Então essa aula de hoje gente é sobre a posicionamento de designers em relação ao nosso mundo e como o nosso mundo se transforma. Como é que você faz parte dessa transformação e entende que metodologia da pesquisa não é uma coisa que acontece só na sua cabeça, mas é uma coisa que acontece no mundo que tem implicações, afeta a vida das pessoas e às vezes pode até matar. É isso mesmo. Então essa disciplina é para falar sobre aquilo que ninguém fala, que é a consequência social da profissão, das escolhas que a gente vai fazendo e como a gente constrói o nosso perfil ético. É a partir daí que eu acho que a gente vai entender bem o que é a metodologia da pesquisa. Em geral a questão ética ela é jogada para o fim do curso, e aí está longe, está distante, é uma questão que parece que é só um apêndice. Tem que ter ética, eu já acho que a gente tem que começar desde o começo do curso, essa disciplina era no segundo período eu falava de ética, agora vocês estão no quinto período, vocês não tiveram ética ainda né? É que eu estou no segundo período, eu acho que está misturado. Ah está misturado, então tá bom, por isso. Ótimo, então melhor ainda, vamos falar de ética para o segundo, para o quinto, para todos os períodos e vamos enfatizar o seguinte, que ética não se separe de estética, até a palavra estética carrega a palavra ética dentro. Então design é uma profissão que faz juízo de valor o tempo todo, e materializa esse juízo de valores nas coisas, e essas coisas podem fazer pessoas viver, mas também fazer pessoas morrer, isso tudo vai dependendo da metodologia adotada. Então esse é o tema dessa aula, e eu quero que vocês pensem nisso como algo para a vida toda, para vocês estarem sempre aprendendo a viver entre o método e o caos, entre a ordem e o caos. Nessa formação profissional, então a gente tem sempre um dilema, um dilema constante da profissão que não tem como a gente evitar, que é, será que eu devo ser mais ordenado num projeto ou mais caótico? Devo priorizar a ordem ou devo priorizar o caos? Devo priorizar a estrutura, a organização ou devo priorizar a liberdade, a criação? Então isso não vai sumir da vida de vocês, vocês vão estar sempre lidando com esse desafio. Bom, aí eu vou usar uma analogia, uma referência a esse personagem da cultura popular, o Batman, que o Batman é um exemplo de um super-herói que adquire poderes que não são sobre-humanos, mas são além do normal porque ele é bastante metódico ou ordenado na forma de atuação. Então o Batman precisa de métodos, ferramentas, porque sem ele, sem esses métodos, sem essas ferramentas, sem esses equipamentos, o Batman não é um super-herói. Ele depende disso, só que o Batman sabe fazer a gestão do próprio conhecimento. Como é que o Batman gera o conhecimento dele? Bom, se a ferramenta, se a arma que eu vou usar eu conheço, eu domino, eu já pratiquei bastante, eu coloco ela no meu cinturão e eu levo comigo. Mesmo que seja um negócio enorme, gigantesco, eu dou um jeito de caber no meu cinturão ou em outros lugares. Aí fica aberto para a sua imaginação de onde ele tira certas ferramentas gigantes, porque realmente você olha e não tem como caber aqui, mas enfim. Essa é a história que nos contam. Então ele leva apenas aquilo que ele conhece, esse é o ponto mais importante. Agora, como é que ele aprende a conhecer essas ferramentas, essas tecnologias, essas armas? Bom, o Batman precisa treinar. E onde ele vai treinar? Não é na rua, é dentro da Bat-caverna. Então ele fica lá burilando essas ferramentas, essas armas, descobrindo como elas funcionam, como fazer caber no cinturão e outros desafios diários. Então ele está sempre treinando para que uma coisa que não está à mão, se torne à mão. Quando está à mão, quer dizer, está fácil de pegar e eu já sei usar. Isso é um termo da filosofia, acredite se quiser. Ele não tem tempo para aprender uma nova ferramenta, um novo método, uma nova técnica, quando o vilão aparece do nada e começa a atazanar, tocar o caos em Gotham City. Por isso que ele precisa treinar. Mesma coisa que designers, vocês também precisam treinar, porque quando começar a entrar o projeto, você não vai ter tempo de aprender