve coragem de falar antes, então você vai seguir aquele político extremista, porque antigamente acontecia o seguinte, o consensualismo de centro, a ideia é que os partidos convergiam sempre para poder gerar alianças que visavam a governabilidade, então um político que tivesse uma carreira de ideologia ideológica extrema, quando ele entrava no governo eleito, ele imediatamente se tornava ao centro para poder facilitar os acordos e permitir a governabilidade, isso explica porque que o PMDB por muitos anos viveram em parceria incrível, concordando com tudo, isso gerou uma certa estabilidade política por um tempo, só que aí o que aconteceu? A gente teve uma degradação das condições de vida no país por conta de uma crise econômica e essa parceria no final das contas acabou se desfazendo, gerando aí o impeachment e tudo mais, uma coisa bem curiosa que esses dois aqui, Dilma e Temer, imagina, olha que curioso, antes estavam juntos no topo do bolo ali, e depois vamos lá e dar aquela facada pelas costas. E aí o que acontece? Esse antagonismo que surgiu para compensar e para contrabalancear esses muitos anos de centrismo, ele acaba se manifestando não só na política oficial, mas também ele é mimetizado na política do dia a dia, nas discussões do cotidiano, as pessoas que seguem esses políticos extremistas começam a manifestar esses debates nas redes sociais, que viram um palco para esse tipo de discussão antagonista porque elas lucram com o antagonismo, quanto mais as pessoas se degladiam nas redes sociais, mais audiência, mais likes aquele post vai ter. Então se você tem uma mensagem pacificadora, bacana, legal, que fala que pessoas da direita e da esquerda são pessoas e deve ser respeitadas, você ganha 10 likes. Se você fala que você quer que morra pessoas da direita ou morra pessoas da esquerda, claro que não no mesmo post, post separados, você vai ter mais likes do que se você fizer o post conciliador. Então isso é uma fábrica, basicamente, que transforma cidadãos em juízes, julgando todo mundo e a todos com base num clique. Então essa polarização, o antagonismo, ele só pode ser combatido com outra abordagem política que vai não acabar com a diferença entre as pessoas, mas que vai colocar essas pessoas diferentes para discutir de maneira respeitosa, que é o tal do agonismo. É curioso que a gente conhece muito bem a palavra "antagonismo", mas a gente conhece pouca palavra "agonismo", embora o agonismo esteja na origem do conceito da democracia. O agonismo basicamente é você ter uma discussão com adversários, e a palavra é essa mesmo, pessoas que pensam completamente diferente, mas que querem se enfrentar mutualmente e confiam que esse enfrentamento vai gerar uma compreensão melhor das ideias, que a gente vai gerar uma evolução na compreensão daquilo que a gente precisa decidir. Então o respeito é a unidade básica do agonismo. As artes marciais trabalham com o agonismo já há muito tempo, de maneira bastante estética, vocês estão vendo aqui um cumprimento de respeito do judô, que eles são adversários, vão lutar um com o outro, mas eles se respeitam mutuamente. Então no agonismo é possível que aconteça tanto consenso quanto dissenso, e se respeita quando uma pessoa não concorda com você. O espaço público é fundamental para que o agonismo aconteça. A palavra agonismo vem do grego Agus, da origem ágora, que é um espaço tipo um mercado, uma praça pública que tinha nas cidades gregas mais democráticas, em que pessoas de diferentes convicções políticas iam lá para conversar com as outras pessoas, uma espécie de espaço público, uma praça onde se discutia política, e essa discussão política influenciava aqueles que eram representantes e tinham poder de voto nas assembleias gregas. Então aqui basicamente era uma espécie da cozinha da política grega, e essa cozinha poderia ter muito mais dissenso do que nos espaços de deliberação oficiais, onde só aqueles que poderiam votar estariam presentes. Então aqui você poderia discordar de alguém e xingar e mandar ir a aquele lugar, sem que isso se tornasse, ou precisasse se tornar uma questão de guerra, e você sair matando todo mundo e tudo mais. Então agora tinha esse princípio de que se você ia agora, se ia para o mercado, era para debater política de maneira aberta com respeito, considerando as divergências possíveis do seu argumento. Na Europa essa tradição ficou um tempo, ela se desenvolveu de uma maneira diferente da história da democracia na Grécia, e mais ou menos nos séculos, nos primeiros séculos da era cristã, você tinha algumas assembleias dos, principalmente dos povos bárbaros gregos, desculpa, germânicos, umas assembleias que eram momentos que eles se reuniam para decidir sobre questões públicas, e eles usavam o termo "ding" ou "thing" em inglês, a