Então o tema da aula de hoje é como fazer descobertas na pesquisa de experiências. Bom, o que seria uma descoberta? Olha, descobrir, a palavra é bem clara se você olhar na origem etimológica, né? Descobrir não é encontrar uma realidade já conhecida, tá? Descobrir é tirar a cobertura de uma realidade desconhecida. Então descobrir é você ir num lugar que nunca foi visto ainda por ninguém, descobrir um assunto, descobrir uma característica da realidade que ninguém tinha percebido ainda, que estava coberta. Então descobrir é o contrário de cobrir, tá? Então peguem isso para não se confundirem e tentarem buscar descobertas, e não só confirmar aquilo que você já sabia, tá? Então vejam, a história da ciência e das ciências, ela é pontuada, ela é impulsionada pelas grandes descobertas. Mas essas descobertas raramente acontecem com uma intenção muito clara, com um planejamento muito bem definido, com um conhecimento prévio, tá? Se você já sabia o que você iria encontrar e você encontrou o que você sabia, não é uma descoberta, é uma confirmação, tá? Aqui tem um exemplo da descoberta científica da pólvora. Os alquimistas chineses, eles faziam vários experimentos com materiais diversos que eles coletavam, faziam experimentos transformando os materiais químicos até eles terem uma certa pureza, depois misturavam e viu que dava, de repente um dia explodiu, pá! Uma mistura de componentes. Aí que eles foram estudar quais os componentes que explodem e chegaram à conclusão de que misturando enxofre com salitre de uma determinada maneira provocava explosão, foi o início da descoberta da pólvora, que depois foi aperfeiçoada, houveram algumas modificações, tá? Foi uma descoberta feita lá no século IX que causou uma mudança profunda na geopolítica, né? Criando uma diferença de forças muito grande entre os povos que dominavam a pólvora e podiam, portanto, queimar ou lançar projéteis sobre os seus inimigos em guerras, né? Então vejam como a descoberta ela tem essa característica de abrir uma possibilidade pra uma realidade em que a guerra se torna uma indústria, a guerra se torna não só um enfrentamento de indivíduos, mas um enfrentamento de povos, né? Agora esse acaso que normalmente é atribuído à descoberta da pólvora e em várias outras, ele não é completamente uma coisa não intencional, tá? Ele é um acontecimento fortuito, quer dizer o seguinte, que tem uma certa sorte ali pra acontecer a descoberta, mas são possibilidades esperadas, mesmo que vagamente, é uma contradição, paradoxo, você esperar o inesperado, mas é exatamente isso que faz um bom pesquisador. Então um bom pesquisador, pesquisadora, você se joga num horizonte de possibilidades desconhecidas, mas você sabe que pode acontecer alguma coisa ali, mas pode também não acontecer, tá? Então esse exercício de se jogar demonstra que a descoberta é intencional, só que ela não é de todo conhecida previamente, existe certamente muitas incertezas em torno de qualquer descoberta. No caso do design, a pesquisa em design e especificamente a pesquisa sobre a experiência do usuário, ela já abre por si só uma série de possibilidades, quando você sai do ateliê, ou sai da universidade, sai da sua casa e vai para um ambiente onde tem pessoas usando produtos, ou fazendo qualquer coisa do seu dia a dia que não tem nada a ver com seu trabalho diretamente de produção, de criação, de projeto, quando você abre a sua cabeça, abre a sua experiência para interagir com a experiência do usuário, quer dizer, a experiência do design se transformando a partir da experiência do usuário, você está se colocando numa condição em que você pode fazer uma descoberta. Então, se você quer descobrir alguma coisa nova, você precisa afundar na realidade que você está estudando, entrando em contato com os mais diversos materiais possíveis, assim como os alquimistas para entender a realidade dos materiais, ou melhor dizendo, a realidade química do nosso mundo, eles precisavam afundar nessa realidade, coletando, armazenando, colecionando os mais diferentes tipos de componentes minerais, vegetais, que eles podiam e misturar para ver o que acontecia. No caso da pesquisa de experiência, qual é o material básico a ser manipulado, transformado? É o chamado