Depois que o professor Kiley fez essa apresentação inicial, eu vou apresentar case, projetos, que não são exatamente tudo que a gente imagina para o design prospectivo, porque o design prospectivo é uma coisa que a gente está construindo ainda. Isso aqui seria uma espécie de projetos precursores. Projetos de design prospectivo mesmo são coisas que a gente vai ver quando a gente tiver, de fato, nosso programa de mestrado e futuramente doutorado junto a CAPES aprovado. Por enquanto a gente está especulando ou prospectando esses cremes. Então, o que seria design prospectivo? Relembrando, a gente define ele como uma prática teórica que prospecte qualidades relacionais em sistemas sociotécnicos. Então, esse termo "qualidades relacionais" é muito caro, porque a maior parte do design está ligado para pensar em objetos, em coisas fechadas. E o design prospectivo pensa em coisas abertas, em conexão, em relação. Então, a gente está interessado em o que está entre as coisas, e não as coisas em si. Por que isso é importante? Porque quando você começa a trabalhar com sistemas sociotécnicos, que o professor Kiley falou, você vê uma série de elementos, são vários objetos, você não consegue mudar um objeto apenas. E o design, por muito tempo, se dedicou a modificar qualidades, em especial as qualidades estéticas, de objetos em particular. Agora, a proposta é pensar vários objetos. Quando esses objetos estão em interação, estão em relação, surgem qualidades novas que não são propriedades de um objeto só. São propriedades desses vários objetos em relação, interagindo, e que só aparecem quando eles estão em relação. Por isso é mais difícil de perceber de quais são essas qualidades que a gente está falando. E também é mais difícil de desenvolver uma percepção estética a respeito do design prospectivo, mas ela existe. Ela não se manifesta meramente numa relação visual, mas ela se manifesta numa beleza entre diferentes atores. Uma maneira de relacionar esses atores que, por si, é bela. Aqui, algumas qualidades objetivas só para vincular a tradição do design, usabilidade, acessibilidade, durabilidade, utilidade, beleza e clareza. São todas qualidades dos objetos. São qualidades excelentes e importantes. Não estamos querendo dizer que isso deve ser abandonado. Queremos mostrar que existem qualidades que emergem quando vários objetos estão em relação, que seriam as qualidades que a gente chama de relacionais, como a sustentabilidade, que é uma qualidade já perseguida pelo design há bastante tempo, a resiliência, que é um pouco mais nova, que é um conceito já mais avançado do que a sustentabilidade, a igualdade, que é uma questão que o design está começando a se preocupar agora com design social, inovação social, a solidaridade, que é uma questão pouco explorada pelo design, a convivialidade, pouquíssima explorada, e a mobilidade, que já existem, sim, muito trabalho no design, mas talvez com uma noção um pouco simplista do que seria mobilidade. E por isso eu vou pegar um exemplo justamente do sistema sociotécnico da mobilidade. Então não adianta um designer falar "Olha, eu quero trabalhar com transições sociotécnicas para valorizar a qualidade relacional da sustentabilidade e eu vou fazer um carro mais sustentável, fazer um carro elétrico lindo". Beleza, mas isso não vai adiantar, porque já foi tentado inserir carros elétricos lindos dentro do nosso sistema sociotécnico e não houve essa transição. Pelo contrário, houve uma resistência do sistema sociotécnico, que tem uma série de relações de dependência. Então o carro não anda sozinho, ele precisa da gasolina, ele precisa da gasolina que ele recebe de um posto, e a gasolina precisa ser paga através de uma moeda corrente, e a gasolina precisa ser produzida numa refinaria, e precisa existir políticas públicas de energia, políticas energéticas, precisa existir fábricas para fabricar carro, precisa existir ruas para o carro andar, precisa existir sistema de sinalização de trânsito. Enfim, a quantidade de elementos que estão interligados e otimizados para acolher o carro e permitir uma mobilidade individualizada é enorme. Por isso fazer essa transição envolve diversos atores humanos e os interesses deles, e também os atores não humanos e os seus interesses, ou pelo menos aqueles interesses que foram colocados embutidos pelos seres humanos, que são os chamados vieses. Toda tecnologia, todo objeto criado pelo ser humano, ele é embutido de valores, e quando ele está embutido de valores, ele interfere sobre os humanos a partir desses valores. Então você não consegue, por exemplo, com um carro fazer a mesma coisa que você faz com uma bicicleta, porque ele tem um valor, ele permite uma mobilidade individualizada, de um grupo pequeno de pessoas, da família, núcleo familiar, você não tem um carro como transporte público, aí já é um ônibus, é um outro objeto. Então, como eu dizia, se você fizer um