palavra original é "ding" que vem do alemão, depois vai se tornar "thing" em inglês, "coisa" é isso mesmo, a palavra "coisa" está na origem dessa assembleia, assim como está na origem também da palavra "república", "república" em latim significa, vem do latim "res", significa coisa, e "publica" mesma coisa que no português, então coisa pública está na origem dessa palavra, tanto "ding", "thing", quanto "república", por isso que eu resolvi traduzir "design things" como design de coisas públicas. Então o design participativo ele tenta com essa proposta recuperar e atualizar o sentido da república, desenvolvendo projetos de coisas públicas, ou design things. E agora eu vou mostrar alguns exemplos, esse projeto aqui é um projeto que os colegas, estudantes da Universidade de Twente desenvolveram quando o Pelén foi lá dar essa disciplina de "collaborative feature making", era uma disciplina de nível de mestrado, então os estudantes podiam vir da graduação também, e um grupo de estudantes resolveu estudar a controvérsia que existia sobre os terremotos causados pela exploração de gás no subsolo da Holanda, um negócio chamado "fracking", eu não sei como traduzir isso no português, eu acho que é "fracking" mesmo, que é basicamente você ir lá no fundo da terra, pegar uma reserva de gás e puxar aquele gás para cima, o que acontece com o terremoto? Porque fica um buracão, não fica nada, fica vazio, aí de repente o solo começa a se mover, e aí isso aconteceu durante 30 anos, inicialmente os terremotos tinham um tamanho pequenininho, ou seja, eles quase eram imperceptíveis, mas lá para o 2014, quando essa disciplina estava sendo dada, estava acontecendo picos, terremotos muito fortes que realmente comprometiam e rachavam as casas, e essas pessoas pediam então ao governo uma compensação pelo dano feito às casas, porque o governo deu a concessão, autorizou a empresa a explorar esse espaço sem preocupar com esse tipo de impacto ambiental, e o governo inicialmente falou "o problema não é meu, o problema é com a empresa", ou "nós não temos nada a ver com isso, é um desastre natural", então até ficar provado que aquilo tinha sido causado pela extração de gás, demorou um tempo e gerou toda uma controvérsia política, e aí os estudantes ao estudar essa questão perceberam que a participação dos não humanos na controvérsia era fundamental, o que seria não humanos? São atores que afetam a controvérsia, mas que não têm consciência própria, não conseguem entrar no debate como um ser humano faz, mas deveriam ser considerados também, como por exemplo, o próprio campo de gás é um não humano, a cidade é um não humano, a tecnologia de comunicação é um não humano, os sensores que mediram as vibrações sísmicas também são não humanos, e são fundamentais para gerar essa controvérsia, se não houvesse essa mensuração não seria possível averiguar qual a origem do terremoto, então os estudantes dessa disciplina fizeram uma intervenção não visando resolver a controvérsia, nem acabar com a controvérsia, pelo contrário, resolveram ajudar que as pessoas se manifestassem a respeito da controvérsia, então elas fizeram um muro portátil, todo rachado, levaram para o centro da cidade de Hroningen, onde acontecia o foco dos terremotos, colocaram buraquinhos no muro para que as pessoas inserissem comentários que elas quisessem levar para o poder público a respeito daquela questão, então eles fizeram uma analogia ao muro das lamentações em Israel e chamaram isso de "não fique mais falando contra o muro", então é uma espécie de um provérbio que nem a gente tem "dar muro em ponta de faca" em português, é a mesma coisa, não fique falando para um muro, em holandês, essa intervenção gerou aproximação do público naquela cidade, as pessoas vieram, participaram, colocaram os comentários, e teve até uma reportagem na televisão, no noticiário do estado, da província, lá, eles mostraram o trabalho dos estudantes e como eles estavam tentando promover o debate público de uma maneira criativa, rápida, divertida e ao mesmo tempo chamando a atenção para a problemática, sem se posicionar, diferentemente de outros ativistas políticos que iam lá e falavam "seja contra a extração do gás, acabe com a extração de gás", ao invés disso eles fizeram um tipo de ativismo que cria uma situação, um espaço agonista, ao invés de se colocarem como antagonista aquela situação. Como é que foi construída essa ideia? Bom, a gente fez vários experimentos, inicialmente dentro da universidade, para experimentar como envolver as pessoas, para discutir sobre o problema dos terremotos, e a gente fez até, simulou um terremoto utilizando o teatro do Primido em sala de aula, isso aqui é o terremoto acontecendo por conta da extração do gás, e aqui estão os atores diferentes simulados