dado, o data em inglês. Inclusive, tem alguns pesquisadores que comentam que hoje em dia o dado é o material mais valioso da nossa economia, substituindo o petróleo. Se você faz uma analogia entre a indústria, o período moderno industrial, em que o petróleo é predominantemente a matéria-prima mais valorizada, o mais importante, o comódio difundante, digamos, dessa economia, não é o mais caro, mas certamente é o mais importante, é aquele que quando modifica o preço, causa efeitos, rastilho de póver em várias economias, no caso da nossa economia pós-industrial, que ainda não se estabeleceu completamente, seriam os dados. Os dados que são coletados, por exemplo, através de aplicativos, através de redes sociais, através de sensores espalhados por uma cidade, no caso de uma câmera que registra o seu movimento, mas também analisa o seu movimento e identifica a sua raça, classe, etnia, com base na sua aparência, e utiliza isso como um dado de movimentação do público naquele ambiente. Esses dados podem se tornar talvez o comódio mais importante da nossa economia, isso é um debate que ainda não está bem estabelecido. De qualquer forma, a área de pesquisa de experiência já se antecipou e já considera que esse tipo de material mais importante de ser dominado do que os materiais que se estudavam no design de produto, por exemplo, madeira, metal, vidro, a Bauhaus tinha um currículo em torno dos materiais. Se a gente for pensar um currículo em torno dos materiais que são mais relevantes para nossa economia atual, certamente os dados deveriam aparecer. Essa é uma discussão que ainda é muito incipiente aqui no nosso curso, mas que eu estou trazendo para vocês de maneira preliminar nessa disciplina de metodologia da pesquisa. Para lidar com os dados é uma maneira de você gerar valor que não é um valor meramente de troca, aquele valor que você vai levar, por exemplo, à mesa de madeira e vai vender ela por tantos reais quanto ela vale naquele mercado de venda de mesa. Não, isso aqui é um valor de uso, porque o dado, na medida que você consome ele, você usa o dado, você aprende alguma coisa, gera uma informação, essa informação pode se tornar um conhecimento, e esse conhecimento pode se tornar uma sabedoria, se for reunidos. Lembram do meme que a gente discutiu algumas aulas passadas sobre uma teoria do conhecimento que influencia bastante o design de experiências? Esse aqui é um diagrama do primeiro livro sobre o design de experiências publicado em 2001, e ele coloca que essa junção de dados para gerar informações, para gerar conhecimentos, para gerar sabedoria é o processo de transformação mais importante dessa disciplina. Vão haver outras teorias do design de experiências, para mim nem é o mais importante isso hoje em dia, de qualquer forma existe essa conceituação de que o dado não é uma informação, vocês precisam sacar isso também e saber fazer essa consolidação de dados para gerar informações relevantes. Então, como eu dizia, dados podem ser adquiridos de diversas fontes, o mais importante não é você ter muitos dados, uma quantidade absurda de dados, como muitas vezes acontece quando se tem uma postura industrial, quanto mais dados melhor, quanto mais petróleo melhor, no caso do dado ele não é igual como qualquer petróleo é, petróleo é sempre igual praticamente, vai ter algum nível de impureza, mas a variação qualitativa do dado é muito grande, existem dados que são relevantes, dados irrelevantes, e o dado irrelevante pode se tornar relevante se você conectar com outros dados, então essa triangulação que corresponde a essas conexões, são justamente os processos pelo qual o dado adquire seu valor na sociedade, sem triangulação o dado não tem valor, ele não é informação, é a triangulação que transforma o dado em informação. Então vejam, numa pesquisa de experiências você pode obter dados observando usuários, essa talvez seja a maneira mais conhecida, mais praticada, mas você pode também ouvir usuários falando das experiências passadas, os relatos, entrevista é um método muito utilizado em pesquisa de experiências que adquire dados a partir de relatos, mas o relato não é a mesma coisa que uma observação, uma coisa que uma pessoa fala durante uma entrevista