Então, minha fala hoje será sobre descolonização ou processo ativo de descolonizar, ou descolonizando o ateliê de projetos. Eu sou professor atualmente da área de design de serviços, design de experiências, e a gente, quando vai estudar, de onde vem isso, de onde vem design de experiências, muitas pessoas falam em Donald Norman. Eu já descobri que a primeira pessoa a usar esse termo design de experiências do usuário foi, na verdade, uma mulher, a Brenda Lorion, um livro editado pelo Norman em 1986, mas o design de experiências é mais antigo do que isso, assim quanto uma prática. Eu gostaria de destacar, então, o trabalho do John Dewey, pensando design de experiências na área de educação. Ele escreveu um livro traduzido para português pelo Anílson Teixeira, "Experiência e Educação", foi importante e inspirador até para a fundação da UIB e de outras universidades ao redor do mundo. Nesse livro, o Dewey coloca a experiência como uma fonte de problemas para o pensamento. Veja que o Paulo Freire também faz referência indireta ao Dewey, ou, às vezes, referência direta, quando fala que existe um saber de experiência feito. Porém, o Dewey estabelece nesse livro que existem experiências pobres e desconexas, que não vão necessariamente educar. Não é qualquer experiência que vale a pena. Então, ele teoriza essa experiência como algo que pode ser projetado, embora ele não use esse termo. Os educadores podem criar experiências ricas, que despertariam interesse por novas experiências, gerando um conhecimento cumulativo. Então, o critério básico e bem simples do Dewey é o seguinte. Se um estudante passa por uma experiência educacional e quer mais daquela experiência, ela foi uma experiência enriquecedora. Se, por acaso, ele experimenta aquilo e não se interessa por mais daquela experiência, isso significa que aquela experiência foi uma experiência desmotivadora, uma experiência chata, uma experiência que fechou o campo do conhecimento que existia naquela prática que o estudante poderia desenvolver. Então, notem que aqui já tem um pensamento de design de experiências. Quando a gente fala hoje cotidianamente que design de experiência é aquele que deve nos colocar no fluxo, para que a gente consiga se concentrar só na experiência e não se distrair com outras coisas, em termos filosóficos, a gente poderia já encontrar a raiz desse pensamento no trabalho do John Dewey. O John Dewey fundou algumas escolas inspiradas nos presentes Frugal, que foram criados por um pedagogo alemão no século XIX. E o Dewey ficou encantado que esses presentes, que na verdade eram uma série de blocos de madeira, de outras peças, permitiam que o estudante aprendesse geometria fazendo uma série de movimentos predeterminados. Era um brinquedo tão experimental quanto parece como a gente usa os blocos hoje em dia. No começo, você tinha que usar os blocos numa determinada ordem. Mas ao usar os blocos numa determinada ordem, supunha-se que o estudante pudesse, a criança, pudesse desenvolver a capacidade de abstração cada vez mais complexa. Portanto, os blocos mais simples eram dados para a criança primeiro. Mas o interessante é que o processo de aprendizagem envolvia esse manuseio do objeto, do material. Isso se torna a base dessa abordagem de educação para a experiência, que vai dar vários frutos, entre elas a aprendizagem baseada em problemas, mas na área do design, vai acabar inspirando, mais tarde, já nos anos 60, 70, um pesquisador chamado Donald Chong a olhar para o ateliê de projetos como uma espécie de modelo para a educação profissional para todas as outras áreas, porque ele acredita que existiria uma crise da formação do profissional em várias áreas. Nessa época, ele estava estudando formação de profissionais, e ele viu que na área de arquitetura, nas áreas de design relacionadas à arte, que tem essa origem na arte, elas já tinham uma outra maneira de se atualizar perante as dificuldades e movimentos que aconteciam na profissão. Era uma maneira mais fluida de atualização. Então, ele reconhece, nos estudos etnográficos que ele realiza no MIT, na Faculdade de Arquitetura, ele reconhece que os estudantes não são ensinados a fazer arquitetura. Não tem uma aula em que se ensina a