Então o que eu vou apresentar hoje é um resumo, uma reflexão de muitos anos jogando videogame. Eu acho que eu fui uma das primeiras gerações aqui no Brasil que pôde jogar videogame desde a sua infância. Não fui muito privilegiado porque meu primeiro console eu só fui quando eu já tinha acho que 14 anos. Antes disso eu jogava os consoles dos meus colegas, mas eu tive uma coisa que foi privilégio que foi ter acesso a um computador PC já nos anos 90, o que era meio raro naquela época você ter isso em casa. Então dá pra se dizer que era um privilégio. E o que o PC tem de diferente em relação aos consoles naquela época, o PC era muito mais exploratório, o tipo de jogos que você conseguia encontrar. Existia uma fatia dos desenvolvedores de jogos que haviam migrado para essa mídia porque ela dava muito mais liberdade em termos de distribuição de jogos do que os consoles das grandes produtoras como Sega e Nintendo, que eram poucos naquela época. Então onde estava a criatividade em desenvolvimento de jogos era no PC nessa época. Outra coisa que era vantajosa é que o PC naquela época custava às vezes mais barato do que um console relativamente. Então para você fazer o upgrade você não precisava jogar fora o console e comprar um novo. Então no ponto de vista de acessibilidade para os jogos fez uma diferença enorme. Eu joguei muitos jogos que meus colegas só foram jogar depois da mesma geração, meus colegas da mesma geração só foram jogar alguns anos depois. Então talvez vocês não consigam identificar esses jogos, talvez não somos da mesma geração. Eu vou fazer o possível para contextualizar esses jogos dentro da época, do momento. O primeiro jogo que eu joguei eu tenho a impressão de que foi esse Frog que é um jogo do Atari para você atravessar uma rua cheia de carros passando a mil por hora, caminhões também. A primeira parte são os carrinhos pequenos, depois vêm os caminhões gigantes que demoram mais tempo que passando ali você tem que atravessar. E se você errar, se você fizer um passo à frente que está mal calculado, pimba, você morre, acabou, é uma vida só, você começa de novo até você conseguir desenvolver depois de milhares de vezes a destreza para você atravessar essa rua rapidamente. E existe um processo assim de você não pensar praticamente, é visceral o tipo de interação que o Frog exige. Você não pode reassucinar, você tem que praticamente só ter que se tornar o único no jogo. Mas o interessante é que para mim eu aprendi que no videogame eu conseguia ter uma resposta rápida sobre as minhas ações, um feedback a uma consequência que me fazia rapidamente modificar minha estratégia, minha próxima ação para que eu pudesse cada vez for incorporando o método de ação ótimo para ganhar esse jogo. Mais para frente quando eu fui jogar outros jogos, já no PC, o Doom, o Wolfenstein 3D antes dele, eles me traziam sempre essa questão da morte de uma maneira muito mais dramática. Enquanto que no Frog você morreu é praticamente uma questão numérica. No Doom você vê o seu oponente morrendo e ele fica saindo sangue, às vezes saem as tripas para fora. Mas o teu personagem também vai morrendo aos poucos. Então essa carinha do personagem que tem lá embaixo, que eu não me identifico, porque não faz parte da minha cultura, enfim, é um personagem que não tem uma identificação comigo enquanto jogador. Mas o que ele mostra é uma função, ele não está ali para identificar, a função dele é que ele vai começando a ficar quebradão, o rosto dele vai ficando amassado, cheio de feridas conforme ele vai perdendo energia. Então a morte você vai se aproximando dela gradualmente e você vai tendo a sensação de que "nossa, vou morrer", mas é devagar. Depois que você morre você pode simplesmente carregar o jogo que você tinha acabado de salvar e continuar. Um daqueles jogos que você pode apelar para o save game, load game em qualquer momento do jogo. Então é uma ação reversível e o fato de você ter várias vidas em outros jogos também tem um impacto similar. E você poder no videogame testar várias ações e você voltar atrás, dá o control Z que dá cultura digital, o voltar atrás. Porém nós temos também o game over em vários jogos. No Doom não era muito comum você precisar chegar no game over, mas vários outros jogos em especiais de console o game over era inevitável e não tinha o que você fazer, tinha que começar do zero, depois de estar horas e horas e horas lá para chegar naquela fase do chefão tão almejado, não tem choro nem véu. Alguns jogos depois implementaram um código que você tinha que anotar no papel porque não tinha ainda o save games e isso era muito irritante, acho que era uma das grandes frustrações. Por outro lado também era um grande estímulo para você prestar mais atenção no jogo. Eu tive várias situações que eu jogava videogame nessa época que eu ficava tão grudado, se alguém me interrompesse eu estourava de raiva porque eu sabia que ia ter que começar meu trabalho de 6 horas, 9 horas às vezes jogando, isso era muito irritante e as outras pessoas obviamente não entendiam isso e muitos conflitos familiares aconteceram por conta desse maldito game over. Mas depois conforme os jogos foram se tornando mais de boas e implementando funções de memória e voltar atrás, como eu mencionei, você começa a ter uma experiência de jogos que me ajudam a expressar a minha personalidade e entender eu mesmo e eu no mundo e eu em relação às outras pessoas de uma maneira como se fosse um espelho. Eu comecei a perceber que o Descins para mim era um espelho das coisas que eu