pode não corresponder ao que ela realmente faz, ou fez, ou vai fazer, portanto a observação é muito interessante triangular com o relato, até para contrapor ou então para interpretar algo que ficou faltando no relato, ou que ficou faltando na observação, mas a pesquisa de experiências também inclui em menor grau, mas eu imagino que deveria aumentar na verdade esse grau, a triangulação com outras fontes como a consulta de documentos, por exemplo, o website na internet que você consultou, tipo o site que a pessoa, o usuário, visita várias e várias vezes e tudo mais, é um documento aquilo que você vai utilizar como referência, você também pode ter rastreadores, se você estiver observando usuários dentro de uma plataforma a qual você tem acesso às estatísticas de uso, rastreador é isso, é um mecanismo que coleta onde que as pessoas clicaram, para onde elas foram, qual o caminho que elas tiveram, o mais famoso é o Google Analytics, isso dá para fazer também no nível físico, através de sensores, como eu mencionei, as câmeras que estão espalhadas pelas cidades, ou então sensores de movimento específicos, ou sensores de som, sensores de temperatura e por aí vai, você pode focar tanto nos dados que vêm de corpos específicos de usuários como dados coletivos, como o som gerado pela multidão, por exemplo, dentro de um estádio de futebol, isso pode ser um dado interessante para você estudar, por exemplo, a experiência de assistir a um jogo de futebol, pode ser um momento em que há uma maior excitação da arquibancada, da torcida, e você pode usar sensores como um recurso interessante, é algo que ainda é pouco explorado, mas eu imagino que na medida em que esses sensores se tornem mais baratos, mais acessíveis, e por outro lado, os designers que fazem pesquisa de experiência se tornam mais conscientes das possibilidades que esses sensores oferecem, são métodos que vão ser mais utilizados. E por fim, o método mais usado, mais conhecido, mais batido, que é você pesquisar aquilo que já está publicado nas referências acadêmicas, nos artigos científicos, periódicos, tudo mais, a literatura, que muitas vezes não tem um nível de detalhamento e especificidade conforme você já deve ter pesquisado, é difícil encontrar um artigo que fale sobre experiências, porque não é uma área que ainda tenha uma produção científica muito grande. Eu esqueci de mencionar a fonte de dado participação, que também é importante e diferente da observação. Observar é você distanciadamente com a mosca na parede, usando o método tipo shadowing, sombreamento, vendo uma pessoa fazendo uma atividade e não interferindo. Outra coisa é você fazer parte dessa atividade, método de observação participante, design participativo, etnografia participativa, tem vários nomes, mas você realmente passar pela experiência em primeira pessoa e usar os seus sentidos diretamente para coletar dados. O relato está ligado para participação também. Como? O relato. O relato pode estar ligado com a participação, você pode triangular qualquer um desses com qualquer um desses, só essas linhas que estão aqui são só exemplos. Então você deve, na verdade, quanto mais triangular, a triangulação basicamente é o seguinte, eu recebi um dado de um documento, eu quero ver se esse documento corresponde à realidade, então eu vou perguntar para a pessoa numa entrevista e pode ser que ela me diga algo que ainda me deixe curioso, aí eu quero observar para ver se realmente acontece. Observer aconteceu, como é que é isso em primeira pessoa? Vou lá e faço uma participação. Então você pode, claro, se tiver tempo, eu acho que para essa disciplina vocês não vão ter muito tempo para triangular muita coisa, mas se sabendo usar esse mecanismo, vocês podem usar isso para uma futura pesquisa, por exemplo, de TCC, em que você tem mais tempo para triangular os dados. Agora, se vocês só usarem uma única fonte de dados, vocês vão acontecer o que acontece com a maioria dos pesquisadores iniciantes, que eles chegam a conclusões muito rápido a partir de uma única fonte de dados. Eles acabam não fazendo nenhuma descoberta, eles apenas confirmam as suas hipóteses, aquilo que eles já sabiam. Então a triangulação de dados cria uma oportunidade para