fazer arquitetura desse jeito. Os professores de arquitetura ensinam colocando os estudantes em situação em que eles precisam pensar como arquiteto ou pensar como um designer, refletir na prática. Então, essa reflexão na ação, que o Donald Chong vai enfatizar nesse livro, "Educando o Profissional Reflexivo", é um processo em que você não para para refletir. Você não olha para o seu projeto e reflete. Não. Enquanto você está fazendo e produzindo, manuzinhando o seu material, você vai perceber que certas coisas não funcionam, não dão certo, não encaixam. Então, você muda. E essa mudança pode ser considerada uma produção de conhecimento. Um conhecimento que se dá em uma esfera descrita por outros autores como conhecimento tácito. Mas o interessante do Chong é que ele vai além do conhecimento tácito e vai mostrar que existe, sim, uma conceitualização no processo de criação manual. E que, às vezes, esse conceito é tanto físico quanto um conceito abstrato. Essa educação pela prática reflexiva, ela tem a sua origem na tradição dos ateliês de projetos ou também chamados de oficinas, em que, desde o renascentismo, você tinha artistas aprendendo com artistas mais experientes ou arquitetos aprendendo com arquitetos mais experientes. E, mais recentemente, os ateliês de projetos de desenho industrial de outras áreas. A unidade básica de aprendizagem nesses ateliês é o mestre e o aprendiz. Aquele que domina a prática, que tem aquele acumulado conhecimento tácito. E aquele aprendiz que vai observar, vai ver o artista mais experiente agir e tomar as suas decisões e vai, eventualmente, esse aprendiz copiar, mas também transformar, permitindo que essa prática evolua e se transforme. O conflito entre mestre e aprendiz e a superação do mestre pelo aprendiz fazia parte dessa dinâmica da evolução do conhecimento através dos ateliês de projetos. Porém, a partir do século XX, existe a formalização do ateliê de projetos como uma abordagem pedagógica dentro de escolas que adquiriam uma amplitude maior, uma escala maior de estudantes, visando também a produção de generalizações que serviriam para outras universidades, que serviriam para outras áreas, inclusive. Então, a Bauhaus e depois a UMM, na Alemanha, foram muito influentes em divulgar o ateliê de projetos, mas houveram várias outras. O ateliê de projetos, enquanto uma pedagogia específica do design, falando das áreas de projeto, de modo geral, incluindo arquitetura, acaba sendo responsável por consolidar essa disciplina ao redor do mundo. Na ESD, por exemplo, Escola Superior de Desenho Industrial fundada no Brasil na década de 60, a partir desse momento já se falava que design era uma profissão que você se fazia fazendo. Então, já não tem mais nem o aprender. Não é design se aprende fazendo, se faz fazendo, porque a aprendizagem design é um fazer por si só. É claro que existe toda uma série de discussão posterior na própria ESD a respeito das limitações do fazer e da eventual necessidade de um momento de reflexão sobre a ação, que é um momento posterior em que se, por exemplo, imputa criticamente aquilo que foi produzido num nível em que a reflexão na ação não permite. Então, essa perspectiva de que o ateliê de projetos é só um lugar para reflexão na ação, ela tem sido questionada posteriormente. Um dos autores na área de arquitetura que fez uma crítica muito interessante é o Jeremy Thiel. Ele escreveu um livro sobre a característica de contingência da arquitetura, de que tudo na arquitetura depende. Qual é a melhor maneira de projetar um prédio? Depende. Qual é a melhor maneira de formar um estudante de arquitetura? Depende. Por que depende? Porque é uma aprendizagem contingente. É um processo contingente. Então, você precisa estar naquele processo para você entender. Porém, ao colocar os estudantes nesse processo, os professores criam barreiras artificiais, situações artificiais que não são exatamente reais para legitimar a sua posição ou às vezes a sua visão do que deveria ser aquela profissão. Então, o ateliê de projetos acabou se degradando, se tornando um espaço de exercício de poder disciplinar, um espaço em que os professores não explicam o que querem para os estudantes e ainda assim se sentem à