acreditava que eu queria para minha vida. Eu era um adolescente, eu imaginava eu adulto e ficava brincando, eu imaginava uma família, como seria a família ideal, como seria o tipo de casa ideal, o trabalho ideal, mas ao mesmo tempo eu podia experimentar vários tipos, então não era só o ideal, eu poderia experimentar aquilo que era menos ideal porque eu não sabia se me perguntasse o que isso vai ser quando crescer nessa época eu não ia saber responder. Eu ficava pensando em várias outras coisas que foram muito diferentes do que eu acabei fazendo de fato. Então eu tenho a impressão de que o Descins me ajudou a me entender melhor, a entender melhor as minhas relações com outras pessoas, em especial relações familiares. Ajudou a curar um pouco de uma certa divisão e separação que existia entre minha família e o meu mundo do jogo. Uma vez que minha família, com exceção dos meus irmãos, ninguém jogava e ao mesmo tempo tinha um preconceito em que eu jogasse, enfim, diziam que se eu jogasse na televisão ia estragar a televisão, se eu jogasse no videogame ia estragar meus olhos, se eu jogasse no computador ia estragar minha mente, enfim, videogame sempre foi uma uma controvérsia dentro da família. E ao jogar jogos de luta, especialmente One Must Fall, que é um jogo um pouco conhecido, mas ele tinha uma característica interessante que você, o seu personagem, ele poderia evoluir ao medida que você fosse jogando as lutas, lutando. É uma mistura de um Street Fighter com um RPG, então você poderia melhorar as habilidades do seu personagem, isso refletia na sua habilidade de luta, nas chances que você tinha para vencer o campeonato. E você poderia usar esse personagem que você customizou também para jogar e lutar contra outros jogadores fora do campeonato, como convidados, pessoas que vinham te visitar. Então tinha um efeito assim um pouco parecido com você compartilhar o seu deck de cartas no médio que você ficou desenvolvendo durante muitos anos, também era um jogo que eu jogava nessa época. E enfim, uma coisa que eu percebi é que a cada vez que eu jogava com outros jogadores eu tinha que enfrentar várias estratégias novas e peculiaridades dos outros jogadores, mas quando eu jogava contra o computador era igual, era sempre parecido. Então na verdade o que eu estava jogando ali não era contra o computador, eu estava jogando contra mim mesmo, me aperfeiçoando na maneira de jogar. Então eu comecei a perceber que esse personagem, quando eu ia melhorando as habilidades dele e a barrinha ia subindo, mas de uma certa maneira mimetizava, representava, não de maneira igual, mas de maneira aproximada o desenvolvimento das minhas habilidades de luta neste jogo, mas talvez também o desenvolvimento das minhas habilidades cognitivas, de modo geral, que eu usaria para outros jogos. Eu comecei a perceber também que depois de um tempo que você se torna um jogador, você joga muitos jogos, novos jogos se tornam mais fáceis para você jogar, isso se torna um motivo de orgulho, de você poder demonstrar essa habilidade destreza manual e estratégica e cognitiva com outros oponentes, em especial oponentes humanos. Quando vinha outra pessoa você mostrou, a pessoa não tinha nem chance de se levantar, porque você já tinha decorado todos os movimentos apelativos daquele jogo, que fazia parte também do cabedal de habilidades. Não só eram as habilidades oficiais, talvez nem as habilidades que os desenvolvedores queriam que os jogadores desenvolvessem, mas eram aquelas que por jogadores faziam a diferença social. Mais uma vez eu encontrei com um jogador que era muito mais sério do que eu. Eu fui na casa de um amigo que jogava, na época acho que era Nintendo 64, e ele tinha esse GoldenEye, que era o jogo do 007, e ele só tinha esse jogo praticamente, acho que só tinham duas ou três fitas, era fita acho que nessa época, então ele jogava o GoldenEye até não poder mais. Ele era muito, mas muito, mas muito, muito bom, não tinha chance nenhuma, ele brincava comigo como um cachorro ou um gato brinca com uma presa na boca. E aí ele falava "poa que bom que você veio me visitar, porque agora esse jogo tem algum sentido pra mim, jogando sozinho ou jogando contra o computador não tem graça absolutamente nenhuma, já zerei isso aqui tantas vezes de várias maneiras né". Ele levou ao TED essa perfeição no caso, ele tinha um nível de tiro que ele podia estar a quilômetros de distância e você morria e não sabia porque, você não tinha como se esconder assim, era muito difícil. E o legal desse jogo, no Nintendo 64, que era um dos primeiros jogos First Person Shooter, você podia jogar com mais de duas pessoas, então você jogava com três, quatro no mesmo console, então era legal quando vinha colegas, meus irmãos, vinham jogar contra ele, que a gente fazia, a única chance que a gente tinha era se a gente se unisse contra ele. Então tinha que ser os três contra esse cara, e aí um ficava distraindo ele enquanto o outro vinha pegar por trás e tudo mais, isso se tornou interessante, mas jogar uma pessoa contra ele era impossível, o cara era muito bom. E aí eu comecei a perceber que existiam jogos que tinham uma linha de desenvolvimento e uma curva de aprendizado única, que você só podia desenvolver um tipo de habilidade, e existiam jogos que tinham vários tipos de habilidades, várias curvas possíveis. Um deles é esse UFO Enemy Unknown, que é um jogo absurdamente interessantíssimo, um dos jogos mais interessantes dessa época, porque ele combina tático com histórico, com gestor de recursos, com