que a sua pesquisa seja criticada, para que os seus pontos de partida sejam questionados, para que você coloque, digamos, o seu preconceito ou talvez a sua premissa básica em risco. Pode ser que ela tenha que ser revisada. Então assim como nesse meme você tem a pergunta, por favor mude a minha perspectiva, mude a minha maneira de pensar sobre isso, vocês têm que criar algum recurso para uma pesquisa ser bem confiável que permita falsificar suas hipóteses, ou seja, você descobrir que não era aquilo que você estava imaginando. Se você não tiver nenhum recurso e a triangulação de dados é um deles, tem outros recursos, não vou mencionar aqui, você vai simplesmente encontrar aquilo que já era sabido, não vai fazer descobertas. Então, além de você desconfirmar hipóteses, essa triangulação de dados permite construção de evidências a partir do acúmulo de pistas. Agora eu estou começando a entrar num vocabulário que é compartilhado com a investigação criminal. Quando se fala em evidência, você fica "o que é isso?". A gente também usa esse termo na pesquisa de experiências. Uma evidência não é um dado, a evidência é um fato que você reconstruiu a partir dos dados. E aí as pessoas vão olhar essa evidência como uma espécie de prova de que aquilo realmente aconteceu. Uma evidência não é o que você acha, é aquilo que você construiu a partir dos dados. É uma descrição de um fato com base não só em argumentos, mas principalmente em dados de primeira mão, dados empíricos. O painel do detetive é essa visualização que aparece bastante na mídia, tem até um meme sobre isso, que reúne todas as pistas encontradas para formar evidências e, no caso dos detetives e investigadores criminais, gerar palpites a serem melhor investigados. A gente não usa esse termo palpite, seria equivalente à hipótese, ou talvez perguntas norteadoras, ou perguntas de pesquisa. Mas a diferença principal é que a investigação criminal termina quando o fato, no caso o crime, se torna evidente. Você já sabe como que o fato se constituiu. O mistério que ronda qualquer investigação criminal é o que anima as pessoas a assistirem a séries sobre esse assunto, é o que motiva também o investigador, no caso, dentro da história. E no caso da pesquisa de experiência também existe um mistério. Esse mistério é constituído das suas perguntas norteadoras, suas perguntas de pesquisa, suas hipóteses e por aí vai. Agora, responder a pergunta de pesquisa, responder, confirmar ou desconfirmar a hipótese não é suficiente. No caso da pesquisa de experiência você precisa realmente de uma descoberta, uma descoberta que seja útil para o design de experiências. Isso não vai acontecer nessa disciplina porque a gente não vai projetar nada em cima da pesquisa que vocês estão realizando. Vocês simplesmente vão documentar a pesquisa de experiências e acabou porque a disciplina é curta. Mas saibam que a função dela no mercado de trabalho é gerar novos produtos, novos serviços. Então seria incorporado uma descoberta, por exemplo, olha, aqui tem uma oportunidade que não foi explorada, nenhum produto, nenhum serviço está produzindo esse valor na sociedade. Isso é uma descoberta útil. Pesquisadores de experiências também costumam fazer panéis de investigação analógicos ou digitais, que são parecidos com aqueles panéis dos detetives. Aqui tem um exemplo de um painel digital feito por um estudante que fez iniciação científica comigo em 2019, o Matheus Pelanda, e a gente publicou um artigo sobre a pesquisa dele em que a gente mostrava, dentre outras, como foi feita a pesquisa através desse painel. Então ele estudou quatro projetos e esses projetos foram analisados um a um com todos os dados que ele tinha coletado, ele colocou no painel visual, usou talvez um miro, alguma ferramenta de desenho digital, Inkscape ou Adobe InDesign, e ele foi traçando linhas vermelhas aqui entre as ações que aconteciam num projeto que eram parecidas com as ações dos outros projetos, ou que tinha alguma relação histórica ou causal. Isso ajudou ele a perceber padrões entre os projetos que geraram a teoria sobre como que esses projetos desenvolviam identidades visuais sem ter um designer profissional na sua equipe. Era essa a pesquisa dele. Estava