vontade de criticar impiedosamente os trabalhos dos estudantes nas sabatinas e bancas, nos design critiques, gerando situações como a síndrome de impostor, em que o estudante acha que ele não é bom o suficiente, nunca está bom porque nunca sabe o que é bom para o professor, uma vez que ele não fala o que é bom, quais são os critérios. Então, o ateliê de projetos não é exatamente uma proposta sem conflitos, uma proposta perfeita. Por outro lado, existem também movimentos de explosão do ateliê de projetos para além da disciplina de design. Por exemplo, embarcando iniciativas como a interdisciplinaridade, multidisciplinaridade e até mesmo a transdisciplinaridade, que é o caso deste exemplo que eu estou mostrando, o Design Lab fundado na Universidade de Twente em 2014, que é a universidade onde eu fiz o meu doutorado, que visava promover o pensamento projetual como uma forma de diálogo e construção coletiva entre diferentes áreas dessa universidade, principalmente conectando ciência com a sociedade, produção científica com a sociedade e design, ou melhor, o pensamento projetual visto como um meio para se chegar a essa conexão. Enfim, dentre todos esses autores que eu mostrei até aqui, aquele que elabora a crítica mais contundente da educação, da formação e design, e da própria prática profissional, é o professor Alberto Cipiñuc, da PUC do Rio de Janeiro. Ele coloca que, dentre várias críticas, que esse pensamento projetual, essa maneira específica que talvez designers têm e que outras não teriam, na verdade é mais um privilégio de quem se habituou a trabalhar em um campo social regido por práticas e gostos de uma classe social específica. Claro, está se baseando na teoria dos campos do Bourdier. Para a gente repensar o design como uma prática social, mas não do ponto de vista do social como um objeto, como algo que tem a ver apenas com o resultado da nossa atividade. Eu vou fazer um design social e o resultado vai ser social, portanto o design é social. Não, ele está muito mais preocupado em pensar criticamente a prática de design como um processo de produção social, e não uma criação individual, não um momento genioso, não um talento que pode ser adquirido ou pode ser algo de nascença. Então, através da crítica, esse livro que o professor Alberto Spilnik escreveu, a gente consegue perceber que existem vários elementos da prática social ignorados dentro do ateliê de projetos, justamente por não ter esses momentos de crítica, de reflexão sobre a ação suficientes. Bom, na minha parte, eu acho importantíssimo que haja esses momentos de crítica durante a ação, na ação, mas que essa crítica seja uma crítica mais profunda. Então, eu tenho pensado bastante como incluir essa crítica social no ateliê de projetos sem transformá-lo em um ateliê de textos acadêmicos, que o único resultado seja um texto, mas que seja possível usar o texto também como um meio para projetar e fazer coisas diferentes no nosso mundo. E aí, claro, faço referência também ao Paulo Freire, nosso patrônio da educação, porque Paulo Freire não separa teoria de prática, ele enfatiza muito o conceito da praxis. Mas no contexto da educação e design, o que eu gostaria de destacar é que a gente não pode considerar que conhecimento de design é algo estático, porque não faz sentido se a gente fala que a melhor maneira de aprender design é se fazendo. Se é fazendo, não é a maneira mais eficiente para você adquirir algo que está pronto. Por que você vai fazer algo que já está pronto? Se design se aprende fazendo, é porque o conhecimento não está pronto. Então, Paulo Freire tem muito mais a ver com a educação e design do que se pensa. Então, ele tem uma coisa interessante que ele fala lá pelas tantas, que existe um paradigma de educação bancária que deposita conteúdos prontos na cabeça do estudante como se fosse um objeto, algo objetivo, que eu pudesse botar o conhecimento, que não importasse se o estudante tem consciência de para que serve aquele conhecimento. Um dia pode ser que ele precise, aí sim ele vai tomar consciência do conhecimento que ele já tem. Para o Paulo Freire, o conhecimento depende da consciência. Se não há consciência, não é verdadeiro conhecimento. A consciência é o que