exploração espacial, é tudo o mesmo jogo, e ele tem vários modos de jogo. O que vocês estão vendo nessa tela é a tela de investigação do pouso de um objecto voador não identificado. Então você vai lá, você tem que mexer as suas unidades, que são membros de um grupo de elite que está investigando esses pouso de objetos voadores não identificados ao redor do mundo, e aí você chega lá, eles às vezes atiram em você, mas o interessante é que você não consegue ver todo o cenário, essa é a grande sacada desse jogo. Você depende do campo de visão do seu time, e quando o time recebe um tiro e morre, você perde o campo de visão daquele jogador. E aí você começa a ter a chance, que é muito interessante, o terror que o jogo cria, é de um alienígena sair do meio do escuro e te dar um tiro por trás, porque você não estava vendo. Então esse tipo de mecânica é muito rara nos jogos hoje em dia, eles tentam produzir uma sensação de você estar o tempo todo prestando atenção em tudo, você ter uma incerteza pequena, nesse jogo a incerteza era muito grande, então o jogo gerava uma emoção, gerava uma tensão que ia gradualmente crescendo. Ele tinha outras funcionalidades, não vou entrar aqui em detalhes, mas é um jogo muito interessante para aprender a lidar com emoções, tanto é que ele não tinha só a emoção do medo, mas ele trabalhava com emoções como você ter o apego com o jogador, ele falava "olha, esse personagem que você vem desenvolvendo uma relação até morreu", você tinha vontade de chorar, porque ele tinha um nome, ele tinha história, era muito interessante. E eu acho que jogando jogos, principalmente de console, que tem uma velocidade, naquela época tinha uma diferença enorme, os jogos de computadores não tinham o processamento de vídeo tão rápido quanto os consoles, então no console você conseguia jogar jogos que você chegava no limiar e você saía desse limiar. Por exemplo, After Burner, que é um jogo para Master System, acredito eu, talvez tinha para Mega Drive também, o que eu gostava de fazer era fazer o grande rasante para escapar os inimigos e quase encostar no chão e voltar. É claro que de vez em quando explodia lá no fundo, mas esse rasante era muito excitante. Aquelas sensações, "vai, vai cair, vai cair, vai cair, não, não, não, não, não, não, não, vambora, vambora", aí consegui. Às vezes não conseguia. Então, essa curva da emoção, que vai chegar ao clímax e depois alivia, você tem o controle dela, diferente de um filme, que você tem que entrar no clímax que foi projetado pelo autor, pelo diretor, é muito diferente, porque ajuda você também a lidar com suas próprias emoções. É claro que o filme promove reflexão, mas o videogame promove reflexão ativa, interativa. Mas nem tudo são flores nos jogos, nas minhas experiências. Em alguns momentos da minha vida, o jogo foi uma forma de catarse para expressar emoções que estavam acumulando dentro de mim e que eu não conseguia expressar com outras pessoas. São emoções que não tinham a ver com o jogo, tinham a ver com a minha vida social. Por exemplo, no meu primeiro casamento eu ficava muito irritado com a minha esposa e não conseguia falar isso para ela, não conseguia expressar isso para ela. E aí eu abri Mortal Kombat 4, que era um jogo que tinha acabado de sair na época, um jogo sanguinário e violento, e eu destruía os personagens, oponentes, com uma maneira de botar para fora aquela raiva que eu tinha, que não era obviamente dos personagens, era da minha esposa, mas ao mesmo tempo de mim mesmo, de não saber lidar com aquela situação e ter uma dificuldade de relacionamento. Então eu gostava de pegar o Sub-Zero e bater, bater, bater, bater, bater. E às vezes a minha esposa vir e perguntava "é isso que você gostaria de fazer comigo?" "É, isso muito". Eu me sentia um pouco assim, eu não sou uma pessoa violenta normalmente, então eu me sentia envergonhado de estar fazendo isso, mas ao mesmo tempo era uma vontade que eu não conseguia parar de dar vazão. Depois, enfim, eu acabei me separando, a vida mudou para melhor, eu acho que eu consegui sair desse relacionamento e aprender alguma coisa no sentido de que esse tipo de solução era paliativo, ela não resolvia o enfrentamento necessário no meu relacionamento, eu era uma fuga. Em outros momentos, o videogame me gerava aí sim uma relação violenta, como eu já mencionei pelo próprio mecânica. Eu não sei quantas vezes eu já briguei com as outras pessoas ou comigo mesmo, sei lá, eu não queria arremessar o controle no chão ao jogar esse jogo que eu acho que era Donald Duck, Quack Shot, alguma coisa assim, não me lembro o nome, mas ele é tão tosco a jogabilidade que você morre muito fácil. Não é tipo Sonic, Mario, não, se você errar um negócio, um pulo, uma posição, você morre e de uma maneira ridícula, sempre muito ridícula, tipo um cactus que pula e daí o cactus quando pula ele às vezes se desmonta em quatro pedaços e aí o pedaço do cactus vai e te mata. Então, pô, que história é essa? Ele cactus, vive em pedaços e cada pedaço é independente e vai para um lado, não fazia sentido. E a arma do Donald era, esse jogo era o tipo politicamente correto, Disney, então a arma do Donald era atirar um desentupidor e o desentupidor ele não matava os personagens, isso que era pior, era muito frustrante porque o personagem ficava parado, travado com o desentupidor como se o desentupidor fizesse a pessoa ficar travada, ele ficava tremendo assim e depois saiu o desentupidor e ele voltava a movimento. Então esse jogo, as coisas não faziam sentido pra mim, mas eu adorava