um novo método. Bom, como eu dizia, estar à mão é um termo técnico da filosofia. Um dos filósofos que mais estudou esse assunto é o Heidegger, que é um filósofo alemão que teve associado ao movimento nazista, mas ainda é muito referenciado, apesar desses envolvimentos ridículos com uma política de genocídio, de extermínio. A teoria dele tem sido bastante criticada, principalmente por essa associação com o nazismo, que só ficou mais conhecido nos últimos anos. Em todo caso, uma coisa que ele falou muito e que é bastante influente na teoria do design é que uma ferramenta que está na mão é completamente diferente de uma ferramenta que está na mesa. Então, esse controle remoto na mesa não faz nada, mas quando eu pego na mão, eu posso ligar e desligar a televisão. Só quando está na mão, ele é mais do que uma ferramenta, ele é uma relação que eu tenho com a televisão, uma relação que eu tenho com vocês. Quando está na mesa, ele é só um objeto inerte, que não tem muita função no mundo. O Bruce Wayne também sabe muito bem disso. Então, quando vai aprender uma nova tecnologia, ele vai aprender em um lugar seguro, junto com o Lucius Fox, que é o cara que fabrica, que projeta as armas usando a empresa Wayne Enterprises como uma fachada para essa operação corrupta de desvio de verbas, ocultada do governo, ocultada dos funcionários da empresa que trabalham para produzir armas para um justiceiro sem saber que estão fazendo isso. Então, o Batman sabe, ele não vai sair na rua com uma arma que ele não conhece, botar na mão, ele vai botar na mesa para analisar o que ele está fazendo nesse assento. Um dos caras que critica o filósofo Heidegger é o filósofo brasileiro Vieira Pinto, que é um cara que falou o seguinte, Heidegger não levou em consideração que para um controle remoto ou qualquer outro tipo de ferramenta estar à mão, alguém teve que trabalhar acumulando conhecimento, acumulando esforço e nos colocar disponível. Só que esse trabalho não está disponível para todo mundo, não é remunerado da mesma maneira e tem muita gente que lucra com esse trabalho. No caso do Batman, quem faz essa concentração do trabalho, quem sintetiza o trabalho de todos os funcionários da Wayne Enterprises e que também gerencia a lucratividade da empresa é o Lucius Fox, que é esse senhor, o Morgan Freeman, caso o ator, que faz o papel. Então, o Lucius Fox é responsável por iludir, enganar todos os funcionários da Wayne Enterprises para que eles trabalhem nesses projetos e permitam que os projetos sejam entregues para o Batman. Então, aconteceu uma vez, num dos filmes do Batman, que um funcionário descobre que está acontecendo esse desvio de verbas, essa operação ilegal, ele fala para o Lucius Fox, denuncia para o CEO da empresa, o Bruce Wayne, e o Bruce Wayne fala "Pois é, eu sou o Batman mesmo, é isso mesmo, você acertou". Você tem certeza mesmo que você quer questionar um justiceiro que faz justiça com as próprias mãos? Ou seja, ele ameaçou o sujeito de morte para ocultar um caso de corrupção dentro da empresa dele que a princípio parece que obteve sucesso. Então, como eu dizia, os trabalhadores da Wayne Enterprises, e também se você for levar ao pé da letra, os trabalhadores da DC Comics na vida real, eles trabalham para desenvolver ferramentas, sejam elas na imaginação, sejam elas na realidade da imaginação, para que um sujeito com problemas psicológicos, que fugiu da terapia, que não toma remédio, que não faz nada para melhorar, a não ser sair na rua para bater em pessoas que ele julga serem bandidos. E bandido bom é bandido morto, ou não, morto não digo, mas pelo menos espancado com certeza. Então, essa é a função do Batman. Então, agora que eu coloquei a questão dessa maneira, que desconstruindo um pouco a imagem que a mídia constrói do Batman como sendo um super-herói, daqueles que se fez por si próprio, que não nasceu com um privilégio de ter uma visão noturna, ou um raio laser que sai da mão dele, sei lá o quê, mas ele nasceu com um privilégio muito pouco importante que é ser bilionário, privilégio de nada, enquanto que os outros super-heróis todos trabalham, tem emprego que não paga nem o suficiente para