carro lindo, elétrico, como a GM fez nos anos 90, é bem provável que se não houver uma mudança completa do sistema sociotécnico, ele termine num ferro velho demolido, como aconteceu com o EV1. Tem um documentário muito bom sobre quem matou o carro elétrico, que conta a história desse projeto de transição que não deu certo nos Estados Unidos, na Califórnia. Havia uma lei que obrigava os fabricantes até um determinado ano, nos anos 2000, a terem carros elétricos, só terem carros elétricos ou pelo menos uma parte da frota. E a GM começou a produzir um carro maravilhoso, muito bem feito para a época, que tinha várias qualidades, vendeu bem, mas não vendeu tanto quanto a GM queria, e aí tiveram vários problemas, como como se abastece um carro desse, se você não tem uma tomada especial na sua casa, como é que você viaja pelo Estados Unidos, que é um país, assim como o Brasil, que longa as distâncias entre as cidades, se não tem impostos nas vias. Então, acaba que essa solução pontual é inviável para mudar o sistema sociotécnico. Compare, por exemplo, o caso do Prius, Toyota Prius, que no mesmo ambiente nos Estados Unidos, introduziu então um projeto que tinha mobilidade elétrica junto com a mobilidade de combustão. Então, o Prius, a inovação dele é que ele tem um motor chamado híbrido, ele dá a partida no elétrico e ele continua, depois de um tempo, com a gasolina, porque o elétrico tem justamente a vantagem de tração inicial, mas ele tem essa dificuldade da velocidade máxima que ele pode atingir. Já a gasolina não, ela pode aumentar muito mais a velocidade. Então, com essa combinação, o gasto com gasolina diminui drasticamente. O Prius gasta menos do que a metade de que um carro normal, porém, ele não se conecta no grid de energia elétrica, porque ele se carrega através da própria movimento das rodas. Ele tem um sistema de geração de energia elétrica, que alimenta uma bateria lá dentro desse carro que é gigante. Esse é o problema de trazer o Toyota Prius, por exemplo, para o Brasil. Por que a gente não tem um monte de Toyota Prius no Brasil, se ele é essa novidade da sustentabilidade? Ele já está no mercado dos Estados Unidos há quase 20 anos. É porque no Brasil não existe ainda uma indústria de fabricação nacional que possa, por exemplo, substituir essas baterias que custam muito caro. No Brasil, por exemplo, não se fabrica essas baterias. Se você quiser comprar um Prius, você sabe que é bem provável que, depois de 10 anos que é a vida útil dessa bateria, talvez você tenha que aposentar o carro inteiro, porque a bateria, se for importar, custa o preço de um carro novo. Então vejam que um detalhe de um projeto que não está conectado com uma rede e não está principalmente aparente para o consumidor. O consumidor não vê isso e por isso que existem alguns Prius aqui no Brasil que provavelmente terão as suas vidas úteis, encurtadas por uma falta de infraestrutura, coisa que o fabricante também não deixa muito claro. A gente tem outro exemplo muito mais interessante aqui no Brasil, que é o Ibribus, aqui em Curitiba, inclusive, que é um projeto de transição, o mesmo tipo de motor só que aplicado no transporte público. Nesse caso, encaixa muito melhor com a rede sociotécnica, porque no transporte público você pode ter um sistema de manutenção desses ônibus e também porque você consegue ter uma bateria do tamanho maior, que é mais fácil de trocar, é mais fácil de você conseguir. Fora que, no nosso ambiente, também você pode experimentar outros combustíveis, como o caso do combustível biodiesel, que também é utilizado nesse ônibus. Então ele não é movido a diesel tradicional, é movido a um diesel que é renovável. Então é um projeto muito bacana, super conhecido fora do Brasil, que às vezes pega todo dia e ele representa uma transição de um modelo baseado numa mobilidade baseada em combustão para um modelo, uma mobilidade baseada em energia elétrica. A prefeitura de Curitiba também testou um ônibus 100% elétrico, mas isso iria requerer modificações nos terminais de ônibus, uma mudança de infraestrutura que a prefeitura não podia fazer, não quis fazer, não houve interesse político e não aconteceu ainda. Portanto, foi feito apenas um teste com um ônibus, que se andou para cá e para lá e acabou. Agora o hibribus não, ele continua nas ruas, por isso o projeto de transição bom é aquele que propõe mudanças graduais. Temos também o exemplo aí do eletroposto e a eletrovia, que a Copel está criando aqui no Paraná, como uma tentativa de estimular a mobilidade elétrica. A Copel vê que é um futuro da sustentabilidade, então ela deu um passo além de colocar a infraestrutura elétrica antes de existirem os carros, porque se você ficar nesse ciclo vicioso do tipo, "ah, eu não vou produzir carro elétrico porque não tem infraestrutura, eu não vou produzir infraestrutura porque não tem carro elétrico", alguém tem que dar esse primeiro passo. E