através do teatro, as pessoas simulavam aqueles atores e inclusive simulavam as tecnologias, às vezes como objetos, que não são exatamente essa tecnologia, mas é um objeto metafórico, ou às vezes as pessoas faziam o papel de objetos, ou de coisas. Então, durante esse processo de exploração e de aperfeiçoamento do design da coisa pública, havia uma certa oscilação entre a coisa pública ser um laboratório experimental e ser um parlamento onde se discutiam a questão pelas diferentes perspectivas, tal como se faz no parlamento. Então, a definição clássica do que é um design de coisa pública é um mix de laboratório e parlamento. Imaginar que você se transformar, por exemplo, a Câmara dos Vereadores num laboratório, além de ser um lugar onde se debate uma questão, é um lugar onde se faz experimentos, se coloca a mão na massa, e esse seria talvez o principal diferença que essa abordagem de design faz para as discussões sobre democracia de modo geral. Então, essa abordagem democrática do design é uma abordagem mão na massa. Você constrói coisas, você tenta, experimenta, não fica só debatendo. Agora, pulando para um outro projeto diferente, também na mesma disciplina, os estudantes estavam preocupados com o distanciamento da comunidade dos estudantes asiáticos dentro do campus da universidade. Os asiáticos normalmente não participavam das festas organizadas pelos holandeses e pelos outros imigrantes também. De modo geral, brasileiros, por exemplo, adoram as festas dos holandeses porque eles bebem muito, mas os asiáticos não gostam de beber. E eles têm até uma questão biológica, uma dificuldade biológica para digerir álcool que a gente não tem, mas eles não produzem certas enzimas. Então, eles ficam bêbados muito rápido e, às vezes, entram em comas bebendo coisa que vocês demorariam muito mais para entrar em coma. Então, é um problema sério para eles participarem de festas onde as pessoas basicamente só bebem. Eu mesmo não bebo muito, na verdade não bebo quase nada, e achavam um saco porque os holandeses bebem, nossa, é muito, eles bebem no café da manhã, começam o dia inteiro bebendo, é impressionante. E aí, as pessoas obviamente ficam bêbadas e chatas para quem não está bêbado. Então, realmente, eu também não ia muito nessas festas não, para ser bem sincero. Mas aí, ao invés de eles chegarem e falarem "as festas holandeses é chata, mudem holandeses", eles resolveram fazer um processo de co-criação, onde eles convidaram estudantes asiáticos e estudantes holandeses e resolveram propor a ideia de co-criar uma festa ideal para os dois, para eles chegarem numa espécie de mínimo denominador comum. E promover a integração, então, dos estudantes asiáticos que estavam isolados. E dentro desses processos de co-design, design participativo, os não humanos eram importantíssimos para perceber a materialidade das relações. Então, quando uma garrafa de cerveja é colocada numa mesa, ela não é só uma garrafa de cerveja colocada numa mesa, ela é uma relação, é uma materialização do distanciamento, porque ela faz o holandês ficar bêbado e ter um papo chato, um papo ruim que não interessa ao asiático. Então, na hora de fazer essa festa, eles resolveram colocar em evidência esses não humanos. Quantas cervejas poderia ser bebidas? Quantas é necessário beber para você poder ter uma sociabilidade bacana, que é uma coisa que os holandeses acham, sem cerveja, sem álcool, você não consegue ter uma conversa legal? Então, o que eles fizeram? Aqui é o momento que eles vão beber a cerveja e vão comparar com outro momento em que, em vez de colocar uma cerveja no centro da sociabilidade, eles colocavam objetos estranhos, sugestivos para os estudantes interagirem, discutirem e criarem ideias de como se relacionar. E isso foi muito certo, deu muito certo, eles chamaram de "dating with objects", namoro com objetos. E a gente teve uma festa muito bacana, foi um momento especialmente importante para mim de ver a humildade do professor Pelen, que é esse senhorzinho que está aqui, enfim, um dos fundadores da área, uma pessoa super conhecida com uma alta reputação, sentado no chão, trocando ideias com os alunos ali e participando de toda essa dinâmica maluca que foi criada. Vou passar para outro projeto agora, é um projeto que envolve um contexto de um DIC, que é essa elevação aqui de terra, para proteger esse lado do território da inundação que pode vir de um rio que está passando aqui do lado. Esse DIC precisava ser renovado e elevado, porque eles estavam com medo do nível da elevação do mar e tudo mais, acho que 60% do território holandês está aí abaixo do nível do mar, é uma coisa bizarra, mas está ficando cada vez pior. Eles estão elevando os DICs de tanto em tanto tempo e para financiar a elevação desses DICs eles consideravam