eles terem uma vida bacana, pode ter todo o super-poder que tem os super-heróis, nunca vão ser tão ricos quanto o Batman. E aí a mídia constrói a ideia de que ele é um cara que é desprivilegiado, perdeu os pais na eternidade, todinho. Aí vem a própria cultura política brasileira, vai incorporar o Batman como uma figura anticorrupção, e vai ter um sujeito nas passeatas em 2013, aconteceu muito isso, sempre tinha um sujeito vestido de Batman representando o combate à corrupção, tinha até um atual senador que aparecia vestido de roupa de Batman em algumas manifestações, não ele, mas o boneco inflável gigantesco dele. Então essas coisas bizarras que acontecem na imaginação, que acontecem no cinema, não são tão bizarras assim, elas têm muito a ver com a nossa realidade, são uma forma de interferir na nossa vida, isso é design. Mas isso também é o resultado de uma metodologia. Então eu pergunto para vocês, para que vocês se posicionem, se você fosse, descobrisse que seu chefe é o Batman, não é o Bruce Wayne, você continuaria trabalhando para ele? Quem continuaria, levanta a mão aí, só para saber. Dinheiro é dinheiro. Ok, tá bom, beleza. A gente todo mundo precisa de dinheiro para sobreviver. Mas tem outras pessoas que você pode trabalhar para, já vou mostrar algumas. Um deles é o Coringa. Mas e os direitos trabalhistas na empresa do Batman? Olha só, os direitos trabalhistas você não pode falar para ninguém que ele é o Batman, senão você morre, esse é o seu direito, o seu direito é ficar quieto. Mas o Coringa também tem um plano de carreira muito interessante, já vou falar sobre ele. Vamos analisar o lado do Coringa, vamos mudar de perspectiva. Então, apesar de todo o trabalho que o Coringa tinha, e todas as ferramentas que ele tinha acumulada na mão, ele não conseguia, desculpa, apesar de todo o trabalho que o Batman tinha acumulado na mão, todas aquelas ferramentas, uma empresa gigantesca, multinacional, trabalhando para ele, sendo bilionário, ele não estava conseguindo evitar que o Coringa tocasse o terror em Gotham City no Cavaleiro das Trevas. E esse Coringa realmente é um personagem tão envolvente para o próprio ator, que fez com que o ator acabou ficando maluco depois do filme e contribuiu para degringolar a situação de saúde mental dele, ele veio a cometer suicídio. Então, foi uma época, na época que saiu esse filme, ele foi um marco na história do cinema, porque ele mostrou pela primeira vez um filme de super-herói com personagens complexos, cheio de contradições. Então, o Coringa não era um personagem 100% mal, nem era 100% bom, ele não era uma coisa ideal, ele era real, por isso que chamava tanta atenção o filme e depois isso foi explorado magistralmente em uma outra obra mais recente, que eu já vou falar, que é o Joker, que é o filme do Coringa. Bom, em 2008, nesse Cavaleiro das Trevas, o Coringa estava tocando terror, só que aí o Batman fica possesso e numa conversa que muitas vezes as pessoas não prestam atenção, ele revela completamente a maneira como ele vê a ética da relação com o outro, especialmente o outro que incomoda, o outro que é diferente. Quem revela essa ética, na verdade, quem ensina essa ética para ele é o Alfred, é o mordomo dele. Então, o Alfred pergunta, "Senhor Wayne, você está bastante irritado, estou vendo visivelmente que você não está feliz com o que está acontecendo com o Coringa, né?" "Ah, então tá, é verdade, você tem razão, Alfred. Vou te contar uma história que pode te ajudar, viu Bruce Wayne." Aí ele conta essa história aqui. "Muito tempo atrás", ele diz assim, "eu estive na Birmânia, que é um país lá na Ásia, perto da China, meus amigos e eu trabalhávamos para o governo local. Eles tentavam comprar a lealdade dos líderes tribais, subornando-os com pedras preciosas. Quem eram os colegas dele? Eram as pessoas que trabalhavam para a corte inglesa, desculpa, para o exército inglês, que faziam o trabalho de colonização da Birmânia, estavam tentando colonizar a Birmânia. Então, eles tentavam comprar a lealdade dos líderes, subornando-os, mas as suas caravanas estavam sendo atacadas por um bandido, de nome, um bandido na floresta do norte de