o Donald e onde que eu pudesse ver ele nos jogos na época, eu estava, então sei lá, era uma mistura de emoções que me atraiam ao jogo e essa irritação ela ia construir e às vezes eu descarregava nas outras pessoas uma irritação que tinha sido construída no jogo. Eu na verdade não gostava tanto desses jogos assim de tudo ou nada, eu gostava mais de jogos que tinham história, mas no começo dos videogames era muito raro isso, a maioria dos jogos eles eram vicerais. O primeiro jogo que eu percebi que tinha uma história era o Pitfall do Atari, esse jogo que vocês estão vendo aí. O Pitfall, enfim, ele não tem muita história assim escrita, mas você conseguia imaginar que você tinha ido para uma floresta densa, tropical e que você tinha que pular na cabeça do jacarés para atravessar o lago e às vezes você tinha que entrar num buraco que ia com uma caverna embaixo da terra e pular os escorpiões que apareciam. Então ele me lembrava muito de um filme que era o Indiana Jones que mexia muito com a minha imaginária e era um filme que estava fazendo sucesso nessa época. Então eu acredito que a mistura, a intertextualidade entre uma mídia e outra é o que trazia essa sensação de que você está dentro da história. É uma analogia, como se você fosse... Você jogava Indiana Jones com esse jogo, mas você não estava de fato no Indiana Jones e nem o jogo fazia um esforço muito grande para construir uma história com textos e enfim, nem existia esses recursos nessa época. Agora voltando para os anos 90, quando eu comecei a perceber que o jogo me permitia aprender alguma coisa útil para mim, eu joguei Civilization na metade dos anos 90. Civilization é um jogo que simula um processo histórico muito longo, ele pode simular milhares de anos mesmo, 10, 20 mil anos se você quiser, e você vai vendo a civilização humana, ou as várias civilizações, na verdade as várias, se desenvolvendo em vários lugares do mundo e eventualmente interagindo de maneira pacífica ou em guerra, mas o foco desse jogo não era a guerra, o foco era você construir uma civilização em todos os seus aspectos culturais, econômicos, políticos, enfim. Isso era muito interessante porque era baseado, as estruturas que tinham nesse jogo eram baseadas na história das civilizações humanas reais. Então você tinha lá a opção de seguir o modo de produção despótico, que é o grande líder e você diz o que vai acontecer e os outros tem que obedecer, e isso tinha uma produtividade baixa, se você mudasse para a democracia, mais para frente, você conseguia ter uma produtividade maior, só que você não podia fazer tudo que você queria, então às vezes você queria invadir outra civilização, dominar, fazer guerra, e aí o Senado não deixava você fazer isso, você não era um líder tão autocrático. Então isso era muito interessante porque era uma relação real, fora todos os processos científicos para você desenvolver a democracia, você não podia apertar um botão e mudar para a democracia, você tinha que primeiro desenvolver a habilidade escrita na sua civilização, tinha que desenvolver o código de leis, tinha que desenvolver uma série de outras descobertas científicas para chegar a ter essa chance de mudar para a democracia. Enfim, cada um desses etapas, cada um desses elementos tinha uma página indescritiva explicando com informações reais do mundo real, que se você ler, se você aprender história, e eu fiquei tão empolgado com ter aprendido história dessa maneira e ter entendido os fenômenos sistêmicos que a história constitui, que é difícil de entender quando você aprende história com um ponto de vista temporal, memorizando datas, períodos históricos, você não vê como um período leva a outro período, a história fica parecendo uma coisa fragmentada, mas no caso do videogame o jogo deixa claro que uma coisa leva a outra, e uma civilização tem uma história num tempo diferente da outra e essas interações elas interferem, elas não deixam as civilizações se desenvolverem de maneira isoladamente, uma trajetória é sempre vai e volta, e isso eu não tinha percebido, não tinha entendido pelo que os meus professores me apresentavam no ensino fundamental e médio, não, nessa época eu estava no fundamental ainda, e eu fiquei impressionado que eu aprendi tanta coisa, eu comecei a mudar minha postura em sala de aula, na história, eu nem gostava tanto assim da história, mas depois de jogar esse jogo eu comecei a responder todas as perguntas dos professores, como é que você sabe isso? Ah, eu estava jogando um jogo, jogando um jogo, na época para a professora não fazer nenhum sentido, ela não nem sabia que existiam jogos que traziam conteúdos realistas, e eu gostei tanto de ter aprendido isso que eu até cheguei a traduzir esse jogo do inglês para o português para os meus irmãos mais novos poderem jogar, o jogo era inglês e eu entrava nos arquivos fonte do jogo, que eram arquivos executáveis, eu não lembro exatamente o formato, mas eu descobri que eu não podia alterar o tamanho do arquivo binário, ele tinha que ser o mesmo tamanho, eu só podia substituir os caracteres que estavam lá, então eu fazia a tradução, é, Hard Code mesmo, editando o código alfanumérico como um hack para os meus irmãos poderem aprender, e eles aprenderam, gostavam muito de aprender história desse maneira, eu não distribuí o jogo que nessa época eu acho que nem tinha internet em casa, mas seria algo que eu gostaria de ter feito se eu soubesse que existia essa possibilidade. Outro jogo que veio mais tarde, mas que foi muito interessante também, que falava mais