a possibilidade da iniciativa privada colocar dinheiro e para o outro lado explorar aquele território como se fosse um parque de diversões, ou construir prédio, construir casa em cima do DIC, então eles estavam pensando nessas possibilidades. Só que daí eles não estavam considerando muito a perspectiva do rio a respeito do projeto, ou a perspectiva do próprio DIC, que são os tais dos não humanos, então muitas vezes era negligenciado isso. Nesse projeto de coisa pública, eu e uma colega, nós desenvolvemos uma visualização dos dilemas que aquele projeto tinha que enfrentar, porque eles sabiam que tinham consequências negativas e positivas de várias ideias, mas não sabiam quais eram essas consequências. Então eles mapearam todas as ideias de funções possíveis que estavam sendo consideradas para o DIC e toda vez que uma função era positiva para o DIC, era feita uma cordinha amarrada no DIC que é representado por essa pedra. Então essa pedra representou o não humano que é o lado da natureza, digamos assim, o lado que é importante, que tem muita força, muito poder, mas é imprevisível e que pode a qualquer momento estar falhando. Então para mostrar que aquilo ali não era uma decisão apenas abstrata, do tipo qual que vai ter a melhor eficiência, digamos assim, econômica, a gente resolveu colocar essa pedra que a gente catou no lixo da nossa diversidade, tipo alguém tinha jogado isso e a gente viu, a gente poderia botar isso aqui lá no nosso cubo, que a gente estava chamando o cubo dos dilemas, e veio essa ideia. Então na verdade o não humano, a pedra deu a ideia para a gente, na verdade tecnicamente não a pedra, é um pedaço de concreto, esse pedaço de concreto nos deu essa ideia, ele falou com a gente. Então uma das ideias básicas do design de coisas públicas é a gente tem que ouvir os não humanos, ouvir não de maneira literal, você pode ouvir aquilo que o não humano te diz na sua história. Então na história da Holanda teve vários desastres cheios que mataram milhares de pessoas, então por isso a ameaça disso acontecer é muito importante e motiva os holandeses a perceber que a segurança do DIC era a prioridade desse projeto, e por isso foi posicionado exatamente no meio, se por acaso fosse feita alguma ligação negativa em relação ao DIC através da linha vermelha aqui por exemplo, nessa estágio não aconteceu, mas se fosse acontecer isso imediatamente aquela função provavelmente seria descartada. Isso aqui é o diagrama final, como vocês podem ver já tem alguns fios vermelhos, e aqui estão os atores humanos considerados, acho que aqui tem representantes da associação comercial, tem pessoas de uma prefeitura, de uma cidade, de uma outra cidade que também é afetada, e eu não me lembro exatamente todos eles, mas basicamente as pessoas que vão sentar na mesa e tomar decisões sobre como vai ser esse tal desse DIC. Então ao compreender a perspectiva que cada ator tinha inclusive dos não humanos, foi muito mais fácil para eles tomarem a decisão e deliberarem sobre como seria a função desse DIC. Então antes de fazer essa coisa pública eles não tinham noção completa de que aquele ator por exemplo achava que essa função teria um impacto negativo no DIC, porque não sabiam, não conheciam essa perspectiva. Então isso é uma das coisas mais interessantes da coisa pública, ela permite que você conheça as diferentes perspectivas em torno de uma questão pública, uma questão controversa que ninguém ainda tinha mapeado, e assim você possa tomar decisão em grupo, saber quem vai estar satisfeito ou insatisfeito com aquela decisão. A deliberação, quando bem sucedida, ela vai estabelecer um coletivo, um cultivo coletivo de um bem comum. Aqui é um outro projeto, esse é um projeto que tem mais a ver com a nossa realidade aqui na universidade, que é um design lab, é uma coisa que eu e o André, outros professores aqui, estamos imaginando para o futuro aqui no DADIN. A gente tem um espaço onde a gente possa receber vários atores da sociedade e da própria universidade para co-criar projetos, experimentos e ideias que sejam de benefício e interesse público. O design lab foi fundado na universidade Twente e um dos primeiros cursos que foi oferecido lá foi justamente esse curso do professor Pelén, então não é por acaso. Só que tinha um problema, o design lab já existia há seis meses e ele quase não tinha sido utilizado até aquele momento, para quase nada, a não ser os estudantes que iam lá usar o espaço para fazer trabalho porque era mais calmo e tranquilo, não tinha tanto barulho. Esse era uma subutilização do espaço, então os estudantes resolveram criar vários eventos para discutir como que aquele design lab poderia ser apropriado por aquela comunidade acadêmica e a comunidade expandida da universidade que incluía pessoas que