Rangoon. Então a gente, tá, desculpa, as suas caravanas foram atacadas por bandido e eles foram atrás desse bandido, procurar as pedras preciosas. Em seis meses que eles ficaram pesquisando, ninguém nunca encontrou alguém que tivesse negociado, comprado essas pedras. Um dia eu vi uma criança brincando com um rubi de tamanho de uma tangerina na rua. O bandido tinha jogado as pedras fora. "Então por que roubava?" Pergunta o Bruce Wayne. "Bom, porque ele achou que era algo divertido. Alguns homens não procuram nada lógico, como dinheiro. Eles não podem ser comprados, forçados, convencidos, negociados. Alguns homens apenas querem ver o mundo pegar fogo." Então essa foi a interpretação que o Alfred deu para a ação do bandido. Ou seja, ele só roubou aquilo ali pra tocar o caos, ok? Depois, numa outra cena, o Bruce Wayne volta ao assunto e pergunta, "E aí Alfred, o bandido lá da Floresta da Birmania, você o pegou?" "Sim." "Como que você pegou ele?" "Taquei fogo na floresta toda." Essa conversa passa batido, mas aqui nesse princípio ético que o Alfred está ensinando é a tradição colonialista, que ignora que o outro também tem a sua própria razão, a sua própria razão de agir do jeito que age, que impõe a sua racionalidade sobre o outro, que fala, "O outro é ignorante, o outro é burro, o outro é um agente do caos, o outro tem que ser eliminado, morto, se não puder ser morto, escravizado, se não puder ser escravizado, que venha trabalhar nas nossas plantações com um salário baixo." Inclusive é algo que acontece até hoje no Brasil, recentemente tivemos o escândalo dos trabalhadores da Bahia que estavam lá no Rio Grande do Sul fazendo suco de uva, forçado, porque seriam tratados como se fossem escravos, que não são pessoas, são menos do que pessoas. Isso é um preconceito fortemente arraigado à ética colonial, que a gente já no campo político superou em termos oficiais, mas na prática, na política escondida, nessa política que tenta sair fora dos holofotes, ainda é muito em voga. E isso se reproduz em filmes como o Batman, esse filme está claramente falando essa mensagem e isso colocado lá do mocinho como sendo uma coisa boa. Então o Alfred está dizendo ao Batman, vá lá e taque fogo, ou seja, mate inocente se você precisar para pegar o Coringa, é isso que ele está dizendo, não é não? Imagina você destruir uma floresta, matar centenas de espécies, centenas de pessoas que vivem daquela floresta para pegar um bandido, vocês acham que isso é justo? Isso é justo só na cabeça de um colonizador, porque dali não tem ninguém relevante, quem mora ali não é gente, então é isso que o filme esconde, coisa maluca, mas é, está aí. Então tomem cuidado nas discussões sobre design, que vocês vão ver muitas apresentações sobre métodos racionais de solução de problemas, vocês vão ver muitas vezes isso, não só nas aulas, nos livros, mas também no mercado de trabalho, gente vendendo consultoria, prometendo soluções racionais para problemas irracionais. O que essas pessoas não vão te dizer, mas você agora que está desenvolvendo consciência crítica vai saber é que por trás de métodos racionais muitas vezes tem intenções irracionais do tipo eliminar, matar, explorar e obter algum benefício, o máximo que puder de alguém, deixar passar para trás mesmo o outro e também se precisar matar. Bom, no filme como é que essa questão volta? Como é que o Batman queima a floresta? Não é exatamente isso, é metafórico o processo, mas é parecido. O que acontece é o seguinte, o Lucius Fox desenvolve uma ferramenta que é um aplicativo que instala em qualquer celular e esse aplicativo é tipo uma invasão que acontece no celular e ele consegue escutar o que está acontecendo, a partir do áudio que ele capta de qualquer ambiente, ele constrói uma imagem tridimensional daquele ambiente com uma espécie de sonar, fazendo referência aí, claro, à habilidade do morcego. O que é que o Bruce Wayne faz quando ele descobre que tem essa tecnologia? Na época, quando o Lucius Fox fez, ele era inocente, não sabia que poderia ser feita uma coisa tão terrível quanto o Batman fez. Imagina, ele é só o designer de um aplicativo, fez um aplicativo e deu para o