produz o conhecimento de fato. Portanto, ele estimula os estudantes a olhar para o seu mundo, tomar consciência desse mundo e dessa maneira produzir conhecimento. Então, é um conhecimento de saber de experiência feito, como ressaltou a colega Alessandra. Mas, além do Paulo Freire, antes dele, um filósofo brasileiro pouco conhecido, ao qual o próprio Paulo Freire faz referência como sendo seu mestre, é o Álvaro Vieira Pinto, que tem um livro muito bom sobre educação, um excelente complemento ao "Pedagogia do Oprimido", que é o "Sete lições sobre a educação de adultos". Nesse livro, o Álvaro Vieira Pinto vai fundamentar muito mais claramente esse aspecto do fazer. Ele fala, inclusive, que o conhecimento precisa ser arrancado do mundo com as mãos. É um movimento manual. Mas, de maneira mais ampla, ele fala que esse processo de produção de conhecimento é um meio primário pelo qual a cultura se transmite. Mas também a maneira como a cultura se transforma de geração em geração, porque o fazer é transformador. Então, para o Vieira Pinto, a consciência não é só um produto da cultura. Eu não penso de um jeito brasileiro ou não penso de um jeito designer, porque eu faço parte dessa cultura, porque eu reproduzo essa cultura. Mas eu penso como designer, penso como brasileiro, porque estou produzindo essa cultura no momento que eu penso. A consciência é produtiva, é criativa, é fazedora, em Álvaro Vieira Pinto. Então, ele detalha um pouco mais esse conceito de conscientização, que é um dos elementos da pedagogia freiriana, mas que, em Álvaro Vieira Pinto, é um dos conceitos centrais de algo mais amplo, que seria uma nova teoria das ciências, uma teoria da tecnologia, teoria da técnica. Enfim, ele vai bem longe. E também uma teoria da cultura, que é o que eu estou destacando aqui. Então, se a gente precisa se conscientizar e a gente produz cultura, qual cultura nós queremos produzir ou continuar produzindo e aquelas que a gente quer parar de produzir? Para o Oswald de Andrade, que influenciou indiretamente Álvaro Vieira Pinto, estou retrocedendo aqui historicamente para mostrar a historicidade desse pensamento. Durante a Semana de Arte Moderna, ele foi um dos grandes organizadores do movimento, que pensava que a cultura brasileira não deveria ser uma mera cópia de culturas europeias, reproduzindo os padrões existentes. A gente precisava fazer uma cultura original. Depois de conversar com esses vários artistas que fizeram parte do movimento modernista, em 1928, ele funda uma revista de antropofagia junto com alguns colegas, em que ele vai realmente teorizar e também criar, com base nessa analogia, ou talvez metáfora, ou inspiração, do ato político que foi a deglutição do Bispo de Sardim, que foi uma missão portuguesa enviada ao Brasil no começo do século XVI, e que acabou resultando num grande banquete, um banquete, um ritual amoroso, de admiração daqueles portugueses que falavam de um jeito tão diferente, tinham roupas tão bonitas, e os indígenas queriam simplesmente incorporar a força, a beleza, a diferença daqueles portugueses dentro da sua trilha. Inspirado nesse movimento de antropofagia, o Oswald de Andrade vai iniciar toda uma toada, uma chave de produção cultural brasileira autêntica, que vai dar frutos como o próprio pensamento do Paulo Freire, do Vera Pinto, mas também da Tropicália, e mais recentemente, do movimento de cultura digital encabeçado pelo Gilberto Gil enquanto ministro da cultura dos anos 2000. Nessa época, a gente observava, o trabalho do Gilberto Gil se inspirava, e resolvemos, em algum momento, juntar pessoas interessadas em discutir cultura digital dentro do design de interação, nesse instituto que ficou sendo chamado de Faber-Gudes. Nós fundamos esse instituto, um grupo de educadores e praticantes, em 2007, desenvolvemos atividades pedagógicas, de pesquisa, de consultoria, tudo integrado, de 2007 a 2011, e muito inspirado por esse movimento da antropofagia, essa tentativa de incorporar essas tecnologias estrangeiras na nossa peculiaridade cultural brasileira, sempre fazendo as separações do que a gente queria manter e o que a gente não queria manter. Tem um artigo publicado num fórum interdisciplinar de design como processo, em 