não eram estudantes. E aí eles fizeram várias co-criações e nessa co-criação as pessoas começaram a estabelecer compromissos do tipo "ah, eu vou fazer isso, eu vou fazer aquilo, você faz isso, você faz aquilo, podemos organizar isso e esse outro evento". E aí lá pelas tantas os estudantes resolveram que precisavam ocupar o design lab, propuseram oficialmente para a organização da universidade que eles iam fazer uma noite de co-criação no design lab, iam utilizar todos os equipamentos para co-criar coisas bacanas num evento que seria marcante porque ele faria uma coisa que não é muito comum nessa universidade que é a atividade noturna, quebrando um pouco a lógica e a rotina da universidade, então era para passar a noite lá e beber enquanto estivesse criando. A universidade inicialmente por ser uma universidade de tradição e engenharia muito certinha negou e proibiu o evento, mas os estudantes resolveram ocupar o design lab sem autorização. E um dos estudantes era monitor do design lab e foi lá, abriu a porta e a pessoal trouxe bebida, trouxe tudo mais, só não puderam fazer uma fogueira lá dentro para não acender o protetor de incêndio, mas fizeram uma fogueira virtual com computador e a gente tocou violão na fogueira, cantamos e tal. Foi uma noite maravilhosa, vários experimentos foram feitos de co-criação, filmes, poesia, objetos malucos e saiu coisas muito legais que era basicamente para você mostrar que o design lab era um espaço que todo mundo poderia utilizar para criar. Era essa a proposta inicial, só que a universidade ainda não tinha conseguido comunicar isso, a gente fez isso na marra basicamente. O que aconteceu? O estudante que era monitor no dia seguinte foi suspenso da posição dele de monitor, a organização oficial ficou chateadíssima com o que tinha acontecido, mas depois de um tempo ao conversar com os outros professores que estavam por trás dessa disciplina como eu e ver o resultado disso aqui, voltaram atrás, trouxeram o estudante que tinha sido suspenso de volta, ele acabou sendo promovido e aí a universidade começou a organizar oficialmente a Makers Night, que é exatamente o conceito que a gente tinha criado lá atrás com o Guanabana, a gente chamou essa intervenção aqui de Guanabana. E aí o Makers Night virou oficial e cada duas semanas tem essa Makers Night, desde então, demorou um tempo para a universidade mastigar e assumir que tinha errado nessa questão, mas foi interessante porque a universidade percebeu que não adiantava só ter infraestrutura para co-criação, eles já tinham lá impressora 3D, 4D, 5D, 6D, sei lá o que, tinham tudo mais moderno que eles tinham copiado das outras universidades que eles visitaram como Stanford, MIT, Harvard. Eles têm recursos financeiros para fazer isso facilmente, foram milhares de euros investidos lá, porém eles não tinham meta-estrutura, meta-estrutura basicamente seria a ideologia que junta essas pessoas e que faz elas se sentirem parte de algo maior e quererem estar juntas para co-criarem e acreditar que ao fazer isso estão fazendo algo melhor do que co-criar sozinha. Então esse termo infraestrutura vem do design participativo, é uma questão que é discutida já desde a questão da coisa pública, mais ou menos os dez anos, e o meta-estrutura é uma descoberta recente que eu e o Matheus fizemos ao começar a olhar para esses casos, percebemos que não era só uma questão de infra, de criar infraestrutura invisível para as pessoas trabalharem, mas também de criar as meta-estruturas para elas pensarem juntas. Você gostaria de acrescentar algo sobre isso? Não, no momento não. Qualquer coisa fica à vontade, tá? Bom, isso aqui é um, isso aqui com certeza você talvez queira. É um diagrama que a gente publicou recentemente, na verdade você vai apresentar na semana que vem isso? Não, daqui a duas semanas. Dias e duas semanas ele vai para o Congresso de Trabalho Colaborativo Suportado por Computador, CSCW, no Rio de Janeiro, apresentar esse diagrama que é uma proposta de contribuição ao design participativo. Design participativo fala que as infraestruturas são construídas coletivamente através de ações infraestruturantes. No inglês eles usam o termo "infrastructuring", que no português não dá para traduzir diretamente. Porque a importância, que é a contribuição da pesquisa do Matheus, das ações meta-estruturantes, que são aquelas que são focadas nas meta-estruturas, seria isso. Seria tudo aquilo que está basicamente nas nossos sistemas culturais de compreensão do mundo, visão de mundo, o que a gente acredita e o que nos constitui enquanto coletivo. A identidade, por exemplo, a construção de identidade é a meta-estrutura. Aqui tem um exemplo de análise da plataforma Corais, que eu já comentei com vocês algumas vezes. Isso aqui é meio óbvio e fácil