Batman, só isso. Ele não pode ser responsabilizado, imagina, o Lucius Fox é responsável, não, quem fez a cagada, quem queimou a floresta foi o Batman. Pera lá, pera lá, pera lá. O que o Batman fez? Beleza, tem que pegar o Coringa, não sei onde ele está, eu vou invadir todos os telefones de Gotham City e eu vou fazer um sonar tridimensional, fazendo a convergência de todos esses dados para eu ter uma imagem tridimensional de Gotham City em tempo real em todos os lugares que tiver gente. Vocês acham que isso é correto? Não é, invadiu a privacidade de centenas de milhares de pessoas para executar um mandado de execução ou de prisão, quer dizer, um mandado que não foi expedido por juiz nenhum, quer dizer, ele é o juiz. E aí tem mais, ele fez isso sem autorização do Lucius Fox. O que o Lucius Fox fez? No filme ele fala, isso é antiético, eu peço demissão agora. Aí o Bruce Wayne fala, não, não, não, fica só até o final. Então tá bom, fica até o final e depois eu peço demissão. Aí ele pede demissão. Então o próprio filme já mostra, isso é antiético galera. Só que passa desapercebido também. Essas cenas às vezes as pessoas não prestam muita atenção. Mas tudo bem. Ok, então se você se colocar no lugar do Coringa, em especial no filme de 2019, que é fantástico, você vai entender que o Coringa tem as razões para fazer as coisas que ele faz. Ele teve uma série de situações em que ele pediu ajuda para o sistema, para a sociedade, para lidar com os problemas de saúde mental dele e ninguém ajudou ele. Então chega uma hora que ele resolve colocar o caos para fora, porque ele acha que isso é a verdade do ser humano. E tem que acabar com essa hipocrisia de a gente fingir que é organizado, que é ordenado, que a gente tá de bem com a vida, que a gente pode sorrir, que o ser humano é gente boa. Ele fala, o ser humano é mau por natureza e vamos viver em uma sociedade em que a gente seja autêntico. E aí por isso ele vai colocar situações em que ele tá arriscando a própria vida. Como quando ele encontra lá duas caras, bota uma arma na cabeça dele e fala, bom, você pode escolher atirar ou não atirar e que seja o que você escolher. Na verdade ele joga, lembrei agora, ele joga, aí duas caras jogam a famosa moedinha dele e atribui o resultado ali, atirar ou não atirar, no final das contas não atira. Então o Coringa é um cara que coloca a questão da sorte, que ela coloca a questão do improviso em evidência. E ele não tá agindo assim porque ele nasceu assim, ele tinha fé no sistema, ele tentou buscar ajuda, o sistema se negou a ajudar ele. Isso já era uma ação caótica acontecendo dentro do sistema ordenado. Esse estado sucateado que vai cortando os benefícios sociais, em especial assistência de saúde, esse é um estado que tá sendo governado por governantes caóticos, que embora falem que estão implementando uma agenda de ordem, uma agenda de organização, de eficiência, estão na verdade destruindo mais do que construindo. Bom, essa análise que eu tô fazendo do Batman não é só minha, tem muitas pessoas que fizeram, de que o Batman é um cara que afinal de contas não é tão bonzinho assim, não é 100% bom, ele tem um lado caótico, ele pode até ser bom nas suas intenções, mas os seus métodos certamente são caóticos. Então o Batman é colocado como chaotic good, já o Coringa chaotic evil, em contraposição, por exemplo, ao chefe da segurança, como é que é o detetive principal da polícia lá? O Gordon, isso. O Gordon é um cara bom e ordenado, faz as coisas certinho, mas tem um filme lá que ele quebra um pouco as regras, finge que morreu e tudo mais, umas paradas assim também. Então a gente na verdade nunca é 100% um, 100% outro, a gente é uma mistura. E o que acontece é que o pensamento moderno, os ordenados, os caras que preconizam o método, eles vão tentar separar as coisas e dizer "nós só nós temos a verdade, o resto é mentira, o resto é errado". E isso implica em separar a ordem do caos. A gente aqui na América Latina tem uma tradição de hibridizar, de misturar, de combinar isso aí, vários movimentos artísticos deixarem-se a evidência, o mais recente talvez seja a Tropicália, que ainda é bastante influente, o movimento