2012, que conta um pouco dessa história do que a gente chama hoje de ateliê antropofágico. Não é um ateliê de projetos que simplesmente reproduz padrões de fora, mas é um ateliê que nos projeta, enquanto pessoas, através do outro. A gente estendeu, trouxe esse ateliê antropofágico, talvez até reviveu ele, de 2015 a 2018, quando eu tive a oportunidade de trabalhar com o professor Rodrigo Freire Gonzato, e a gente fez, no curso de design digital, experimentos muito interessantes de você tentar materializar as relações de opressão nas interações com as tecnologias e perceber como a tecnologia amplia e, às vezes, reduz relações de opressão. Isso também está documentado num artigo chamado The Antropophagic Studio, publicado no periódico Digital Creativity. Muito interessante também como esse processo de fazer acaba sendo o veículo pelo qual a gente desenvolve essa reflexão, essa jornada teórica, com os nossos estudantes de design digital. E, mais recentemente, esse ateliê antropofágico continua na UTF-PR. Eu migrei para a UTF-PR desde então, e aqui nós temos pesquisado, por exemplo, lido o próprio manifesto antropófago do Oswald de Andrade, que tem um estudante lendo e declamando para a turma, e depois a gente construiu o nosso próprio manifesto através das diferentes percepções políticas que os estudantes de design tinham. Então, em vez de a gente, no momento de polarização política, tentar dizer "olha, quem está da esquerda está certo", a gente resolveu... "Quem é freiriano está certo". Não, a gente resolveu criar um tecido diverso que expressava justamente a possibilidade, na democracia, de discutir com o diferente e estar consolidando um todo que tem diferenças e que tem contradições, um todo que é monstruoso. E a gente descobriu aí uma chamada estética antropofágica, ou, desculpa, uma estética monstruosa, que é também uma estética antropofágica, mas vai além, porque afirma a identidade do outro. Em vez de incorporar o outro no mesmo, a estética monstruosa é o outro e continua sendo o outro, e o outro é diferente mesmo. Faz questão de mostrar essa diferença como algo positivo e não algo negativo, mesmo que gere algum tipo de aversão, a princípio, até pela alteridade, pela diferença. Então, preste atenção que eu vou tentar gerar uma experiência monstruosa, estética, aqui para vocês que estão vendo esses slides, com a apresentação da versão digital desse manifesto, que se chamou "Manifesto Design de Censo". Então, a gente tentou quebrar todas as regras de design que eram conhecidas nesse manifesto, inclusive produzido com uma ferramenta que não é uma ferramenta de design gráfico, é o Google Drive, a ferramenta de documentos do Google Drive. Por que essa ferramenta? Porque ela é a única que a gente conhecia ali, no momento que podia permitir a edição, a produção gráfica do texto por várias pessoas ao mesmo tempo. Algo importantíssimo numa democracia, algo importantíssimo num projeto democrático, num design participativo. As ferramentas de design, a maior parte delas são feitas com um design individualista. Você senta na frente do Photoshop e faz o projeto. Mas se você quer projetar coletivamente, como é que faz para várias pessoas colaborarem no Photoshop? Não é possível fazer isso de maneira síncrona e fluida. Portanto, nós usamos o Google Documentos como uma ferramenta de design participativo. Ela não é ideal para isso, mas justamente resolvemos enfatizar todas as dificuldades de fazer isso, de ter um projeto gráfico que não tinha um mentor por trás, que não tinha uma pessoa que dava a visão do todo, um diretor de arte. E isso era a mensagem escrita também. O texto vai falar várias coisas que vão questionar essa autoridade que o design se arroga para si de ser o único produtor de conhecimento sobre projetos. Isso é óbvio que faz parte de uma expressão, de uma discussão na prática da descolonização do pensamento projetual. Esse manifesto tem sido lido desde então em várias turmas subsequentes dessa mesma disciplina, inclusive de outras disciplinas. Aqui estamos nós, no começo de 2019, lendo esse manifesto, mas tivemos uma interrupção lamentável por conta da pandemia COVID-19, que gerou não só dificuldades e impactos no processo