de perceber. O Matheus me perguntou lá no começo da pesquisa dele como é que você fazia para desenvolver a Corais. Eu falei que eu pegava módulos do Drupal, que é um framework de desenvolvimento de software livre, que me permitia configurar coisas sem saber programar muito, implementava na plataforma Corais para permitir que as pessoas interagissem de uma determinada maneira. Isso permitia que os projetos se desenvolvessem, os projetos que usavam a infraestrutura da plataforma Corais, e esses projetos em determinado momento começavam a exigir novas infraestruturas, ter novas demandas, o que me motivava a procurar novos módulos. E esse ciclo continuou por muitos anos, até o momento que o Drupal, esses módulos aqui começaram, eles pararam de ser atualizados. E esse ciclo parou porque não tem mais módulos do Drupal na versão 6 para utilizar. Teria que atualizar a plataforma inteira para passar para a versão 8 do Drupal, coisa que eu não tive recursos ainda para fazer, mas no futuro eu vou fazer um projeto de pesquisa para fazer o Corais 2.0. Agora, além disso, o Matheus descobriu que existiam outras ações importantes que estavam muito bem conectadas com essas infraestruturas, essas ações infraestruturantes, que é ação metaestruturante. Por exemplo, toda vez que era incluso um novo participante nessa comunidade já mudava a configuração cultural, novas ideias, novas pessoas. Aí tinha elaboração e contribuição dos projetos, a maneira como as pessoas organizavam o projeto também contribuía para a maneira como elas pensavam, se organizavam a respeito disso, a respeito do uso da plataforma, aí você tinha o compartilhamento do que era aprendido no projeto, que a gente chamava de código do design, a aprendizagem e mudança de status de usuários para designers, ou seja, todo mundo na plataforma é designer de uma certa maneira, e aí você tem até a escrita de um livro, que é o design livre que eu falei na semana passada, que foi escrito com várias pessoas usando a plataforma Corais. Então a gente está chamando essa camada de ideologia do design livre. A plataforma Corais se alimenta dessa ideologia, mas ela também alimenta a ideologia do design livre, e por isso ela existe hoje, depois de tantos anos, e depois a tecnologia está tão obsoleta, a gente parou de atualizar ela há mais ou menos uns quatro anos, e as pessoas continuam utilizando até hoje, são mais de 600 projetos, 6 mil usuários e tudo mais, graças a esse ciclo de retroalimentação entre infraestrutura e metaestrutura. E aí surge a emergência de um bem comum, algo que as pessoas querem manter coletivamente, e por isso que elas não saíram da Corais apesar da sua conjeto obsoleta, porque ali tem alguma coisa coletiva que foi construída a duras penas por várias pessoas, que aquelas pessoas se importam e querem manter para futuras gerações. Isso em inglês é commons, em português eu estou traduzindo como bem comum. Sobre isso, algo a acrescentar? A gente começou partindo da questão da superstrutura, depois do Alkos, que é o Alkos que fazia mais sentido, e a gente conseguiu encontrar que essa questão da metaestruturação era como que é o nome dela? Orly Kovzki. Ela acabou fazendo isso com base no Giles, na teoria da estruturação e tal, e é uma questão de tipo, como eu crio alguma coisa, eu vou lá e imponho algum tipo de regra, alguma coisa assim, e a partir disso as pessoas começam a moldar aquela estrutura que foi criada por uma pessoa que era de fora, e meio que foi tipo uma... ela não chega nesse nível de ideologia, dessa questão ideológica. Quando a pessoa não fala que é ideologia, aí que você pode desconfiar que é ideológico. Sendo que isso é bem tristíssimo nessas relações, porque se... pra você criar um projeto, qualquer tipo de coisa, já envolve ideologia, qualquer tipo de pensamento é ideológico. Então, o que tem a ver com nossa discussão aqui, que é importantíssimo, que o Matheus agora tocou, quando a gente está começando a discutir a ideologia do design através da escrita de um manifesto, talvez a gente queira também dar um próximo passo e pensar em infraestruturas para esses projetos sociais que a gente está visualizando, que a gente está vislumbrando com o nosso manifesto. Então, a gente percebeu um padrão bem interessante na literatura, que existiam estudos sobre ações infraestruturantes na área do design participativo, e existiam estudos sobre ações metaestruturantes na área de estudos organizacionais, mas esses duas áreas não se conversavam, porque aqui enfatizava-se apenas a ideologia enquanto uma imposição às pessoas dentro das organizações. E aqui enfatizava-se a ação infraestruturante enquanto apenas uma coisa bacana de infraestruturar as outras pessoas. Quando a gente juntou as duas coisas, infraestrutura e metaestrutura, a