da nossa realidade no Brasil, é o Colonization, que mostra que a colonização da América Latina é totalmente predatória, é tudo bonitinho, todos esses ícones fofinhos, você chega lá na terra, no novo mundo, aí você chega lá tem um monte de indígenas, os indígenas são feios, eles vem te matar, aí você começa a ficar com raiva dos indígenas, aí você vai lá e faz o tratado de paz, com os indígenas eles quebram o tratado de paz, te roubam as coisas, aí você começa a ficar com raiva, mas conforme você vai jogando o jogo você vai vendo que o teu pior inimigo não é os indígenas, seu pior inimigo é a corte da nação europeia que domina essa colonização, porque eles começam a cobrar impostos cada vez mais altos e chega um ponto que você não consegue mais praticamente gerenciar a sua colônia, você fica vivendo em função de pagar imposto, de enviar os materiais. E aí Arthur, tudo bom? Que bom que você veio meu cara. Então você fica focado em enviar material e chega uma hora que você chega no... o jogo não tem um momento que você ganha o jogo, é justamente que ele chega no final e você fala "cara, você perdeu e olha aqui, a colonização você não vai ganhar nunca enquanto você não proclamar independência", aí quando você progama independência o jogo acaba, que acabou a colonização. Só que isso não é verdade, a nossa colonização no Brasil ela continua até hoje de uma maneira mais eu diria abstrata ou cultural, não é tanto política e econômica, mas ainda é cultural, muita gente chama isso de colonialidade ou neocolonialismo, eu continuo pensando que é uma forma de colonialismo a partir de uma perspectiva imperial, um imperialismo, principalmente dos Estados Unidos, creio eu, mas nesse jogo eu aprendi muitas coisas sobre como se dá essa relação material mesmo da produção da existência na colonia. Esse outro jogo aqui também foi muito interessante porque acho que foi o primeiro jogo em que eu podia fazer coisas, muitas coisas consideradas socialmente criminosas, é o Grand Theft Auto e é muito diferente de você jogar Doom, no Doom você vai lá e mata um monte de monstros ou no Wolfenstein você mata um monte de nazistas e tudo bem matar nazista, é socialmente aceito matar nazista, pelo menos era nos anos 90, hoje em dia está um pouco controverso o Wolfenstein, curioso, mas nessa época o GTA trouxe uma coisa nova que era você fazer coisas do tipo atropelar pessoas inocentes na rua, você roubar o banco, você assassinar pessoas importantes e políticos e sei lá, tinha muitas coisas assim que eu falo nossa, realmente é um simulador de bandidagem, porém uma coisa interessante que eu comecei a perceber desse jogo é que você não podia sair matando todo mundo, sair fazendo qualquer crime sem você não ter uma resposta muito forte do jogo, você não conseguia ser como nos filmes aqueles personagens que saem fazendo o que querem e depois se livram de toda a consequência, não, você tinha que seguir regras no GTA, inclusive quando você entrava numa gangue e aceitava pegar um trabalho, se você fizesse uma coisa erradinha fora do script que a gangue te passava, eles te matavam, eles te correram atrás de você, não ficava bom para o seu lado, então eu percebi que o GTA não era um jogo que estimulava eu a ser um ladrão, pelo contrário, ele me estimulava a aprender a seguir regras, seguir um plano, fazer parte de uma estratégia, claro você podia jogar o jogo freestyle, que acho que é um dos primeiros jogos com essa lógica do mundo aberto, mas isso não era divertido, você jogava, nessa época não era, você jogava 20 minutos, já roubou todos os carros que podia, já matou todo mundo que podia matar, não tinha graça, não tinha objetivo, então você queria perseguir um objetivo, você tinha que seguir as regras para alcançá-lo. Agora jogos de gestão de recursos ou jogos de administração são jogos que me pareceram mais avançados e complexos no sentido de representar regras que você tinha que dominar, ele tinha tanta regras, tanta regras que você não conseguia dominar todas elas, então você tinha que trabalhar com uma certa ousadia, de tentar fazer alguma coisa e ver o que acontece, mesmo sem saber quais são as regras que estão regindo aquele funcionamento daquele sistema. Então, no jogo Railroad, não, desculpe, o Transport Typhoon, muitas vezes eu me sentia empreendedor quando eu falava "puxa, essa cidade aqui não tem nenhuma empresa de transporte fornecendo serviços, acho que eu vou levar um trem para lá", então você ia lá e construía aquela ferrovia e no meio do caminho você encontrava um terreno pedregoso que era difícil de construir e às vezes você não conseguia construir, já da hora tinha que ficar na metade ali do trem, aí você ia lá e investia mais um pouco, conectava as duas cidades, comprava o trenzinho, o trenzinho começava a levar passageiro e começava a entrar o dinheiro para, depois de muitos anos, você ter o retorno sobre o seu investimento. Então esse jogo, obviamente que me ensinou muitas coisas sobre administração, mas em especial a questão do empreendedorismo nesse jogo, que você não, é diferente do Sin City, que é um jogo que você administra algo que está fechado dentro do teu território, nesse jogo você tinha que expandir o território e buscar novas fontes de atividade econômica conectando uma floresta onde havia extração de lenha com uma beneficiadora de madeira para levar para uma fábrica que ia produzir um móvel para ser vendido na cidade, você via que a infraestrutura viária que você construía é que estimulava essas empresas a crescer, que não eram