a Copel, com essa tradição de inovação, fez esse primeiro passo, criou uma rodovia que vai de Curitiba até Foz do Iguaçu, com vários postos como esse que vocês estão vendo aí, que podem permitir essa recarga de veículos elétricos. Ainda é uma infraestrutura muito pequena, se comparar com a necessidade real de mobilidade e transporte que a gente tem no nosso cotidiano, mas é um projeto de transição gradual que não fere com o sistema sociotécnico vigente. Agora, a Copel entende que a mudança não envolve só a provisão de energia elétrica em maior escala para esses veículos, mas envolve também uma mudança no seu grid, em toda a sua organização e geração de energia elétrica. Por isso ela vê que precisa entrar várias empresas dentro desse grid para cooperar com a Copel e futuramente operar esses eletropostos. A ideia da Copel não é ser uma empresa de postos, ela está criando postos para incentivar empresas a começarem a abrir esse tipo de postos, se conectarem no grid da Copel e assim como várias outras empresas que forneceriam serviços de energia elétrica, de projetos diversos, a Copel se tornaria, então, operador dessa rede e não mais um único ator exclusivo. É o que se chama de Smart Grid. Eu pude participar de um projeto muito bacana de pesquisa e prospecção desse cenário futuro, quando eu estava ainda trabalhando na PUC do Paraná junto com a FIEP. Esse projeto chamou Copel+ e a proposta era estimular a formação de startups voltadas ao setor elétrico. Esse projeto, ele tem alguns elementos já pioneiros ou talvez precursores do que a gente chama de design prospectivo, porque a gente fez algumas coisas que estão me vislumbrando para o futuro. Por exemplo, mapeamento dos atores humanos. Não fizemos mapeamento dos atores não humanos, o que é algo que seria bem interessante no projeto, olhando agora para trás. Mas a gente fez usando recursos de design, criativos como bonequinhos, como amarrar os objetos para que as pessoas pensassem com as mãos e com isso tivessem ideias que elas não estavam pensando sobre esses diferentes atores que tinham que ser envolvidos. Um desses atores são vocês que estão assistindo, estudantes e professores universitários. Depois a gente pensou quais são os desafios que a gente vai passar para esses estudantes que quiserem participar desse programa de empreendedorismo. A gente pensou nesses desafios usando um método chamado legacy display que modela problemas complexos usando metáforas. Então aqui você vê uma das principais contradições do setor elétrico. Por um lado, você precisa ter a sustentabilidade da geração de energia que é representada pela natureza que está do lado esquerdo da imagem. E por outro lado, você precisa ter rentabilidade, lucratividade e eficiência de operação representada por alguns mecanismos mais tecnológicos do lado direito. E no meio tem o resultado dessa combinação, que é a bicicleta que seria um veículo sustentável. Então é difícil articular esses dois aspectos e a Copel fez exatamente isso. Ela buscou, através dos seus técnicos de diferentes áreas, explicar esse desafio da maneira mais simples possível para que quem não trabalha no setor elétrico pudesse entender e começar a empreender nessa área. A gente usou o pensamento visual, que é uma técnica associada ao pensamento projetual também, que são técnicas que permitem a cocriação de ideias para que as pessoas compartilhem o que elas estão pensando e construo em cima. Usamos prospecção de cenários extremos, que é bem interessante imaginar o que aconteceria se tivesse uma maior segurança na produção, menor segurança na distribuição elétrica, se tivesse mais crenças, menos crenças na construção dessa nova rede. E a gente imaginou esses cenários extremos para contar histórias através de vídeos, vídeos explicativos usando infografia como recurso de comunicação. Então você veja que o design aqui foi fundamental para a prospecção dessas novas relações ecológicas que a Copel está buscando com o seu ecossistema. Porém, projetos de transição vão além da criação de cenários, que é o que eu mostrei aqui. Eles se desenvolvem também em infraestruturas prospectivas. E aí eu vou mostrar mais um projeto que precursou esse bem mais antigo que eu tive a oportunidade de desenvolver quando estava à frente do Instituto Faber Ludens, que já não existe mais, mas que teve ativa aqui no Brasil, em Curitiba de 2007 até 2014, mais ou menos. Lá nós criamos uma plataforma para inovação aberta em projetos colaborativos que desafiassem a lógica da competição na nossa sociedade. A gente via que a maioria dos designers, das pessoas que trabalhavam com tecnologia, sabiam muito bem competir, mas tinham dificuldade em saber colaborar. A gente achava importante também uma transição para uma sociedade mais colaborativa que permitisse a tal da inovação aberta. Criamos essa plataforma e centenas de projetos de vários lugares do Brasil surgiram, dentre