gente começou a perceber que existia uma retroalimentação, e às vezes uma ação infraestruturante, a lógica de uma ação infraestruturante, poderia também apoiar e direcionar a ação metaestruturante, fazendo com que a ideologia não fosse necessariamente uma imposição. Então aqui a infraestrutura é para dar liberdade, a ideologia também é para dar liberdade. Então a ideologia não é necessariamente uma coisa má nessa maneira como a gente está abordando o tema. Muita gente utiliza o termo ideologia, principalmente no senso comum, como uma coisa negativa que nos distancia da realidade, que faz com que a gente não veja o que é a realidade. Isso é um conceito mais comum e conhecido de ideologia, porém a gente, nessa perspectiva, vê que a ideologia é a maneira como a gente discute e pensa a realidade. Então, ideologia não está pronta, ela está sempre em transformação. Se você vê ela como um processo, você vai ver a ideologia como a construção da nossa visão de mundo, por exemplo. Então ela pode ser também uma área interessante para a incidência do design, tanto é que a gente está trabalhando já há algumas semanas com a ideia de criação de manifesto, que a gente considera isso como sendo importante para os projetos. Outra descoberta interessante que o Matheus fez é a ação desinfraestruturante, mas eu vou simplificar a nossa terminologia aqui para desestruturante, que eu acho que fica mais próximo do vocabulário comum, que basicamente é alguém que vai lá no meio de um processo coletivo e desmonta o que está acontecendo, muitas vezes por uma imposição de fundo egocêntrica. Tipo, alguém vai lá e fala "nós não vamos fazer isso porque eu não concordo, eu não vou querer concordar, e eu não estou disposto a negociar, e se não for assim, eu vou sair". Essa é uma posição que vai destruir uma construção coletiva de respeito mútuo e também de flexibilidade para aceitar posições dos outros. Então a ação desinstruturante, ela destrói o trabalho coletivo e coloca em risco a existência de um bem comum. Nesse caso aqui você quer contar a história do Ocean que está representada na imagem, aliás, vê se você já incorpora uma novidade que eu fiz aqui, eu tentei representar a ação desinfraestruturante, ou desinstruturante com uma flechinha vermelha, o teu diagrama não tinha, mas o que você acha? - O que eu achei da flecha? - Explica o conceito, o caso. - O caso é que nessa... talvez tinha explicado isso também, mas enfim, a Ocean Equileve era um coletivo que surgiu a partir de um outro coletivo autogestionário. Assim como vários outros, eles começaram a se reunir dentro da concha, e agora eu vou ter que explicar toda essa antropoteza. - Você já tinha explicado, na verdade, o que está na tela. - Tá, mas enfim, essa ação desinfraestruturante foi a seguinte, a Ocean Equileve tinha uma pessoa lá dentro que começou a me incomodar, sendo que era uma hierarquia horizontal, mas pelo auxílio da tecnologia ele acabou utilizando ela como dominação. Nesse caso ali, foi ela quem impôs algum tipo de linguagem visual, outras pessoas não tinham. É que foi muito surpresa. - Enfim, outras pessoas dentro do coletivo não tinham se manifestado visualmente, e esse cara foi lá e colocou essa ideia aqui, e de repente todo mundo foi concordando, eles tinham outras ideias de mascote e logo. - É só um dado interessante aqui, as pessoas estão colocando outras ideias aqui, só que elas não conseguem expressar visualmente as ideias delas, apenas em texto. Aí o que acontece, ao invés do cara incorporar as ideias que surgiram nos comentários aqui, teria que ter uma flechinha aqui. Só que aí o cara vem e tira a ideia da cabeça dele do nada, quer dizer, não trouxe das outras pessoas, então não tem flechinha de ação infraestruturante aqui. Tem na verdade uma ação desinfraestruturante, que ele vai na verdade desconstruir algumas relações aqui que estavam sendo construídas. - E conforme foi passando por frente essa imagem, chegou a um ponto que as contradições dentro do coletivo em convivência com os outros coletivos, foi tão agudizantes que em uma outra imagem acabou sendo reputante a ação desinfraestruturante. - Então, enquanto a gente convive com tensões e pequenas contradições na ação desinfraestruturante seria a reputação completa do... é, seria isso, né? Seria uma contradição tão aguda quanto de romper com essas tensões. Seria como se fosse uma malha e ele estava cortando. - Foi quando apresentaram uma outra... utilizaram da identidade visual deles em um outro cartaz e simplesmente mostraram o cartaz para eles e disseram "ah, a gente não está incluso aí", né? Dentro das tomadas de decisões que estão acontecendo. - E aí começou um grande... um grande... aboroso dentro da plataforma ali, né? Pelos comentários que a galera começou a debater muito, teve