pedagógico, mas gerou a morte de mais de 100 pessoas e mais de 600 mil pessoas. Morte essa que muitas vezes é ignorada ou passada como sendo um número. Então, aqui fica o registro de que são pessoas, são existências que foram barradas e projetos que poderiam frutificar, que poderiam se conectar a outros projetos e gerar riqueza, gerar produção cultural incrível, uma perda de riqueza incrível para a nossa sociedade que infelizmente está sendo normalizada. Mas a pergunta que nos foi posta, ao invés de a gente resolver se engajar, a gente se engajou, não vou falar sobre isso agora, mas tem vários projetos de extensão relacionados ao COVID-19, mas a universidade nos pediu que voltem às aulas. Então, como praticar uma pedagogia crítica na educação remota e emergencial? Vários colegas que, inclusive, estão aqui assistindo essa live, gostaria de agradecer ao companheirismo de estar sempre juntos no momento que a gente mais precisa. A Rede Design e Opressão, fundada em 2020, justamente por educadores em várias universidades brasileiras querendo descobrir o que era pedagogia crítica e como isso poderia ter relevância para o design. A gente tem um artigo que está para ser publicado na conferência PIVO 2021, que vai contar essa história dessa rede. Eu vou fazer aqui um breve resumo do meu ponto de vista, como é que foi essa história. Enfim, nossa primeira ação foi abrir um grupo de leitura aberto, semanal, que hoje, desde então, já tem mais de 500 membros. Nós utilizamos a plataforma Discord por ser uma plataforma muito inclusiva para conexões precárias, por focar na transmissão via áudio e permitindo um diálogo mais fluido também, justamente por ter uma latência baixa. Além disso, permitindo até mesmo a interação via texto, bate-papo textual, para quem não tinha essa possibilidade de falar por não ter um microfone e por aí vai. Esses grupos de estudos gerou conhecimentos muito interessantes que a gente quis compartilhar com quem não participava do grupo de estudos e a gente começou a gravar, transmitir lives como essa, mas discutindo a relevância desses autores que nós estávamos lendo no grupo, como, por exemplo, Paulo Freire. O que tem a ver com design? O Frantz Fanon, que é uma das inspirações para o Freire. O que tem a ver com design? Ou mesmo a Bell Hooks, Augusto Boal e vários outros que a gente estudou, mas que a gente ainda não gravou lives. Essas lives foram vistas por várias pessoas e são documentos que sintetizam esse saber de experiência feita por um grupo que está fazendo conhecimento e não só lendo. Em determinados momentos fizemos vários experimentos práticos, como, por exemplo, a criação de imagens, teatro de imagens, usando o Magic Poser, que é uma ferramenta de auxílio ao desenho, de observação, você cria lá um bonequinho e desenha, praticar ilustração, mas a gente usou essa ferramenta para fazer essa expressão corporal que, na comunicação via áudio ou mesmo por webcam, ela fica prejudicada. Então aqui nós temos uma imagem do chamado design sentado no usuário ou na usuária. E ali do lado direito você tem as usuárias se revoltando contra designers como parte de uma discussão sobre relações de poder e a implicação de designers numa relação de opressão específica, que a gente tem chamado de usuarismo. Voltando para o TFPR, a gente fica vaca fria. Como é que você faz pedagogia crítica numa educação remota e emergencial que é regida por uma série de legislações específicas da universidade, que inicialmente eram muito excluentes. A gente imediatamente passou para a educação remota e emergencial sem nenhum período de adaptação, foi uma zona no primeiro mês. A reitoria tentou impor isso, mas acabou havendo muita pressão dos estudantes e professores e a gente fez uma pesquisa interna e levantou que 32% dos estudantes não estavam conseguindo acompanhar essas aulas remotas síncronas. Então o modelo adotado depois de quase um ano, uma eleição de reitor, muitas discussões políticas na universidade para conseguir mudar o nosso modelo para um modelo que enfatizasse a possibilidade de interações assíncronas, porque essas são as mais inclusivas na educação remota e emergencial. Então o modelo adotado a partir de 2021 é de 70% assíncrono no máximo, ou