suas, isso que é interessante, você era um barão do transporte, da infraestrutura viária. Por outro lado, uma coisa que tem nesse jogo é que ele é um desenvolvimento completamente liberal, capitalista, individual, é só um empreendedor que desenvolve a infraestrutura, não tem intervenção do Estado aqui. Então o que acontece é que se você quisesse fazer uma porcaria de infraestrutura, e isso às vezes acontecia, quem sofria eram os cidadãos, as cidades, elas perdiam, enfim, as pessoas saíam da cidade, ou às vezes morriam, só que o jogo não representava isso. Outro jogo que eu acho que representa muito melhor essa visão do público versus o privado é o Sin City, o especial Sin City 2000, que eu acho que foi a obra-prima desses jogos, que ele mostrava que você não conseguia agradar todo mundo. Por um lado você tinha que agradar um setor da população, por outro lado você tinha que agradar o outro, e quando você agradava um, você desagradava o outro, e você não conseguia ter um ponto de equilíbrio, uma homeostase da sua cidade. A cidade estava sempre entrando em desequilíbrio, isso é que gerava o interesse do jogo. Então você aprende com o Sin City que administrar é mover problemas de um lado para o outro. Dentro da teoria da administração e do design, a gente tem o termo chamado "wicked problem", que eu gosto de traduzir como "problema capicioso". É o tipo de problema que é insolúvel, como por exemplo o desenvolvimento econômico versus a sustentabilidade. Eu tentei uma vez criar uma cidade no Sin City 2000 que chamava Amazônia, então eu fiz uma ilha toda cheia do máximo possível de floresta, e eu botei o meu objetivo de que eu queria preservar o máximo possível essa floresta, e enfim, construir uma cidade que fosse mais espalhada horizontalmente, que tivesse uma série de parques, que as pessoas fossem felizes nessa cidade, que é a cidade que eu queria morar, mas o jogo não permitia fazer isso. Não era possível construir uma cidade sustentável no Sin City 2000, porque havia a necessidade do desenvolvimento industrial e para isso você tinha que espalhar a sua cidade, derrubar o mato, e você não conseguia construir uma cidade que tivesse alta densidade de cara, e seria possível você pensar que "olha, vamos ocupar o mínimo possível de terra, vamos construir um monte de arranha-céu no meio do mato, no meio da... tipo o que tentaram fazer em Manaus", mas não deu certo. Manaus também não deu certo no Sin City, porque você começa a ter... para chegar na fase de desenvolvimento econômico em que você... as pessoas querem comprar apartamento e viver uma em cima da outra, primeiro você precisa ter um desenvolvimento longo de ocupar uma ação mais horizontalizada da cidade. Então eu me frustrei bastante nesse jogo, mas depois vieram outras versões do Sin City que foram incorporando a sustentabilidade como uma possibilidade, mas ainda assim eu acho que mesmo nas versões mais recentes, ainda continua provando que o modelo de cidade que a gente tem moderna, ela não é e nem vai ser sustentável, a gente tem que repensar a nossa cidade. Mais uma coisa que tem muito legal nesse jogo, que eu acho que se perdeu nas versões posteriores, é o newspaper, o jornalzinho de bairro que tinha lá no Sin City. Ele sempre fazia algum comentário sobre as suas tomadas de decisão com o prefeito, então ele falava "ah, tá tendo uma falta de água", que é o que tá mostrando agora na manchete, mas ele tinha sempre alguma mensagem, uma história que tinha a ver indiretamente com o seu trabalho, uma notícia bizarra da sua cidade que mostrava um pouco da cultura da quela cidade. Então, às vezes eles falavam sobre "nasceu uma criança deformada", "foi avistado um alienígena naquela cidade", "existe uma conspiração". Então era uma coisa muito... Por exemplo, Mutant Guppy, então tem uma notícia aí falando sobre mutantes que começaram a crescer na sua cidade, aí você vai investigar, isso tem a ver com radiação, que tava tendo muita poluição, mas esse jornal não falava isso de maneira direta, era de maneira indireta. Então eu achei que era uma coisa interessante que o jornal dava uma noção da opinião pública e ela nunca era absoluta, sempre tinha gente a favor de você e contra você na sua lógica de gestão. Sim, sim, total. Agora, um outro jogo muito interessante também que eu joguei no começo dos anos 90, que, enfim, a gente fala muito de economia compartilhadora, internet e tudo mais, mas nessa época você compartilhava o que você criava nesse jogo com um disquete, era o Stunts. É um jogo de corrida muito tosco, mas que ele tinha de muito legal que você podia criar sua própria pista, e a sua pista podia ser malucona, podia ser tipo uma montanha russa e os carros tinham que passar, enfim, era muito tosco os gráficos, mas você que criou, e aí você passava no disquetinho pro seu colega na escola, ele jogava o jogo lá, depois te devolviu o disquete no dia seguinte, aí ele trazia os jogos dele, você não tem noção do como isso era legal. Hoje em dia com a instantaneidade de você mandar um e-mail, de você mandar, compartilhar via um servidor, ele perdeu um pouco, eu acho, dessa physicalidade de você botar no disquete na mão, entregar, a pessoa levar, enfim. Mas o que tinha mesmo que era interessante era você criar coisas, poucos jogos permitiam criar coisas nessa época, e você criava-se, quando você cria algo você quer compartilhar, só que seus pais, sua família não entendem nada da beleza que é, mas é uma boa pista nos tantes, então você compartilhava com quem jogava. E jogar junto é muito mais