de cultura digital. E aí os latino-americanos vão criar personagens, heróis, como o Chapolin Colorado. Chapolin Colorado é muito melhor em termos éticamente do que Batman e do que Coringa, porque Chapolin Colorado não se vendeu para o dinheiro, para sexo, drogas e diversão como o Coringa se vende, nem portanto ele tomou uma atitude moralista como Batman toma. O Chapolin Colorado é simplesmente um amigo dos oprimidos, ele chega e tenta ajudar e nem tem tantos poderes assim para ajudar os oprimidos, mas mesmo assim ele vai lá e tenta. E tem um episódio interessante em que ele enfrenta o Tio Sam, que é o representante do capitalismo, ao mesmo tempo que ele enfrenta o representante do comunismo, tem os dois personagens no mesmo episódio e ele não se alinha nenhum dos dois, representando que na América Latina nós temos o nosso próprio caminho, não somos nem como os estadunidenses, nem como os soviéticos. Então a gente não precisa se escolher entre ser um assassino do lado da lei ou ser um assassino fora da lei, você pode preservar a vida também, isso é possível, você pode ser um herói que preserva a vida, que você defende realmente a vida mais do que a morte. Então um dos grandes superpoderes dele não são os superpoderes que vão matar uma outra pessoa, ele não tem nenhum superpoder ameaçador, no máximo ele vira do tamanho de uma... ele tem uma pílula diminuidora que fica pequenininha, pode entrar nos lugares sem ninguém ver, mas na verdade o que importa mesmo é que ele é um cara que tem um coração muito grande, tem empatia, tem sinceridade e principalmente paciência para aguentar situações muito chatas que ele encontra, como por exemplo escrever um TCC, tem as referências aí meméticas e muitos jovens se identificam com o Chapolin. Bom, falando de heróis de verdade, nós temos heróis na América Latina que seguem os perfis parecidos como Paulo Freire, que é um herói da pátria brasileira, ao contrário de muitos outros heróis generais que torturaram pessoas durante a ditadura, esses heróis não têm os seus nomes oficialmente reconhecidos pelo Senado Federal no livro "Dos Grandes Heróis da Pátria Brasileira". Paulo Freire está lá e o nome dele está escrito no metal para ninguém apagar facilmente, tentaram tirar a memória dele, mas não conseguiram e não vão conseguir porque a contribuição do Paulo Freire para a educação é fantástica, realmente ele é um cara que merece esse título de herói nacional e aqui está um exemplo de porquê. Um ponto principal da filosofia educacional do Paulo Freire é que o educador tem que ser coerente, ele precisa ser crítico com ele mesmo, aquilo que ele prega para os outros ele tem que aplicar a ele mesmo, então ele não pode sair pregando para as pessoas uma coisa e fazer outra coisa na vida pessoal deles. Então isso é muito interessante e também ajuda a gente a pensar que a teoria não pode ser pensada fora da prática. Quando a gente fala "seja coerente entre aquilo que você prega e aquilo que você faz", é a mesma coisa que dizer "seja coerente entre a sua teoria e a sua prática". Então o Paulo Freire enfatizava que os métodos, as ferramentas que a gente usa, eles também têm uma teoria, sempre tudo tem uma teoria por trás e a gente pode descobrir essa teoria, criticar e buscar alternativas. Se a gente quer ter uma prática livre, ou seja, queremos viver em liberdade, queremos que os outros ao redor de nós sejam livres, ou seja, a gente não tem opressão, nós precisamos escolher ferramentas livres para trabalhar, ferramentas que têm esse viés. Então isso significa se apropriar do metadesign, ou seja, da forma como a gente cria ferramentas, para a gente realizar um design ontológico crítico do ser que projeta em liberdade. Não vou explicar o que é isso agora, eu vou só plantar a semente para quem quiser saber mais, são termos técnicos que vão abrir a cabeça de vocês, mas não há necessidade de saber para progredir nessa disciplina. Basicamente o que significa isso? Bom, que você tem a ferramenta no livro, descrita de maneira teórica, você tem a ferramenta na mão, aplicada em um projeto de design, e você tem a ferramenta no cinto, depois que você já usou várias vezes, e