menos, caso os professores quisessem. Mas mesmo assim o ponto principal é que os estudantes não eram obrigados a comparecer, não tem contagem de presença. Esse registro de presença permitiu então que os estudantes pudessem acompanhar a disciplina, por exemplo, estando doentes ou não podendo atender à disciplina numa determinada semana, mas na outra poderiam voltar e por outro lado os professores podiam escolher a plataforma de ensino mais adequada, incluindo o próprio Discord. Então também houve a suspensão de deslegamento por reprovações e aí eu tentei adaptar isso para a disciplina de criatividade usando jogos surrealistas no Discord como método paranoico crítico. Coloquei uma imagem do Paulo Freire e pedi para os estudantes imaginarem o que estava escondido nessa imagem, vejam as brincadeiras que os estudantes fazem vendo, por exemplo, cenas de terror nessa imagem e aí expressando o que está no subconsciente desses estudantes, de que Paulo Freire ou de que velhos são pessoas perigosas e isso vai gerando um movimento entre os estudantes que acabou criando a situação mais terrível da minha carreira, eu não sei exatamente nem deglutir isso direito, que foi uma crítica, porque os estudantes queriam mais encontros síncronos como esse. Eles falaram "é insuficiente, eu usei a nossa política da universidade 30% assíncrono, porque eu sabia que com uma turma super lotada, normalmente é 25 alunos, mas na pandemia eles falaram "não tem limite de sala de aula, podemos botar 50". E aí o que acontece é que era estudante demais para o professor lidar e fazer aula prática e organização de grupos, enfim, a gente tentou fazer isso no Discord e não foram todos os 50 alunos conseguindo participar, foram apenas 30. Então eu mencionei, a gente tem um foco nas interações assíncronas, mas os estudantes não gostaram, se revoltam. E acabaram conseguindo convencer a coordenação, a chefia e até mesmo o centro acadêmico de que eu era um professor muito opressor, de extrema esquerda, e que isso era um problema seríssimo para os estudantes, logo eu fui eliminado do curso de tecnologia e design gráfico na universidade. Tecnológicamente não estou mais dando aula por conta dessa tentativa de ser inclusivo e de ter pessoas que não acham que deveriam ser inclusivo, porque quem pode acessar tem que ter o privilégio de ter a melhor interação. Enfim, vejam como que era a interação assíncrona, para vocês verem que não era tão ruim assim. Claro, não é o ideal, não é a mesma coisa que você ter uma interação síncrona, mas é o melhor que dá para fazer e o mais inclusivo. Vejam, na primeira semana os estudantes escolhiam um objeto da sua casa que eles poderiam produzir dez alternativos de esboço, eles tiravam uma foto, enviavam para o módulo de laboratório de avaliação do Moodle, os outros estudantes faziam a avaliação uns aos outros, usando critérios como a exploração do espaço de possibilidades, quão diferentes são as ideias. E na terceira semana o professor lia as avaliações e envia os trabalhos dos estudantes e fazia correções nas notas, inclusive valorizando, recorrigindo avaliações injustas, por exemplo. Um trabalho muito grande para você fazer isso para 50 estudantes, mas que a gente fez em vários momentos durante a disciplina e os estudantes, enfim, não gostaram disso. Mas outros estudantes e outras turmas gostaram muito dessa abordagem assíncrona, por exemplo, na disciplina de editoração, foi muito bem recebido, a gente utiliza os encontros síncronos exclusivamente para dialogar, enquanto aulas síncronas são usadas para monologar. E aqui a gente vê um diálogo sobre esse manifesto de design de censo com o estudante de editoração, aqui a gente vê os monólogos de aulas gravadas, não só do professor, como também áudio gravado por outros estudantes que eu orientei, que eu conheci em algum momento e que tinha algo a acrescentar para os estudantes. Nesse caso, é um estudante que tinha pesquisado justamente projeto editorial participativo, eu coloquei o TCC para a leitura, mas pedi para a estudante falar sobre a experiência concreta dela com as próprias palavras e a concretude maior que a voz nos permite. O resultado dessa disciplina é fenomenal, vários livros muito bacanas sobre