divertido, pelo menos pra mim era, em especial Micro Machines, que era um jogo que fazia você conseguir jogar quatro pessoas numa mesma tela sem fazer split screen, porque dentro do PC fazer split screen era pesado pra o processador, eles conseguiam fazer um modo de jogo que se você ficasse fora da tela, ou seja, pra trás, pra fora da tela, você era eliminado da partida. E aí quem continuava correndo na frente, se mantinha dentro do jogo. Claro que quando os quatro jogadores eram bons, ninguém ficava pra trás, se ficava a tela e dando volta, até que alguém batia, você querrava e "paf", ia pra trás, então isso gerava bastante estímulo. Outro ponto interessante desse jogo é que quatro jogadores num PC, as pessoas não tinham joystick nessa época, se tinha era um só, porque você não podia plugar um joystick no PC, não tinha porta pra entrar joystick, né? Quatro joystick. Então a solução foi você jogar quatro pessoas no mesmo teclado, como isso? É só você fazer um mapeamento de controle que você só tem quatro botões, basicamente é necessário pra você mover um carro pra frente, pra trás, pra direita, pra esquerda. E é isso, então você ficava quatro mãozinhas ali no teclado, mas você ficava meio um do lado do outro, grudado assim, e jogava, e era muito, muito emocionante, muito divertido. Micro Machines. E por último, um jogo bem antigo também do Atari, o Decathlon, hoje em dia fala muito do Exer Games, "ah, o Nintendo Wii foi o primeiro", que nada, gente, nos anos 80 já tinha o Decathlon, que você pegava esse controle, manche, e você ficava girando, você fazia esse movimento aqui, fazia correr o seu personagem, quanto mais rápido você mexia, mais rápido ele ia, daí tinha várias coisas que você não podia fazer rápido demais, outros exercícios, e você acabava destruindo o seu controle sempre, porque esse jogo era pesado pra os controles. Mas era uma forma de exercício, a gente ficava, sim, suando depois de jogar Decathlon, então a gente mostrava isso pros nossos pais, olha só, você disse que a gente não faz exercício, que a gente fica em casa só, olha aqui, estamos suando aqui jogando esse jogo. Então muitos pais estimulavam que se jogasse Decathlon, depois mais tarde teve o California Games também, acho que no Master System também fez bastante sucesso. Mas enfim, agora chega de falar sobre as minhas experiências de jogos, eu vou fazer uma reflexão, desculpa, na verdade eu falei muitas experiências boas, agora eu vou falar sobre experiências ruins jogando jogos. Por exemplo, entre os 14 e os 17 anos eu tive uma espécie de depressão, enfim, não sei se era depressão pra falar a verdade, mas eu queria às vezes acabar com a minha existência enquanto pessoa fora do videogame e ver só dentro do videogame. Então eu queria ficar 12, às vezes 14, 16 horas direto jogando esse jogo aqui, que era o Championship Manager CM2000, era um jogo que simulava a realidade da gestão de um time de futebol de uma maneira tão detalhada que era impressionante. Por exemplo, os jogadores tinham personalidades, eles discutiam com o técnico e você tinha que aliviar uma briga entre os jogadores pra poder ter um contato com outro jogador de outro time pra você poder comprar ele, era uma coisa assim, aí você mandava os olheiros, vocês conversavam com os jogadores, voltavam com os resultados, era muito interessante. E os jogadores eram reais, porque os jogadores de futebol eram reais porque os jogadores do Championship Manager atualizavam com frequência a lista de jogadores na internet, foram os primeiros jogos a ter esses updates, então era muito interessante, só que pra mim eu percebi que isso travou meu desenvolvimento. Então eu não jogava paciência, mas outras pessoas, eu descobri depois, jogavam paciência com o mesmo objetivo, anular a sua própria existência temporariamente, não quero pensar em nada, não quero sentir nada, quero só jogar paciência. Era o que eu fazia com o Championship Manager, só que um pouquinho mais sofisticado. Agora existia, existiu também, existe ainda pessoas que realmente morrem jogando, literalmente, como esse caso de uma jogadora de World of Warcraft que morreu depois de jogar 50, 60 horas sem ir ao banheiro, sem comer, e aí os jogadores que estavam conscientes disso, porque é um jogo multiplayer, fizeram até uma cerimônia, um ritual de dar tchau pra ela, se despedir dessa pessoa, e aí essa ação realmente é irreversível. Então o que eu queria enfatizar como aprendizagem, enquanto adulto olhando para trás, é que se não houver escolha para o jogador, se o consumo do jogador for alienado, como foi por muitos momentos para mim, enquanto eu estava especial quando eu tinha Master System, enfim, não tinha muita escolha de jogo porque era caro, porque era uma indústria brasileira fechada, ainda tinha aquela época que era difícil fazer importações e coisas no Brasil, sei lá, você não podia comprar um jogo de fora, você tinha que passar por uma adaptação dele via tectoy, tinha pouca opção. E eu não tinha critérios para escolher e pensar de maneira crítica, pelo menos nessa primeira fase do videogame na minha vida, meus pais e meus professores e os adultos não se envolviam com isso. Eu acredito que isso é um problema para a minha geração, que eu acho que as relações posteriores foram melhorando, na medida que a gente, nós fomos ter nossos filhos e jogando com eles. Porque o videogame simula o que é imaginado na realidade social, então ele não é do nada que o videogame traz relações sociais e simbólicas, ele é, na minha opinião, a forma de imaginar