estudando práticas de design, chamadas vernapolares, populares, amadoras. A pesquisa de experiências realizada por diversas pessoas ao longo de meses ou anos requer ferramentas mais sofisticadas que os painéis que eu mostrei aqui. Para a função desse trabalho, dessa disciplina, um painel já vai ser suficiente. Eu recomendo muito vocês fazerem um painel, embora eu não vou exigir a entrega desse painel. Você pode fazer um painel físico na parede do seu quarto, você pode fazer um painel digital no miro ou em outra ferramenta que você sentir a vontade. Agora, se você quiser algo mais sofisticado para tratamento e análise de dados e quiser saber também como se faz isso no mercado de trabalho, em que uma pesquisa de experiência costuma ser feita por uma equipe, por um time, aí ficam aqui algumas dicas de ferramentas. No meu mestrado, eu utilizei essa ferramenta chamada Transcriber para transcrever as falas da entrevistas que tinham sido gravadas em áudio. É uma situação bem típica de tratamento de dados. O tratamento não é análise ainda, é você pegar o dado que está no formato de áudio que é difícil de pesquisar, é difícil de fazer um control F, buscar uma palavra-chave dentro do áudio, não dá para fazer isso, então você tem que escutar tudo de toda vez, de novo, o mesmo áudio para encontrar uma informação, então ele não é muito encontrável o dado que está ali dentro. Quando você transcreve, se torna mais fácil de compartilhar com outras pessoas, você pode ler muito mais rápido do que escutar um áudio. Então, essa transcrição acaba sendo um recurso muito útil. Hoje em dia, já existem ferramentas que fazem transcrição automática de textos, de áudios que têm uma qualidade de gravação elevada, mas ainda são raros aqueles que conseguem fazer isso em português. Essas ferramentas de transcrição automáticas normalmente funcionam bem apenas com o idioma em anglófono. Enfim, gente, não há necessidade de vocês fazerem transcrição para o trabalho dessa disciplina, mas se vocês quiserem, façam. O que eu sugiro é uma forma mais simples de anotar o que você ouviu. Ouve o áudio de novo e anota como uma espécie de lista de tópicos. E se você quiser anotar também o tempo, o momento em que está sendo discutido aquele tópico, você coloca lá 1 minuto, 1m25s, quer dizer, 1 minuto e 25 segundos da gravação. Se vocês quiserem fazer isso, pode fazer, vai ajudar vocês a encontrar informações, se quiserem checar de novo, mas nada disso é necessário para esse trabalho. Outra opção ainda mais trabalhosa, laboriosa, é você colocar um vídeo. Se você tiver vídeo de uma experiência que você observou e gravou, você pode decupar esse vídeo não só transcrivendo as falas, mas analisando os gestos, os movimentos corporais, os artefatos que são tocados, que são puxados um para o outro. Você pode usar várias linhas de análise. No caso da minha pesquisa de doutorado, eu usei um software chamado Anvil, que permite que você codifique, classifique o vídeo em diferentes camadas, que você defina. No meu caso, eu estava interessado em ver quem eram as pessoas, melhor dizendo, o que as pessoas estavam falando, o nível verbal, o nível dos atores, quem estava agindo daquele momento, o nível da atividade, para onde que estavam, o que eles estavam fazendo, o nível das ações específicas dentro da atividade, então uma atividade pode ter várias ações e as ferramentas usadas para apoiar essas ações. Então aqui no caso, nesse momento, o sujeito está, vamos ver aqui, essa linha vermelha, você tem uma pessoa falando sobre o planejamento de um centro médico, eles estão analisando a planta baixa, que é o documento principal que os arquitetos usam, o nome do usuário está aqui, ele está usando esse artefato, está problematizando o tal da planta baixa e ele está apontando um lugar no plano, depois ele vai tocar, ele vai botar o dedo em cima, ele vai desenhar coisas em cima, vai apontar de novo e vai sair de perto. Você fala "nossa professor, para que olhar todos esses detalhes?" Depende do que você está estudando, no meu caso, eu estava estudando o papel dessas ferramentas, o papel dessas modos de visualização do projeto, o quanto eles interferem no que as pessoas conseguem pensar a respeito daquele projeto. A