pessoas oprimidas, a proposta era essa, e livros produzidos sem uma aula síncrona, praticamente. As aulas síncronas foram dedicadas ao debate. Então os estudantes adquiriram todo o conhecimento técnico que uma universidade tecnológica espera que o estudante tenha. Até mais, porque a motivação foi muito grande para produzir esses livros e falar aquelas coisas que estão engasgadas ou na sua própria garganta ou engasgadas na garganta de outras pessoas, porque esses livros poderiam ser escritos com coletivos, não só com os estudantes, a gente está agora negociando a possibilidade de publicação desses livros, inclusive a professora Alessandra deu uma dica de uma editora que a gente vai conversar, que é a BIOC, estavam justamente procurando quem quer publicar livros que tragam perspectivas de pessoas oprimidas. Então esse é outro aspecto importantíssimo também, é que esses livros são todos produzidos com software livre, porque software livre não exige que o estudante instale pirata no computador, muitos professores tiveram que recorrer à pirataria, eu até entendo, mas eu acredito que o software livre hoje para a produção editorial é suficiente, GIMP, LibreOffice, Scribus, Inkscape são plenamente suficientes. Aí tem a questão do tal do Canva, que não é um software livre, é um software proprietário, mas é gratuito, roda no navegador. Muitos estudantes utilizaram, a gente viu que o resultado era a produção colonial, uma estética colonial, que os estudantes acabavam reproduzindo um livro, por exemplo, sobre machismo, mas que era todo com padrões visuais machistas, que enfatizavam, por exemplo, a mulher como sendo uma princesa, com cores delicadas, a gente discutiu criticamente sobre esses vieses que o Canva trazia, não foi proibido, mas foi desencorajado ou pelo menos encorajada a crítica do uso dessa ferramenta. E por fim, quem podia produzir manualmente os livros, podia fazer isso em casa, e temos um exemplo muito interessante de um livro dobradura escrito por uma estudante que quer discutir o racismo amarelo, o racismo contra pessoas asiáticas, que expressa materialmente, através de fazer, essa angústia que ela sente. Bom, hoje em dia temos pensado bastante como conectar esse ensino crítico com a extensão crítica, e junto com outros colegas da UTF-PR, como o professor Marco Mazzarotto, a professora Cláudia Bordin, nós fundamos o laboratório de design contra opressões, o LADO, que é um projeto de extensão que conecta todos os outros projetos que a gente tem desenvolvido e de outros futuros que a gente vai desenvolver. A gente tem uma discussão de que o projeto do LADO não é necessariamente um projeto de design, mas é o design contra a opressão. Então, esse design contra a opressão pode não ser um design reconhecido como design. Então, refletindo sobre o processo de descolonização do ateliê de projetos, para o LADO isso significa reconhecer que já existem projetos fora da universidade, existem projetos fora dos escritórios de design, e eles não são reconhecidos necessariamente como tal. E aí a gente faz referência a uma experiência mais antiga que eu tenho desenvolvido com muitos coletivos espalhados ao redor do Brasil, mas especialmente no norte e nordeste do Brasil, que é a plataforma Corais, que é utilizada pelo movimento de cultura digital, que eu poderia chamar de um grande espaço para desenvolver ateliê de projetos. Nós estamos compilando essa experiência ao longo de 10 anos na plataforma Corais, mas está para sair um livro intitulado Educação Crítica, Paulo Freire e Design de Interação, em que a minha colega professora Cláudia Bordin descreve justamente de onde saiu a plataforma Corais, que foi o Instituto Faber-Ludens, um processo de inovação aberta, e uma abertura também para pedagogias críticas e outros modos de ver o mundo. Então nesse livro que está para ser publicado pela editora APRIS, a professora Cláudia conta essa história e faz apontamentos muito importantes a partir da tese de doutorado dela sobre pedagogia crítica nessa área que a gente atua, que é o design de interação. Gente, muito, muito obrigado até aqui, e agora gostaria de participar do diálogo se ainda houver tempo para isso. Perdoe se eu passei um pouquinho do tempo.