eles eu destaco aqui projetos que abrigam universidades livres, que são, assim como o Boa Aventura de Sousa Santos mencionou, no livro dele, do Enfim, do Péren Cognitivo, são iniciativas de se conectar com as necessidades de aprendizagem de comunidades específicas. Ao invés de ensinar numa universidade aquilo que alguém falou lá na Europa, que todo mundo tinha que saber, a Universidade Livre inverte esse proposta e pergunta a uma comunidade o que nós precisamos aprender. E aí ela organiza cursos, organiza pesquisas que possam suprir as necessidades desta comunidade, muitas vezes em parceria com universidades tradicionais. Então aqui nós temos a Universidade Livre da Chapada Diamantina, que tem experimentado várias ideias com a economia solidária. E aqui eu vou mostrar uma universidade livre que já está mais, tem mais experiência com a economia solidária, já há mais de cinco anos essa Universidade Livre lá do Teatro Vila Velho, em Salvador, utiliza um banco de economia solidária, uma moeda própria, para gerenciar as suas atividades e a sua manutenção. Todo estudante que quer estudar nessa universidade, eles vão pagar uma taxa em real, que é para os custos de aquisição de produtos que não conseguem ser adquiridos pela economia solidária, uma taxa que é equivalente aos 30% do valor da mensalidade, os outros 70% da mensalidade são pagos com uma moeda social, chamada tempo nesse caso. E todo estudante tem que todo mês fazer alguns serviços voluntários, que seria o equivalente ao serviço voluntário, para saudar essa dívida, esse saldo do pagamento da sua mensalidade. Então é uma maneira muito interessante de estruturar a colaboração nessa universidade transparente. Então você vê através desse aplicativo que a gente desenvolveu, quem está em dívida com a comunidade, quem não está fazendo a sua parte, e quem está fazendo até demais, e talvez precise de uma ajuda para poder ter mais tempo livre para cuidar das suas próprias responsabilidades. Essa economia solidária busca uma transição gradual ao socialismo, ou talvez alguma outra coisa que a gente não sabe o que é. Ao invés de esperar por uma revolução que transforme o sistema político e econômico, a economia solidária começa essa transição hoje já dentro de comunidades com sistemas híbridos que se conectam, como eu falei, 30% em moeda local, 70% em moeda social. E aqui temos o caso da transição agroecológica, que também está muito ligada à economia solidária, tem vários projetos que juntam as duas coisas, até os movimentos sociais, MST, tem muitas coisas legais. Aqui eu estou destacando Gaecope, que é uma cooperativa agroecológica com vegana, feminista e sustentável, quer dizer, com vários valores super interessantes para o futuro da nossa sociedade, que utiliza a plataforma Corais para se organizar, se autogerir, uma vez que a autogestão é um fundamento principal da economia solidária e também da agroecologia. Autogestão implica que todas as pessoas precisam estar conscientes de que elas têm que ajudar por conta própria, não esperar que alguém mande elas, que ordene elas, que é um sistema centralizado, no caso da autogestão, um sistema descentralizado. Como é que você faz essa transição de uma sociedade centralizada para uma sociedade descentralizada? Aí você tem um projeto de transição. Então, você precisa ter uma infraestrutura diferente, não adianta só ter cenários e ideias mirabolantes de como que essa sociedade pode ser diferente, precisa ter infraestruturas que permitam já começar a vivenciar essas novas relações, nem que seja num projeto piloto específico, num contexto específico. Então, a gente trabalha no Design Prospectivo aqui na UTF-PR com uma dialética, que inclusive se reflete nas nossas duas linhas de pesquisa do nosso programa de mestrado. A gente tem a linha de cenários e tem a linha de infraestruturas. Então, aqui eu mostrei para vocês vários exemplos de infraestruturas e também de cenários, e como eles se interagem. É claro que eu imagino que nesse programa, quando a gente tiver vários projetos andando, vai ficar muito mais claro como que se dá essa dialética. Por fim, uma reflexão rápida que tem um pouco a ver com a pergunta que eu próprio joguei lá atrás, que a gente ainda não sabe muito bem responder, porque algo estamos prospectando neste momento, mas a gente vislumbra designers atuando de uma maneira completamente diferente na sociedade. Não são designers donos das coisas, os autores dos objetos. Que o designer gosta de falar "Olha que legal que eu projetei esse teclado aqui, eu sou autor, bota no portfólio a foto". Mas imagina você designer apresentando uma relação que você cultivou, que você articulou, que você proporcionou. Eu acho que isso tem muito mais valor para a sociedade. E são essas coisas que a gente está prospectando aqui no programa de Design Prospectivo. É isso. Muito obrigado e quem quiser me acompanhe nas redes sociais.