gente percebeu que a planta baixa dificulta você em perceber as atividades futuras, as experiências que os usuários vão ter dentro de um centro médico. Ele foca muito na questão da construtabilidade e pouquíssimo na usabilidade ou em outras qualidades que são relativas à experiência do usuário. Isso me impactou bastante e me estimulou a criar novas ferramentas de visualização baseadas em jogos. Então a minha tese doutorado foi sobre a importância de você usar jogos no planejamento arquitetônico, na arquitetura de hospitais. Esses dados que vocês trataram em outras ferramentas, normalmente eles acabam sendo compilados, reunidos em outras ferramentas mais abrangentes, que em inglês são chamadas de "CACDAS" ou "KQDAS", seriam "Computer Aided Qualitative Data Analysis System" ou um sistema de análise de dados qualitativo apoiado por computador. É um nome gigante para uma coisa simples, que é uma ferramenta que você tem ali os textos que você coloca, você pode grifar, que nem a gente fez numa aula passada, grifar trechos importantes, são os "highlights", e você pode, aí uma coisa que a gente não fez, mas que é chave para esses sistemas, adicionar um código para aquele trecho que você selecionou, que foi o que eu fiz na minha pesquisa de mestrado. Voltando para aquelas entrevistas, depois eu incorporei no "Hyper Research" e eu fui codificando os trechos da entrevista que tinham a ver, por exemplo, com apropriação tecnológica, com dependência cultural, deslocamento do político, essas eram as categorias de pesquisa que me interessavam, eu queria ver, discutir esse assunto. Então, depois de codificar todas as entrevistas, eu comecei a ver quais eram os temas que apareciam mais vezes, então tinha uma certa lista aqui dos temas, e eu conseguia rapidamente visualizar todos os trechos de entrevistas que se referiam a esse tema, e dessa maneira eu construí um relatório específico sobre os temas, e não sobre os entrevistados, é uma mudança bem importante, quando vocês forem escrever um relatório, um TCC, vocês vão ter a opção de relatar os dados cru, com pouca análise, que é o seguinte, entrevistado 1 falou que... entrevistado 2 falou que... entrevistado 3 falou que... e aí, o que você conclui disso? Não sei. Isso significa que faltou análise de dados. Análise de dados seria o seguinte, sobre o tema, dependência cultural, entrevistado 1 disse que... mais o entrevistado 2 disse que... porém, nós podemos contrastar a visão de entrevistado 1 e entrevistado 2 com a visão de entrevistado 3, que diz que... então, essa discussão que se faz entre as diferentes perspectivas dos entrevistados é uma das maneiras de triangular, na verdade é uma triangulação de fontes de dados, porque você não só está triangulando o tipo de dado, você está triangulando quem falou, cada pessoa é uma fonte de dados separada, então triangulação de dados não é só no nível do tipo, que eu já falei agora há pouco, mas também de quem fala, a origem humana desse dado. Bom, Hyper Research é uma ferramenta que eu não recomendaria utilizar hoje em dia, era o que existia de melhor na época que eu fiz o mestrado em 2007, 2008. Hoje em dia, já tem uma ferramenta muito melhor chamada Dovetail, que vocês conseguem inclusive fazer uma assinatura gratuita, e daria até para usar, quem tiver tempo e também dominar o idioma inglês, para usar nessa disciplina. Dovetail é uma ferramenta padrão de mercado, ainda não está tão bem popularizada no Brasil porque ela é recente, mas é uma ferramenta maravilhosa. Basicamente você pega as gravações em áudio, a gravação em vídeo, incorpora dentro do sistema, importa, ela vem parar aqui, se for em inglês entrevista, você aperta um botão, ele transcreve para você na hora e identifica quem está falando, não o nome da pessoa, mas você tem que depois botar o nome, mas ele identifica a mudança de turno, quem está falando agora mudou a voz a outra pessoa. Então você consegue rapidamente passar pela fase de tratamento de dados, para a fase de análise de dados, e aí você começa a selecionar os trechos e codificar os trechos. Então aqui nessa entrevista, a Davina Anderson falou isso aqui, o analista, o pesquisador foi lá, selecionou esse trecho porque achou importante, e o