uma porrada de comentários... - Flamewar? - É, Flamewar. E no fim acabou matando o coletivo. - Se era uma arte, se vai se distanciar, só que também não... eles não conseguiram se proibir pela questão da ecologia do sistema, né? - É, eles só poderia existir o Oshkak Lab se ele tivesse em consonância, em colaboração com outro coletivo que era o Conchativo e mais alguns outros. - Como eles resolveram tensionar e se distanciar, acabaram minando a ideia da formação de um bem comum compartilhado entre esses vários coletivos. - Se eu fosse para ir pela perspectiva de ator-gêgico, o Fred estava tentando agora um pouco, do objeto e pessoas como vivem. - Se a gente imaginasse cada um desses como uma pessoa, como um ator, cada um desses coletivos como um ator, ele acabou não sendo... assim como o Dick, lá não tinham muitas coisas que eram negativas para ele e ele estava sendo negativo para os outros. E acabou sendo cortado demais. - Esse na verdade é um caso que a gente ainda está estudando, a análise ainda não está completa, mas também já foi publicado, quer dizer, publicado não foi aceito a publicação, você vai em novembro apresentar lá no Congresso Design de Formação, né? - E agora um outro projeto para finalizar os exemplos, desenvolvidos pela uma ONG que tem no Reino Unido chamada "Arquitetura sem Fronteiras", arquitetos sem fronteiras basicamente, ou arquiteturas sem fronteiras. Eles foram chamados por algumas outras ONGs que estavam trabalhando com a ameaça de relocação dos moradores de um conjunto habitacional no centro de Londres, que seria parcialmente demolido para construir um trem-bala, uma estação do trem-bala que ia ligar a Birmingham a Londres. Essas pessoas estavam muito preocupadas porque elas eram pobres, tinham pouco acesso a opções financeiras e culturais da cidade e elas perderiam isso se elas fossem relocadas para um lugar distante no subúrbio de Londres. E aí a gente resolveu fazer uma intervenção, esse grupo, eu estava participando como colaborador do grupo do arquiteto sem fronteiras, e a gente fez um espaço ocupado no jardim do condomínio, em que a gente perguntava se as pessoas gostariam de parar para tomar um pouquinho de chá e conversar a respeito da experiência de vida delas dentro desse conjunto para a gente mapear quais eram as dificuldades que as pessoas enfrentavam ao viver ali, quais eram as vantagens de viver ali e quais eram os tesouros, os valores sociais que seriam destruídos se as pessoas simplesmente mudassem para um outro lugar. Quais as relações que se perderiam? Depois a gente pegou toda essa coleta de dados, compilamos em alguns gráficos e infográficos e maneiras visuais de explicar o impacto social dessa obra, fizemos um evento público numa igreja organizado pela diocese, sei lá o nome daquele órgão lá, que conclamou a comunidade do bairro para vir participar do debate, oferecemos comida na porta da igreja e eu fui fanfletar. Todo mundo passava na rua, eu chamava, a pessoa falou "nossa, é bom nisso", eu falei "é que eu não tenho vergonha de chegar nas pessoas e ficar enchendo o saco, queria encher chato de vocês aqui em sala de aula". E aí esse evento foi convidado, representante da empresa que estava responsável pela empreiteira, que estava responsável pela linha de trem bala, HS2, um representante da prefeitura e representante da associação de moradores e o padre que era responsável pela, enfim, tinha um papel comunitário, acho que tinha uma ONG de responsabilidade social, os quatro debateram em público, o público conversou, questionou, no final das contas esse diálogo acabou permitindo que mais lá para frente, depois de alguns meses, a prefeitura concordasse que ao invés de realocar essas pessoas para um outro lado da cidade, que seria construído, chegou ao acordo de que era melhor acabar com os parquinhos daquele conjunto e construir novos conjuntos habitacionais para que essas pessoas não fossem despejadas daquele conjunto. Então a comunidade resolveu sacrificar um bem que ela tinha, um bem comum, para que essas outras pessoas não perdessem seus lares. Mas a linha de trem bala continuou, o projeto está rolando, porque 50 bilhões de euros, investimento muito grande, um poder muito grande, você não vai conseguir parar e dar uma curvinha ali no trem bala e de repente chega naquele "opa, diminuiu a velocidade, opa", não dá. Então o projeto de coisas públicas não termina nunca, pois na democracia uma coisa leva a outra. Então depois de todos esses projetos que eu mostrei para vocês, teve outras coisas diferentes que alguns a gente acompanhou, outras não acompanhamos, mas é basicamente você organizar uma coisa pública é você colocar em movimento esse processo, em evidência também para que aconteçam novas deliberações, novos momentos, novos encontros.