e aprender própria da sociedade da informação. Então eles materializam um campo de ação simbólica dessa sociedade, que quando você está na sociedade da informação, tudo que você faz tem um significado, tudo que você faz gera informação e você precisa de informação para agir de maneira significativa e ter muita informação. Então o videogame é uma espécie de simulação do mundo real que a gente está vivendo. Quando a gente sai na rua, a gente não está na rua, a gente está no meio de um monte de pedra, concreto, materiais que estão ali dispostos e que tem uma série de informações que você precisa ler para entender o que aquilo ali é uma rua, que você pode protestar numa rua, não pode protestar numa rua, isso tudo é informação. E a rua é um campo simbólico também, não é só um campo físico. E esse campo simbólico, aprender que na rua você não pode, enfim, atravessar sem dar a mão para os seus pais ou que você tem que olhar para os dois lados ou que você tem que tomar cuidado com a polícia que pode, enfim, te levar preso se você andar ou você pode levar uma bala no rosto se você não está participando da manifestação, mas passou perto da manifestação leva um tiro de borracha e no rosto fica certo. São coisas que você só entende se você entender aquele espaço físico como um campo simbólico. E o videogame é isso. Outro ponto é que existe uma cultura digital que traz uma série de relações sociais que agora, por exemplo, na pandemia se torna evidente, como a violência anônima, a vigilância generalizada, o exacebamento das posições políticas, tudo isso faz parte da cultura digital. E os jogos digitais permitem que os jovens e os idosos também se envolvam com esses valores e entendam eles nas suas diversidades de uma maneira mais rica talvez que um filme, um livro pode nos trazer. E aí existe todo um preconceito atual de pessoas que não tiveram a oportunidade de jogar nas suas gerações que vão dizer que os jovens estão viciados em videogames violentos, como diz o Mourão. Então se deram atiro na escola é por causa do videogame, não por causa das nossas políticas de acesso à arma, por causa dos nossos discursos de ódio e discursos de estímulo ao uso de armas no dia a dia. Não tem nada a ver. O problema é o videogame, acaba sendo boi de piranha dentro do discurso político. Então é uma coisa que a gente precisa combater, mas a gente precisa combater esse discurso com outro discurso mais fundamentado que na esquerda, por exemplo. Então a esquerda vai falar "ah, o problema não é o videogame, o videogame não tem nada a ver com isso". Tem a ver sim, tem a ver, só que não é de maneira direta como a gente está colocando. Então a secretária, desculpa, a ministra da cultura do governo Dilma, Marta, sobre o nome dela, alguém lembra aí? Isso, a Marta Suplicy. Ela não quis aceitar a proposta de que videogames seria incluso com a possibilidade de gastar aquele vale cultura. Houve um tempo em que no Brasil as pessoas recebiam dinheiro para gastar com cultura. Houve um tempo, além do Bolsa Família, as Endi, e várias outras coisas. Mas não podia gastar com videogame, porque videogame é entretenimento, pode até desenvolver o raciocínio, que é reconhecendo algumas coisas bacanas, só que vai deixar a criança quieta, vai trazer lazer para adulto, mas não é cultura. Então essa crítica reconhece em parte os elementos importantes do videogame, mas ela não é uma crítica bem fundamentada, porque fala que não é cultura. Então o que é cultura para a Marta Suplicy? Aí tem uma contradição, um governo popular, que se dizia popular, que tinha um programa de cultura focado na alta cultura. Então é ir no balé, assistir o balé, assistir peças de teatro com peças de outros países que não tem nada a ver com a nossa cultura. Eu acho que é um problema sério que a gente precisa trabalhar. Os videogames têm uma conexão com a cultura popular e que eles precisam ser reconhecidos e lidos dessa maneira. Eles são uma forma de consumo e produção cultural legítima. Aprender a jogar é aprender cultura colocando a cultura em jogo. Então é uma maneira dinâmica trabalhar com cultura. Então para concluir minha fala, eu acredito que nós precisamos de mais pais que joguem videogame com os filhos, assim como jogam futebol, críticos de videogame que contextualizem obras, pensando o videogame como uma obra mesmo, de arte, tal como críticos de cinema fazem, ou críticos de arte de modo geral. E professores que discutam jogos, assim como discutir filmes em sala de aula, de maneira crítica. Não precisa só passar o filme e deixar ir embora, acabou algo. Não, tem que conversar sobre o filme, jogo, jogo, ou pelo menos os alunos jogarem jogo em outros momentos fora da sala de aula e conversam sobre o jogo em sala de aula. E designers, desenvolvedores, que se preocupem com densidade cultural dos seus jogos e que não coloquem os personagens ali só porque eles são parecidos com outros personagens, porque vai haver uma identidade com o jogador, porque está na moda, porque vai, enfim, estimular uma determinada tipo de público ao comprar, mas não pensar como um produto cultural tenso que pode mudar a vida das pessoas e fazer a gente repensar a nossa vida, tal como muitos jogos aí, jogos artísticos, ou os walking games, tem para o meu ouvido nos últimos anos aí. Mas eu acho que isso deve se estender a outros gêneros, na minha opinião, no futuro. Bom, gente, quem quiser me acompanhar nas redes sociais aí, Usa Belidoido, Usa Belidoido com BR, estão em todas elas. Muito obrigado até agora. Vamos, vamos ao debate.