analista disse, olha, aqui ela está falando sobre o tempo para focar no trabalho e a necessidade de perceber progressão no trabalho. O legal é que já mostra aqui também quantas vezes esse mesmo código foi aplicado em outras entrevistas, ou seja, quão relevante ele começa a ser para a sua pesquisa. Se um código aparece muitas vezes, essa palavra-chave pode ser usada como um recurso conceitual para explicar o que está acontecendo ali. O Dovetail tem muitas outras funcionalidades, eu não vou entrar em detalhes agora, mas gostaria de mostrar para vocês uma referência de uma outra ferramenta que eu considero muito mais detalhada, muito mais complexa do que o Dovetail, e portanto mais indicada para pesquisas acadêmicas, que é o Atlas TI. Esse Atlas TI permite não só que você faça a codificação dos textos e gere resultados relatórios reunindo, por exemplo, todos os textos, todos os vídeos, todos os áudios que falam sobre aquele código. No Atlas TI você consegue relacionar os códigos, esses códigos são relacionados visualmente através de mapas como esse. Cada um desses aqui é um código que antes foi aplicado lá atrás numa entrevista, num trecho, numa seleção de highlight. Então isso aqui, por que é importante? Porque é uma maneira de você gerar uma teoria explicativa de porque as coisas acontecem do jeito que estão acontecendo. É um nível de análise mais profundo que vocês talvez não precisem para essa disciplina, sinceramente não precisam, mas que para um TCC, para um mestrado, um doutorado é fundamental. O Atlas TI também tem uma licença gratuita para estudantes, então se vocês quiserem experimentar, fique à vontade, mas saibam que é difícil de aprender a usar e agora o resultado para o avanço científico é muito grande, você poder ter uma teorização que explique o que aconteceu. Então é importante saberem que independente de qual ferramenta vocês vão utilizar, ela não vai fazer a informação que vocês precisam ou gerar conhecimento. Quem produz informação e conhecimento são as pessoas que pesquisam, então elas têm que estar sempre questionando o seu ponto de partida, o seu lugar. Na pesquisa de experiência, além de documentar métodos, é preciso refletir sobre o lugar de quem pesquisa. Olhar criticamente para si próprio e até mesmo num TCC é bem recomendável você dizer quem você é, por que você está estudando esse tema e quais são as suas perspectivas sobre ele no início do texto. Alguns de vocês fizeram isso num setor chamado motivação pessoal da proposta de pesquisa, o que é muito bacana. Nem sempre você vai precisar fazer isso, mas é recomendável que se faça. Agora, o mais importante mesmo é você refletir sobre o lugar de quem é pesquisado. Será que essa pessoa que está sendo representada na sua pesquisa está sendo representada de maneira preconceituosa? Será que você não está explicando o que está acontecendo de maneira racista, de maneira sexista, de maneira capacitista? Por exemplo, você vai lá e faz uma entrevista com três mulheres e as mulheres falam "ah, é muito difícil de usar essa ferramenta, esse aplicativo". Aí você chega no seu relatório, na sua análise de dados e conclui, todas as mulheres entrevistadas tiveram dificuldade de usar esse aplicativo. Aí você faz mais três entrevistas com homens. Todos os homens vão lá e não tem dificuldade nenhuma, acho muito fácil. Aí você conclui, os homens acharam fácil. Logo, os homens são mais inteligentes que as mulheres. Vejam, isso é um tipo de conclusão em pseudociência que ainda existe na nossa sociedade, inclusive que os periódicos e conferências, congressos às vezes até publicam. Mas qual é o problema? Por que ela pode ser considerada uma afirmação sexista? Porque as mulheres, na nossa sociedade atual que é sexista, não são estimuladas a terem contato com tecnologias desde cedo, assim como são os meninos. Elas não têm uma formação e estímulo quando tem as atividades extra classe, fora do horário de aula. O que as meninas vão fazer? Estimuladas a fazer o balé, a fazer dança, e os meninos estimulados a fazer robótica, por exemplo. Claro que isso está mudando, tem mais meninas entrando na robótica, tem mais meninas estudando design, então seja bem-vindas, que ótimo, porque antigamente não era