você pode garantir que pode usar a qualquer hora. Eu quero que vocês sejam como, assim, Batman, Coringa ou Chapolins, mas que vocês tenham um cinturão de utilidades que vocês podem usar quando vocês precisarem de uma prática de projeto, em especial métodos de pesquisa. Esse tem sido um ideal há muitos anos já da minha pesquisa, da minha atitude quanto educador. Eu desenvolvi o X-Card junto com alguns colegas em 2011, esses baralhinhos, eles têm sido utilizados nas minhas aulas desde então, dá para baixar, fazer download, tem versão digital. É um projeto livre, está gratuito, disponibilizado num site lá, que vocês depois vão consultar quando forem fazer o trabalho. E tudo isso para que os times, as equipes de projeto, possam projetar livremente, sabendo das várias opções que elas têm para escolher, e que não tenha uma pessoa impondo e dizendo como tem que ser feito o projeto. Essas cartas, todas elas têm uma versão digital, se você entrar no QR Code, na URL, se inscreve na plataforma Corais, tem uma página para cada cartinha, e essa página tem mais detalhes de como você executa uma ferramenta, um método de design, tem comentários, tem como vocês conhecerem as pessoas que sabem usar, mandar um e-mail para elas, tudo isso está integrado. E você tem o seu cinturão, numa página de perfil, com todos os métodos que você é especialista, que você já usou alguma vez, ou que você está estudando, e você disponibilizando esses dados, você oferece o seu conhecimento para a comunidade de pessoas que estão na plataforma Corais. Então, esse é um projeto que a gente já tem desenvolvido há mais de 10 anos, que recentemente culminou com o desenvolvimento da versão digital dos UX Cards para uso em quadros brancos, como Miro, FigJam e outros. Então, quem quiser brincar com isso, não tem a versão física que eu vou usar, disponibilizar na sala de aula, vocês podem, fora da sala de aula, usar essa versão digital. Além do UX Cards, que é só um exemplo de ferramenta livre, eu destacaria essas daqui para vocês estudarem e substituírem as ferramentas proprietárias, que eventualmente vocês devem ter ouvido falar no mercado do trabalho, se não ouviram, vão ouvir. Se não ouviram no mercado, vão ouvir nas aulas. A maioria dos profissionais usam software proprietário, mas se você quiser ser um agente do caos, se você quiser ser um agente da liberdade, um agente da empatia, se você quiser ser como o Chapolin Colorado, use software livre, porque você não vai estar se alinhando nem com o capitalismo, nem com o comunismo, você vai estar se alinhando com o libertarianismo californiano, que é uma mistura dessas duas coisas. Inkscape é um software parecido com o InDesign, o Gimp é um software parecido com o Photoshop, desculpa, falei errado, Inkscape é parecido com o Adobe Illustrator, Gimp é parecido com o Photoshop, Scribbles é parecido com o InDesign, Photoforge não tem um proprietário equivalente, mas é para criar fontes tipográficas, o Blender é parecido com o Rhino, por exemplo, fazer 3D, o Krita, aí não me lembro do equivalente proprietário, mas é para desenho, para pintura digital, FreeCAD é parecido com 3D Studio Max, e o Canva, bom, o Canva não é software livre. Ué, mas é de graça, professor. Não, por enquanto é de graça, pode ser que no futuro eles comecem a cobrar, mas não é isso que faz a diferença ser software livre, porque tem software livre que você tem que pagar também, a diferença é que você tem acesso ao código fonte, e você pode modificar, fazer download, e você nunca vai perder aquele software, você vai poder ter ele salvo na sua máquina. Como é que você salva na tua máquina o Canva? Não tem, o dia que o Canva sair do ar, você perdeu todos os seus projetos lá, então eu não recomendo usar. Fora os vieses colonialistas estéticos que ele traz. Então, para concluir minha fala, para ser designer livre é preciso treinar como Batman, divertir-se como Coringa, desenvolver virtudes como Chapolin, ser críticos como Paulo Freire, e usar ferramentas como UX Cards. Bom, gente, por hoje é só, se vocês quiserem comentar, tirar alguma dúvida, agora estou à disposição. Digam lá. Alguém quer falar alguma coisa?