assim. Faculdade design não era para as meninas. Era mais uma questão de as meninas não fazerem faculdade. Essa era a situação do passado. Então isso está transformando e a gente tem que fazer a nossa parte. Quando uma pesquisa não se coloca sobre as causas e as origens de uma desigualdade, é simplesmente retorno dado. As mulheres todas tiveram problemas, os homens foram bem, mas não vai tentando explicar porque isso está acontecendo, quer dizer, não triangula os dados com outras fontes. Você reproduz aquele preconceito da sociedade. Você mantém, porque infelizmente é um viés que a gente carrega por fazer parte da sociedade. Por isso que é importante produzir novas teorias, novas explicações da realidade. Essa descoberta em uma pesquisa de experiência não está limitada somente a você produzir um novo produto ou serviço, mas também produzir novas teorias. O Macintosh, lançado em 1984, foi um dos primeiros produtos baseados em pesquisa de experiências. Ele aplicou e deu origem a diversas teorias sobre interação humana no computador. Tem um livro do Bill Moogreach que conta um pouco da história desse artefato, desse objeto incrível que tornou a computação pessoal acessível para pessoas que não sabiam muitos detalhes técnicos de como funcionavam os computadores. Foi o primeiro computador com uma interface gráfica que era vendida por um preço acessível. O mouse, os menus, ícones, toda essa relação que a gente tem com o computador hoje, toda essa facilidade de você fazer um monte de coisas com o computador sem precisar aprender computação ou programar, ou mexer com eletrônica, isso é crédito do Macintosh. E é por isso que a Apple se tornou o que ela é hoje. Foi o produto que fez a diferença na história da empresa, mas a história da computação como um todo. E não veio de por acaso, foram mais de 20 anos de pesquisa sintetizados lá no Vale do Silício, dentre várias empresas, destaca-se as pesquisas realizadas na Xerox PARC, que acabou sendo visitada pelo Steve Jobs. Steve Jobs, entre aspas, roubou muitas ideias e levou para o projeto do Macintosh na Apple, porque a Xerox não valorizava essas teorias que ainda não tinham chegado a um nível de aplicação que pudesse ter sucesso comercial. O que a Apple fez foi aplicar essas teorias para ganhar dinheiro. E conseguir um produto que não foi necessariamente tão vitorioso em termos de sucesso de vendas, mas que foi vitorioso em termos de sucesso de branding. Todo esse conceito de marca que a Apple tem hoje, fortíssimo, que torna ela uma das empresas mais valiosas do mundo, se consolidou justamente nessa época com esse produto. Hoje em dia, podemos observar que as interfaces gráficas se encontram estagnadas. Então a interface do Macintosh não é tão diferente com a interface do Windows atual, ou do OS X atual. Então pode-se dizer, eu suponho, que é falta de novas teorias, que superem os preconceitos existentes sobre a experiência do usuário ideal. Então eu acredito que tem muito espaço ainda para inovar em termos de interfaces, e por isso que eu tenho concentrado as minhas pesquisas em realizar descobertas no nível teórico. Tem até um artigo específico sobre esse assunto, que fala sobre preconceitos da interação mano-computador. É um artigo bem teórico, mas ele vai falar sobre essa problemática da falta de novas teorias. E como se a gente quer desenvolver novas teorias, precisamos, antes disso, quebrar os preconceitos. Como por exemplo, o usuário é uma pessoa burra, que precisa de uma usabilidade muito simples, muito fácil, que não faça ele pensar. Isso é um preconceito bem forte na área de design de experiências, que precisa ser quebrado para a gente evoluir para outras interfaces que sejam mais complexas assim, mas que permitam que a gente faça coisas que a gente não faz hoje. Portanto, gente, eu espero muito que vocês inaugurem essas novas gerações de experiências. Eu trouxe aqui um exemplo da interação mano-computador, mas isso se aplica a qualquer área do design, design serviço, design produto, gráfico. Para criar, para experiência, é uma maneira de você transformar qualquer objeto. E vão atrás dos dados, em primeira mão, façam as suas próprias descobertas. É isso que eu espero da pesquisa de vocês. E aí